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Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional Iniciação à Matemática Autores: Krerley Oliveira Adán J. Corcho Unidade IV: Capítulos VII e VIII 7 Desigualdades Existem duas formas de fazer ótima Matemáti a. A primeira é sermais esperto que todo mundo. A segunda é ser mais estúpido quetodo mundo � mas persistente. Raoul Bott Neste capítulo estudaremos algumas desigualdades clássicas que são usadas frequentemente na resolução de problemas matemáticos, sendo estas aplicadas em contextos que variam desde o nível mais simples até o mais complexo. Uma vez que uma inequação em uma ou mais variáveis é resolvida, o resultado dá lugar a uma desigualdade que é válida para um certo conjunto de valores. Alguns exemplos simples de desigualdades são os seguintes: (a) x ≤ |x|, para qualquer −1 < x < 1; (b) x2 < x, se x < 1; (c) (x− y)2 ≥ 0, para quaisquer x e y reais; (d) x y + y x ≥ 2, para quaisquer x, y > 0. 233 234 7 Desigualdades 7.1 Desigualdade Triangular A desigualdade triangular a�rma o seguinte Teorema 7.1 (Desigualdade Triangular). Dado um triângulo ABC o comprimento de um dos lados é sempre inferior à soma dos compri- mentos dos outros dois lados, ou seja, AB < AC + CB, AC < AB +BC e BC < BA+ AC. A B C Figura 7.1: Desigualdade Triangular Em outras palavras, a desigualdade triangular é a formulação ma- temática da ideia intuitiva de que o caminho reto é mais curto entre os pontos A e B. Em analogia com a geometria plana temos uma versão da desigual- dade triangular para números reais, que provamos a seguir. Proposição 7.2. Sejam a e b números reais quaisquer, então |a+ b| ≤ |a|+ |b|. Demonstração. Se a + b ≥ 0, então |a + b| = a + b ≤ |a| + |b|. Caso contrário, se a+ b < 0, então |a+ b| = −a− b ≤ |a|+ |b|. 7.1 Desigualdade Triangular 235 Corolário 7.3. As seguintes desigualdades valem |a− b| ≤ |a|+ |b| (7.1) |a− b| ≥ |a| − |b|, (7.2) |a− b| ≥ ∣∣|a| − |b|∣∣ (7.3) Demonstração. Para a primeira, escrevemos |a − b| = |a + (−b)| ≤ |a| + | − b| = |a| + |b|. A segunda desigualdade decorre de |a| = |b+ (a− b)| ≤ |b|+ |a− b|. A última desigualdade é consequência da segunda, trocando os papéis de a e b. A B C D O• •P Figura 7.2: Problema da central de energia Exemplo 7.4. Quatro cidades rurais, A, B, C e D, estão situadas geogra�camente formando um quadrilátero convexo. Deseja-se cons- truir uma central de distribuição de energia para as quatro cidades de modo que a soma total das distâncias da central a cada uma das quatro cidades seja a mínima possível. Onde deverá ser construída a central? Solução. Mostraremos que a central de energia deverá ser colocada no ponto O de intersecção das diagonais do polígono ABCD. Com 236 7 Desigualdades efeito, considerando um ponto P , diferente de O, (veja Figura 7.2) a desigualdade triangular nos garante que OA+OC = AC < PA+ PC e OB +OD = BP < PB + PD, de onde se segue que OA+OC +OB +OD < PA+ PC + PB + PD, como esperávamos. Exemplo 7.5. Duas torres de alturas h1 e h2, respectivamente, estão separadas a uma distância d. As torres são amarradas por uma corda APB que vai do topo A da primeira torre para um ponto P no chão, entre as torres, e então até o topo B da segunda torre, como na Figura 7.3. Qual a posição do ponto P que nos dá o comprimento mínimo da corda a ser utilizada? A B P Figura 7.3: Problema das Torres 7.1 Desigualdade Triangular 237 Solução. Imaginemos que a superfície do chão é um espelho e que re- �etimos o ponto através deste, obtendo assim o ponto B′ como mostra a Figura 7.4. A B PC D B′ P ′ Figura 7.4: Solução geométrica do problema das torres Consideremos o segmento AB′ que intercepta o chão no ponto P e para nossa surpresa veri�caremos que este é o ponto que nos dá o comprimento mínimo das cordas. Com efeito, suponhamos que existe outro P ′ situado entre as torres que nos dá um comprimento menor para a corda, então da Figura 7.4 é fácil ver que os triângulos BPD e B′PD são congruentes, assim como os triângulos BP ′D e B′P ′D também são congruentes. Logo, as seguintes igualdades seguem dire- tamente das congruências: BP = B′P e BP ′ = B′P ′. Agora, usando a desigualdade triangular no triângulo AB′P ′ e as igual- dades acima, temos que AP ′ + P ′B = AP ′ + P ′B′ ≥ AB′ = AP + PB′ = AP + PB, 238 7 Desigualdades chegando assim à conclusão de que AP + PB nos oferece o compri- mento mínimo desejado. Agora calcularemos a que distância está P da base D. Lembremos que AC = h1, BD = h2 e CD = d e observamos que tang(]BPD) = h2 PD = h1 d− PD. Daí tem-se PD = dh2 h1 + h2 . 7.2 Desigualdade das Médias De�nição 7.6. Sejam a1, a2, . . . , an−1 e an números reais positivos. As quantidades mh(a1, a2, . . . , an) = n 1/a1 + 1/a2 + · · ·+ 1/an , (7.4) mg(a1, a2, . . . , an) = n √ a1a2 · · · an, (7.5) ma(a1, a2, . . . , an) = a1 + a2 + · · ·+ an n , (7.6) mq(a1, a2, . . . , an) = √ a21 + a 2 2 + · · ·+ a2n n (7.7) são chamadas, respectivamente, de média harmônica, média geomé- trica, média aritmética e média quadrática dos números ai, i = 1, 2, . . . , n. A seguir provaremos alguns resultados que estabelecem relações de desigualdades entre as médias de�nidas acima. 7.2 Desigualdade das Médias 239 Proposição 7.7 (Desigualdade das Médias Aritmética e Quadrática). Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-se a1 + a2 + · · ·+ an n ≤ √ a21 + a 2 2 + · · ·+ a2n n , ou seja, ma(a1, a2, . . . , an) ≤ mq(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual- dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an. Demonstração. Usando a igualdade∑ 1≤i<j≤n (ai − aj)2 = (n− 1) n∑ i=1 a2i − 2 ∑ 1≤i<j≤n aiaj (7.8) concluímos que, 2 ∑ 1≤i<j≤n aiaj ≤ (n− 1) n∑ i=1 a2i , (7.9) dado que o termo da esquerda em (7.8) é não negativo. Somando em ambos os membros de (7.9) a quantidade n∑ i=1 a2i obtemos ( n∑ i=1 ai )2 ≤ n n∑ i=1 a2i , donde, dividindo por n2 e tomando a raiz quadrada, segue-se a desi- gualdade desejada. Por último, observamos que a igualdade em (7.9) é atingida se, e somente se, ∑ 1≤i<j≤n (ai − aj)2 = 0, o que é verdade se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an. Proposição 7.8 (Desigualdade das médias Geométrica e Aritmética). Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-se n √ a1a2 · · · an ≤ a1 + a2 + · · ·+ an n , 240 7 Desigualdades ou seja, mg(a1, a2, . . . , an) ≤ ma(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual- dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an. Demonstração. A prova desta desigualdade é mais técnica e exige um pouco mais de esforço. Dividiremos a mesma em dois passos. Passo 1. A desigualdade vale para n = 2m. Procederemos por indução. Para n = 2 a desigualdade vale. De fato, ( √ a1 − √ a2) 2 = a1 + a2 − 2 √ a1a2 ≥ 0. Assim, a1 + a2 ≥ 2 √ a1a2 e conseqüentemente a1+a22 ≥ √ a1a2. Agora provamos que se a desigualdade vale para n = k, então também vale para n = 2k. Com efeito, a1 + · · ·+ a2k 2k = a1+···+ak k + ak+1+···+a2k k 2 (1) ≥ k √ a1 · · · ak + k√ak+1 · · · a2k 2 (2) ≥ √ k √ a1 · · · ak k √ ak+1 · · · a2k = 2k √ a1 · · · a2k, onde em (1) e (2) usamos a validade da desigualdade em para n = k e para n = 2, respectivamente. Logo, como já provamos a validade para n = 2, é claro que vale também para n = 4, 8, . . . , 2m, . . . , como esperávamos. Passo 2. Dado m inteiro positivo, então a desigualdade vale para todo n < 2m. Para veri�car isto, de�nimos o número L = n √ a1 · · · an, 7.2 Desigualdade das Médias 241 e como a desigualdade vale para n = 2m, temos então que a1 + · · ·+ an + L+ · · ·+ L︸ ︷︷ ︸ 2m−n vezes 2m ≥ 2m √ a1 · · · an · L2m−n = 2m √ Ln · L2m−n = L. Portanto, a1 + · · ·+ an + (2m − n)L 2m ≥ L, logo a1 + · · ·+ an ≥ 2mL− (2m − n)L = nL, obtendo assim que a1 + · · ·+ an ≥ nL = n n √ a1 · · · an, o que nos dá a desigualdade desejada. Como para qualquer inteiro positivo n sempre existe um inteiro positivo m tal que n < 2m, a desigualdade �ca provada para todo n. A prova de que a igualdade só ocorre quando a1 = a2 = · · · = anpode também ser feita por indução e deixamos a cargo do leitor. Proposição 7.9 (Desigualdade das Médias Harmônica e Geométrica). Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-se n 1/a1 + 1/a2 + · · ·+ 1/an ≤ n√a1a2 · · · an, ou seja, mh(a1, a2, . . . , an) ≤ mg(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual- dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an. Demonstração. Usando a Proposição 7.8 com os números ai substituí- dos por 1/ai (i = 1, 2 . . . , n) vale que( n∏ i=1 1 ai )1/n = mg(1/a1, . . . , 1/an) ≤ ma(1/a1, . . . , 1/an) = 1 n n∑ i=1 1 ai . 242 7 Desigualdades Invertendo esta última desigualdade, obtemos então mh(a1, a2, . . . , an) ≤ mg(a1, a2, . . . , an), concluindo-se assim a prova. Notemos que as igualdades só ocorrem se 1/a1 = 1/a2 = · · · = 1/an equivalem as igualdades a1 = a2 = · · · = an. O próximo resultado resume as relações provadas, nas proposições 7.7, 7.8 e 7.9, para as médias mh, mg, ma e mq. Teorema 7.10 (Desigualdade das Médias). Para toda coleção de nú- meros reais positivos a1, a2, . . . , an−1 e an se veri�cam as seguintes desigualdades: min(a1, . . . , an) ≤ mh(a1, a2, . . . , an) ≤ mg(a1, a2, . . . , an) ≤ ma(a1, a2, . . . , an) ≤ mq(a1, a2, . . . , an) ≤ max(a1, . . . , an). (7.10) Além disso, em cada caso a igualdade ocorre se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an. Exemplo 7.11. Num triângulo retângulo a altura relativa à hipote- nusa é sempre menor ou igual que a metade da hipotenusa. Além disso, a igualdade só ocorre quando o triângulo retângulo é isósceles (ou seja, seus catetos são iguais). Solução. Usando a Figura 7.5, temos que a hipotenusa c é dada por c = x+ y e usando o teorema das alturas para um triângulo retângulo 7.2 Desigualdade das Médias 243 temos que h2 = xy, logo h = √ xy. A desigualdade entre as médias geométrica e aritmética nos dá que h = √ xy ≤ x+ y 2 = c 2 , como queríamos. Além disso, a altura é a metade da hipotenusa se, e x y c h a b Figura 7.5: Interpretação geométrica da desigualdade das médias geo- métrica e aritmética somente se, a igualdade entre as médias ocorre, ou seja, quando x = y. Então, os catetos a e b do triângulo são iguais, sendo este isósceles. Exemplo 7.12 (Desigualdade Isoperimétrica para Triângulos). O pe- rímetro de um triângulo de lados a, b e c é a soma p = a + b + c. Entre todos os triângulos com perímetro �xado p o de maior área é o triângulo equilátero. Solução. Usando a Fórmula de Herón temos que a área de um triân- gulo com perímetro p é dada pela expressão A = √ p 2 (p 2 − a)(p 2 − b)(p 2 − c), onde a, b e c são os lados do triângulo. Usando agora a desigualdade mg ≤ ma temos que, A ≤ √ p 2 ( p 2 −a+p 2 −b+p 2 −c 3 )3 = p2 12 √ 3 . 244 7 Desigualdades Logo a maior área possível é p 2 12 √ 3 , a qual é atingida quando p 2 − a = p 2 − b = p 2 − c⇔ a = b = c, ou seja, quando o triângulo é equilátero. Notemos que neste caso, p2 12 √ 3 = a 2 √ 3 4 . Exemplo 7.13 (Desigualdade Isoperimétrica para Paralelepípedos). Entre todos os paralelepípedos com área lateral �xada A o de maior volume é o cubo (ou seja, o paralelepípedo com todos seus lados iguais). a b c Figura 7.6: A área lateral de um paralelepípedo de lados a, b e c é dada por AL = 2(ab+ bc+ ac). Solução. Denotando por a, b e c as medidas das arestas do paralele- pípedo sabemos que é a soma das áreas de todas as faces do paralele- pípedo, ou seja, AL = 2(ab+ ac+ bc). Sendo V o volume do paralelepípedo e usando a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica temos que V 2 = ab · ac · bc ≤ ( ab+ ac+ bc 3 )3 = ( AL 6 )3 . (7.11) Assim, o maior volume possível é V = √( AL 6 )3 , obtido quando ab = ac = bc, consequentemente a = b = c. 7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz 245 7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz Teorema 7.14 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz). Dados a1, . . . , an e b1, . . . , bn números reais tem-se |a1b1 + · · ·+ anbn| ≤ √ x21 + · · ·+ a2n √ b21 + · · ·+ b2n (7.12) Além disso, a igualdade só ocorre se existir um número real α, tal que a1 = αb1, . . . , an = αbn ou b1 = αa1, . . . , bn = αan. Demonstração. Usando a identidade de Lagrange: n∑ i=1 a2i n∑ i=1 b2i = ( n∑ i=1 aibi )2 + ∑ 1≤i<j≤n (aibj − ajbi)2 temos que ( n∑ i=1 aibi )2 ≤ n∑ i=1 a2i n∑ i=1 b2i , de onde se obtém diretamente a desigualdade de Cauchy-Schwarz. Além disso, a igualdade ocorre se, e somente se,∑ 1≤i<j≤n (aibj − ajbi)2 = 0⇐⇒ aibj − ajbi = 0, 1 ≤ i < j ≤ n, o que é verdade se, e somente se, existe α tal que ai = αbi ou bi = αai, com i = 1, 2, . . . , n. Exemplo 7.15. Entre todos os triângulos retângulos de catetos a e b e hipotenusa c �xada, o que tem maior soma dos catetos s = a + b é o triângulo isósceles. Solução. Usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz temos que a+ b = a · 1 + b · 1 ≤ √ a2 + b2 √ 12 + 12 = c √ 2 246 7 Desigualdades e este máximo é atingido quando a = λ · 1 e b = λ · 1 ou 1 = λ · a e 1 = λ · b. Em qualquer caso devemos ter a = b. Exemplo 7.16 (Desigualdade de Minkowski). Dados ai, bi com 1 ≤ i ≤ n, números reais, tem-se√√√√ n∑ i=1 (ai + bi)2 ≤ √√√√ n∑ i=1 a2i + √√√√ n∑ i=1 b2i . Solução. Partimos da seguinte igualdade: n∑ i=1 (ai + bi) 2 = n∑ i=1 a2i + n∑ i=1 b2i + 2 n∑ i=1 aibi. (7.13) Aplicando a desigualdade de Cauchy-Schwarz no lado direito de (7.13) temos que n∑ i=1 (ai + bi) 2 ≤ n∑ i=1 a2i + n∑ i=1 b2i + 2 √√√√ n∑ i=1 a2i √√√√ n∑ i=1 b2i = √√√√ n∑ i=1 a2i + √√√√ n∑ i=1 b2i 2 . (7.14) Tomando raiz quadrada em ambos os membros de (7.14) obtemos a desigualdade de Minkowski. 7.4 Desigualdade de Jensen A Desigualdade de Jensen está estreitamente relacionada com o con- ceito de convexidade, o qual explicamos a seguir. 