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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA Ana Claudia Kapp Titski E d u ca çã o H IS T Ó R IA D A E D U C A Ç Ã O F ÍS IC A A na C la ud ia K ap p T its ki Curitiba 2019 Historia da Educacao Física ó çã Ana Claudia Kapp Titski Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. T621h Titski, Ana Claudia Kapp História da educação física/ Ana Claudia Kapp Titski. – Curitiba: Fael, 2019. 223 p.: il. ISBN 978-85-5337-058-0 1. Educação física - História I. Título CDD 796.409 8 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Belenos Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física | 7 2. Educação Física e educação do corpo | 31 3. Desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil | 45 4. Fundamentos da Educação Física Brasileira: os sistemas ginásticos | 67 5. Educação Física: os esportes e a compreensão da cultura humana | 91 6. História do movimento olímpico | 115 7. Período Republicano: estudo da Educação Física e dos esportes | 131 8. História da Educação Física escolar | 147 9. A Educação Física e a inclusão ao longo da história | 157 10. O desenvolvimento histórico da Educação Física como campo de estudo e pesquisa | 171 Gabarito | 185 Referências | 203 Prezado(a) aluno(a), História da Educação Física é uma das disciplinas-base para o entendimento da rota histórica do movimento, que está relacio- nado à evolução cultural dos povos e acompanha as alterações nos sistemas políticos, sociais, econômicos e científicos vigen- tes em cada época. Além disso, a história da Educação Física tem relação com as ciências que estudam o passado e o presente das atividades humanas e a sua evolução. Nessa obra são apre- sentados os principais assuntos decorrentes dessa trajetória. Os conteúdos são apresentados de maneira clara, a fim de auxiliá-lo no processo de aprendizagem e aplicação prática dessa matéria. Espero que você tenha uma excelente leitura e bons estudos! Carta ao Aluno 1 Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física Iniciaremos o estudo da Educação Física apresentando sua trajetória histórica no decorrer dos anos, do período pré-histó- rico ao renascimento. Considerando que o desenvolvimento da Educação Física está relacionado à evolução cultural dos povos, dessa forma, acompanha e é influenciada pelas alterações nos sistemas políticos, sociais, econômicos e científicos vigentes em cada momento histórico. Além disso, a história da Educação Física tem relação com as ciências que estudam o passado e o presente das atividades humanas e a sua evolução. História da Educação Física – 8 – O homem desempenhou, em todas as fases da história, um papel importante, em que se propõe a investigar a origem e o desenvolvimento progressivo de suas atividades físicas, através do tempo, sua importância, as causas do seu auge e da sua decadência. Em cada fase histórica, o movi- mento está presente, tanto para a sustentação e locomoção quanto como meio de desenvolvimento e competição, de acordo com as circunstâncias de cada período. Nesse primeiro capítulo, você vai compreender que, embora os obje- tivos dos exercícios físicos variem de acordo com as circunstâncias de cada época, os jogos, as danças e os esportes sempre fizeram parte da vida do homem. 1.1 Exercícios físicos e civilizações pré-históricas A Pré-História é o período que antecede a invenção da escrita, desde o começo dos tempos históricos, com o surgimento da vida na Terra e a evolução da espécie humana. A fim de analisar o movimento e as ativi- dades físicas, os estudiosos reconstituíram esse período com fontes não escritas, como os vestígios de pinturas, desenhos nas rochas, objetos rudi- mentares, entre outros. Além disso, a escassez de documentos faz com que os pesquisadores se apossem dos diversificados campos de conhecimento para tentar promover a retomada das primeiras ações do homem na Terra. Figura 1.1 – Desenho nas cavernas Fonte: Shutterstock.com/Dmitry Pichugin. – 9 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física De acordo com Ramos (1982, p. 15), as principais preocupações do homem pré-histórico eram atacar e se defender na luta pela sobrevi- vência. Ou seja, as atividades humanas dependiam do movimento, como saltar, lançar, correr, pular, entre outros. Com o aprimoramento dos movi- mentos, as capacidades físicas como força, velocidade e agilidade tam- bém foram desenvolvidas. Na Pré-História, as atividades físicas tinham caráter natural (ati- vidade física como meio de sobrevivência), utilitária (atividade física passa a ser intencional para aprimoramento da técnica), guerreira (ati- vidade física como preparação para aumentar a segurança, por exemplo, quando os povos nômades atacam os povos sedentários com a intenção de apossarem-se dos seus estoques de comida), recreativa (momentos de lazer), religiosa ou ritualística (expressavam seus sentimentos por meio da dança, pois percebiam que o exercício corporal produzia uma excitação interior, acreditando estarem entrando em contato com os deuses). Figura 1.2 – Homem na Pré-História Fonte: Shutterstock.com/ Leeloona. De acordo com os historiadores, esse período foi de extrema impor- tância para o desenvolvimento das habilidades motoras do ser humano pois, nessa fase, foi possível vencer as barreiras que eram impostas pela natureza, além de melhorar sua biomorfologia e sua musculatura. Nessa época, as danças e as lutas também já estavam presentes em seu cotidiano, fazendo com que a atividade muscular se adaptasse às novas condições que eram impostas. História da Educação Física – 10 – Uma das formas do homem se expressar e demonstrar suas qualida- des físicas por meio do movimento era com a dança. Segundo Oliveira (1983, p. 48), a dança primitiva poderia apresentar um caráter lúdico, bem como um caráter ritualístico, com diversas demonstrações de felicidade pela caça ou pesca, ou para dramatização de qualquer acontecimento que merecesse algum destaque, como nascimentos e funerais. Os homens pré- -históricos observaram que tais movimentos produziam uma determinada excitação interior, com interação dos sentimentos e do corpo físico. Esses ritos e danças também tinham como objetivo preparar os jovens para a vida social, representando uma fundamentação no processo da Educação. Vale lembrar que o homem pré-histórico apresentava um caráter nômade, sem habitação fixa, percorrendo grandes caminhadas nas quais eram obrigados a lutar, correr, saltar e nadar. Sendo assim, os homens pré-históricos conquistaram cada vez mais as capacidades essenciais para sobrevivência, e seu vigor físico foi importante para que conquistassem o próximo passo da sua escala de evolução: o sedentarismo. O maior domínio das técnicas nas atividades da agricultura e da domesticação de animais fez com que o homem adquirisse um estilo de vida sedentário, pois a habitação fixa tornou-se uma necessidade. Segundo Oliveira (1983, p. 14): Em qualquer desses momentos, se fez necessário o aprimoramento das habilidades físicas para a otimização de gestos e a construção de ferramentas que possibilitassem maior sucesso nas práticas de sobrevivência. A partir do instante em que o homem se sedentariza, podemos registrar o início da luta pela posse de terras. Nesse momento histórico, registra-se o início da luta pela terra. É claro que, nesse período, a fixação no solo não ocorreu de forma similar em todos os lugares. Dessa forma,povos nômades e sedentários travavam as primei- ras batalhas pela posse da terra. Em um primeiro momento, os povos nôma- des, que apresentavam maior vigor físico devido às atividades mais inten- sas, obtinham a vitória. Tempos depois, os sedentários, em seus momentos de ócio, realizavam um treinamento visando o sucesso em novos possíveis ataques. É importante ressaltar que nesse período também ocorreu a divisão do trabalho pelo sexo. Enquanto os homens iam para a caça e protegiam a família, as mulheres ficavam encarregadas de criar os filhos. – 11 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física Figura 1.3 – Mulher pré-histórica cuidando de seu filho Fonte: Shutterstock.com/Esteban De Armas. Com o passar dos anos, a sedentarização aumenta progressivamente devido à ociosidade, pois os homens já apresentavam domínio total das atividades diárias que eram exigidas. Nesse período, surge uma concep- ção esportiva para as atividades que eram praticadas por razões utilitárias, guerreiras e ritualísticas. Nesse último momento da Pré-História, os instrumentos de pedra são substituídos pelo metal. Assim, ocorre o início da formação das socieda- des, com maior consciência das atitudes, maior laço de família, formação das cidades e dos Estados, e com maior atividade de jogos, dança, marcha, corrida, saltos, lutas, remo e nado. 1.2 Exercícios físicos na Antiguidade Clássica e Idade Média A expressão Antiguidade Clássica refere-se ao período que com- preende o surgimento da poesia grega de Homero, aproximadamente no século VIII a.C., até a queda do Império Romano do Ocidente, no século V d.C., mais precisamente no ano 476. Nessa época deu-se o desenvolvi- mento das duas principais civilizações: Grécia e Roma. História da Educação Física – 12 – 1.2.1 Grécia Segundo Ramos (1982), as coisas belas e grandiosas na civilização ocidental tinham seus fundamentos no helenismo, inclusive os exercícios físicos, sendo que a exercitação do corpo constituía um meio para a forma- ção do espírito e da moral. O Período Helenístico, que do grego significa “viver com os gregos”, se refere à época histórica compreendida entre a morte de Alexandre o Grande (em 323 a.C.) e a anexação da península grega e ilhas por Roma (em 146 a.C.). Esse período, de modo geral, repre- sentou a concretização de um ideal