Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 Definição ❖ Dicionário: Evacuações de fezes líquidas e abundantes. ❖ Ciência: >3evacuações/dia; >200g/dia; relação entre partículas sólidas capazes de absorver água e o total de água nas fezes. ❖ Prática clínica: Aumento do número de evacuações associado à diminuição da consistência das fezes. • Como sintoma: A diarreia pode ser descrita como a diminuição na consistência das fezes (aumento da fluidez), que causa urgência ou desconforto abdominal, ou um aumento na frequência das evacuações (>3/dia). • Como sinal: Define-se pelo aumento do tamanho ou volume de fezes medida ao longo de um período de 24 a 72 horas. Os pesos das fezes diárias de crianças e adultos são inferiores a 200g/200ml, e pesos fecais maiores constituem uma definição objetiva de diarreia; contudo essa definição exclui 20% dos sintomas diarreicos em pacientes excretando fezes moles abaixo desse peso diário. A maioria dos casos de diarreia é decorrente da alteração do transporte de líquidos e eletrólitos e pouco dependente da motilidade da musculatura lisa, Diarreia crônica: A diarreia que dura mais de 4 semanas exige avaliação para se excluir uma patologia subjacente grave. Em contraste com a aguda, a maioria das causas da D.crônica não é de origem infecciosa. A classificação da diarreia crônica pelo mecanismo fisiopatológico facilita uma conduta racional para o tratamento, embora muitas doenças causem diarreia por mais de um mecanismo. Classificação Quanto ao tempo • Aguda: Duração <2 semanas; Causa mais comum = infecção (toxinas ou bactérias). • Persistente: Duração entre 2-4 semanas. • Crônica: Duração > 4 semanas. Quanto à origem • Alta (Intestino delgado): ❖ Grande volume; ❖ Baixa frequência; ❖ Odor fétido, presença de gordura ou restos alimentares. ❖ Sugere comprometimento da absorção ou digestão de alimentos. ❖ Pode ter náuseas; ❖ Limite inferior = válvula ileocecal • Baixa (Intestino grosso): ❖ Pequeno volume; ❖ Alta frequência (>10evacuações/dia); ❖ Presença de sangue vermelho vivo e acompanhadas de puxo e tenesmo → sugerem o comprometimento do cólon distal por neoplasia ou inflamação; ❖ Raramente tem náuseas. Quanto à fisiopatologia A nível celular ocorre excesso de líquido no lúmen intestinal quando há deficiência na capacidade de transporte de eletrólitos do intestino delgado ou grosso ou quando cria-se um gradiente osmótico desfavorável (inibição da absorção de Na+ ou secreção ativa de Cl-) que não pode ser suplantado pelos mecanismos normais de absorção de eletrólitos. • Osmótica: ❖ Acontece quando solutos ingeridos, pouco absorvíveis e osmoticamente ativos, atraem líquido suficiente para o lúmen, excedendo a capacidade de reabsorção do colo. O débito hídrico fecal aumenta proporcionalmente a essa carga de soluto. ❖ Em geral, cessa com o jejum ou com a suspensão da ingestão oral do agente causador. ❖ Gap osmolar (diferença de osmolaridade fezes/sangue) alto: A osmolaridade das fezes é sempre maior até um certo limite ... se for acima de 75 já é considerado GAP aumentado. ❖ É por esse mecanismo que funciona os laxativos. Diarreia crônica 2 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 ❖ Uso de antibióticos, ingesta de carboidratos pouco absorvíveis (sorbitol, manitol), intolerância a lactose. Uma das causas mais comuns de diarreia crônica em adultos é a deficiência de lactase, que atinge 75% de não brancos no mundo inteiro. A carga total de lactose a qualquer momento influencia os sintomas apresentados. A maioria dos pacientes aprende a evitar laticínios sem precisar de tratamento com suplementos enzimáticos. • Secretora: ❖ Distúrbio no processo hidroeletrolítico pela mucosa intestinal, por meio de enterotoxinas que estimulam o aumento de secreção de íons e água para o lúmen e inibem a absorção pelas vilosidades intestinais. ❖ Pode ser causada por drogas ou toxinas. Centenas de medicamentos prescritos e adquiridos sem prescrição podem produzir diarreia. ❖ Outra causas: E.coli, Salmonella, tumor pancreático (VIPoma). Consumo crônico de etanol; ingestão inadvertida de determinadas toxinas ambientais (ex.arsênio); ressecção intestinal, doença da mucosa ou fístula