7.4 Desigualdade de Jensen 247 De�nição 7.17. Uma função f : [α, β] → R é dita convexa se para quaisquer a, b ∈ [α, β] e para todo λ ∈ [0, 1] satisfaz f ( λa+ (1− λ)b ) ≤ λf(a) + (1− λ)f(b). x y • • a b (a, f(a)) (b, f(b)) y = f(x) Figura 7.7: Grá�co de uma função convexa Geometricamente, a de�nição de convexidade signi�ca que para cada par de pontos a e b escolhidos no intervalo [α, β] o grá�co da função encontra-se abaixo do segmento de reta secante que junta os pontos (a, f(a)) e (b, f(b)), como mostra a Figura 7.7. Exemplo 7.18. A função f(x) = x2 é convexa em qualquer intervalo [α, β]. Solução. Sejam a, b ∈ [α, β] e suponhamos, sem perda de generalidade, 248 7 Desigualdades que a < b. Então, para todo λ ∈ [0, 1] valem as desigualdades: (λa+ (1− λ)b)2 = λ2a2 + (1− λ)2b2 + 2λ(1− λ)ab (1) ≤ λ2a2 + (1− λ)2b2 + λ(1− λ)(a2 + b2) (7.15) = a2[λ2 + λ(1− λ)] + b2[(1− λ)2 + λ(1− λ)] = λa2 + (1− λ)b2, onde na passagem (1) usamos a desigualdade ab ≤ a2+b2 2 . Exemplo 7.19. A função f(x) = 1/x é convexa em qualquer intervalo [α, β] com α positivo. Solução. Sendo a, b ∈ [α, β] com a < b, para todo λ ∈ [0, 1] tem-se 1 = (λ+ (1− λ))2 = λ2 + 2λ(1− λ) + (1− λ)2 (1) ≤ λ2 + (a b + b a ) λ(1− λ) + (1− λ)2 (7.16) = λ2 + a b λ(1− λ) + b a λ(1− λ) + (1− λ)2 = λa (λ a + (1− λ) b ) +(1− λ)b (λ a + (1− λ) b ) = ( λa+ (1− λ)b )(λ a + (1− λ) b ) onde na passagem (1) usamos que a/b + b/a ≥ 2 para quaisquer nú- meros positivos a e b. De (7.16) segue-se que 1 λa+ (1− λ)b ≤ λ 1 a + (1− λ)1 b , mostrando isto a convexidade da função 1 x . 7.4 Desigualdade de Jensen 249 Observemos que, usando a desigualdade entre as médias aritmética e quadrática obtemos( a1 + a2 + · · ·+ an n )2 ≤ a 2 1 + a 2 2 + · · ·+ a2n n , em outras palavras (ma(a1, a2, . . . , an)) 2 ≤ ma(a21, a22, . . . , a2n). (7.17) Por outro lado, a desigualdade entre as médias harmônica e aritmética nos garantem que 1 ma(a1, a2, . . . , an) ≤ ma(1/a1, 1/a2 . . . , 1/an). (7.18) O seguinte resultado garante que as propriedades (7.17) e (7.18), satis- feitas pelas funções convexas x2 e 1 x , são válidas para qualquer função convexa. Teorema 7.20 (Desigualdade de Jensen). Seja f : [α, β] → R uma função convexa e sejam λi ∈ [0, 1] (i = 1, . . . ,n) tais que n∑ i=0 λi = 1. Então, para quaisquer ai ∈ [α, β] (i = 1, . . . , n) vale f(λ1a1 + · · ·+ λnan) ≤ λ1f(a1) + · · ·+ λnf(an). (7.19) Observação 7.21. Observemos que, quando λ1 = λ2 = · · · = λn = 1/n, a desigualdade de Jensen nos diz que f (a1 + a2 + · · ·+ an n ) ≤ f(a1) + f(a2) + · · ·+ f(an) n , ou seja, f(ma(a1, . . . , an)) ≤ ma(f(a1), . . . , f(an)). 250 7 Desigualdades Demonstração. Faremos a prova por indução. Para n = 2 a validade decorre diretamente da de�nição. Suponhamos que dado n natural (7.19) vale, então temos que provar a validade de f (n+1∑ j=1 λjaj ) ≤ n+1∑ j=i λjf(aj). (7.20) Notemos que n+1∑ j=1 λjaj = n∑ j=1 λjaj + ( 1− n∑ j=1 λj ) an+1 = α n∑ j=1 λj α aj + (1− α)an+1, (7.21) onde α = n∑ j=1 λj. Assim, usando que n∑ j=i λj α = 1 e a hipótese de indução, obtemos f (n+1∑ j=1 λjaj ) ≤ αf ( n∑ j=1 λj α aj ) +(1− α)f(an+1) ≤ α n∑ j=1 λj α f(aj) + (1− α)f(an+1) = n+1∑ j=1 λjf(aj), (7.22) como queríamos provar. 7.5 Exercícios 1. Provar que em todo triângulo a soma dos comprimentos das medianas é menor que o perímetro do triângulo e maior que o semiperímetro deste. 7.5 Exercícios 251 2. Os centros de três círculos que não se intersectam estão sobre uma reta. Prove que se um quarto círculo toca de forma tangente os três círculos, então o raio deste é maior que pelo menos um dos raios dos três círculos dados. 3. Dado n inteiro positivo, provar que n∑ j=1 1 j ≥ 2n n+ 1 . 4. A soma de três números positivos é 6. Provar que a soma de seus quadrados não é menor que 12. 5. Determinar as dimensões do paralelepípedo de menor diagonal possível, sabendo que a soma dos comprimentos de todas suas arestas é 12. 6. Encontrar todas as soluções positivas do sistema de equações não lineares x21 + · · ·+ x210 = 11 x21 + · · ·+ 1 x210 = 100. 7. Demonstrar que, se a1, a2, . . . , an são números positivos tais que a1a2 · · · an = 1 então (1 + a1)(1 + a2) · · · (1 + an) ≥ 2n. 8. Prove que a média geométrica é super-aditiva, isto é, para nú- meros não negativos ai e bi, 1 ≤ i ≤ n, tem-se n √√√√ n∏ i=1 ai + n √√√√ n∏ i=1 bi ≤ n √√√√ n∏ i=1 (ai + bi). 252 7 Desigualdades Além disso, estude em que condições ocorre a igualdade. Sugestão: Use a desigualdade entre as médias geométrica e aritmética. 9. Usar o método de indução para provar a desigualdade de Cauchy- Schwarz. 10. Para todo λ real n∑ i=1 (ai +λbi) 2 ≥ 0. Use este fato para dar outra prova da desigualdade de Cauchy-Schwarz. 11. Use a desigualdade de Cauchy-Schwarz para dar uma prova alter- nativa da desigualdade entre as médias aritmética e quadrática (ma ≤ mq). 12. Prove que n∑ i=1 aibi ≤ 1 2 { n∑ i=1 a2i + n∑ i=1 b2i } . 13. Prove que a4 + b4 + c4 ≥ abc(a+ b+ c). 14. Prove que se a ≥ 0, b ≥ 0 e c ≥ 0, então (a+ b)(a+ c)(b+ c) ≥ 8abc. 15. Prove a desigualdade de Bernoulli: (1 + x)n > 1 + nx, para qualquer x positivo e n inteiro positivo. 16. Prove que se a, b, c e d são inteiros positivos, então: (a+ b+ c+ d) ( 1 a + 1 b + 1 c + 1 d ) ≥ 16. 17. Prove que se a ≥ 0, b ≥ 0 e c ≥ 0, então (ab+ bc+ ca) ≥ a √ bc+ b √ ac+ c √ ab. 7.5 Exercícios 253 18. Prove que se x ≥ 0, então 3x3 − 6x2 + 4 ≥ 0. Sugestão: Use a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica. 19. Prove que se x ≥ 0, então 2x+ 3/8 ≥ 4√x. 20. Sejam C1 e C2 dois círculos concêntricos de raios r1 e r2, res- pectivamente, com r1 < r2. Sobre o círculo C1 se marcam dois pontos P1 e P2 diametralmente opostos. Deseja-se encontrar o ponto P sobre o círculo C2 que maximiza a soma d(P ) = PP1 + PP2. 254 7 Desigualdades 8 Polinômios A oisa mais bela que podemos ontemplar é o mistério. Isto é afonte da verdadeira arte e iên ia. Albert Einstein 8.1 Operações com Polinômios A necessidade de estudar equações polinomiais aparece em problemas práticos da humanidade desde épocas muito remotas. Indícios arque- ológicos indicam que os babilônicos já tinha o domínio de técnicas de resolução de algumas equações do primeiro grau e do segundo grau, apresentadas em forma de problemas cotidianos. Contudo, o grande avanço teórico no estudo das equações polinomiais só se iniciou com o Renascimento na Europa. No início do século XVI, Vièti introduziu o uso de letras para representar quantidades desconhecidas. Na mesma época, um outro grande desa�o estava perturbando as mentes matemáticas de toda a Europa, em especial as da Itália. A solução explícita utilizando as operações elementares (soma, subtra- ção, multiplicação, divisão, radiciação e potenciação) da equação do 255 256 8 Polinômios terceiro grau não era conhecida e muitos dos melhores matemáticos da época trabalharam neste problema, destacando-se entre eles Ni- colo Fontana, o Tartaglia (gago, em italiano). A história da solução desta equação está repleta de intrigas, disputas e acusações, envol- vendo Tartaglia e Cardano. Hoje os historiadores atribuem a Tarta- glia a primazia na descoberta da solução da equação do terceiro grau como conhecemos. É desta época também a solução da equação do quarto grau, atribuída a Ludovico Ferrari. Entretanto, apesar dos muitos esforços empreendidos na direção de encontrar a