de Alexandre o Grande: difundir e levar a cultura grega aos territórios que conquistava. Sendo assim, o hele- nismo marcou um período de transição para o domínio de Roma. Foi nessa época também que houve um grande avanço da ciência. No decorrer da sua história, os gregos (também chamados de helenos), foram os respon- sáveis por diversas práticas políticas, conceitos estéticos e outras normas que ainda estão presentes nas sociedades ocidentais contemporâneas. Quando estudamos a Grécia Antiga, podemos observar que houve um grande aumento de cidades guerreiras, nas quais a população era formada para ter uma índole forte e um corpo guerreiro, devido às guerras entre as diversas tribos que habitavam o seu território. Porém, não podemos esque- cer que essa população também tinha como atividade diária a prática da agricultura em uma região acidentada, cultivada com o mínimo auxílio de animais e utensílios agrícolas, sendo que o uso da força era predominante, o que proporcionava um biótipo de homem apto para realizar as atividades que lhe eram propostas. Os dois pilares da Grécia foram os jônios em Atenas e os dórios em Esparta. Em Atenas, a educação corporal ocupava um lugar de evidência, com padrões de eficiência educacional, fisiológica, terapêutica e estética, ajustados de acordo com as limitações da época, sendo que a principal pre- ocupação era com a formação integral dos indivíduos. Dessa forma, a edu- cação corporal tinha lugar de destaque na formação do cidadão, desde a infância até a idade adulta. Celestino Marques Pereira (apud Ramos, 1982, p. 103) coloca que “os atenienses tornaram antigos mais de vinte sécu- los certos conceitos pedagógicos e didáticos, que hoje se preconizam na educação física das novas gerações. Em determinados aspectos didáticos, estamos ainda longe de ter alcançado o alto nível das realizações gregas”. – 13 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física Os filósofos gregos procuravam explicar o homem de forma dual, aliando o corpo e a mente, sendo que para eles os exercícios físicos eram muito importantes, tanto para a beleza física como para a formação do caráter. Em seus estudos, os filósofos se baseavam na visão do homem for- mada pela junção do corpo e do espírito, atribuindo a relevância às diver- sas modalidades de atividades físicas. A filosofia pedagógica que norteia a educação grega sempre teve como objetivo não divorciar os elementos intelectuais dos corporais. Em Atenas, no século VI a.C., os cidadãos preocupavam-se com a for- mação do jovem aristocrata, sendo que a preparação guerreira estava em segundo plano. A ginástica era praticada como uma iniciação ao desporto, e a vitória nos jogos constituía um dos mais altos valores na época. Além disso, a Educação Física para o povo ateniense objetivava a formação do caráter, a educação moral e estética. Segundo Luzuriaga (1990, p. 40), [...] compreender tanto o cultivo do corpo, a beleza física, com o sentido moral e social. Ambos os aspectos predominam aqui sobre o intelecto e o técnico. Os jogos e esportes, o canto e a poesia, são instrumentos essenciais dessa educação, de tipo ainda minoritário, embora com espírito cívico e, em certo sentido, democrático, por ser patrimônio de todos os homens livres. No entanto, enquanto Atenas consolidou o Estado de Direito, Esparta se preocupou com o Estado de Dever. Em Esparta (Dórios), o objetivo principal era o interesse coletivo, sendo que os exercícios apresentavam maior característica guerreira, visando sempre a preparação militar e a disciplina cívica. Ao contrário de Atenas, em Esparta não havia diferenças entre homens e mulheres, pois todos tinham a mesma preparação física, sempre pensando na preparação para a guerra. Essa preparação era tão rígida e tão importante que, a partir dos sete anos, os meninos eram entregues ao Estado e aos doze executavam exercícios militares. Segundo Jaerger (1995, p. 160), a educação espartana propunha que: a ama, a mãe, o pai, o pedagogo rivalizam na formação da criança, quando lhe ensinam e lhe mostram o que é justo e injusto, belo e feio. Como um tronco retorcido, buscam endireitá-la com ameaças e castigos. Depois vai à escola e aprende a ordem, bem como o conhecimento da leitura, da escrita, e o manejo da lira [...] mais História da Educação Física – 14 – tarde o jovem é levado à escola de ginástica, onde os pedótribas lhe fortalecem o corpo, para que seja servo fiel de um espírito vigoroso e para que nunca fracasse na vida por culpa da debilidade do corpo. O mesmo autor ainda apresenta os objetivos das práticas físicas da época, como “a finalidade da ginástica pela qual se devem reger em deta- lhes os exercícios físicos, não é alcançar a força física de um atleta, mas desenvolver a coragem de um guerreiro” (JAEGER, 1995, p. 550). Vale ressaltar que a palavra vem do grego “Gymnastiké”, que significa a arte de fortificar o corpo e dar-lhe agilidade. Essa terminologia foi uma das primeiras utilizadas nos primórdios antes de se utilizar a nomenclatura Educação Física. A partir dos sete anos, a criança de Esparta era um cidadão que per- tencia ao Estado e era orientada por um “professor” especial (paidonó- mos). Agrupadas em classes, deveriam seguir um programa rigoroso do Estado, que tinha como objetivo a formação de um bom soldado. Dessa forma, as atividades de corrida, lançamento de disco e dardo, considera- das fundamentais para a formação do indivíduo, deveriam ser praticadas rigorosamente. Além disso, comobuscavam a formação de um cidadão ágil e forte, as crianças também passavam por privações (fome, dor e cansaço) e ficavam expostas ao frio e o calor. É importante ressaltar que as meninas e os meninos praticavam as mesmas atividades, pois para as futuras mulheres o objetivo era “torná-las fortes capazes de procriar filhos vigorosos e robustos” (JARDÉ, 1977, p. 209), tendo em vista que um corpo forte geraria crianças fortes. Parte da formação do cidadão residia no processo de purificação do espírito, vigente na ideia de que não era possível a perfeição sem a beleza do corpo. (...) Não há educação sem o esporte, não há beleza sem esporte, apenas o homem educado fisicamente é verdadeiramente educado e por- tanto belo” (RUBIO, 2002, p. 13). Nessa época, cada homem tinha uma forte ligação com a família. Suas lutas, conquistas ou derrotas eram compartilhadas por seu grupo familiar ou “linhagem” a que o guerreiro pertencia. Sendo assim, as vitó- rias nas lutas eram comemoradas com festas que normalmente envolviam algumas atividades (jogos) que tinham o objetivo de provar a destreza e a habilidade dos participantes, como as corridas a pé e os combates com lan- – 15 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física ças e, com frequência, os mais destacados entre os homens faziam questão de participar dessas provas e demonstrar suas potencialidades atléticas. Nos poemas de Homero, são citados guerreiros como Agamenon, Ulisses, Heitor e Aquiles, vistos pela população como heróis e semideuses. Figura 1.4 – Combates na Grécia Antiga Fonte: Shutterstock.com/matrioshka. No início da civilização grega, os exercícios eram realizados ao ar livre e, com o passar dos tempos, foram surgindo instalações próprias para os treinamentos e competições. Dessa forma, os exercícios foram se apri- morando, até o surgimento dos Jogos Olímpicos, celebrados de quatro em quatro anos em Olímpia, a partir de 776 a.C. (assunto que veremos melhor no capítulo 6). Esses jogos, considerados um festival de competições, eram os mais importantes e disputados em honra de Zeus, rei dos deuses, e incluíam provas de diversas modalidades esportivas, como corridas, sal- tos, arremessos de disco e lutas corporais. Além dos jogos, também havia disputa musical e poética. Os Jogos Olímpicos eram anunciados a toda população grega dez meses antes da sua realização. Esse evento tinha tamanha importância, que os gregos chegaram a interromper guerras entre as cidades para não História da Educação Física – 16 – prejudicar a realização dos jogos. Contudo, as mulheres eram proibidas de participar, tanto como esportistas quanto como espectadoras. Os Jogos Olímpicos foram realizados 293 vezes, e o prêmio aos vencedores era um ramo de oliveira. Figura 1.5 – Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga Fonte: Shutterstock.com/Lefteris Papaulakis. Nessa época, grandes filósofos atribuíram importância à atividade física entre os gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates (488- 399 a.C.) acreditava que a educação tem por objetivo evitar o erro e des- cobrir a verdade, e no seu pensamento está o ponto inicial da cultura oci- dental: “Depois da música, é pela ginástica que se deve educar os jovens” (PLATÃO apud PEREIRA, 2001, p. 141). Suas ideias foram disseminadas por Platão (429-347 a.C.), considerado um dos maiores educadores da humanidade e, em todos os seus escritos, há diversas colocações sobre os exercícios físicos. Para Platão, “todo indivíduo tem necessidade de sal- tar e brincar, e é portador de um ritmo que produz a dança e o canto” (PAVIANI, 2011, p. 5). Platão, por sua vez, foi mestre de Aristóteles (389- 332 a.C.), que apresentava conceitos sobre beleza moral e prática de exer- cícios físicos, e acreditava que a ciência da ginástica deveria investigar quais os exercícios que são mais úteis ao corpo. Durante o treinamento grego, os atletas não treinavam somente os movimentos específicos de suas modalidades, pelo contrário, utilizavam os exercícios gerais para a sua preparação, como corridas, saltos, levanta- – 17 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física mento de peso, danças e lutas (RAMOS, 1982). Além disso, os exercícios eram considerados meios de formação integral do cidadão grego, sendo essenciais para prevenir doenças, fornecer um corpo esbelto e uma mente sadia. Vale lembrar que, nessa época, nem todos os indivíduos eram consi- derados “cidadãos”, sendo que os exercícios não eram praticados por todos. 