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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Graduação em Publicidade e Propaganda Flávia Faria Costa Januacoelli Nathaly Gomes França Joyciane Jales Castro Lucas Diniz Machado Trindade Luiz Antônio de Oliveira Pereira Michele Távora Fagundes Tatiane Batista da Silva Thaís Emanuele da Silveira Almeida MARKETING NA INTERNET: As estratégias de marketing da Netflix nas mídias sociais. Belo Horizonte 2017 1 Flávia Faria Costa Januacoelli Nathaly Gomes França Joyciane Jales Castro Lucas Diniz Machado Trindade Luiz Antônio de Oliveira Pereira Michele Távora Fagundes Tatiane Batista da Silva Thaís Emanuele da Silveira Almeida MARKETING NA INTERNET: As estratégias de marketing da Netflix nas mídias sociais. Trabalho apresentado à disciplina Projeto Experimental III, do curso de Publicidade e Propaganda, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Caio Cesar Giannini Oliveira Belo Horizonte 2017 2 Flávia Faria Costa Januacoelli Nathaly Gomes França Joyciane Jales Castro Lucas Diniz Machado Trindade Luiz Antônio de Oliveira Pereira Michele Távora Fagundes Thaís Emanuele da Silveira Almeida MARKETING NA INTERNET: As estratégias de marketing da Netflix nas mídias sociais. Pesquisa apresentada à disciplina de Projeto Experimental do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ____________________________________________________________ Caio Cesar Giannini Oliveira (Orientador) – Puc Minas ____________________________________________________________ Alessandra Coelho Girard – Puc Minas ____________________________________________________________ Eduardo de Jesus Belo Horizonte 2017 3 AGRADECIMENTOS Agradecemos a todas as pessoas que, em algum momento, tiveram um importante papel para que esse trabalho fosse concluído com sucesso. Aos nossos pais e familiares, pelo suporte e amparo não somente durante os três semestres de pesquisa, mas durante toda nossa formação acadêmica. Aos nossos professores, pelos ensinamentos, conselhos e por terem nos proporcionado aprendizados constantes, aspectos fundamentais para esse trabalho e para as nossas vidas. Aos nossos amigos e colegas de faculdade, que aprenderam conosco e que também nos ensinaram bastante. E, por fim, ao Caio, nosso orientador e mestre durante esse período, cujo conhecimento e organização foram fundamentais para que conseguíssemos finalizar nosso projeto. 4 RESUMO O presente trabalho apresenta uma investigação sobre como a empresa Netflix executa suas ações de marketing no ambiente digital, especificamente nas mídias sociais Facebook e Twitter. Nessa pesquisa, além do levantamento de uma fundamentação teórica sobre as estratégias de marketing no ambiente online, foi feito uma coleta de dados correspondente ao período de um ano, em que foi possível perceber analiticamente quais as principais práticas de marketing da empresa nessas plataformas. Além disso, essa pesquisa apresenta uma análise que relaciona os principais conceitos e ideias sobre marketing digital às ações realizadas pela Netflix durante o período de coleta de dados. Em tempos de mudanças constantes no perfil do consumidor e na forma como as empresas tem modificado suas ações para lidarem com seus públicos, essa pesquisa apresenta uma visão ampla e detalhada das estratégias de uma marca que tem se destacado por sua comunicação disruptiva, humanizada e que busca se adaptar à realidade de seu público. Sendo assim, esse trabalho pode se tornar um importante objeto de estudo para os pesquisadores do assunto e profissionais que pretendem compreender mais sobre as estratégias de marketing digital de uma empresa contemporânea. Palavras-chave: marketing digital, branding, mídias sociais, Netflix. 5 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Quadro Pinball conceitual: efeitos das novas mídias no relacionamento com os clientes. ............................................................................................................. 27 Figura 2: O Marketing e Internet .................................................................................... 29 Figura 3: Exemplo de postagem promovendo uma produção própria ........................... 47 Figura 4: Exemplo de postagem no Twitter sobre a disponibilização de séries. ........... 48 Figura 5: Exemplo de postagem no Facebook sobre a disponibilização de séries. ...... 