solução geral da equação do quinto grau, mais de 200 anos se passaram sem nenhum sucesso. Até que em 1824, o matemático norueguês Niels Abel mostrou que é impossível resolver as equações de grau cinco em sua forma geral. Ou seja, nem todas as equações de grau cinco podem ser resolvidas com as operações elementares. Mais ainda, em 1830 o matemático francês Evariste Galois descobriu um método que determina quando uma equação de grau qualquer é resolúvel com as operações elementares, encerrando um belíssimo capítulo do estudo das equações polinomiais e da Matemática. Neste capítulo iremos estudar um pouco mais formalmente os poli- nômios e suas propriedades. De�nição 8.1. Um polinômio na variável x é uma expressão do tipo p(x) = anx n + an−1x n−1 + · · ·+ a1x+ a0 onde a0, a1, . . . , an são números. Se an 6= 0, dizemos que n é o grau do polinômio e a0, a1, . . . , an são seus coe�cientes. O coe�ciente an é chamado de coe�ciente líder do polinômio. Observação 8.2. Não se de�ne o grau do polinômio nulo, que tem todos os coe�cientes iguais a zero. 8.1 Operações com Polinômios 257 Por exemplo, • p(x) = 3x− 1 é um polinômio de grau 1; • q(x) = 4x3 + 7x+ 1 é um polinômio de grau 3; • t(x) = π 2 x4 é um monômio de grau 4; • v(x) = −π 2 x4 + 5x2 + 1 é um polinômio de grau 4; • u(x) = 7 é um polinômio de grau 0. Uma equação polinomial de grau n, ou simplesmente uma equação de grau n, é uma sentença p(x) = 0, onde p(x) é um polinômio de grau n com coe�cientes reais. Por exemplo, 2x−1 = 0 é uma equação do primeiro grau, enquanto −x5 + 4x3 + 5x− 1 = 0 é uma equação de grau 5. Note que nem todos os coe�cientes precisam ser diferentes de zero. Para obtermos o valor do polinômio p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+a1x+a0 no número real r, devemos substituir x por r para obter o número real p(r) = anr n + an−1r n−1 + · · ·+ a1r + a0. Por exemplo, o valor do polinômio p(x) = 4x3 − 7x+ 1 em 2 é p(2) = 4 · 23 − 7 · 2 + 1 = 19. Dizemos que um número real r é uma raiz para a equação anx n + an−1x n−1 + · · ·+ a1x+ a0 = 0 se o valor de p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0 em r é zero, ou seja, se r veri�ca anr n + an−1r n−1 + · · ·+ a1r + a0 = 0. 258 8 Polinômios Por exemplo, 5 é raiz da equação: 2x− 10 = 0. Uma das vantagens dos polinômios sobre outros objetos matemá- ticos é que podemos de�nir as operações de soma de polinômios e multiplicação de polinômios. Com estas operações, o conjunto dos po- linômios possui muitas propriedades similares à dos números inteiros, tornando prático o seu uso. Vamos de�nir agora o que signi�ca a soma de dois polinômios. Para isso, vamos começar somando dois monômios e depois estender nossa de�nição para polinômios em geral. Para somar dois monômios de mesmo grau p(x) = akxk e q(x) = bkx k somamos seus coe�cientes,obtendo o polinômio t(x) = p(x) + q(x) = (ak+bk)x k. Em geral, para somar o polinômio p(x) = a0+a1x+ a2x 2 + · · ·+ anxn com o polinômio q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmxm, onde n ≤ m devemos somar todos os monômios de mesmo grau, obtendo o polinômio: t(x) = p(x) + q(x) = c0 + c1x+ · · ·+ cmxm onde, ci = ai + bi para 0 ≤ i ≤ n e ci = bi para i > n. Por exemplo, sendo • p(x) = 3x− 1, • q(x) = 4x3 + 7x+ 1, • t(x) = π 2 x4, • v(x) = −π 2 x4 + 5x2 + 1 8.1 Operações com Polinômios 259 temos que • p(x) + q(x) = 4x3 + (3 + 7)x− 1 + 1 = 4x3 + 10x, • v(x) + t(x) = (π 2 − π 2 )x4 + 5x2 + 1 = 5x2 + 1. A seguir, enumeramos algumas propriedades simples e importantes da soma de polinômios que decorrem da de�nição dada e das propri- edades análogas válidas para os números reais. 1. Associatividade. Dados polinômios p(x), q(x) e t(x), vale (p(x) + q(x)) + t(x) = p(x) + (q(x) + t(x)) 2. Elemento neutro. Se 0 denota o polinômio nulo e p(x) é um polinômio qualquer, então 0 + p(x) = p(x). 3. Elemento simétrico. Se p(x) = a0 + a1x + · · · + anxn é um polinômio, então o polinômio q(x) = −a0 − a1x − · · · − anxn satisfaz: p(x) + q(x) = 0. 4. Comutatividade. Se p(x) e q(x) são polinômios, então p(x) + q(x) = q(x) + p(x). Note que os números inteiros possuem propriedades similares para a operação de soma de números inteiros. Vamos agora de�nir o produto de dois polinômios. Para isso, vamos primeiramente de�nir o produto de dois monômios, como já �zemos no caso de soma de polinômios. 260 8 Polinômios Se n,m são números naturais, de�nimos o produto dos monômios p(x) = anx n e q(x) = bmxm como: p(x)q(x) = anbmx n+m. Tendo isto em mente, para efetuarmos o produto do polinômio de grau n, p(x) = a0 + a1x + a2x2 + · · · + anxn pelo polinômio q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmxm de grau m, com n ≤ m, devemos: • Completamos a escrita de p(x) e de q(x) até o termo n + m colocando ak = 0 para k > n e bk = 0 para k > m; • De�nimos t(x) = p(x)q(x) = c0 + c1x+ · · ·+ cn+mxn+m onde, ci = a0bi +a1bi−1 + · · ·+ai−1b1 +aib0 para 0 ≤ i ≤ n+m. Apesar de parecer complicada, a de�nição não é tão difícil de ser aplicada. Para tentar visualizar o processo de multiplicação de dois polinômios vamos pensar que os monômios são seres alienígenas vin- dos do distante planeta de Algebrum e possuam mãos. Quando dois monômios se encontram, invariavelmente eles apertam as mãos e desse aperto aparece o produto desses monômios. Assim, para multiplicar os polinômios p(x) e q(x), que são forma- dos por dois grupos de monômios, devemos escolher o primeiro monô- mio de p(x) e fazê-lo apertar a mão de cada um dos monômios de q(x), somando os monômios obtidos. Após isso, tomamos o segundo monômio de p(x) e fazemos ele apertar a mão de cada um dos monô- mios de q(x), somando os monômios obtidos aos monômios anteriores. Repetimos o processo até o último monômio de p(x). 8.1 Operações com Polinômios 261 Deste modo, se p(x) = x2 + 2x − 3 e q(x) = −x2 + 5x + 1, para obter p(x)q(x) fazemos: p(x)q(x) = −x4 + 5x3 + x2 − 2x3 + 10x2 + 2x+ 3x2 − 15x− 3 = −x4 + 3x3 + 14x2 − 13x− 3. Observe que com a de�nição de multiplicação de polinômios dada acima, o coe�ciente c0 é igual a a0b0. Do mesmo modo, o coe�ciente do termo xn+m é cn+m = anbm. Como p(x) tem grau n (isto é, an 6= 0) e q(x) tem grau m (bm 6= 0), o coe�ciente cn+m = anbm 6= 0. Logo, o polinômio p(x)q(x) tem grau n + m. Com isso, demonstramos o seguinte fato: Proposição 8.3. Se o polinômio p(x) tem grau n e o polinômio q(x) tem grau m, então o polinômio p(x)q(x) tem grau n+m. Um caso particular interessante é quando multiplicamos um núme- ro c, que podemos considerar como sendo um polinômio de grau zero q(x) = c, por um polinômio p(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn. Neste caso, nós obtemos o polinômio cp(x) = ca0 + ca1x+ · · ·+ canxn. Do mesmo modo em que podemos veri�car as propriedades da soma de polinômios a partir das propriedades similares dos números reais, podemos também veri�car as propriedades abaixo sobre a mul- tiplicação de polinômios. Deixamos essa veri�cação como exercício. 