enterocólica; hormônios; defeitos congênitos na absorção de íon. ❖ GAP osmolar baixo; ❖ Responsável por um grande volume de fezes aquosas, indolores e que persistem com o jejum; • Inflamatória: ❖ Causada por uma alteração inflamatória, sobretudo na mucosa e submucosa do íleo terminal e intestino grosso. O mecanismo pode ser não apenas a exsudação, mas, dependendo do local da lesão, pode incluir má absorção lipídica, redução da absorção hidroeletrolítica e hipersecreção ou hipermotilidade decorrente da liberação de outras citocinas e outros mediadores inflamatórios. ❖ Caracteriza-se por lesão e morte de enterócitos, atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas (preserva a capacidade secretória de CL-). ❖ Ocorre produção de muco, pus e/ou sangue nas fezes, com dor abdominal. ❖ Pode ter alteração laboratorial da calprotectina ou lactoferrina fecal. ❖ Causa febre e mal estar: ativação de linfócitos, fagócitos e fibroblastos, os quais liberam vários mediadores inflamatórios que induzem a secreção de cloreto intestinal. Liberação de interleucina 1 (IL-1) e do fator de necrose tumoral (TNF) no sangue. ❖ Principais causas: Doença de Crohn e retocolite ulcerativa. ❖ Com uma inflamação grave, a perda proteica exsudativa pode acarretar anasarca (edema generalizado). • Funcional ou motora: ❖ A absorção e secreção estão normais, porém não há tempo suficiente para ocorrer a absorção desses nutrientes. Ocorre por hipermotilidade intestinal. ❖ Há um aceleramento dos movimentos peristálticos. ❖ Dicas para pensar em motora: 1 – Cirurgia abdominal prévia (bariátrica, vagotomia ou gastrectomia parcial), 2 – Presença de doença sistêmica (hipertireoidismo, DM). Sempre importante pedir TSH, T4 livre e glicemia. ❖ É um diagnóstico de exclusão ❖ Exemplos: Síndrome do Intestino Irritável, diarreia diabética (neuropatia autonômica) e esclerodermia. ❖ Em geral, apresenta duração maior que 3 meses, de caráter intermitente, sem sinais de alarme (ex. perda de peso significativa) e não costumam acontecer durante a noite. • Disabsortiva (Esteatorreia): ❖ Associada a baixa absorção de lipídios no intestino delgado, podendo ser causada por uma síndrome de má absorção ou por uma síndrome de má digestão. Ex. Crohn, doença celíaca. ❖ Diarreia com fezes gordurosas, odor fétido, difíceis de escoar, frequentemente associadas à perda ponderal e deficiência nutricional decorrente da má absorção concomitante de aminoácidos e vitaminas. ❖ Em termos quantitativos, a esteatorreia é definida como um nível de gordura fecal superior à taxa normal de 7g/dia. ❖ Causas: Má digestão intraluminal, má absorção da mucosa ou obstrução linfática. 3 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 Em 25 a 50% dos casos, o histórico do paciente e o exame físico podem ser suficientes para fazer um diagnóstico definitivo. A adição de cultura e exame de fezes para povos e parasitas, a determinação da gordura fecal e a sigmoidoscopia flexível ou colonoscopia com biópsia elevam a porcentagem de diagnósticos para cerca de 75%. No caso dos 25% restantes dos pacientes com diarreia crônica talvez haja necessidade de hospitalização e de uma bateria mais extensa de testes diagnósticos. Causas de diarreia crônica: inflamação da mucosa; formação de gradiente osmótico; secreção de íons; causas iatrogênicas; má absorção de nutrientes; alteração da motilidade. De maneira geral, a diarreia resulta do somatório de mais de um desses fatores. Nota-se um grandenúmero de causas de diarreia crônica, o que dificulta o diagnóstico etiológico e exige um grande empenho médico para a sua definição. Dessa forma, uma boa história clínica, o exame físico e a realização de alguns exames laboratoriais simples são de fundamental importância para o direcionamento mais racional e produtivo na investigação diagnóstica. Abordagem do paciente Questionamentos - Anamnese ❖ Características das fezes (cor, odor e consistência); ❖ Volume e frequência das evacuações; ❖ Tempo de evolução; ❖ Febre; Presença de sangue, muco ou pus nas fezes; ❖ Padrão da diarreia (recorrente ou intermitente); ❖ Diferenciar diarreia X Incontinência fecal; ❖ Evacuações noturnas; ❖ Emagrecimento; ❖ Investigações