49 Figura 6: Exemplo compartilhamento de post de página do Facebook especifica da série. ........................................................................................................................ 52 Figura 7: Exemplo de post interativo na página do Facebook ....................................... 53 Figura 8 Post no Facebook sobre a não disponibilização dos filmes Cinderela Baiana. .......................................................................................................................... 54 Figura 9: Comentários do post mostrado na figura 8 .................................................... 55 Figura 10: Exemplo de enquete realizada através do Twitter........................................ 57 Figura 11: Segundo exemplo de enquete realizada através do Twitter. ........................ 57 Figura 12: Postagem em que a Netflix informa que atendeu a um pedido dos usuários ......................................................................................................................... 58 Figura 13 - Exemplo de interação da Netflix com usuários através de comentários no Facebook .................................................................................................................. 59 Figura 15: Exemplo de post interativo com sequência .................................................. 61 Figura 16: Resposta da Netflix em um post interativo ................................................... 62 Figura 18: Exemplo de respostas dadas pela Netflix nos comentários do Facebook .... 63 Figura 19: Exemplo de resposta dada pela Netflix no Facebook a questionamento sobre títulos do catálogo. .............................................................................................. 65 Figura 20: Exemplo de resposta dada pela Netflix no Twitter a questionamento sobre títulos do catálogo. .............................................................................................. 66 Figura 21: Segundo exemplo de resposta dada pela Netflix no Facebook a questionamento sobre títulos do catálogo ..................................................................... 67 Figura 22: Exemplo de postagem feita no Facebook .................................................... 72 Figura 23: Exemplo de postagem feita no Facebook .................................................... 72 Figura 24 - Postagem com vídeo sobre a série Narcos ................................................ 73 Figura 25 - Postagem com gif sobre a série Narcos ..................................................... 74 Figura 26- Postagem com imagem sobre a série Narcos ............................................. 74 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792155 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792156 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792157 6 Figura 27- Exemplo de post de oportunidade ............................................................... 76 Figura 28- Postagem realizada dia 1 de abril de 2016 .................................................. 77 Figura 29- Segunda postagem realizadadia 1 de abril de 2016 ................................... 78 Figura 30- Exemplo de post de oportunidade ............................................................... 79 Figura 31-Exemplo de diversificação de conteúdo adotado pela Netflix ....................... 80 Figura 32- Exemplo da Netflix afirmando seu gênero feminino ..................................... 81 Figura 33 - Segundo exemplo da Netflix afirmando seu gênero feminino ..................... 81 Figura 34 - Exemplo de personificação da marca ......................................................... 82 Figura 35- Segundo exemplo de personificação da marca ........................................... 82 Figura 36- Exemplo de interação entre a Netflix Brasil e Netflix Argentina ................... 83 Figura 37-Post que exemplifica a relação dos usuários com a marca .......................... 84 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792158 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792159 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792161 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792162 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792163 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792165 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792166 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792167 file:///C:/Users/Jocileia/Downloads/20170524_netflix_alteracoesdogrupo_Tati%20(1).docx%23_Toc483792168 7 LISTA DE QUADROS QUADRO 1- Quadro dos principais conceitos teóricos que serão utilizados na análise dos dados coletados para a pesquisa ..........................................................53 8 LISTA DE TABELAS TABELA 1: Coleta de posts da Netflix, separados por tipo de mídia. 