1. Associatividade. Dados polinômios p(x), q(x) e t(x), vale (p(x)q(x))t(x) = p(x)(q(x)t(x)) 262 8 Polinômios 2. Elemento neutro. Se 1 denota o polinômio constante e p(x) é um polinômio qualquer, então 1p(x) = p(x). 3. Comutatividade. Se p(x) e q(x) são polinômios, então p(x)q(x) = q(x)p(x). 4. Distributividade. Se p(x), q(x) e t(x) são polinômios, então (p(x) + q(x))t(x) = q(x)t(x) + p(x)t(x). Note que, assim como nos inteiros, a propriedade de existência de elementos inversos para a multiplicação de polinômios não vale. De fato, podemos veri�car que se p(x) é um polinômio de grau n maior ou igual a um, então não existe um polinômio q(x) tal que p(x)q(x) = 1. De fato, suponha por absurdo, que exista q(x) um polinômio com grau m ≥ 0 tal que p(x)q(x) = 1. Então, utilizando a Proposição 8.3 temos que o grau de p(x)q(x) é n + m que é maior ou igual que um. Como o grau do polinômio constante 1 é zero, temos que a igualdade acima não pode valer, onde chegamos a um absurdo. Em resumo, os únicos polinômios que podem ter inversos com res- peito à operação de multiplicação são os polinômios constantes não nulos. Esta é mais uma das semelhanças entre os inteiros e os polinô- mios. 8.2 Algoritmo de Euclides 263 8.2 Algoritmo de Euclides Diremos que um polinômio a(x) divide o polinômio b(x) se existir q(x) tal que b(x) = q(x)a(x). Por exemplo, o polinômio a(x) = x2 + x + 1 divide o polinômio x3 − 1 pois (x− 1)(x2 + x+ 1) = x3 − 1. Devido à Proposição 8.3, se o polinômio a(x) divide o polinômio não nulo b(x), então o grau de a(x) é menor ou igual ao grau de b(x). Agora, vamos enunciar um fato que vale para os inteiros e que vale também para os polinômios e que será de grande utilidade. Pedimos que o leitor releia o algoritmo de Euclides, estudado no Capítulo 3. No conjunto dos polinômios, ainda vale Teorema 8.4 (Algoritmo de Euclides). Sejam a(x) e b(x) dois polinô- mios com coe�cientes reais, b(x) 6= 0. Então, existem polinômios com coe�cientes reais q(x) e r(x), com r(x) = 0 ou grau de r(x) menor que o grau de b(x) tais que: a(x) = b(x)q(x) + r(x). Além disso, q(x) e r(x) estão determinados de modo único. Demonstração. Vamos mostrar primeiro a unicidade. De fato, assuma que a(x) = b(x)q1(x) + r1(x) = b(x)q2(x) + r2(x), com r1 e r2 de graus menores que o grau de b. Assim, b(q1 − q2) = r2 − r1. 264 8 Polinômios Consequentemente, q1 = q2, já que caso contrário, o polinômio b(q1 − q2) teria grau pelo menos igual ao grau de b e o polinômio r2− r1 tem grau menor que o grau de b. Vamos agora mostrar a existência. Os passos da prova são idênticos a prova do algoritmo de Euclides para números inteiros, demonstrado no Capítulo 3. De fato, a ideia é reduzir o grau do dividendo até que ele se torne menor que o do divisor e a divisão se torne imediata. Note que se a tem grau menor que b, então tomamos o resto com sendo r = a e o quociente como sendo q = 0. Suponhamos que a(x) = anx n+ · · ·+a1x+a0 tenha grau n e b(x) = bmxm+ · · ·+b1x+b0 tenha grau m e que n > m. De�na c1(x) = a(x)− an bm xn−mb(x). Observe que o grau de c1 é no máximo n− 1. Se c1 puder se dividido por b, digamos com c1(x) = b(x)q(x) + r(x), com grau de r(x) menor que o grau de b(x), então a(x) = b(x) an bm xn−m + c1(x) = b(x)( an bm xn−m + q(x)) + r(x). Logo, reduzimos o problema de dividir o polinômio a(x) por b(x) pelo problema de dividir o polinômio c1(x) por b(x), com c1(x) de grau menor que a(x). Repetimos o processo, utilizando c1 no lugar de a(x), obtendo o polinômio c2(x) de grau menor que o de c1(x). Como a cada passo reduzimos o grau do dividendo em pelo menos uma unidade, ao �m de no máximo n −m passos, obteremos um polinômio com grau menor que o grau de b(x), que é claramente divisível por b(x). Proce- dendo como antes, achamos q(x) e r(x) tais que a(x) = b(x)q(x)+r(x) e r(x) com grau menor que o grau de b(x). 8.2 Algoritmo de Euclides 265 Por exemplo,se a(x) = 10x3 − 3x + 2 e b(x) = x2 + 1, tomando q(x) = 10x e r(x) = −13x+ 2 temos que 10x3 − 3x+ 2 = (x2 + 1)10x+ (−13x+ 2). Note que o grau de r(x) = −13x + 2 é menor que o grau de b(x) = x2 + 1. Se na expressão do polinômio p(x) decidimos substituir a variável x por um número real s, estaremos avaliando o polinômio p(x) em s e denotamos este número por p(s). Por exemplo, se p(x) = x2 + 3x + 1, então substituindo x por 2, temos que p(2) = 22 + 3 · 2 + 1 = 11 e fazendo x = −3 p(−3) = (−3)2 + 3 · (−3) + 1 = 1. Quando p(s) = 0 dizemos que s anula o polinômio não nulo p(x), ou ainda, que s é uma raiz do polinômio p(x). Por exemplo, para p(x) = x3 − 8, temos que 2 é uma raiz de p(x) já que p(2) = 23 − 8 = 0. Um fato muito importante que é consequência do algoritmo de Euclides é o seguinte teorema: Teorema 8.5. Se s é uma raiz do polinômio p(x), então o polinômio x− s divide p(x). Reciprocamente, se x− s divide p(x), então s é raiz de p(x). Demonstração. Primeiramente, assuma que x − s divida p(x). Neste caso, existe um polinômio q(x) tal que p(x) = q(x)(x− s). Avaliando 266 8 Polinômios o polinômio p(x) em s, temos que: p(s) = q(s)(s− s) = q(s) · 0 = 0. Logo s é uma raiz de p(x). Para provar que se s é uma raiz de p(x) então x − s divide p(x), vamos utilizar o algoritmo da divisão, com a(x) = p(x) e b(x) = x− s. Neste caso, temos que existem q(x) e r(x) de modo que r(x) = 0 ou o grau de r(x) é menor que o grau de x− s e além disso vale p(x) = q(x)(x− s) + r(x). Observe que, com as condições do resto r(x), podemos escrever que r(x) = c ∈ R. Então, p(x) = q(x)(x−s)+c e 0 = p(s) = q(s)·0+c = c. Portanto, r(x) = 0 e p(x) = q(x)(x− s), isto é, x− s divide p(x). A proposição anterior nos permite determinar o número máximo de raízes reais de um polinômio não nulo. De fato, vamos mostrar. Proposição 8.6. O número máximo de raízes reais do polinômio não nulo p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0 é n. Demonstração. Digamos que s0 < s1 < s2 < · · · < sk sejam raízes distintas do polinômio p(x). Observe que podemos utilizar a Propo- sição 8.5 para garantir que existe um polinômio não nulo q1(x) tal que p(x) = q1(x)(x− s0). Assim, pela Proposição 8.3, o grau de q1(x) deve ser igual a n − 1. Note que p(si) = q1(si)(si−s0). Como para todo i = 1, 2, . . . , k temos que si > s0 com p(si) = 0, temos que, necessariamente, q1(si) = 0. Assim, em particular, temos que q1(s1) = 0. Logo, podemos aplicar 8.2 Algoritmo de Euclides 267 a proposição novamente para obter que existe um polinômio não-nulo q2(x) tal que q1(x) = q2(x)(x− s1). Assim, como o grau de q1(x) é n − 1, pela Proposição 8.3, o grau de q2(x) deve ser igual a n− 2. Novamente, temos que q1(si) = q2(si)(si − s1), si > s1 e p(si) = 0 para todo i = 2, . . . , k. Disto segue que, necessariamente, q2(si) = 0, se i = 2, 3, . . . , k. Assim, temos que q2(s2) = 0. Logo, podemos repetir esse argumento para obter um polinômio q3(x) de grau n−3, de modo que s3, s4, . . . , sk são raízes de q3(x). Re- petindo o argumento, encontramos uma sequência q1(x), q2(x), q3(x), . . . com graus no máximo n − 1, n − 2, n − 3, . . . o que nos leva a con- cluir