1.2.2 Roma “Mens Sana in Corpore Sano”. Quase todos nós conhecemos essa expressão de origem romana, que significa: “Uma mente sã, em um corpo sadio”, que nos remete à ideia da necessidade de se cultivar o físico e o intelecto saudáveis. Essa frase foi criada pelo poeta romano Juvènal, que afirma que a saúde física e mental deve ser pedida aos deuses, a fim de se ter uma vida longa. Com o passar dos anos, essa frase se tornou um lema romano, pela prática dos esportes. A Roma Antiga foi uma civilização que surgiu no século VII a.C., localizada no Mar Mediterrâneo e centrada na cidade de Roma, na Penín- sula Itálica. Durante seus doze séculos de existência, Roma passou de monarquia para república clássica e, logo após, para império, cada vez mais autocrático. No início, quando ainda era uma Cidade-Estado, no período de república, a prática do esporte tinha o objetivo apenas de treinamento militar para cidadãos jovens. Na cidade de Roma, havia um espaço intitulado Campo de Marte, onde os jovens podiam exercitar-se no arco, equitação e esgrima. Entretanto, o esporte ainda não fazia parte da formação da criança e do jovem, apesar de as atividades físicas vigorosas estarem sempre presentes nos grupos de pequenos agricultores, nas ativi- dades diárias de semeio, cultivo e colheita. Após a conquista dos territórios na Grécia, no século II a.C., e com maior contato com a civilização grega, inicia-se em Roma uma valoriza- ção do esporte, bem como do teatro, da filosofia e das artes. A partir dessa época, os nobres de Roma constroem espaços privados para a prática da ginástica e do atletismo. Somente em 186 a.C. aconteceram os primeiros jogos públicos, com as seguintes modalidades: corrida, luta livre (wres- tling – hoje conhecida como luta greco-romana), pugilismo (boxe), pen- tatlo (que abrangia as modalidades de salto em distância, corrida, lança- História da Educação Física – 18 – mento de disco, lançamento de dardo e luta livre) e pancration (que pode ser comparado ao nosso vale-tudo) (MACHADO, 2010, p. 20). Vários locais foram desenvolvidos para jogos públicos, entre eles o Coliseu, construído para sediar, entre outros eventos, combates de gladia- dores. Os combates começaram como jogos fúnebres por volta do século IV a.C. e se tornaram eventos populares no final da república e do império, sendo que os gladiadores deveriam lutar até a morte ou com uma vitória que dependia da decisão de um árbitro. O resultado era geralmente de acordo com o humor da multidão que assistia ao duelo. Além dos duelos, o Coliseu também era palco de apresentações aquáticas, que representavam batalhas navais. Figura 1.6 – O Coliseu, em Roma Fonte: Shutterstock.com/ Maxx-Studio. No final da república e no início da monarquia, as termas ou banhos públicos começaram a proporcionar a prática de exercícios físicos, ocasio- nando o início da natação. Além disso, nas termas também havia espaços para jogos com bola, chamados de sphaerista. Os jogos foram utilizados pelos imperadores romanos para controle das massas, em conjunto com a distribuição gratuita de alimentos, o que originou a expressão “pão e circo”, criada pelo poeta Juvènal: Já por muito tempo, desde quando nós não vendíamos o nosso voto para apenas uma pessoa, o Povo Romano tem abdicado de nossos – 19 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivoe finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física deveres; pois o Povo, que uma vez distribuía os comandos milita- res, os altos cargos públicos, as legiões, enfim, tudo, agora se auto- -restringe e ansiosamente espera somente duas coisas: pão e circo (JUVÈNAL, 1950, p. 77). 1.2.3 Idade Média A Idade Média, mais conhecida como idade das trevas por ser uma época de pouco desenvolvimento racional, é o período da história que compreende a queda do Império Romano (395 a.C.), que dividiu-se em Império Romano do Oriente e do Ocidente, e a transição para a Idade Moderna, entre os séculos V e XV. Nessa fase, mesmo a civilização romana encontrando-se em um momento de decadência, o Imperador Teodósio tomou algumas decisões, como acabar com os Jogos Olímpicos e assumir o cristianismo como religião oficial, abolindo qualquer outro credo e religião. Dessa forma, nesse período, houve um domínio ideo- lógico por parte da Igreja Católica, com dogmas e preceitos que “mani- pulavam” a sociedade. Apesar de não ser uma época com alto desenvol- vimento da ciência, a Idade Média apresentou avanços que contribuíram para os conhecimentos atuais. Nessa época, três poderes disputavam o controle da Europa: o poder militar, representado pelos bárbaros, o poder civil, representado pelas organizações municipais e provinciais, e o paganismo, substituído pelo cristianismo, que impunha atitudes para salvação da alva e conquista da vida celestial. Como resultado, há um início do desprezo pelo corpo, fazendo com que a atividade física fosse inexpressiva nesse período, sendo utilizada somente para preparação militar. Grandes guerras aconteceram nesse período, como as Cruzadas e a Guerra dos Cem anos, e fizeram com que os indivíduos dominassem o uso de lança, espada, escudo e o elmo, representando a nobreza social, em busca de terras e dominação. Com o passar do tempo, as lutas foram substituídas por jogos que tinham como objetivo tanto o treinamento militar, quanto o divertimento, como os torneios, que imitavam um combate real entre dois grupos de cavaleiros rivais, em que eram utilizados terrenos amplos e demarcados com linhas divisórias. Os cavaleiros se chocavam uns contra os outros e, ao terminar a luta, havia mortos, feridos e prisioneiros, bem como um História da Educação Física – 20 – grupo vitorioso e outro grupo derrotado. A única regra existente era a de que, quando os cavalheiros estivessem em um local de refúgio, assinalado antes do início da batalha, os combatentes não poderiam ser atacados. As armas utilizadas eram a lança, a espada e a maça, e os lutadores podiam utilizar capacete de ferro e escudo. Após a batalha, todos se reuniam para um banquete, seguido de uma grande festa. Os torneios tinham um caráter quase que de espetáculo, atraindo muita gente, com feiras ao redor. Não se sabe ao certo sua origem, sendo que os alemães afirmam que os inven- taram, e os franceses também, entretanto, não há notícias desse tipo de torneio na Alemanha antes do século XII. Após o século XIV, os tor- neios não tinham um caráter tão primitivo. Apesar de ainda haver vítimas, apresentavam- -se com maior semelhança aos jogos. Nessa fase, as armas não tinham corte e nem gume, e outras regras foram incorpo- radas, com vários golpes proi- bidos e não podendo atacar o cavalheiro que estava caído no chão. As disputas ocorriam nos pátios ou nas praças e, em um lugar específico do campo de batalha, algu- mas pessoas poderiam ficar em pé para socorrer os feridos. A decadência do torneio ocorreu quando a Igreja se manifestou contra, devido às mortes resultantes das batalhas, chegando até a negar a sepultura aos participantes. Outra competição da época eram as justas, que eram disputas entre dois cavaleiros vestidos com pesadas armaduras e protegidos por escudos especiais, e portando lanças pesadíssimas, espadas ou outras armas, modificadas para não os ferir. No início desse jogo, os cava- leiros procuravam derrubar o adversário, alcançando-o com a lança e, muitas vezes, o choque era tão violento que a lança atravessava o peito ou a cabeça do oponente. Isso ocorria devido ao ferro no extremo da lança. Tempos depois, o objetivo não era derrubar o oponente e sim quebrar a lança sobre a sua armadura ou escudo. O campeão era o que Figura 1.7 – Torneio Medieval Fonte: Paolo Uccello. A batalha de San Romano. Galeria Uffizi, Florença, Itália/Wikimédia. – 21 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física conseguia fazer com que a lança voasse em pedaços ou o que apresen- tasse a melhor pontaria. Cada cavaleiro podia correr com três lanças, e para saber quem havia ganhado, contava-se o número de lanças par- tidas ou avariadas. Figura 1.8 – Justa (Desporto) Fonte: CC BY 3.0/Wikimédia. Com menor expressão do que os jogos anteriores, as giostras também eram disputadas nesse período, caracterizadas por um com- bate com um cunho menos violento, com a utilização de armas sem ponta ou cobertas por uma defesa. Eram disputadas por dois cavaleiros e ocorriam em qualquer espaço livre da cidade. Para poder participar, os combatentes deveriam ser nobres com descendência cavaleiresca e em ordem com as leis da Igreja. O objetivo da giostra era derrubar o oponente do seu cavalo. De acordo com Ramos (1982), a Idade Média contribuiu para um espírito de lealdade nas lutas e a predominância do espírito esportivo, no entanto, não se pode afirmar que nessa época houve predominância de jogos e brincadeiras entre crianças e adultos, e sim, uma preparação militar. 