anteriores; ❖ Associação com dor abdominal, náuseas e vômitos; ❖ Manifestações extra intestinais (sugere Doença sistêmica); ❖ Fatores agravantes e atenuantes; ❖ Determinadas exposições: Uso de medicações (atentas para os AINEs), viagens, contatos; ❖ Alteração dietética (especial atenção para alimentos da linha diet que contenham açucares não- absorvíveis – ex.sorbitol,maltitol), os quais podem desencadear flatulência e diarreia. ❖ Antecedentes pessoais e familiares. ❖ Fazer diagnóstico diferencial com SII. *SII (Síndrome do Intestino Irritável): Fatores psicossociais (estresse, ansiedade, depressão) + fatores fisiológicos (dieta rica em gordura, hiperalgesia visceral, reflexo gastrocólico exagerado). Manifestações: dor, distensão abdominal, diarreia, flatulência, melhora total ou parcial da dor após a evacuação, constipação. Critérios de ROMA IV: Presença de dor abdominal durante pelo menos 1 dia/semana nos últimos 3 meses, com início no mínimo 6 meses antes do diagnóstico, juntamente com >=2 dos seguintes: 1. Dor relacionada à defecação; 2. Dor associada a alteração na frequência da defecação; 3. Dor associada à mudança na consistência das fezes. SINAIS DE AL ARME PARA DIARREIA ORGÂNICA Idade > 70 anos; Imunodeprimido; Evolução para desidratação; Febre alta; Características inflamatórias; Mais de 06 evacuações/dia; Dor abdominal intensa em > 50 anos. Exame físico Na maioria dos casos, o exame físico é normal ou não contribui para o diagnóstico. Especial atenção deve ser dada ao estado nutricional e à hidratação. ▪ Os achados físicos podem dar indícios, como uma massa tireoídea, sibilância, sopros cardíacos, edema, hepatomegalia, massas abdominais, linfadenopatia, anormalidades mucocutâneas, fístulas perianais ou flacidez do esfíncter anal. ▪ Podem ocorrer leucocitose, elevação da taxa de sedimentação ou da proteína C reativa, que sugere inflamação; Anemia refletindo perda sanguínea ou deficiências nutricionais; ou eosinofilia, que pode ocorrer com parasitoses, neoplasia, doença vascular do colágeno, alergia ou gastrenterite eosinofílica. 4 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 ▪ A bioquímica sanguínea pode mostrar distúrbios metabólicos. ▪ A estimativa de anticorpos teciduais contra a transglutaminase pode ajudar a detectar doença celíaca. Investigação clínica Para facilitar a investigação, recomenda-se inicialmente, a divisão das diarreias crônicas em 3 grupos: a) Esteatorreia; b) Diarreia inflamatória; c) Diarreia aquosa (osmótica ou secretora); Essa divisão é baseada na história clínica, em exames laboratoriais e, principalmente, nos exames qualitativo e quantitativo das fezes. No entanto, essa divisão é acadêmica e pouco prática, uma vez que a sensibilidade e a especificidade dos exames de fezes são baixas e pacientes com diarreia osmótica pura poderão apresentar perda significativa de gordura nas fezes, exclusivamente pela aceleração do trânsito intestinal, e direcionar erroneamente a investigação do caso. • Hemograma: Afasta causas infecciosas. Poderá sugerir infecção bacteriana quando há desvios à esquerda. Infecções crônicas podem cursar, no entanto, apenas com neutrofilia (sem o desvio à esquerda). Algumas infecções podem se apresentar com neutropenia, como a salmonelose (febre tifoide), E. Coli. A eosinofilia pode estar associada a enterites eosinofílicas e a parasitoses. Anemia poderá sugerir processo crônico ou sangramento oculto. Trombocitose em portadores de DII (Crohn ou RCU) sugere doença ativa com risco de complicações tromboembólicas. • Ureia e Creatinina: Avaliação da função renal em pacientes com diarreias intensas é imprescindível, uma vez que a desidratação pode causar insuficiência renal. • Sódio e potássio séricos: A diarreia pode ser causada ou pode provocar desequilíbrios hidroeletrolíticos. • Albumina sérica: A diarreia crônica associada a má absorção pode provocar queda dos níveis séricos dessa proteína. • Se ele tiver sangue oculto nas fezes, está indicado fazer colonoscopia (se tiver CA ou DII, vai ser identificado). Se não tiver sangue oculto ou se fez uma colonoscopia branca (s/ alteração), aí a gente vai partir para outros exames. • Exame de fezes das 24 