que não podemos repetir esse argumento mais que n vezes, já que os graus dos polinômios q1(x), q2(x), q3(x), . . . estão diminuindo. Ou seja, não podemos ter mais que n raízes para o polinômio p(x), o que conclui a prova. Alertamos que, apesar da Proposição 8.6 nos garantir que existem no máximo n raízes reais de um polinômio de grau n não nulo, existem polinômios que não possuem raízes reais. Por exemplo, p(x) = x2 + 1 não possui raízes rais, já que x2 ≥ 0 para todo número real x. Uma consequência da Proposição 8.6 é a seguinte: Proposição 8.7. Se dois polinômios p(x) e q(x) de grau n avaliados em n+ 1 números r1, r2, . . . , rn+1 coincidem, isto é, p(ri) = q(ri) para i = 1, 2, 3, . . . , n+ 1, então p(x) e q(x) são iguais. Demonstração. Considere o polinômio t(x) = p(x) − q(x). Observe que se t(x) é não-nulo, o grau de t(x) é no máximo n, já que p(x) 268 8 Polinômios e q(x) têm graus iguais a n. Observe ainda que t(ri) = 0, já que p(ri) = q(ri) e t(ri) = p(ri)− q(ri) = 0. Logo, t(x) tem grau no máximo n e mais de n raízes, contradizendo a Proposição 8.6. No Exercício 23 faremos uma aplicação interessante dessa propo- sição, propondo que você prove que dados números reais a1, a2, . . . , an+1 e r1, r2, . . . , rn+1, então existe um único polinômio de grau n tal que p(ri) = ai. 8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? Pode parecer frustrante o fato de que um polinômio com coe�cientes reais pode não possuir raízes reais. Por exemplo, quando tentamos aplicar a fórmula de Bhaskara à equação x2 + 1 = 0, encontramos ∆ = −4 e, consequentemente, se fosse possível escrever as soluções, elas se escreveriam como x1 = √ −4 2 e x2 = − √ −4 2 É claro que as expressões acima não têm sentido no conjunto dos números reais, pois não existe número cujo quadrado seja −4, ou seja, não é possível extrair a raiz quadrada de −4. Isso tirou o sono de várias gerações de matemáticos. Desde Herón de Alexandria há dois mil anos atrás, os matemáticos encontram expressões como a do tipo acima, envolvendo raízes de números negativos. 8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? 269 A primeira reação da comunidade matemática foi rejeitar esses números complexos e simplesmente desconsiderar raízes de números negativos. Porém, já no século XVI, Cardano se deu conta de que os números complexos surgem naturalmente quando desejamos resolver uma equação do terceiro ou quarto grau, mas relutava quanto ao seu uso, dizendo que esses números eram �tão sutis, quanto inúteis�. No século seguinte, motivado pela sugestão de Albert Girard que uma equação de grau n possui n raízes, Reneé Descartes observou que os números reais eram insu�cientes para representar todas essas raízes e utilizou o termo imaginárias para as raízes que não são reais. A notação tradicional i = √ −1 só veio a ser introduzida um século mais tarde, com Leonard Euler, que também é o pai do termo número complexo. Euler e o matemático francês Jean D'Alambert �zeram apli- cações dos números complexos a problemas práticos, como projeção de mapas e hidrodinâmica. Euler e Lagrange, grandes matemáticos da história da humanidade, tentaram mostrar a a�rmação de Girard, de que uma equação de grau n possui n raízes, mas sem sucesso. A primeira prova correta de tal teorema só apareceu no �nal do século XVIII com os trabalhos de Gauss. 8.3.1 Números Complexos e Raízes de Polinômios O conjunto dos números complexos, denotado pela letra C, é o con- junto das expressões C = {x+ iy;x, y ∈ R}, onde i satisfaz i2 = −1. Costuma-se denotar i por √ −1. Destacamos que i é meramente um símbolo que nos ajudará a de�nir as operações de soma e de multiplicação de números complexos. Essas operações 270 8 Polinômios terão as mesmas propriedades que as operações de números reais, como associatividade, comutatividade, elemento neutro, etc. Por exemplo, são números complexos 2− 3i, 3 + i e −3i. Vamos de�nir a soma e multiplicação de números complexos. Da- dos dois números complexos a+ bi e c+ di de�nimos a soma como: (a+ bi) + (c+ di) = (a+ b) + (c+ d)i e de�nimos a multiplicação como (a+ bi)(c+ di) = (ac− bd) + (bc+ ad)i Por exemplo, se tomamos os números 2− 3i e 3 + 4i então (2− 3i) + (3 + 4i) = 5 + i e (2− 3i)(3 + 4i) = (2 · 3− (−3 · 4)) + (−3 · 3 + 2 · 4)i = 18− i. Aqui nós estamos considerando 0 + 3i = 3i e 3 + 0 · i = 3. Isso nos permite colocar os números reais dentro do conjunto dos números complexos, considerando cada número real r como sendo um número complexo da forma r + 0 · i. Fica para o leitor a veri�cação de que valem as propriedades de associatividade, comutatividade, etc. O elemento neutro da soma é o elemento 0 + 0 · i que simplesmente denotaremos por 0. Do mesmo modo, o elemento neutro da multiplicação é 1+0 ·i, que será denotado por 1. O leitor curioso pode achar mais informaçõessobre números complexos e soluções de equações algébricas em [5] ou [13]. 8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? 271 Assim, dado um número complexo z faz sentido avaliar o polinômio (de coe�cientes complexos ou reais) p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · + a1x+ a0 em z, obtendo o número complexo p(z) = anz n + an−1z n−1 + · · ·+ a1z + a0. Por exemplo, se p(x) = x2 + 4, então 2i e −2i são raízes deste polinômio, já que: p(2i) = (2i)2 + 4 = −4 + 4 = 0. e p(−2i) = (−2i)2 + 4 = 4i2 + 4 = −4 + 4 = 0. Note que p(x) não possui nenhuma raiz real, mas possui duas raízes complexas. Como já mencionamos, a grande vantagem em utilizar os números complexos em vez dos números reais é que, dado um polinô- mio qualquer com coe�cientes complexos, ele sempre tem uma raiz complexa. Isso foi o assunto da tese de doutorado do Príncipe da Matemática, Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Teorema 8.8 (Teorema Fundamental da Álgebra). Todo polinômio não constante com coe�cientes complexos de grau n possui exatamente n raízes complexas, contadas com multiplicidade. Uma demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra foge do objetivo deste livro. Podem ser dadas várias demonstrações diferen- tes desse teorema, utilizando diversas teorias matemáticas avançadas. Uma demonstração desse teorema pode ser achada em [13]. 272 8 Polinômios 8.4 Exercícios 1. Calcule o quociente e o resto da divisão de p(x) por q(x) para os polinômios p(x) e q(x) dados: (a) p(x) = 3x3 − 2x+ 1 e q(x) = −7x− 1; (b) p(x) = x5 − 1 e q(x) = x− 1; (c) p(x) = 3x5 − 2x3 + 1 e q(x) = x2 + x+ 1 2. Encontre os valores de A e B de forma que x+ 1 x2 − x = A x + B x− 1 . 3. Se os polinômios x2−x+4 e (x−a)2+(x+b) são iguais, encontre a+ b. 4. Quais os valores de a e b que tornam iguais os polinômios P1(x) = x 2 − x− 6 e P2(x) = (x+ a)2 − b? 5. A divisão de P (x) por x4 + 1 tem quociente x + 2 e resto 1. Encontre o polinômio P (x). 6. Qual o resto da divisão do polinômio x100 por x+ 1? 7. Determine o resto da divisão do polinômio p(x) pelo polinômio g(x) = x, onde p(x) = (x− 1)(x− 2) . . . (x− n) + b . 