01 de fevereiro de 2016 ao dia 31 de janeiro de 2017 ........................................................................... 45 TABELA 2: Produções com divulgação destacada nos meses observados ................. 50 TABELA 3: Distribuição de enquetes ao longo do ano – Facebook e Twitter ............... 56 TABELA 4: Informações sobre posts interativos ........................................................... 60 TABELA 5: Dados sobre produção de conteúdo – fevereiro de 2016 a janeiro de 2017 .............................................................................................................................. 69 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1 1.1 Contextualizando o objeto de estudo .................................................................... 5 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 8 2.1 Comunicação e Cibercultura .................................................................................. 9 2.2 Empoderamento do consumidor e consolidação dos espaços de fala ............ 12 2.2.1 Web 2.0 e Redes Sociais na Internet: espaços para diálogo entre consumidores e marcas. ............................................................................................ 17 2.2.2 Novos caminhos para se relacionar: o desafio das marcas frente ao consumidor contemporâneo ...................................................................................... 20 2.3 Marketing na era Digital ........................................................................................ 23 2.3.1 Marketing de Relacionamento na Internet: o uso das plataformas Twitter e Facebook como ferramentas de relacionamento com clientes. ............................. 30 2.3.2 A produção de conteúdo nas estratégias de marketing na Internet. ............. 34 2.4 Marca, Branding e Internet: o ambiente digital como aliado para o fortalecimento de marcas. .......................................................................................... 35 3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 40 4 ANÁLISE DE RESULTADOS .................................................................................... 44 4.1 Observações gerais das práticas mais comuns da marca ................................ 44 4.2 Dados referentes às estratégias de marketing da Netflix no ambiente online 46 4.3 Dados referentes às estratégias de engajamento e de marketing de relacionamento da Netflix ........................................................................................... 60 4.4 Dados referentes às estratégias de produção e distribuição de conteúdo da Netflix ......................................................................................................................... 68 4.5 Dados referentes às estratégias de fortalecimento de marca da Netflix .......... 80 5 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 92 1 1 INTRODUÇÃO Os avanços tecnológicos da comunicação modificaram as formas de relacionamento entre as pessoas (ANTUNES, CASTRO, & MEALHA, 2001). Esses avanços, tais como o surgimento e o aperfeiçoamento de instrumentos que mediam a comunicação dos indivíduos, criaram novas maneiras de interação entre os seres humanos, como, por exemplo, a possibilidade de se trocar informações sem haver a necessidade de compartilhamento do mesmo espaço físico (THOMPSON, 1998). Dentre esses avanços, pode se destacar o aperfeiçoamento e a popularização das redes de telecomunicações e de informática como fatores que redefiniram a forma de sociabilidade entre os indivíduos (CASTELLS, 1999). Nesse mesmo sentido, avanços mais recentes, como o constante desenvolvimento da Internet, a invenção de dispositivos e computadores móveis e das conexões sem fio, impulsionaram “transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano e na forma de produzir e consumir informação” (LEMOS, 2000). Considerando essas transformações, vale ressaltar, em especial, o desenvolvimento da Internet, que por sua dimensão global e dinâmica conseguiu alavancar mudanças não só nas formas de interação entre as pessoas, mas também nos meios de comunicação de massa (JAFFE, 2008). Se outrora a comunicação em massa era praticamente unilateral, em que o