horas: ver peso das fezes, se tem gordura e osmolaridade. Aí eu tenho duas opções: GAP osmótico normal ou aumentado. GAP osmótico normal com ausência de gordura e quantidade normal: Síndrome do intestino irritável, provavelmente uma diarreia psicogênica. GAP osmótico normal e gordura nas fezes: pensar em Insuficiência pancreática ou alteração na digestão de gorduras. GAP osmótico aumentado, com gordura normal: Intolerância a lactose. GAP osmótico aumentado com gordura aumentada: é Má absorção. Volume aumentado com GAP osmótico normal: pensar em Diarreia secretória. Diferenciar diarreia de: Urgência fecal: eliminação involuntária das fezes, geralmente por distúrbios neuromusculares ou problemas estruturais anorretais, sem alteração do peso e consistência. Pseudodiarreia: eliminação frequente de pequenos volumes de fezes, geralmente com urgência, sem alteração da consistência e peso. Incontinência fecal: Incapacidade de reter as fezes. Causas de diarreia crônica Diarreia osmótica: Ingestão de eletrólitos; má absorção de carboidratos; consumo de grande quantidade de ¨poios¨ Esteatorreia: Síndromes má absortivas: doença da mucosa; intestino curto; diarreia pós-ressecção intestinal; supercrescimento bacteriano; isquemia mesentérica / Má digestão: insuficiência pancreática; redução dos sais biliares. Diarreia inflamatória: Doença inflamatória intestinal: Doença de Crohn; retocolite ulcerativa; colite linfocítica; colite colágena; Jejunoileíte ulcerativa; diverticulite. Doenças infecciosas: Colite pseudomembranosa; infecções por bactérias invasivas (tuberculose, 5 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 yersinose) / infecções virais (CMV; hespes simples) / Infestação por protozoários (ameba; giárdia). Colite isquêmica; enterocolite actínica; vasculites; Medicamentosa; Doença de Addison Neoplasias: Cólon; linfoma Diarreias secretoras: abuso de laxativos; síndromes congênitas; toxinas bacterianas; má absorção de sais biliares Dismotilidade: Diarreia pós vagotomia, simpatectomia; neuropatia diabética; hipertireoidismo; síndrome do intestino irritável Tumores neuroendócrinos: gastrinoma; VIPoma; somatostatinoma; mastocitose; síndrome carcinóide; carcinoma medular da tireóide. Exames laboratoriais iniciais • Hemograma; • Alfa-1 glicoproteína ácida; • Proteína C reativa; • TSH ultrassensível; • Glicemia de jejum; • Dosagem de imunoglobulinas; • Antiendomísio; • Enzimas hepáticas; • Sorologia para HIV; • ELISA nas fezes para pesquisa de giárdia; • Parasitológico de fezes. Se exames normais, cogitas doença funcional ou síndrome do intestino irritável!! Exames complementares Não existe qualquer exame complementar que isoladamente permite determinar a baseorgânica ou funcional de uma diarreia em pacientes adultos. A solicitação de exames deverá ser criteriosa e sempre orientada pelos resultados da anamnese e do exame físico do paciente. Deve-se investigar a etiologia da diarreia quando o paciente apresenta sinais de hipovolemia, toxemia, distensão abdominal importante, diminuição de ruídos hidroaéreos ou na dor iminente. • Diarreia Aguda: Geralmente é autolimitada, sem maiores intercorrências. Não é necessário a realização de exames complementares. Solicitação de exame de fezes. • Diarreia crônica: Além do exame de fezes, pode- se fazer exame parasitológico, retossigmoidoscopia com biópsia, enema opaco e colonoscopia. Os exames laboratoriais incluem: Exame de fezes: identificação da presença de leucócitos (piócitos), usando o corante de Wright, que, quando presentes, indicam infecção da mucosa intestinal, especialmente Shigella, salmonela, Cmapylobacter, Yersina e vibriões; presença de sangue oculto nas fezes; coprocultura. Exame protoparasitológico: muito importante para exclusão da presença de parasitoses intestinais. Testes químicos: fezes alcalinizadas poderão resultar da presença de fenolftaleína nas fezes por pacientes que abusam deste laxante ou consomem produtos para emagrecer; fezes acidificadas quando o pH se encontra abaixo de 5,3, como em casos de diarreia secundária a má absorção de glicose. Os exames endoscópicos incluem retossigmoidoscopia ou sigmoidoscopia com aparelho flexível, que poderão