8. Mostre que xn − 1 é divisível por x− 1 para todo n ≥ 1. 9. Faça os seguintes itens: (a) encontre o quociente da divisão de xn+1 − 1 por x− 1; 8.4 Exercícios 273 (b) utilize a divisão anterior para calcular a soma 1 + x+ x2 + x3 + · · · + xn dos n primeiros termos de uma progressão geométrica de razão x. 10. Determine o valor de a para que o polinômio P (x) seja divisível por x− a, onde P (x) = x3 + (1− a)x2 + (1 + a)x− 1. 11. Mostre que o polinômio P (x) = x100 − 2x50 + 1 é divisível por x2 − 1. 12. Mostre que o resto r(x) da divisão do polinômio p(x) por x− s é r(x) = p(s). Dado o polinômio p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 de�nimos a derivada de p(x) como sendo o polinômio: p′(x) = nanx n−1 + (n− 1)an−1xn−2 + · · ·+ 2a2x+ a1. Por exemplo, a derivada do polinômio x5 é o polinômio 5x4 e a derivada do polinômio x3+5x2+2x−1 é o polinômio 3x2+10x+2. 13. Usando as informações do Exercício 12, calcule: (a) a derivada dos polinômios: (i) x+ 1; (ii) x4 + 3; (ii) 1 + x+ x2 + x3 + · · ·+ xn. (b) Sabendo que p(0) = 1, calcule também o polinômio p(x) cuja derivada é (i) x4. (ii) −x2 + 1. 274 8 Polinômios (ii) x3 + 2x2 + 3. (c) Prove que se p(x) e q(x) são polinômios, então (i) (p+ q)′(x) = p′(x) + q′(x) (ii) (pq)′(x) = p′(x)q(x) + p(x)q′(x) Sugestão: Faça primeiro para monômios. De�nimos uma raiz múltipla de um polinômio p(x) como sendo uma raiz a tal que (x − a)2 divide p(x). Caso a seja uma raiz que não é raiz múltipla, dizemos que ela é raiz simples. 14. Mostre que a é raiz múltipla de um polinômio p(x) se, e somente se, a é raiz de p(x) e de p′(x). Sugestão: Use o exercício anterior. 15. Para quais valores de n ∈ N tem-se que (a) 1 + x2 + x4 + . . .+ x2n−2 é divisível por 1 + x+ . . .+ xn−1? (b) 1 + x3 + x6 + . . .+ x3n−3 é divisível por 1 + x+ . . .+ xn−1? (c) Generalize. 16. (a) Resolva a equação 20x3 − 30x2 + 12x − 1 = 0, sabendo-se que 1 2 é uma de suas raízes. (b) Uma raiz da equação x3−(2a+1)x2+a(a+2)x−a(a+1) = 0 é a+ 1, ache as outras duas. 17. Ache os possíveis valores de a ∈ Z para que o polinômio a2x4 + 4x3 + 4ax+ 7 seja divisível por x+ 1. 8.4 Exercícios 275 Um polinômio com coe�cientes reais não constante p(x) é dito ir- redutível se p(x) = a(x)b(x), então a(x) ou b(x) são polinômios constantes. Quando p(x) não for irredutível, diremos simples- mente que ele é redutível. Os polinômios irredutíveis desempe- nham papel análogo no conjunto dos polinômios ao dos números primos em Z. 18. Prove que todo polinômio de grau 1 é irredutível. 19. Prove que se f(x) é um polinômio de grau ≥ 2 e possui uma raiz real, então f(x) é redutível. 20. Mostre que todo polinômio f(x) de grau ímpar ≥ 3 é redutível. Um polinômio com coe�cientes inteiros não constante p(x) é dito irredutível sobre Q se p(x) = a(x)b(x) com a(x) e b(x) polinômios com coe�cientes racionais, então a(x) ou b(x) são polinômios constantes. Um teorema importante que descreve uma condição para um polinômio ser irredutível sobre Q é o conhecido critério de Ei- senstein, que diz: Teorema 8.9 (Critério de Eisenstein). Seja f(x) = a0 + a1x + · · ·+ anxn um polinômio com coe�cientes inteiros. Suponha que exista um primo p tal que: (a) p - an; (b) p | a0, p | a1, . . . , p | an−1; (c) p2 - a0. Então, f(x) é irredutível sobre Q. 276 8 Polinômios Para uma prova desse resultado veja o livro [2]. Faça os seguintes problemas: 21. Mostre que os seguintes polinômios f(x) são irredutíveis sobre Q. Sugestão: Use o critério de Eisenstein. (a) f(x) = x4 + 2x3 + 2x2 + 2x+ 2; (b) f(x) = x6 + 15; (c) f(x) = x4 + 10x3 + 20x2 + 30x+ 22. 22. Determine quais dos polinômios abaixo são irredutíveis sobre Q. Sugestão: Use o critério de Eisenstein. (a) x3 − x+ 1 (b) x3 + 2x+ 10 (c) x4 − x+ 1 O problema a seguir trata do polinômio de interpolação de La- grange. 23. Demonstre a proposição a seguir: Polinômio de Interpolação de Lagrange. Sejam ai, bi em R, i = 1, 2, . . . , n, com os ai′s dois a dois distintos e os bi′s nem todos nulos. Considere os polinômios pi(x) = bi (x− ai) · · · (x− ai−1)(x− ai+1) · · · (x− an) (ai − a1) · · · (ai − ai−1)(ai − ai+1) · · · (ai − an) 8.4 Exercícios 277 para i = 1, 2, . . . , n. Então, o polinômio p(x) = n∑ i=1 pi(x) é o único polinômio de grau menor que n, tal que p(ai) = bi, para todos i = 1, 2, . . . , n. 24. Determine o polinômio p(x) de grau 7 tal que p(1) = p(2) = · · · = p(7) = 8 e p(0) = 1. 278 8 Polinômios A Apêndice: Funções Estamos acostumados a expressões cotidianas que retratam uma relação entre grandezas, como por exemplo, o quanto João ganha é função do que ele trabalha, ou ainda a distância que percorremos é uma função da velocidade e do tempo que viajamos. Essas e outras expressões ilustram a noção de função como uma relação entre grande- zas de dois conjuntos dados. Matematicamente, a noção de função foi melhor entendida muito recentemente, com os avanços teóricos ocorri- dos no �nal do século XIX e início do século XX. Entretanto, o seu uso como instrumento e os estudos para tornar sua de�nição um objeto claro são bem antigos e datam pelo menos desde o início do cálculo diferencial, onde a noção de função era por vezes entendida como sua expressão analítica. O entendimento dessa noção foi crucial para o avanço da Matemática e é importante que o estudante de Matemática tenha claro seu signi�cado. Para iniciar a discussão um pouco mais formalmente da noção de função, vamos de�nir intuitivamente uma função como um objeto matemático composto de três ingredientes: um conjunto não vazio A, 279 280 A Apêndice: Funções chamado de domínio da função, um conjunto não vazio B, chamado de contradomínio da função e uma correspondência, que associa a cada elemento do primeiro conjunto um único elemento do segundo conjunto. O trio domínio, contradomínio e correspondência damos o nome de função. Para simpli�car o seuuso, foi criada uma notação que empacota todos os três ingredientes. Denotamos uma função por f : A→ B x→ f(x) para indicar que A é o domínio, B é o contradomínio e que se x é um elemento de A então a ele associaremos o elemento f(x) de B. É importante não confundir uma função com sua expressão analítica, quando esta é dada. Para caracterizar uma função, precisamos dar seus três ingredientes: domínio, contradomínio e correspondência, e não somente a correspondência y = f(x). Exemplo A.1. Seja a função f de�nida de modo que o seu domínio é o conjunto dos números naturais e o contradomínio é o conjunto dos números naturais, e a correspondência é tal que a cada número natural n associamos o seu quadrado n2. Observe que podemos denotar isso compactamente por: f : N→ N n→ n2 Veja também que se dermos simplesmente a expressão analítica x → x2 ou y = x2 para nossa função, ela não estaria caracterizada, pois não saberíamos qual é o domínio e o seu contradomínio. Em alguns casos onde o domínio e o contradomínio estão �xados e claros para o interlocutor, podemos nos referir a uma função simples- mente invocando sua correspondência y = f(x). 