emissor, dificilmente, recebia um retorno, reação ou resposta do receptor da mensagem, a Internet passou a permitir que os espectadores participassem mais desse processo comunicativo. Um programa televisivo, por exemplo, pode receber, em tempo real, via e-mail ou tuite, uma opinião de um telespectador sobre determinado assunto discutido naquele momento. Percebe-se, assim, um consumidor adepto à permuta rápida de feedbacks. Segundo Jaffe (2008, p.45) essa mudança decorre, principalmente, devido ao “acesso imediato a informações sob demanda, a possibilidade de fazer perguntas e receber respostas”. Essas transformações evidenciam apenas uma face de um grande processo advento da Internet: a formação de um novo fenômeno chamado de Cibercultura, que transcende as limitações físicas ou barreiras geográficas e que caracteriza os 2 novos hábitos de vida dos indivíduos. Lévy (1999) define Cibercultura como o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valoresque se desenvolvem juntamente com o crescimento do Ciberespaço” (LÉVY, 1999 p.17). Pode-se entender como Ciberespaço, o ambiente de interação entre as pessoas, intermediado por uma rede de computadores, incluindo os indivíduos que o utilizam (LÉVY, 1999). Assim como na esfera da comunicação de massa e das relações sociais, é possível perceber que a evolução e a popularização da Internet também interferiram nos hábitos de consumo dos indivíduos e na forma como eles se relacionam com as marcas. Ao falar da força que a Internet dá ao consumidor, Albuquerque, Pereira, & Bellini (2011, p.136) referenciam Kubuki (2008) e afirmam que a “comunicação mediada por computador no ciberespaço potencializou a força do consumidor na sociedade contemporânea”, visto que a Internet oferece um acesso quase que ininterrupto à informação e gera uma multiplicidade de espaços para o acesso e compartilhamento de opiniões e desejos, dando notoriedade às falas das pessoas que utilizam esses ambientes. No que diz respeito à abundância de informações, percebe-se o surgimento de um consumidor cada vez mais disposto a utilizá-las para tomar conhecimento de um produto ou marca (CAMPOS, 2014). Trata-se, assim, de uma significativa mudança, visto que, no passado, o comportamento deste indivíduo em relação às marcas e o relacionamento com essas empresas eram diferentes, afinal, a comunicação era balizada ao que os fabricantes e anunciantes queriam falar para seu respectivo público. Porém, as consequências da tecnologia da informação, como, por exemplo, o acesso mais livre e diversificado à informação por meio da Internet, fizeram com que os consumidores se tornassem parte mais ativa no processo relacional entre empresa/cliente (LEWIS & BRIDGES, 2004). Lewis e Bridges (2004) ressaltam que a disponibilidade de informação também foi modificada em outros meios, tais como impressos, TV a cabo e vídeos, fato que contribuiu para as pessoas se tornarem cada vez mais envolvidas com o processo de compra. A ideia de Lewis e Bridges (2004) sobre o envolvimento do consumidor com as marcas, no qual ele mesmo se considera participante significativo e atuante no mercado, vai ao encontro ao que Jenkins (2009) fala acerca das mudanças inerentes à realidade desse indivíduo: “Se os antigos consumidores eram tidos 3 como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios” (JENKINS, 2009 p.47). Consoantes à tecnologia da informação, a consolidação dos espaços de interação do consumidor no ambiente virtual também contribui para o aumento da força de atuação desse indivíduo. Para Constantinides (2010), tal processo contribui para o empoderamento do consumidor, juntamente com as mobilizações coletivas correspondentes ao relacionamento com as marcas, ocorridas nesses mesmos espaços. Esses ambientes são diversificados, tais como: blogs, fóruns, sites de avaliações e redes sociais. Embora cada um desses espaços tenha sua especificidade, eles se caracterizam, de maneira geral, por permitirem que os consumidores expressem suas opiniões, compartilhem suas experiências, façam suas reclamações e elogios e dialoguem com outros consumidores. Considerando o poder que a figura do consumidor tem ganhado, é importante ressaltar dois pontos fundamentais: o primeiro é que o próprio consumidor impulsiona esse fenômeno ao agir com mais autonomia. Seja buscando informações mais apuradas sobre uma determinada empresa, compartilhando opiniões e experiências com outros consumidores daquela marca ou, até mesmo, participando do processo