ser importantes para o diagnóstico do abuso de laxantes, evidenciando a melanose cólica que é oservada com o uso excessivo de catárticos antracênicos. O estudo radiológico de valor no estudo de pacientes com diarreia baseia-se na avaliação do trânsito intestinal, enema opaco, tomografia abdominal, arteriografia mesentérica. Tratamento O tratamento deve ser direcionado para a condição subjacente, quando possível. Quando a causa ou o 6 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 mecanismo específico não é elucidado, a terapêutica empírica pode ser benéfica. Não medicamentoso É baseado em mudança da dieta (diminuir ingesta de alimentos ricos em fibras e gorduras e aumentar alimentos de fácil digestão (sopa, chá, cream- cracker, arroz e frutas) e hidratação (principalmente nos extremos de idade, onde o risco de desidratação é maior). É preferível a reidratação oral com soluções que já vem prontas (Pedyalite, da OMS) ou a caseira (1L de água filtrada + 1 colher de café de sal + 1 colher de sopa de açúcar -> isso porque a glicose é absorvida em sua maioria, junto com o sódio, então ele estimula a absorção de glicose e, consequentemente, do sódio, que puxa água), mas pode ser feita com Ringer Lactato intravenoso em casos de impossibilidade da via oral. Medicamentoso • Antidiarreicos: Somente em casos de diarreia não inflamatória. Racecadotril, loperamida, subsalicilato de bismuto. • A loperamida, ou uso de opiáceos (morfina, codeína..), é a melhor opção para o tratamento sintomático, já o octreotide e a clonidina (benefício na diarreia por neuropatia diabética) têm uso descrito em diarreia inespecífica. O efeito adverso é a constipação, por isso seu benefício. • Probióticos: Ajuda a reestabelecer a microbiota normal, estimula liberação de IgA e metabolização de fibras. Mas tem benefício duvidoso, parecendo haver resultados em pacientes com colite pseudomembranosa. • Em locais endêmicos para parasitoses ou para diarreia infecciosa bacteriana pode ser tentada antibioticoterapia empírica (Fluoroquinolona ou ciprofloxacina) ou antiparasitários. • Em pacientes com diarreia crônica e HIV, uma hipótese sempre a ser considerada é diarreia pelas medicações. Os testes investigativos devem ser realizados, mas terapia empírica não é benéfica e os pacientes com infecções oportunistas frequentemente melhoram com a recuperação da imunidade. • Em pacientes em que o diagnóstico não se torna claro, o tratamento sintomático com agentes anti- motilidade é possivelmente benéfico. Morfofisiologia Anatomia • Tubo digestivo: Boca, faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus. • Órgãos anexos: Glândulas salivares, fígado, pâncreas, vesícula biliar. • Intestino delgado: dividido em três partes: duodeno, jejuno e íleo. O duodeno (superior, descendente, inferior e ascendente) é a 1º parte do ID, têm o formato de C e abraça a cabeça do pâncreas. • Intestino grosso: dividido em quatro partes: ceco, cólon (ascendente, transverso, descendente e sigmóide), reto e ânus, Ângulo de Treitz: Flexura entre o duodeno e o jejuno. Hemorragia digestiva alta (HDA) ❖ Sangramentos que se originam antes do ângulo de Treitz (mais usada) OU em esôfago, estômago, duodeno ou tudo que se consegue alcançar com a endoscopia digestiva alta – até a 2º porção do duodeno (nova classificação). Hemorragia digestiva baixa (HDB) ❖ Sangramentos que se originam depois do ângulo de Treitz OU em cólon, reto e ânus. É o que eu não consigo acessar com a endoscopia digestiva alta. Quadrantes: Superior direito, superior esquerdo, inferior direito e inferior esquerdo. Partes: Hipocôndrio esquerdo, epigástrio, hipocôndrio direito, flanco esquerdo, mesogástrio, flanco direito, fossa ilíaca esquerda, hipogástrio e fossa ilíaca direita. Essa divisão é importante principalmente para localização de dores abdominais e associação com estruturas da região. 