1.3 Exercícios físicos no renascimento Renascimento, renascença ou renascentismo são os termos utilizados para identificar o período da história que engloba do século XIV até o século XVI. Chamou-se esse período de renascimento devido à volta da valorização da cultura, das artes e da ciência. História da Educação Física – 22 – No renascimento, com o progresso da ciência, a razão passou a ser o elemento de maior valor, estabelecendo uma visão para o corpo de objeto a ser controlado e disciplinado. Dentre as principais mudanças ocorridas, a valorização da vida física, corporal e estética, a exemplo da educação grega, foi essencial. Para a Educação Física, esse período fez com que se valorizassem novamente a cultura física; além disso, as atividades físicas apresentaram grande importância na educação intelectual, sendo que nesse período sur- giram os jogos mentais, que posteriormente “serão popularizados pelos jesuítas como estratégias educacionais, mudando um pouco as relações educacionais entre as crianças e os adultos” (FROTA, 2000, p. 95). Nessa época, a Educação Física também foi conceituada como um conjunto de atividades físicas que tem como objetivo proporcionar o bem-estar físico e psicológico do indivíduo, em busca do seu desenvolvimento integral. Vários pesquisadores estuda- ram a importância das atividades físicas e exercícios ginásticos nesse período, sendo que a beleza do corpo, considerada pecaminosa na Idade Média, é novamente explo- rada por grandes artistas, como: 2 Leonardo da Vinci (1452-1519) – criou as regras proporcionais do corpo humano e foi res- ponsável pelo clássico desenho Homem Vitru- viano, que descreve uma figura masculina desnuda, separada e simultaneamente em duas posições sobre- postas com os braços inscritos num círculo e num quadrado. Figura 1.9 – Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci Fonte: Shutterstock.com/Kwirry. – 23 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física 2 Michelangelo Buo- narroti (1475-1564) – criador de escul- turas de estátuas famosas, como por exemplo a de David, considerada tão perfeita que os músculos parecem ter movimento. 2 François Rabelais (1483-1553) – autor da frase “Deus fez a mulher como devia, com curvas onde convém, e cavida- des ondenecessá- rio”, ao descrever as aventuras de Gar- gantua (primeiro livro da história dos gigantes Gargântua e Pantagruel). 1.4 Exercícios físicos na Idade Contemporânea A Idade Contemporânea começa em 14 de julho de 1789, com o iní- cio da Revolução Francesa, e vai até os dias atuais. Nesse período, diver- sos estudiosos, como Leonardo da Vinci, Rabelais, Montaigne e Francis Bacon foram precursores de uma nova tendência e lutaram pela inclusão de ginástica, jogos e esportes nas escolas. Suas ideias foram fundamentais para a Educação Física escolar, na segunda metade do século XVIII. Além desses, outros educadores também tiveram grande destaque durante esse período, como François Rebelais, Jean Jacques Rousseau, John Locke, Johann Heinrich Pestalozzi, dentre outros. Figura 1.10 – Estátua David, de Michelangelo Fonte: Shutterstock.com/gurb101088. História da Educação Física – 24 – Na Educação Física, os pensadores que mais se destacaram nessa época foram Locke e Rousseau. Seus pensamentos acompanham a Edu- cação Física escolar até a atualidade. Locke foi um grande representante do conceito de educação, tendo como principal objetivo a formação do caráter do cidadão, e acreditava que as crianças deveriam fazer atividades físicas rigorosas, condição essencial para a manutenção da saúde. Foi ele quem criou a terminologia “Educação Física”, para diferenciar a educa- ção do físico da educação intelectual. Já Rousseau não acreditava que a educação tivesse como objetivo principal instruir, reprimir ou modelar o ser humano, e dedicou especial atenção aos exercícios físicos para as crianças. Sua teoria evidenciava os aspectos benéficos de vida do campo e ao ar livre, com a prática de jogos, esportes e ginástica natural (ROUS- SEAU apud BONORINO, 1931, p. 75). Foi nessa época que surgiram as primeiras sistematizações da Ginás- tica, fundamentadas em bases científicas e com objetivos definidos. Esses métodos receberam os nomes de seus países de origem e não é errado afirmar que esses sistemas foram moldados para atender as necessidades de seus países. Em seu livro, a autora Carmem Lúcia Soares (1994) nos mostra que a ginástica desempenhou importantes funções na sociedade industrial – se apresentou capaz de corrigir os vícios posturais precedentes das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando um vínculo com a medi- cina, além da função disciplinar e de ordem. [...] regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia de viver (para servir a pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas tradições e nos costumes dos povos). (SOARES, 2001, p. 52). Vale lembrar que nessa época da história ocorreu a Revolução Fran- cesa (1789), e que a Europa estava se estruturando e consolidando uma nova sociedade, intitulada sociedade capitalista. Agora, iremos conhecer esses métodos, linhas ou correntes doutriná- rias, que iniciaram no final do século XVIII: 2 linha ou corrente doutrinária alemã – iniciou no ano de 1760, com o estudioso Basedow (1723-1790), que acreditava que a – 25 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física escola deveria apresentar um plano educacional para os jovens, que possibilitasse o desenvolvimento integral da personalidade humana. Suas ideias foram baseadas nas novas doutrinas peda- gógicas, especialmente Locke e Rousseau. Outro educador que teve grande participação na doutrina alemã foi Friedrich Ludwig Jahn (1778-1852), fundador da ginástica patriótica, com um método com profundo caráter nacionalista e característica mili- tar (FIGUEIREDO, 2010, p.189-198). Você sabia que a atual Ginástica Olímpica, atualmente praticada como esporte, tem seus fundamentos nos exercícios ginásticos de Jahn? Esses exercícios são principalmente marchar, correr, saltar, tomar impulso, equilibrar, exercícios de barra, exercícios de paralela, trepar, arremessar, puxar, empurrar, levantar, trans- portar, esticar, lutar braço a braço, saltar arco e pular corda. 2 linha ou corrente doutrinária sueca – criada no início do século XIX por Per Henrik Ling, que era poeta e educador. O seu sistema foi influenciado por antigos filósofos e médicos gregos, além de Rousseau, Basedow e Pestalozzi. Ling tinha como prin- cipal objetivo estabelecer rumos científicos à prática dos exercí- cios físicos, com a finalidade de regenerar o povo sueco que se encontrava minado pela tuberculose e pelo raquitismo. Segundo Carmem Lúcia Soares: a sistematização da ginástica na Suécia ocorre no início do século XIX. Estava voltada para extirpar os vícios da sociedade, entre os quais o alcoolismo. O método de ginastica se colocava como instrumento capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis e livres dos vícios, porque estavam preocupados com a saúde (SOARES, 2001, p. 57). Além da melhora da saúde, houve ainda a preocupação de melhorar a força dos trabalhadores, tendo em vista que nesse período a Suécia deu início ao processo de industrialização. As quatro principais divisões no sistema de Ling foram: médica, pedagógica, militar e estética. 2 linha ou corrente doutrinária francesa – esse método que você irá conhecer agora foi o primeiro a ser introduzido oficialmente História da Educação Física – 26 – no Brasil, antes da criação de um sistema nacional de Educação Física. Podemos dizer que ele foi a base da Educação Física esco- lar brasileira. O método francês teve início no ano de 1852, na Escola de Joinville Le Pont. Esse preconizava sete formas de tra- balho: jogos, flexionamentos, exercícios educativos, exercícios mímicos, aplicações, desportos individuais e desportos coletivos; e quatro regras deveriam ser seguidas para sua execução: agrupa- mento dos indivíduos, adaptação do exercício, atração do exer- cícios e verificação periódica. Sendo assim, a aula de Educação Física era dividida em três partes: sessão preparatória (exercícios de flexão de braço, pernas, tronco, combinados, assimétricos e de caixa torácica); lição propriamente dita (marchar, trepar, escalar, equilibrar, saltar, levantar e transportar, correr, lançar, atacar e defender-se) e volta à calma (exercícios de fraca intensidade – marcha com canto, marcha lenta com exercícios respiratórios e alguns exercícios de ordem) (MARINHO, 1971, p. 52). Nessa linha doutrinária, o objetivo também era trabalhar o indiví- duo como um todo, com os exercícios atuando sobre o corpo, espí- rito, caráter e sendo sociais. A Educação Física teve duas etapas: 1 – Iniciação Desportiva – generalizada e especializada; 2 – Treinamento Desportivo – generalizado ou especializado. A linha generalizada tinha por objetivo livrar-se de uma única ginástica e também de um único esporte. Apresentava sua orga- nização em quatro partes: 1 – Exercícios de aquecimento (efeitos higiênicos); 2 – Exercícios de flexibilidade e desenvolvimento muscular (efeitos morfológicos); 3 – Exercícios de agilidade e energia (efeitos sobre o caráter); 4 – Exercícios desportivos sob a forma lúdica, tendo caráter de competição. 