de criação daquilo que ele consome (CAMPOS, 2014). Fala-se, assim, de um consumidor contemporâneo com algumas modificações em seu comportamento, a quem Souza (2009) chama de Neoconsumidor, “termo que é atribuído àqueles que, além de terem acesso às lojas físicas, está em contato com outros canais de venda, inclusive os digitais, como Internet, TV interativa e celular” (SCHIEFFElBEIN, MARTINS, & FURIAN, 2011). O segundo ponto refere-se ao outro lado da moeda: muitas marcas já compreenderam essas mudanças nos hábitos de consumo dos indivíduos e, assim, passam a permitir que seus consumidores tenham papéis mais ativos na relação entre marca e cliente. Kotler, Kartajaya e Setiawan, (2010) destaca o quanto a coletividade dos consumidores interfere nessa relação: “Hoje, os profissionais de marketing não têm mais controle total sobre suas marcas, pois agora estão competindo com o poder coletivo dos consumidores” (KOTLER, KARTAJAYA E SETIAWAN, 2010, p. 20). Ainda nesse sentido, Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010) dizem que o futuro do marketing nas empresas envolve a 4 necessidade da formação de uma identidade consolidada de uma marca, a maior participação dos seus respectivos consumidores nos processos de criação e a formação de comunidades de indivíduos que interagem entre si por compartilharem hábitos de consumo em comum. Essas características destacadas pelos autores dialogam com a ideia de Jenkins (2009), em que este destaca a importância das empresas adotarem ações que estimulem relações mais afetivas com seus consumidores, transformando-os em agentes ativos e comprometidos emocionalmente com o processo de criação de produtos e serviços. Nessa visão fica notória a necessidade de relações mais próximas e horizontais entre marcas e consumidores. Cabe às empresas buscarem o alinhamento de suas ações de marketing tendo em vista tais mudanças. Os fatores anteriormente citados, ou seja, as mudanças nos hábitos de consumo dos indivíduos, o empoderamento do consumidor (que, dentre outros fatores, ocorre devido ao maior acesso à informação e a consolidação de espaços para compartilhamentos de opiniões, como blogs, redes sociais etc.) e a consolidação de um perfil de cliente mais exigente e consciente têm configurado um cenário mercadológico mais dinâmico. Motivando, assim, as empresas a buscarem soluções que agreguem valor às suas marcas. Diante desse contexto, muitas empresas têm adotado novas estratégias de marketing, que se diferenciam não apenas pela forma em que são realizadas, mas também aonde, nas plataformas digitais, já que são nelas e por elas que novos espaços de compartilhamento de conteúdo e opiniões são criados. Vale ressaltar, no entanto, que marketing digital não é uma ruptura com o marketing que se utilizava ou se utiliza de outras mídias (TURCHI, 2012). Para Limeira (2007), o que caracteriza o marketing digital são os meios pelos quais ele ocorre, ou seja, os meios eletrônicos e, também, quem controla a quantidade e tipo de informação recebida, no caso, o próprio consumidor. O surgimento e a consolidação do marketing na Internet se dão, sobretudo, pelo avanço da tecnologia da informação e pela mudança no comportamento do consumidor (TORRES, 2009) que, cada vez mais, tem usado esse ambiente para se relacionar com as marcas e expor suas opiniões, exigências e desejos (SHETH, ESHGHI, & KRISHNAN, 2002). Anderson (2006) concorda com essa ideia e pondera que as pessoas tendem a confiar mais nas opiniões de outros indivíduos aos quais elas se identifiquem e, por isso, sempre pesquisam na Internet 5 informações, percepções e depoimentos sobre uma marca dados por quem elas considerarem “pessoas comuns”. Nesse sentido, o autor diz que as pessoas estão perdendo a fé na propaganda e que isso representa um grande desafio para os profissionais de marketing. No entanto, é importante ressaltar que o fato de muitas pessoas não acreditarem mais na propaganda convencional, não significa que seja o fim da relação marca/cliente, mas é preciso que estas empresas busquem novas formas de relacionamento com seus consumidores. Para Torres (2009), a Internet possibilita a uma empresa estar mais próxima ao seu público, commais mobilidade e interatividade, possibilitando a marca executar ações de marketing mais objetivas. As estratégias para aplicação de marketing online são múltiplas e podem variar conforme o produto, a marca, o nicho ou mercado. Nesse contexto, a presente pesquisa tomou como objeto