7 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 A expressão ¨Doença Intestinal Inflamatória¨(DII) aplica-se a duas doenças intestinais crônicas e idiopáticas: a Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU). A DC e a RCU são doenças crônicas de etiologia desconhecida que compartilham muitas características epidemiológicas, clínicas e terapêuticas, mas que também possuem importantes diferenças. Tem-se tentado implicar diversos fatores ambientais no desenvolvimento das DII, como infecção por micobactérias atípicas, dietas ricas em açúcar e maior consumo de gordura poli-insaturadas. O que se sabe de concreto acerca da gênese dessas doenças é que sem dúvida existe um distúrbio na regulação da imunidade da mucosa intestinal, que justifica o surgimento de um processo inflamatório espontâneo provavelmente direcionado contra os germes da microbiota fisiológica. O principal fator de risco comprovado para ambas as DII é uma história familiar positiva (presente em 10- 25% dos pacientes). Atualmente, parece haver uma discreta predominância da RCU em homens, ao passo que na DC haveria um maior número de casos em mulheres. Ambas são mais comuns na população branca, especialmente nos judeus. São descritos dois picos de incidência: entre 15-40 anos (principal) e entre 50-80 anos. Um importante marcador genético foi descrito: o gene NOD2/CARD15, que se encontra fortemente associado à DC. A diferenciação entre RCU e DC é feita por critérios clínicos, radiológicos, endoscópicos e histológicos. É importante salientar que em 10-20% dos casos não é possível, pelo menos num primeiro momento, classificar o paciente como DC ou RCU. Tais indivíduos são classificados como portadores de ¨colite indeterminada¨. Anatomopatologia: RCU 1. A RCU é uma doença EXCLUSIVA do Cólon; 2. A RCU é uma doença EXCLUSIVA da mucosa; 3. A RCU é tipicamente ¨ascendente¨ e uniforme; A RCU é uma doença intestinal caracterizada pelo surgimento inexplicado (idiopático) de lesões inflamatórias que ascendem de maneira uniforme (homogênea) pela mucosa do cólon. Importante: A RCU não lesa o íleo – esta entidade deve ser considerada como complicação de uma colite grave, ocorrendo em função da passagem de material tóxico do cólon inflamado para o íleo distal. O aspecto macroscópicoda mucosa colônica varia desde o normal até o completo desnudamento: a) Desaparecimento do padrão vascular típico do cólon (precoce); b) Hiperemia, edema, mucosa friável, erosões, ulcerações e exsudação de muco, pus ou sangue; c) Formação de Pseudopólipos: 15-30% dos casos; d) Mucosa pálida, atrófica, com aspecto tubular (cronicidade). As alterações da RCU ocorrem de forma uniforme e contínua, sem áreas de mucosa normal entremeadas. A demarcação entre as áreas acometidas da mucosa pela doença e as áreas saudáveis são facilmente vistas na endoscopia. Na RCU de longa evolução, são comuns alterações da musculatura colônica, que, ao exame radiológico, se mostram com: 1. Perda de haustrações 2. Espessamento da musculatura lisa com aspecto de ¨cano de chumbo¨ Com o tratamento, a recuperação tipicamente começa pela extremidade mais proximal (perto do delgado), sendo o reto o último segmento a apresentar melhora. Anatomopatologia: DC • Pode acometer qualquer parte do tubo digestivo, desde a boca até o ânus (A RCU acomete somente o cólon, principalmente suas porções mais distais). Doenças Intestinais Inflamatórias 8 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 • Não acomete o TGI de forma homogênea, contínua. Este fato, associado às recidivas após ressecções segmentares, sugere que alterações sutis da mucosa estejam presentes ao longo de todo o TGI dos portadores desta condição. • Acometimento descontínua e focal. Pode haver comprometimento macroscópico em diferentes locais ao mesmo tempo, isto é, separados por trechos de mucosa normal (¨lesões salteadas¨). • As alterações patológicas inflamatórias são tipicamente transmurais (na RCU estas alterações estão tipicamente restritas à mucosa). Isso explica o espessamento da parede intestinal, com estreitamento do lúmen (formação de estenoses), e também explica a potencialidade para formação de fístulas para o mesentério e órgãos contíguos. A DC geralmente se inicia com a formação das úlceras aftoides; pequenas ulcerações da mucosa que caracteristicamente se desenvolvem sobre as Placas de Peyer, no intestino delgado, ou sobre aglomerados linfoides no cólon. Na DC os aglomerados linfoides são comuns em todas as camadas da