2 linha ou corrente doutrinária inglesa – esse método se carac- teriza pela preferência de jogos em que fatores políticos, reli- – 27 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física giosos, sociais e de ordem econômica exerceram influência no capital e no desenvolvimento da Educação Física. Esse método iniciou-se no meio universitário, estendendo-se posteriormente às escolas médias e ao ensino primário. No capítulo 4 dessa obra, veremos mais profundamente como esses métodos tiveram uma influência na Educação Física brasileira. Para melhorar o seu estudo e assimilação em relação aos exercícios e atividades de cada época, elaboramos um quadro-síntesede cada época. Quadro 1.1 – Síntese da Educação Física em cada período histórico Pré-História Atacar e defender-se na luta pela sobrevi- vência. As atividades humanas dependiam do movimento, como saltar, lançar, correr, pular, entre outros. Com o aprimoramento dos movimentos, as capacidades físicas como força, velocidade e agilidade também foram desenvolvidas. As atividades físicas tinham caráter natural, utilitário, guerreiro, recreativo, religioso ou ritualístico. Antiguidade Clássica – Grécia As atividades físicas têm como finalidade desenvolver a perfeição física e os valores morais, buscando a formação do indivíduo forte, saudável, belo e virtuoso. ATENAS: a ginástica era praticada como uma iniciação ao desporto, e a vitória nos jogos constituía um dos mais altos valores na época. Além disso, a Educação Física para o povo ate- niense objetivava a formação do caráter, a educação moral e estética. ESPARTA: “a finalidade da ginástica pela qual se devem reger em detalhes os exercícios físicos, não é alcançar a força física de um atleta, mas desenvolver a coragem de um guerreiro” (JAEGER, 1995, p. 550). História da Educação Física – 28 – Antiguidade Clássica – Roma Participação em jogos públicos, com as seguintes modalidades: corrida, luta livre (wrestling – hoje conhecida como luta greco- -romana), pugilismo (boxe), pentatlo (que abrangia as modalidades de salto em distân- cia, corrida, lançamento de disco, lançamento de dardo e luta livre) e pancration (que pode ser comparado ao nosso vale-tudo). Além do destaque aos jogos públicos, a prepara- ção física e a participação nesses momentos eram percebidas como status social (pois apenas aqueles com descendência reconhe- cida socialmente e em cumprimento com as doutrinas da Igreja poderiam participar). Lembrem-se que nesse momento histórico as atividades físicas também tinham um cunho de entretenimento. Idade Média A Educação Física tem como principal obje- tivo o desenvolvimento de habilidades físi- cas específicas, buscando a formação do indivíduo hábil, valoroso e cortês. Renascimento Educação Física foi conceituada como um conjunto de atividades físicas que tem como objetivo proporcionar o bem-estar físico e psicológico do indivíduo, em busca do seu desenvolvimento integral. Idade Contemporânea Criação das escolas alemã, sueca, francesa e inglesa. Fonte: elaborada pelo autor. Síntese Nesse primeiro capítulo, você teve a oportunidade de conhecer a his- tória do movimento humano no decorrer dos períodos históricos. Obser- – 29 – Trajetória histórica da Educação Física: objetivo e finalidade dos exercícios físicos e desenvolvimento da Educação Física vou que a prática de atividades físicas se faz presente desde a Pré-História, inicialmente com o objetivo de sobrevivência, e apresentou uma evolução com o decorrer dos anos. Em cada período, teve seu auge e sua decadência, de acordo com os principais acontecimentos. Foi possível perceber que, na Antiguidade Clássica, mesmo com o valor que era dado aos exercícios físicos, somente uma parcela muito pequena da população tinha acesso à prática e aos desportos. Estudou que na Idade Média houve um grande declínio da Educação Física, contudo, os jogos continuaram existindo. Você também notou que o renascimento foi marcado por uma nova era, com novos filósofos e pensadores que deram início a uma visão inédita da Educação Física, baseada em alicerces científicos. Percebeu também que foi nesse período que houve a criação das principais linhas doutri- nárias: alemã, sueca, francesa e inglesa, as quais, mesmo com técnicas e apresentações diferenciadas, tinham a intenção de aprimorar as condições corporais de seus adeptos, seguindo as mudanças sociais e econômicas de cada época. Atividades 1. Faça uma análise reflexiva e comparativa sobre os objetivos das atividades físicas no período pré-histórico e na Antigui- dade Clássica. 2. Escolha uma época estudada (Pré-História, Antiguidade Clás- sica, Idade Média e renascimento) e faça uma comparação da decadência dos exercícios físicos entre o período escolhido e a atualidade. 3. Elabore uma síntese dos principais pensamentos renascentistas e sua relação com a Educação Física atual. 4. Com base nos conteúdos abordados nesse capítulo, elabore um texto contextualizando os períodos estudados e os principais avanços para a Educação Física. 2 Educação Física e educação do corpo No capítulo anterior, estudamos sobre o movimento e seu objetivo no decorrer da história humana. Para que todo esse movimento ocorra, o homem deve estar dotado da consciência de movimento que quer realizar e que o determina. Estudaremos o corpo por meio do movimento, bem como a sua simbologia durante a Idade Média. Abordaremos diferentes conceitos a res- peito da imagem corporal e do esquema corporal. Esses concei- tos irão auxiliar no entendimento da aprendizagem e desenvolvi- mento motor, sendo que o movimento, a corporeidade e a cultura corporal são essenciais para o desenvolvimento motor. Além disso, você poderá ter uma melhor compreensão da importância do movimento nas aulas de Educação Física. História da Educação Física – 32 – 2.1 Corporeidade, movimento e cultura corporal 2.1.1 Corporeidade A Educação Física, ramo educacional da ciência da motricidade humana, apresenta o intuito de ensinar, ajudar, viver e sentir a corporei- dade do ser humano, fundamental na medida em que é o suporte básico do próprio modo de ser do homem (LEITE et al., 2013). Nesse sentido, a corporeidade, segundo Breton (2006, p. 9) é moldada socialmente, por mais que seja vivida de acordo com o estilo particular de cada indivíduo. Moreira (1998, p. 73) afirma que a corporeidade é relacionar os saberes da existência do ser e as interações deste “[...] com o mundo, consigo mesmo e com os outros. É optar por concretizar o pensamento, ou mais precisa- mente, corporificar o ser pensante”. Corporeidade ganha uma dimensão muito ampliada em relação ao conceito tradicional de corpo. Santin (2011, p. 67) revela isso quando des- creve que a corporeidade poderia ser representada pela união da ação de cultuar e de cultivar, ou seja, a conceitua como um culto e cultivo do corpo. “A corporeidade precisa ter a dignidade da ação sagrada e festiva e, ao mesmo tempo, a cotidianidade do esforço e do trabalho criativo” (SANTIN, 2011, p. 67). O autor Nóbrega (2005, p. 80) também aponta que a corporeidade está relacionada com o corpo em movimento, o espaço e o tempo. Eleger a corporeidade como critério para refletir sobre o conheci- mento em Educação Física, significa a tentativa de superar a dicoto- mia entre conhecimento racional e conhecimento sensível. A noção de corporeidade, abrangendo o corpo vivo e significante, fundado na facticidade e na cultura, supera a dicotomia biológico-cultural e expressa a unidade do ser-no-mundo (NÓBREGA, 2005, p.80). O corpo, para além da estrutura orgânica, compreende o sentir, o per- ceber, o pensar e o agir dos indivíduos, revelando a intencionalidade de suas ações, o que caracteriza o homem como um ser repleto de subjetivi- dade. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 203), O corpo é o nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós um mundo biológico; ora, brincando com – 33 – Educação Física e educação do corpo seus primeiros gestos e passando de seu sentido próprio a um sen- tido figurado, ele manifesta através deles um novo núcleo de sig- nificado: é o caso dos hábitos motores como a dança. Ora enfim a significação visada não pode ser alcançada pelos meios naturais do corpo; é preciso então que ele se construa um instrumento, e ele projeta em torno de si um mundo cultural. No princípio, como objeto de estudo de vários campos, o corpo foi definido como um organismo composto por diversas células. Essa definição é decorrente do funcionalismo de Durkheim (1995), que observao corpo de forma biológica, sendo um fator individualizador, segundo a função social assumida pelo seu “dono”. Essa definição biologista de corpo, remanescente do final do século XVIII e início do XIX, limita-se para explicar o corpo em toda a sua com- plexidade, pois esse significado poderia ser aplicado a qualquer ser vivo. Merleau-Ponty (1999) explora bem essa presença do homem com a cor- poreidade, relacionando a um fenômeno corporal que se comunica com o mundo e com os outros. Assim, o corpo não era constituído somente por uma coleção de órgãos decorrentes da fisiologia e da anatomia, mas por uma estrutura simbólica, possível de unir as mais variadas formas cultu- rais (GONÇALVEZ; AZEVEDO, 2007). Durante a história, o corpo apresentou vários significados, que foram variados de acordo com a cultura e o contexto social de cada época. Na Idade Média, como veremos a seguir, havia uma separação entre corpo pro- fano e espírito-mente sagrado. A moral cristã proibia qualquer tipo de prá- tica corporal que estivesse relacionada ao culto do corpo, pois isso poderia tornar a alma impura. Já na renascença, o significado do corpo é embasado na ciência. Sempre visando a saúde corporal, as atividades físicas relacio- nadas ao corpo eram prescritas por um sistema de regras. “Os anatomistas antes de Descartes e da filosofia mecanicista fundam um dualismo que é central na modernidade e não apenas na medicina, aquele que distingue, por um lado, o homem, por outro seu corpo” (BRETON, 2002, p. 18). Nessa época, a visão moderna do ganho econômico traz um modelo de corpo oprimido e manipulável. Segundo Gonçalvez e Aze- vedo (2007, p. 205), no entender de Habermas (1987), esta dualidade é a maneira encontrada pelo homem para lidar com os problemas gerados História da Educação Física – 34 – pela modernidade produziram quadros patológicos na socie- dade, determinando crises de direção e até mesmo diminuição na integração societária. Essas crises de direção podem ser com- preendidas no sentido da teoria Weberiana como o desencan- tamento do sujeito no quadro moderno; a vida para o homem aparece sem sentido em função de sua descrença, especialmente, com a vida mundana. A sociedade necessitava de corpos fortes e saudáveis para atender a demanda do mercado, sempre visando a alta produtividade e o lucro, uma vez que seriam utilizados e aperfeiçoados para atender ao capitalismo. Atualmente, a visão do corpo está relacionada a diversos adjetivos, e o culto ao corpo está cada vez mais incidente em determinadas etapas da nossa vida. Nesse ponto de vista, a indústria cultural, de acordo com Detrez (2002), exerce forte poder sobre o corpo humano e o influencia com uma exposição de exemplos, idealizando estereótipos invejáveis. Por fim, esses comportamentos isolam o corpo como uma matéria à parte, “ser o que se é torna-se uma performance efêmera, sem futuro, um maneirismo desencantado em um mundo sem maneiras” (BAU- DRILLARD, 1997, p. 22 apud BRETON, 2003, p. 29). 