de análise a marca Netflix, que também objetivou responder à seguinte pergunta-problema: Como a Netflix executa suas ações de marketing online nas mídias sociais e como essas estratégias contribuem para o fortalecimento de sua marca? Diante da proposta apresentada, pretendeu-se, com essa pesquisa, investigar como a marca Netflix utiliza as plataformas sociais em suas estratégias de comunicação online e como essas ações estratégicas ajudam na consolidação da sua marca. A partir disso, o trabalho propõe os seguintes objetivos específicos: (I) Apresentar os principais fundamentos e conceitos sobre marketing na Internet, bem como sua origem, evolução e consolidação; (II) Investigar e analisar os principais objetivos, formas e ferramentas do marketing na Internet aplicado nas mídias sociais; (III) Estudar os principais fundamentos de Branding e (IV) entender como ações de marketing online podem contribuir para o fortalecimento de marca de uma empresa. 1.1 Contextualizando o objeto de estudo O objeto a ser observado e analisado no presente trabalho trata-se da empresa Netflix, um serviço de streaming que disponibiliza, em diversos dispositivos, animações, documentários, filmes e séries para os seus assinantes. Coutinho (2014) define como streaming a transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo através de redes, em que é possível assistir a filmes e ouvir músicas sem a necessidade de download. 6 Fundada em 1997, nos Estados Unidos, a Netflix, inicialmente, tratava-se de um serviço de locação de filmes online, em que os DVDs eram enviados aos clientes através dos correios. Em 1999, a empresa criou uma assinatura mensal, em que os clientes podiam locar DVDs de forma ilimitada (BOWEN, DAIGLE, DION, & VALENTINE, 2014). Em 2007, a Netflix passou a oferecer seus produtos por meio de streaming e, seis meses após o lançamento, as visualizações da plataforma atingiram a marca de 10 milhões e três anos depois o serviço ultrapassou os 20 milhões de assinantes (CNN, 2014). Em 2008, a empresa começou a criar parcerias com fabricantes de produtos eletrônicos para que seu conteúdo passasse a ser transmitido também através de dispositivos como: smartphones, videogames, aparelhos de Blu-Ray e Smart TVs (NETFLIX, 2016). Com um rápido crescimento, a empresa passou a expandir seus serviços por outros países, chegando ao Canadá, em 2010, em todos os países da América Latina e no Caribe, em 2011 e em alguns países da Europa, em 2012 (NETFLIX, 2016). Em 2012, o serviço adquiriu mais de 23 milhões de assinantes e possuía cerca de 120 mil títulos disponíveis (CNN, 2014). Mas foi em 2013, que a Netflix passou a investir em produção de conteúdo próprio e exclusivo. E foi com o lançamento da série House of Cards série que teve grande sucesso, que as produções originais passaram a chamar atenção. Em seu lançamento, a plataforma disponibilizou de uma só vez todos os 13 episódios da primeira temporada. Atitude, até então, considerada arriscada, já que divergia da ideia de cliffhanger, estratégia muito utilizada, em que se fideliza o espectador, ao fazê-lo aguardar o próximo episódio para se descobrir algo novo. A série foi bem recebida pelo público, o que indicou um caminho a ser seguido. Uma pesquisa, solicitada pela própria empresa, indicava que no período de um mês após a disponibilização dos episódios, 20% dos assinantes que começaram a assistir a série finalizaram a temporada. A pesquisa apontou também que houve um aumento na fidelidade de quem consumiu o conteúdo original (CALIJORNE, 2013). Esse novo modelo, em que a plataforma disponibiliza temporadas inteiras de uma só vez, é adotado com o objetivo de satisfazer os assinantes e atrair a novos usuários. “Prospectos engajados consomem uma grande parte do conteúdo em um curto período de tempo.” (LOOK BOOK HQ, 2015). Dados referentes à 7 utilização dos assinantes do serviço mostram que um usuário assiste em média 46.5 horas de conteúdo por mês (LOOK BOOK HQ, 2015). De 2013 a 2015, a Netflix também se expandiu para outros países como Japão e Austrália e produziu 17 séries originais. Número crescente, já que em 2015 a plataforma disponibilizou 320 horas de conteúdo próprio, três vezes mais do em 2014 (CALNALTECH, 2015). A ideia por trás dessa estratégia é oferecer um conteúdo que poderá ser acessado somente através do serviço de streaming da Netflix e, assim, fidelizar os assinantes e atrair novos usuários. A estratégia se traduz em um ciclo simples: o serviço cria