mucosa, submucosa e serosa. Aglomerados típicos, compostos por histiócitos, são vistos na biópsia de 50% dos pacientes. Granulomas não caseosos, semelhantes aos da sarcoidose, podem ser encontrados em até 30% dos casos de DC. Achados de biópsia, pouco sensíveis, não imprescindíveis para diferenciação, porém ... sua presença constitui achado patognomônico, desde que sejam excluídas outras afecções granulomatosas como tuberculose, sarcoidose... Do ponto de vista macroscópico, a porção distal do íleo e o cólon ascendente são os mais comprometidos (ileocolite, presente em 70-75% dos casos), mas outros padrões de lesão são reconhecidos. Principais critérios para diferenciação entre RCU E DC • Localização do acometimento (difuso, colônico limitado, etc) • Padrão de acometimento da mucosa (contínuo, salteado, etc) • Envolvimento ou não de planos profundos na parede intestinal; • Envolvimento do canal anal (exclusivo da DC); • Presença de granulomas não caseosos; • Presença de fístulas. 1/3 dos pacientes com DC tem doença perianal (fístulas, fissuras, abcessos). Manifestações clínicas RCU • Geralmente se apresenta como episódios de diarreia invasiva (sangue, muco e pus), que variam de intensidade e duração e são intercalados por períodos assintomáticos. • Principais sintomas: diarreia sanguinolenta e dor abdominal, acompanhada muitas vezes de febre e sintomas gerais nos casos mais graves. Na maior parte das vezes, o início dos sintomas é insidioso (o diagnóstico é feito em média após 9 meses do início do quadro), com: 1. Crescente urgência para defecar (refletindo a diminuição da complacência do reto inflamado; 2. Leves cólicas abdominais baixas; 3. Aparecimento de sangue e muco nas fezes. A presença de sangue misturado às fezes é quase que universal na RCU. Menos comumente, a RCU tem início agudo e fulminante, com diarreia violenta e súbita, síndrome febril e toxemia. ▪ Processo confinado ao retossigmoide → fezes normais ou endurecidas, podendo haver constipação. Quando a inflamação se restringe ao lado esquerdo do cólon, ocorre um alentecimento na peristalse do cólon direito, o que explicaria a constipação. ▪ Processo mais difuso → forma mais proximal. As fezes tornam-se amolecidas, e sobrevém diarreia, cólicas intensar e tenesmo. Geralmente não há pausa 9 Beatriz Machado de Almeida Tutoria – Diarreia – Caso 1 à noite, as fezes são pastosas ou líquido-pastosas e costumam conter sangue, muco e pus. A anormalidade mais comum é a anemia ferropriva por perda crônica de sangue. Nas colites extensas pode haver hipoalbuminemia devido à perda de proteína por exsudação a partir de um cólon inflamado. Em pacientes ¨mais inflamados sistemicamente¨ costuma haver leucocitose com desvio. Manifestações clínicas: CROHN As características clínicas mais comuns da doença de Crohn são as de uma ileocolite: 1. Diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal; 2. Sintomas gerais como febre, anorexia e perda de peso; 3. Massa palpável no quadrante inferior direito: pode representar uma alça intestinal edemaciada, de diâmetro bastante aumentado, geralmente dolorosa à palpação, ou um abscesso intra-abdominal. 4. Doença perianal. Evidentemente, os sintomas da DC variam em função de sua localização no trato gastrointestinal: (a) As manifestações de uma colite de Crohn são muito semelhantes às da colite ulcerativa (RCU); (b) O acometimento extenso e crônico do intestino delgado geralmente cursa com síndrome disabsortiva grave, seguida por desnutrição e debilidade crônica; (c) A DC gastroduodenal imita a doença ulcerosa péptica. As manifestações extra intestinais da DC são semelhantes às da RCU e tendem a ser mais frequentes nos pacientes com comprometimento colônico. Complicações das DII • Sangramentos: a pesquisa de sangue oculto é geralmente positiva em pacientes com DC, mas sangramentos macroscópicos (hematoquezia) são muito mais frequentes na RCU do que na DC. • Megacólon tóxico/Perfuração/Peritonite; • Estenoses; • Fístulas; • Câncer; Como confirmar o diagnóstico da RCU: A retossigmoideoscopia com biópsia é o exame de escolha. Como confirmar o diagnóstico da DC: A Ileocolonoscopia com biópsias é o exame de escolha.
Compartilhar