2.1.2 Movimento O movimento está presente em todas as atividades da nossa vida diá- ria: no trabalho, no lazer, no desporto. Nós, enquanto profissionais de Edu- cação Física, que utilizam propriamente o movimento, precisamos deixar claro o conceito dessa palavra. Diversos autores adotaram diferentes con- ceitos para o movimento. De acordo com Newell (1978), o movimento é o deslocamento de corpo e membros, que é produzido por meio da consequ- ência do padrão espacial e temporal da contração muscular. Outro autor que define o movimento é Merleau-Ponty (1980). Esse pesquisador afirma que o movimento é compreendido como perspectiva do ser no mundo, e que o indivíduo, a partir do momento em que incorpora o movimento ao seu mundo, aprende ou adquire um hábito motor. Dessa maneira, o movimento pode ser definido como: “a sequência natural e o amadurecimento de uma visão” (PONTY, 1980, p. 88). – 35 – Educação Física e educação do corpo Por sua vez, Kunz (1994, p. 68), com base em Dietrich e Landau, afirma que o movimento compreende “todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extraesporte (ou no sentido amplo do esporte) e que pertencem ao mundo do ‘se – movimentar’ humano, o que o homem por esse meio produz ou cria, de acordo com sua conduta, seu compor- tamento, e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações”. 2.1.3 Cultura corporal A sociedade é considerada produtora de cultura, e induz diariamente o homem a reproduzi-la, determinando os valores, crenças, regras e hábitos que o ser humano deve seguir. Assim, o indivíduo se modela e é influenciado pelos padrões sociais, sendo que, em consequência, não se encontra consciente de que é capaz de transformar o seu contexto social e de produzir cul- tura. Nesse cenário, Santos (2014, p. 171) afirma que: as discussões realizadas a partir dos estudos antropológicos pos- sibilitam compreender as diversas manifestações particulares de cada grupo social, como também, a relação existente entre o pro- dutor de cultura - o homem - e o ambiente em que esta pode ser produzida – a sociedade. A cultura, vista como um componente que faz parte do objeto de estudo da antropologia, tem sua defini- ção vinculada à ordem simbólica e o seu desdobramento no con- texto social, revelando diferentes sentidos e significados expressos no comportamento dos indivíduos, os quais são influenciados por determinados valores e princípios. Estudos antropológicos discutem essa relação entre corpo e cultura e possibilitam a compreensão das diversas manifestações particulares de cada grupo social, assim como a relação existente entre o homem (produtor de cultura) e a sociedade (ambiente em que esta pode ser pro- duzida). “A cultura, vista como um componente que faz parte do objeto de estudo da antropologia, tem sua definição vinculada à ordem sim- bólica e o seu desdobramento no contexto social, revelando diferentes sentidos e significados expressos no comportamento dos indivíduos, os quais são influenciados por determinados valores e princípios” (DAO- LIO, 1995, p. 92). História da Educação Física – 36 – Qualquer movimento que o corpo imprima revela sobre sua cultura e seus hábitos. Sob a ótica educacional, cultura corporal engloba o esporte, as danças, as artes cênicas, as artes musicais, as artes plásticas, os jogos e as brincadeiras, pois são manifestações culturais ligadas à expressão do movimento corporal humano, ou seja, expressões que são reconhecidas de forma cultural e como tal revelam significados simbólicos. Kofes (1985) afirma que o corpo é uma manifestação da expressão cultural. O antropólogo francês Marcel Mauss considerou, já na década de 30, os diversos movimentos realizados pelo corpo como artifícios próprios da cultura, transmitidos por meio das gerações e com significados espe- cíficos. De acordo com esse autor, só é possível falar em técnica por ser cultural (MAUSS, 1974, v. 2). Assim, Daolio (1995) afirma que atuar no corpo implica em agir sobre a sociedade em que o corpo está inserido. Dessa forma, as práticas que envol- vem o corpo humano, como a Educação Física, devem ser refletidas nesse contexto, a fim de não se conceber sua realização de forma reducionista. O corpo humano não é somente biológico, no qual a cultura impinge especificidades, e sim, fruto da interação natureza e cultura. 2.2 O corpo na Idade Média Como vimos até agora, toda a questão histórica sempre teve influ- ência significativa na prática da Educação Física. Agora veremos que a percepção em relação ao corpo enquanto objeto da história também apre- sentou diversas modificações com relação aos fatos que ocorriam em cada época, influenciado pelos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade. O autor Marc Bloch (2002, p. 32) afirma que “aprendemos que o homem também mudou muito: em seu espírito e, sem dúvida, até nos mais delicados mecanismos do seu corpo”. De todas as épocas históricas, podemosafirmar que a que trouxe mais interferências em relação ao tratamento com o corpo, tanto sob a ótica do pecado como da negação; foi a Idade Média, a qual se se estendeu do século V ao XV. Esse período se inicia no declínio do Império Romano do Ocidente e vai até o início do Renascimento e das grandes navegações. – 37 – Educação Física e educação do corpo Sem dúvida, a Idade Média foi um marco histórico para a sociedade euro- peia, pois esta viveu estritamente a falta de mobilidade social, além da clara distinção entre nobres e camponeses, e o clero. Vale ressaltar que as representações referentes ao corpo e sua relação com o social e o moral dependiam exclusivamente da classe social a qual pertenciam. Assim, podemos perceber que temos uma época formada pela sociedade feudal, que era dividida por nobres, clero e servos, em que a representação do corpo era marcada como procriação e instrumento de trabalho para as classes mais baixas. Nesse contexto, o autor Lauer (2015) coloca que, nessa época, o homem utilizava o seu corpo somente para pro- ver comida à família e fugir dos predadores, fazendo com que seu corpo estivesse no centro dos acontecimentos. Sabemos que nessa época houve um domínio ideológico por parte da Igreja Católica, com dogmas e preceitos que “manipulavam” a sociedade. Esse domínio ultrapassava os aspectos religiosos e se estendia desde o campo moral até a vida familiar, interferindo na forma como o ser humano pensava. A fim de alcançar a salvação, o homem medieval acabava renun- ciando os bens materiais e submetia-se a torturas. Nessa época, a sociedade medieval vivenciava grandes tensões, tanto relacionadas à imagem de Deus e do homem, quanto sobre as suas atitudes da vida cotidiana. Vários relatos históricos apontam que nesse período o corpo estava arrebatado pelas doenças. O homem da Idade Média admite que o sofrimento faz parte da vida do ser, além de desig- nar a representação do seu corpo como um apanhador de pecados, sendo os padres os “médicos da alma”. Tanto as doenças como a dor do corpo tornam-se presentes nesse período em que a era medieval sofre grandes transtornos de epidemia. Para os médicos da antiguidade”, escreve o grande historiador do pensamento médico Mirko D. Grmek, “todas a doenças eram somá- ticas. As doenças da alma não passavam, para eles, de invenção dos moralistas. O resultado dessa tomada de posição era a divisão do campo das doenças psíquicas entre os médicos e os filósofos. Mas para o homem da Idade Média, tanto nas civilizações cristãs quanto no mundo islâmico, não era possível separar os aconteci- mentos corporais de sua significação espiritual. Concebia-se a rela- ção entre a alma e o corpo de uma maneira tão estreita e imbricada História da Educação Física – 38 – que a doença era necessariamente uma entidade psicossomática.” Por essa razão, a maior parte dos milagres atribuídos aos santos são milagres de cura (LE; GOFF; TRUONG, 1924, p. 108). Observa-se que o corpo foi o resultado de várias tensões vividas no período, pois a “dinâmica da sociedade e da civilização medievais resulta[va] de tensões”, sendo que uma das principais tensões “é aquela entre o corpo e a alma”. “Por um lado, o corpo é fruto da benção e da glo- rificação, principalmente religiosa (quando se trata do corpo de Cristo), e, de outro, é desprezado, condenado, humilhado” (CORBIN; VIGA- RELLO; COURTINE, 2008, p. 11). Figura 2.1 – Os dogmas religiosos e sociais na Idade Média Fonte: CC BY 3.0/Wikimédia. De acordo com Matos e Gentile (2004), nesse período, o corpo era considerado ameaçador, especialmente o corpo feminino, observado como um “lugar de tentações”. Alguns teólogos da época acreditavam que as mulheres tinham mais conivência com o demônio pelo fato de Eva ter nas- cido de uma costela torta de Adão, afirmando que nenhuma mulher pode- ria ser reta (MATOS; GENTILE; FALZETTA, 2004). Assim, a imagem da mulher medieval é feita a partir da oposição entre feminino e masculino, sendo que o ser homem relaciona-se à virilidade, ao senso de honra, à retidão, e a mulher, por sua vez, está relacionada à desonra, à ausência de retidão no comportamento e no pensamento (PIRES, 2013, p. 15). O controle da sexualidade feminina passou a ser mediado pela Igreja e aceito pela sociedade. Dessa forma, o corpo feminino também