um bom volume de conteúdo de qualidade, levando a mais visualizações, que, por sua vez, se converte em assinaturas, gerando mais lucro, que pode ser usado na produção de mais conteúdo próprio (CALNALTECH, 2015). O serviço personalizado também é uma estratégia utilizada pela empresa. Quando um usuário entra na plataforma, este não tem acesso a uma lista com todos os filmes e séries presentes no catálogo e, sim, a um sistema de sugestão personalizada. “Para saber o que sugerir, o serviço precisa conhecer muito bem os títulos disponíveis e organizá-los em categorias, subcategorias, gêneros, tipos etc.” (NEMES, 2013). Porém, é necessário também o conhecimento do gosto do usuário e uma das formas utilizadas para isso é o sistema de classificação, em que o usuário classifica o conteúdo que assistiu. Outros dados que o sistema utiliza são as pesquisas que podem ser realizadas no mecanismo de busca e os gêneros e estilos que são mais visualizados. Com essas informações a empresa consegue criar um catálogo personalizado para cada assinante, o que gera uma boa experiência como usuário (NEMES, 2013). Em 75% das visualizações da Netflix vinham de cada recomendação ou da personalização de ranking (LOOK BOOK HQ, 2015). A audiência vem se tornando cada vez mais seletiva e por isso a Netflix vem adotando novos modelos e estratégias para agradar esse novo público. Tudo que é feito pela empresa tem como objetivo manter seu público engajado, desde a personalização da plataforma até as recomendações de conteúdo e o modelo de liberar temporadas inteiras de uma só vez (LOOK BOOK HQ, 2015). Junior (2015) cita como estratégia de personalização de conteúdo, o fato de a Netflix sugerir filmes e séries aos seus usuários, conforme o tipo de material que eles consumiram anteriormente. Além disso, o autor também fala do trabalho que a 8 empresa tem feito para monitorar dados e opiniões dos seus clientes, que sirvam de subsídio para a criação de novos produtos. Concernente a isso, a empresa também estabelece relacionamento com seus clientes nas mídias sociais, com publicações de conteúdo diárias e executando ações de interação com seu público. Considerando todas as informações acima citadas, essa pesquisa justifica- se pela grande força que as ações de marketing em ambientes online têm ganhado nos últimos anos e pela relevância do tema para os profissionais de comunicação, seja do ponto de vista teórico ou prático. Como será discutido no decorrer do trabalho, são visíveis os indícios que os hábitos de consumo das pessoas têm mudado e essas mudanças não só dizem respeito ao “o quê” elas querem consumir, mas também ao “como”, “onde” e “quando”. É de suma importância para o profissional de comunicação entender essas variáveis e os tópicos que serão abordados neste trabalho contribuirão para isso. Além disso, essa investigação torna-se também relevante, pois tem como objeto de estudo uma marca que tem se destacado no mercado, não apenas pelo seu produto, mas também pelo relacionamento estabelecido com seu público e pelas ações de interaçãocom ele. Se os tópicos da pesquisa (como marketing na Internet, mídias sociais, marketing de relacionamento, dentre outros) permitirão um conhecimento teórico mais aprofundado e possibilitará um crescimento intelectual para os pesquisadores, o estudo sobre as ações de marketing online praticadas pela Netflix permitirá um conhecimento mais atual e prático. Sendo assim, a pesquisa teórica e os resultados da análise do objeto de estudo servirão como material de aprendizado para os profissionais de comunicação e marketing, podendo ser também material de apoio para outras pesquisas, agregando valor à sociedade acadêmica. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O referencial teórico deste trabalho visa apresentar os principais conceitos referentes ao tema e fornecer embasamento teórico para que a análise proposta pelo projeto seja feita, sendo ele dividido em quatro capítulos. O primeiro tem como meta contextualizar a sociedade atual, marcada pela cibercultura, e apresentar as principais modificações percebidas nesses novos tempos, principalmente, na esfera social do consumo. O segundo capítulo trata das mudanças no perfil do consumidor 9 e como o emaranhado de transformações decorrentes da era digital e da revolução da tecnologia da informação contribuíram para o seu empoderamento. O terceiro capítulo, por sua vez, objetiva apresentar as mudanças nas formas de relacionamento entre empresa e consumidor, discorrendo sobre como as empresas têm feito suas ações de marketing na era digital. Por fim, o quarto capítulo aborda a corrida de muitas empresas em busca do fortalecimento de suas marcas para o maior estreitamento das relações com o consumidor contemporâneo. 