281 Exemplo A.2. Considere o domínio como sendo o conjunto P for- mado pelas pessoas do Brasil e o segundo conjunto como sendo o con- junto L das letras do alfabeto. A correspondência será a seguinte: a cada pessoa do Brasil, associaremos a primeira letra do seu nome. Assim, uma pessoa chamada Mário, será associada à letra M. Em notação de função: f : P → L x→ f(x) onde f(x) é a primeira letra do nome de x. Exemplo A.3. Considere o domínio S como sendo o conjunto dos pontos de uma sala de aula e o contradomínio como sendo os números reais. A cada ponto x da sala de aula associamos sua temperatura t(x) em um dado momento, medida por um termômetro instalado na sala. Observe que t : S → R assim de�nida é uma função, pois cada ponto possui uma única temperatura bem de�nida no instante �xado, que é um número real. Por outro lado, se trocarmos os papéis do domínio e contradomínio e a cada número real associamos o ponto da sala que tem aquela temperatura, não teremos uma função, pois pode haver mais de um ponto com a dada temperatura ou ainda uma temperatura que não é atingida por nenhum ponto da sala. Exemplo A.4. Vamos agora dar outro exemplo em que não temos uma função, isto é, cuja a nossa aparente correspondência não é de fato uma correspondência, pois não associa a cada elemento x do do- mínio um único elemento f(x) do contradomínio. Para tanto, �xe o domínio como sendo o conjunto dos números reais no intervalo [0, 1] e como contradomínio o conjunto Σ de�nido pelas sequências de ele- mentos no conjunto {0, 1, 2, . . . , 9}. Ou seja, 282 A Apêndice: Funções Σ = { (a1, a2, a3, . . . ); ai ∈ {0, 1, 2, 3, . . . , 9} } . Cada elemento x ∈ [0, 1] possui uma expansão decimal x = 0, x1x2x3 . . . . De�na f : [0, 1]→ Σ colocando f(x) = (x1, x2, x3, . . . ). A princípio, parece que f de�nida desse modo é uma função. Po- rém, olhando de perto vemos que o número 0, 1 possui mais de uma representação na base decimal, pois 0, 1 = 0, 09999 . . . . Portanto, f não está bem de�nida, isto é, f não associa a cada elemento de [0, 1] um único elemento de Σ. De�nição A.5. Dada uma função f de�nida por f : A→ B x→ f(x) o conjunto imagem de f é o subconjunto f(A) do contradomínio B formado pelos pontos y do contradomínio tais que existe algum ponto x no domínio A tal que y = f(x). Ou seja f(A) = {y ∈ B; existe x ∈ A tal que y = f(x)}. A imagem de um ponto x ∈ A é o ponto f(x). De�nimos também a restrição de f a um subconjunto A′ de seu domínio é a nova função de�nida considerando-se o domínio como sendo o conjunto A′ e os demais elementos os mesmos. Denotamos essa nova função por f |A′ ou ainda f |A′ : A′ → B x→ f(x) No Exemplo A.2 poderíamos trocar o domínio por um de seus subconjuntos não vazios. Por exemplo, poderíamos considerar o sub- conjunto A de P formado pelas pessoas do Brasil que nasceram em Alagoas. 283 De�nição via Relações Um modo mais formal de de�nir função é usar a noção de relação entre dois conjuntos A e B. Uma relação entre A e B é simplesmente um subconjunto R do produto cartesiano A×B. Uma função é uma relação R entre A e B que satisfaz duas condições: • R é unívoca: dados x1, x2 ∈ A e y ∈ B tais que (x1, y) ∈ R e (x2, y) ∈ R então x1 = x2; • R é total: dado x ∈ A existe y ∈ B tal que (x, y) ∈ R. de modo que dado x ∈ A, existe um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ R. Funções Injetoras, Sobrejetoras e Bijetoras De�nição A.6. Uma função f : A→ B é dita injetora (ou injetiva) se a seguinte propriedade vale: Dados x, y ∈ A tais que f(x) = f(y), então x = y. Outro modo equivalente de formular tal propriedade é usando sua forma contrarrecíproca: Se x, y ∈ A são tais que x 6= y, então f(x) 6= f(y). Exemplo A.7. Por exemplo, a função f : R→ R dada por f(x) = x2 não é injetora, pois f(−1) = (−1)2 = 12 = f(1). Por outro lado, se g : [0,+∞)→ R é dada por g(x) = x2, então g é injetora, pois dados dois números não negativos a e b tais que g(a) = g(b), isto é, a2 = b2, então a2 − b2 = 0, de onde (a − b)(a + b) = 0, restando as possibilidades a = b ou a = −b. Como a e b são positivos, temos que a = b. 284 A Apêndice: Funções De�nição A.8. Uma função f : A → B é dita sobrejetora (ou so- brejetiva) se a seguinte propriedade vale: Dado y ∈ B existe x ∈ A, tal que f(x) = y. Exemplo A.9. Por exemplo, a função f : R → R dada por f(x) = x2 do exemplo anterior não é sobrejetora, pois não existe nenhum número real x tal que f(x) = −1, por exemplo. Por outro lado, se considerarmos g(x) : R → [0,+∞) dada por g(x) = x2, então g é sobrejetora, pois dado qualquer número não negativo b, podemos tomar a como sendo a = √ b de modo que g(a) = a2 = b. De�nição A.10. Uma função é dita bijetora (ou ainda bijetiva) se ela é injetora e sobrejetora. Por exemplo, a função f : R→ R dada por f(x) = x3 é uma função bijetora, pois é injetora e sobrejetora, já que dado y ∈ R, existe um único x ∈ R tal que y = x3. Quando f : A → B é bijetora, então dado qualquer elemento y ∈ B, existe um elemento x ∈ A tal que f(x) = y (pois f é sobrejetora) e esse elemento é único (pois f é injetora). Em outros termos, podemos de�nir uma nova função: g : B → A associando a cada elemento y ∈ B o único elemento x em A tal que f(x) = y. Em outras palavras, g(y) = x, se e somente se, f(x) = y. g é chamada de função inversa de f . Quando existe uma bijeção f entre dois conjuntos A e B, dizemos que A e B têm a mesma quantidade de elementos ou cardinalidade. Para mais informações sobre funções, recomendamos a leitura de [3]. Referências Bibliográ�cas [1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão no Livro. Edgard Blücher. [2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Ál- gebra. Projeto Euclides, IMPA. [3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé- dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática. [4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé- dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática. [5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e MORGADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé- dio. Volume 3. Sociedade Brasileira de Matemática. [6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie- dade Brasileira de Matemática. [7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira de Matemática. 285 286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [8] MORAIS FILHO, D. C. (2007). Um Convite à Matemá- tica. EDUFCG. [9] MORGADO, A.; CARVALHO, J.; CARVALHO, P.; FERNANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Pro- babilidade . Sociedade Brasileira de Matemática. [10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e Recordes. Sociedade Brasileira de Matemática. [11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú- meros. IMPA. [12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T.C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora Unicamp. [13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Com- plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.
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