apresen- – 39 – Educação Física e educação do corpo tava as suas tensões entre o bem (procriação, castidade e cuidado com a família) e o mal (prostituição e luxúria), pois “o culto do corpo da Anti- guidade cede lugar, na Idade Média, a uma derrocada do corpo na vida social” (CORBIN; VIGARELLO; COURTINE, 2008, p. 37). Dessa forma, “é possível afirmar que o corpo sexuado da Idade Média é majoritariamente desvalorizado, as pulsões e o desejo carnal, ampla- mente reprimidos” (CORBIN; VIGARELLO; COURTINE, 2008, p. 41), principalmente no discurso que era imposto à população: [...] a religião cristã institucionalizada introduz uma grande novi- dade no Ocidente: a transformação do pecado original em pecado sexual. Uma mudança que é uma novidade para o próprio cristia- nismo, já que, em seus primórdios, não aparece traço algum de uma tal equivalência, assim como nenhum termo dessa equação figura no Antigo Testamento da Bíblia. O pecado original, que expulsa Adão e Eva do Paraíso, é um pecado de curiosidade e de orgulho (CORBIN; VIGARELLO; COURTINE, 2008, p. 49). Souza, Silva e Oliveira (2014), também observam relações do corpo e pecado: Durante quase toda a Idade Média, o corpo foi visto pela Igreja como algo pecaminoso. Nessa postura de pensamento a igreja passou a emitir padrões durante o ato sexual, para que houvesse controle da população, e para que todos passassem a ter uma noção de pecado quanto ao ato sexual fosse praticado de forma desvai- rada. Com o impacto o homem medieval induzia a crer no dogma criado pela supremacia da igreja, como o surgimento do inferno, do diabo, do purgatório e do pecado. Surgia o imaginário medieval na concepção do novo homem contraído pelo cristianismo, tomado pela culpa e o temor de ir para o inferno. (SOUZA; SILVA; OLI- VEIRA, 2014, p. 3). A Igreja, na época, via a mulher como um ser ‘fraco’, sendo que “a primeira versão da Criação presente na Bíblia é esquecida em proveito da segunda, mais desfavorável à mulher”. Com isso, da “criação dos corpos nasce, portanto, a desigualdade original da mulher”, e ela “irá pagar em sua carne o passe de mágica dos teólogos, que transformaram o pecado original em pecado sexual”. Por outro lado, “ela é subtraída até mesmo em sua natureza biológica, já que a incultura científica da época ignora a exis- tência da ovulação, atribuindo a fecundação apenas ao sexo masculino” (CORBIN; VIGARELLO; COURTINE, 2008, p. 54). O autor Georges História da Educação Física – 40 – Duby aponta que a Idade Média era “masculina”, pois os relatos históricos escritos por homens, em sua maioria, estavam convictos de sua superiori- dade. Nem mesmo no período de gestação há um desinteresse pela mulher. Essa falta de atenção rodeia todas as camadas da sociedade, sendo que, na velhice, a mulher também não é bem quista, sendo considerada em muitas ocasiões como “bruxa”. De acordo com Rodrigues (1999), outro campo que sofreu estagnação nesta época foi a medicina, pois a abertura do corpo humano e a disseca- ção de cadáveres era uma ação inconcebível, e, conforme Pereira (1988), a anatomia passa por um período de estagnação, sendo que os estudos foram retomados somente com a chegada do Renascimento. Os medievais acre- ditavam que a putrefação era uma continuidade da vida, sendo que valas coletivas ficavam abertas até serem preenchidas por corpos. Figura 2.2 – Niclaus Manuel Deutsch. Dança da morte. Início em 1516-17 Fonte: cuadernosdelhontanar.com Assim, as doenças e o estado mental dos indivíduos durante esse perí- odo sofreram oscilações, alternando entre motivo de aversão e de arrepen- dimento. Com uma maior incidência dedoenças, os índices de mortalidade também eram altos, sendo que a civilização medieval era conceituada pela forma como enterrava os corpos dos mortos. Le Goff e Truong (1924), apontam que “a maneira de viver sua vida modelada pelo estado social e as proibições religiosas variavam no espaço da cristandade e evoluíram durante a longa idade Média” (p. 91). Nessa época, a população acreditava – 41 – Educação Física e educação do corpo que o corpo tinha uma representação forte no cotidiano, como símbolo de aparição após a morte, os mortos-vivos da era medieval. A separação da alma e do corpo no momento da morte justifica que o defunto apareça independente de seu cadáver, (corpo), por vezes mesmo muito longe dele. Nos relatos mais de acordo com a refle- xão eclesiástica – que define o objeto da aparição como uma pura imagem e que pretende afastar toda “preocupação com o corpo, o defunto aparece em qualquer lugar, ao sabor da permissão de Deus. (SCHMITT, 1999, p. 203). Vale ressaltar que as encarregadas de lavá-los e de prepará-los para juntarem-se ao reino dos mortos eram as mulheres. Por fim, podemos concluir que o respeito às regras, à dieta, ao cultivo do espírito e a submissão à Igreja marcavam a Idade Média. Assim, os cuidados com o corpo nu, a “gula”, as práticas corporais, como o sexo, e esportivas, com a demonstração do corpo para o público, regiam qual o tipo de conduta que deveria ser respeitada. Nesse período, os precei- tos quanto aos comportamentos corporais estavam relacionados à própria organização do espaço de convivência social, em especial, o das cidades. 2.3 A simbologia do corpo na Educação Física Na área da Educação Física há um grande debate sobre a corporei- dade, a fim de nortear os profissionais pesquisadores que trabalham com o corpo, com o movimento e com o esporte, tanto no sentido coletivo quanto no individual. Ao lado desse substantivo, nota-se uma série de adjetivos. De acordo com Kolyniak (2010) a Educação Física é compreendida como um adestramento do corpo, depondo-se a serviço da mente, ou seja, a serviço do físico para utilizá-lo a finalidades precisas, como o trabalho, o esporte, as danças e até mesmo para a guerra, considerando-se o corpo como o templo da alma. Essa opinião é contrária aos paradigmas de uma Educação Física “corpo e mente”, possibilitando a observação na qual “corpo/mente”, ambos relacionados e nunca separados, possibilita a cons- trução de um pensamento que vai além do que é concluído precipitada- mente, o qual protagoniza a corporeidade como uma unidade holística. A Educação Física não pode ser vista somente como uma prática pedagógica, em que o professor e o aluno se relacionam num espaço História da Educação Física – 42 – dinâmico, mas sim como uma área de conhecimento que está presente na grade curricular da escola, em que o corpo, em toda a sua dimensão, é o principal contexto considerado no trabalho do professor e na ação do aluno (GONÇALVEZ; AZEVEDO, 2007). Assim, deve-se possibilitar ao aluno uma formação crítica durante o seu processo de aprendizado, além de conscientizar e promover a aquisição de conhecimentos e experiências para a vida, respeitando as diferenças, o próprio corpo e o corpo do outro (GONÇALVEZ; AZEVEDO, 2007). Nóbrega (2005, p. 64) reflete sobre a motricidade nas aulas de Educa- ção Física e sua relação com a intencionalidade motora: Na motricidade, não há separação entre a significação intelectual, simbólica e significação cinética, entre o dado sensível e o entendi- mento. O corpo não é um meio intermediário entre o mundo exte- rior e a consciência, mas possui uma inteligibilidade, uma inten- ção, um sentido de totalidade que se manifesta no movimento e no entendimento simultaneamente, numa palavra, na motricidade. Por fim, a formação profissional na área de Educação Física, deve reconhecer que a aprendizagem é basicamente uma reorganização da corporei- dade. Quando aprende, quando encontra um sentido e uma signi- ficação para um acontecimento em sua existência, o ser humano passa a habitar o espaço e o tempo de uma forma diferente. Esse acontecimento é ao mesmo tempo motor e perceptivo, não há separação entre o corpo que age e o cogito que organiza a ação. O corpo é o lugar de aprendizagem, de apropriação do entorno por parte do sujeito. Uma aprendizagem na qual o motor e o perceptivo, o corpo e a consciência compõem um sistema único (NÓBREGA, 2005, p. 68). A formação do profissional na área científica da Educação Física e dos Esportes, na ótica da corporeidade, deve assumir uma associação que permite rever conceitos, a partir do redimensionamento do saber o que é esse ser humano corpóreo. Síntese Nesse capítulo, tivemos a oportunidade de aprender sobre os conceitos de corporeidade, movimento e cultura corporal. Corporeidade é construída – 43 – Educação Física e educação do corpo socialmente, por mais que seja vivida de acordo com um estilo particular de cada indivíduo. Movimento pode ser definido como: “a sequência natu- ral e o amadurecimento de uma visão”. Qualquer movimento que o corpo imprima, revela sobre sua cultura e seus hábitos. Sob a ótica educacional, cultura corporal engloba o esporte, as danças, as artes cênicas, artes musi- cais, artes plásticas, jogos e brincadeiras, pois são manifestações culturais ligadas à expressão do movimento corporal humano, ou seja, expressões que são reconhecidas de forma cultural e como tal revelam significados simbólicos. Estudamos também sobre a Idade Média e sua relação com o corpo, observando que, nessa época, houve um domínio ideológico por parte da Igreja Católica, com dogmas e preceitos que “manipulavam” a sociedade. Esse domínio ultrapassava os aspectos religiosos e se estendia desde o campo moral até a vida familiar, interferindo na forma como o ser humano pensava. Tanto as doenças como a dor do corpo tornam-se presen- tes nesse período, em que a era medieval sofre pela grande incidência de epidemia. Por fim, aprendemos a simbologia do corpo na Educação Física, e compreendemos que essa não pode ser vista somente como uma prática pedagógica em que professor e aluno se relacionam num espaço dinâmico, mas sim como uma área de conhecimento que está presente na grade curri- cular da escola, em que o corpo é o principal referencial a ser considerado no trabalho do professor e na ação do aluno. Atividades 1. Descreva e aponte as principais características do corpo durante a Idade Média. 2. Segundo o texto exposto, apresente algumas características de movimento, corporeidade e cultura corporal. 3. Conforme apresentado no texto, aponte as principais caracterís- ticas da simbologia do corpo e a Educação Física. 4. Relacione Educação Física e cultura corporal. 3 Desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil Chegou a hora de estudarmos mais a fundo o desenvolvi- mento histórico e a trajetória da Educação Física no Brasil. Você verá que a Educação Física, com o passar dos anos, apresenta diferentes objetivos e acompanha o desenvolvimento histórico do Brasil, desde a época do Império até os dias atuais. Ela desempe- nhou diferentes papéis, tanto quando o foco principal era a saúde, como quando era o mero desenvolvimento da técnica, o que faz com que a nossa área de estudo tenha uma importância enorme em todos os ângulos estudados. Serão cinco períodos abordados nesse capítulo: higienista, militarista, pedagogicista, tecnicista e crítico. Entretanto, antes de começarmos a leitura sobre essas tendências, será explicado de forma breve o contexto político do Brasil e como os principais autores e estudiosos aderiram à Edu- cação Física em nosso país. Boa leitura! História da Educação Física – 46 – 3.1 Breve histórico do contexto político do Brasil Antes de iniciarmos a leitura das tendências da Educação Física e seu desenvolvimento, é importante ressaltar brevemente a história do Brasil nesse período. Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro proclamou aInde- pendência do Brasil, caracterizando como fase imperial o período de 1822 a 1889 (antes do primeiro período que iremos estudar: o higienista). Nessa época, a educação continuava elitista e a principal ênfase era para o ensino superior, sendo que as poucas medidas adotadas em relação aos outros níveis de ensino foram desastrosas. Entre o ensino primário e secundário não haviam pontes ou articulações, eram dois mundos que se orientavam cada um para uma direção (ARANHA, 1989). A década de 1850 é apon- tada pelos historiadores como uma época de férteis realizações na área da educação, entretanto, essas realizações ficaram restritas em sua grande maioria no município da Corte, pela lei em vigor. Segundo Castellani Filho in Betti (1991, p. 51), a Educação Física escolar brasileira teve seu início oficial em 1851, com a Reforma do Couto Ferraz, quando o deputado, Luiz Ferreira do Couto Ferraz, apresentou à assembleia as bases para a reforma dos ensinos primário e secundário no Município da Corte. Três anos depois, em 1854, já como ministro do Império, expediu sua regulamentação, e entre as matérias obrigatoria- mente ministradas no primário estava a ginástica (só para lembrar: nesse momento da história, a terminologia ginástica, do grego gymnos, era utili- zada para diversos movimentos físicos, pois ainda nessa época não havia sido criado o termo Educação Física), e no secundário, a dança. O Decreto n. 1331 de 17 de fevereiro de 1854, apresenta no capítulo III, intitulado Das Escolas Públicas, suas condições e regime, a ginástica no ensino primário entre outras disciplinas: Art.47. O ensino primário nas escolas públicas compreende: [...] A geometria elementar, agrimensura, deseho linear, noções de música e exercícios de canto, gymnastica e hum estudo mais desenvolvido sobre pesos e medidas, não só do município da Côrte, como das províncias do Império, e das Nações com que o Brasil tem mais relações commerciaes (BRASIL, 1854, p. 55). No dia 19 de abril de 1879, foi decretada a Reforma de Ensino Leôn- cio de Carvalho. Nessa reforma, estão contidos os célebres pareceres de – 47 – Desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil Rui Barbosa, os quais se constituíram, no ano de 1882, num pequeno tra- tado sobre a Educação Física. A ginástica não foi por ele esquecida, pelo contrário, ressalta-se a importância da mesma, precedendo inclusive as outras formas de educação (MARINHO, 1975, p. 14). Para Rui Barbosa, a educação do corpo constituía dever primário da existência humana, e esse hábito deveria ser adquirido por meio dos exer- cícios físicos. O seu pensamento foi o seguinte: 1. instituir em cada escola normal uma seção especial de ginástica; 2. estender a ginástica obrigatoriamente para ambos os sexos, na formação dos professores e nas escolas primárias de todos os graus, considerando, em relação à mulher, a harmonia das for- mas femininas e também as exigências da maternidade futura; 3. inserir a ginástica nos programas escolares como matéria de estudo, em horários que não os de recreio e depois das aulas; 4. equiparar, em categoria e autoridade, professores de ginástica aos das demais disciplinas. Apesar de todos os esforços, o parecer de Rui Barbosa não foi implan- tado e, consequentemente, a “ginástica” continuou a sofrer vários tipos de resistência por parte da elite dominante na época. Suas ideias foram criticadas, o acusaram de materialista, além de fazerem críticas ao seu físico frágil. Nessa época, a elite abominava o trabalho manual e a ginás- tica foi considerada manual, desprovida de valores intelectuais. Agora sim, daremos início à apresentação dos diferentes períodos vivenciados pela Educação Física no Brasil. Bom estudo! 3.2 Período higienista (1889 – 1930) Nos séculos XIX e XX, houve uma imensa preocupação dos médi- cos e sanitaristas com o estado de saúde da população, principalmente na Europa. Doenças como febre amarela, tuberculose, raquitismo, tifo e varí- ola atingiram toda a população, o que provocou um aumento no número de mortes. Esses acontecimentos fizeram com que diversos pesquisadores e estudiosos refletissem sobre as causas e as razões de sua ocorrência, História da Educação Física – 48 – originando-se uma linha de pensamento denominada “higienismo”, que tinha como objetivo identificar os procedimentos e hábitos de indivíduos e coletividades para a manutenção da saúde, a qual era compreendida naquela época como a ausência de doenças. Dessa forma, possuía como característica a proximidade com a prevenção, além do controle da pro- liferação de doenças. Nessa linha, os padrões e comportamentos sociais deveriam ser sempre em prol da saúde, com grande interesse nas áreas de Saúde Pública, educação e ensino de novos hábitos. A ideia central dessa linha de pensamento é a de valorizar a população como um bem, com capital e recursos da Nação (RABINBACH, 1992, p. 38). Nessa época, houve um aumento da população em grandes cen- tros urbanos, devido ao crescimento industrial nas cidades, ocasionando uma urbanização sem planejamento. À medida em que os trabalhado- res do campo se deslocavam em direção às cidades, encontravam con- dições higiênicas precárias. Antes estavam isolados no campo, porém, agora estavam todos juntos em ambientes insalubres, fazendo com que houvesse uma maior propagação das enfermidades. Os médicos da época observaram essa transição e, com formação em administração sanitária e saúde pública, se engajaram na busca de intervenções que amenizassem e prevenissem os sintomas e a disseminação das doenças. O principal alvo de seus estudos foram os operários das indústrias, que tinham ausência de salubridade, saneamento básico e assistência social, fatores principais para os seus estudos. Sendo assim, esses médicos observaram que, se a população tivesse modos de saúde diferenciados, a disseminação das doenças poderia diminuir. Não havia saneamento básico apropriado, e somente a partir do século XVIII é que o Estado assumiu esse problema. Antes, quem deve- ria cuidar dessas questões eram os próprios indivíduos. Como podemos observar, os governos praticamente não se preocupavam com a população, não existia uma política nacional que voltasse seu olhar para a prevenção, nutrição, habitação e saneamento. Com o higienismo, surge uma menta- lidade de intervenção nessa situação de pobreza, sendo que os principais defensores desse movimento utilizaram da ciência para convencer gover- nos, indústrias e a própria população. Dessa forma, eles fizeram com que as pessoas adotassem condutas higienistas nos espaços privados e públi- – 49 – Desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil cos, dando atenção aos cuidados sanitários, comportamentos sociais, fis- calização em relação à higiene, sem se descuidar com a classe produtiva e trabalhadora. Apesar de o objetivo do higienismo ser a diminuição das doenças, como tinha um caráter de ordem e higiene, acabou sendo visto por alguns grupos como preconceito ou discriminação, pois acreditavam que o verda- deiro sentido de “higienizar” era “descartar” as pessoas que não serviam para trabalhar nos grandes centros, agindo a serviço dos interesses das classes dominantes. Figura 3.1 – Período higienista Fonte: gazetaesportiva.com. Essa linha de pensamento se expandiu pelo mundo e chegou ao Brasil no século XX. Nesse período, aqui no Brasil, havia a tentativa da consoli- dação da República, dominada pelo poder econômico dos grandes agricul- tores. Porém, o Estado tinha como principal foco manter a unidade política territorial do Brasil, tarefa valorizada no Império. Então, os investimentos no exército brasileiro superaram qualquer outra prioridade política. Além disso, nessa época, muitos se perguntavam o porquê de o Brasil ser um país sem tanto desenvolvimento como os Estados Unidos, referência na época. E foi com esses argumentos que surgiu o pensamento intervencionista dos higie- nistas aqui em nosso país. Esse pensamento