2.1 Comunicação e Cibercultura A comunicação, considerando os principais conceitos das ciências sociais, pode ser entendida como um processo social, em que ocorre interação e troca de mensagens entre, pelo menos, um emissor e receptor (THOMPSON, 1998). Esse processo se dá através da linguagem e do intuito do indivíduo em ser compreendido, é através da “compreensão mútua entre pessoas que os vínculos sociais são criados e a cultura é preservada ou modificada” (VILALBA, 2006 p.22). Nesse sentido, a comunicação pode ser considerada um processo inerente à história do ser humano, já que o homem é, por natureza, um ser simbólico e de linguagem (SANTAELLA, 2001). Uma vez que as histórias da comunicação e do ser humano são consideradas intrínsecas, é importante compreender que o processo de comunicação também se origina com os primórdios da humanidade (BORDENAVE, 1982). Embora não seja possível saber quando ou como (seja com um grito, sinal, gesto ou qualquer tipo de som), sabe-se que, em alguma fase da história, o homem criou formas pelas quais conseguisse se comunicar com outros seres humanos (BORDENAVE, 1982). Desde então, concernente à evolução do homem, surgiram diversas mudanças e formas na comunicação, como a linguagem e a escrita, por exemplo. O surgimento e a evolução de meios e técnicas que facilitassem a comunicação e permitissem que esta fosse feita para mais pessoas, desde a criação da imprensa, no século XV, à criação da TV, no século XX, foram importantes fatores para o advento da comunicação de massa (DEFLEUR & ROKEACH, 1993). Fala-se aqui de um longo período marcado pela criação de diversos meios de comunicação (imprensa, telégrafo, rádio, TV, dentre outros), que, por muito tempo, teve como característica um modelo de comunicação unilateral, de poucos 10 (geralmente, uma empresa ou instituição) para muitos (a maior parte das pessoas) (DEFLEUR & ROKEACH, 1993). Todavia, o surgimento e o desenvolvimento da informática, principalmente da Internet, foram elementos imprescindíveis para profundas mudanças na história da comunicação e nas formas de relacionamento entre os indivíduos. Os avanços tecnológicos dos meios de comunicação possibilitaram uma modificação no tempo e no espaço, tornando possível que as mensagens chegassem mais rapidamente aos seus receptores ou que estes tivessem acesso a elas de lugares que antes não tinham (LEMOS, 2000). À medida que essas tecnologias e a Internet foram se consolidando e ganhando popularidade, uma nova estrutura social foi se formando, que Castells, (1999) denomina como Sociedade em Rede: A sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes.(CASTELLS, 1999, p.20) Essa nova estrutura social é marcada por uma comunicação capaz de ultrapassar fronteiras e tornar a sociedade global, através de meios e tecnologias conectados (CASTELLS, 1999). Diante disso, é possível perceber que a ideia de rede de Castells (1999) não só diz respeito às tecnologias proporcionadas pelas redes físicas de informação, mas também aos aspectos e fenômenos sociais e comunicacionais resultantes delas. Mais tarde, em 2007, em seu artigo “Communication, Power and Counter-power in the Network Society”, Castells reafirma essa ideia ao ressaltar que “a difusão da Internet, comunicações móveis, meios de comunicação digitais e uma diversidade de ferramentas das mídias sociais levaram ao desenvolvimento de redes horizontais de comunicação interativa que liga o local e o global em qualquer tempo” (CASTELLS, 2007, p. 246). Fala-se, assim, da criação de um espaço virtual, decorrente das redes físicas e digitais, o que Lévy, em 1999, definiu como Ciberespaço. Esse ambiente, segundo o autor, se caracteriza também pelas pessoas que estão nele e pelas relações entre esses indivíduos. Trata-se de um espaço multidimensional que permite ao usuário “o acesso, a transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação” (SANTAELLA, 2004, p. 45). 11 Se a ideia de Castells (1999, 2007) afirma que o desenvolvimento das redes é concernente a uma nova estrutura social, as considerações de Lévy (1999) propõem que o Ciberespaço se desenvolve junto a um fenômeno de caráter social, físico, virtual e intelectual chamado de Cibercultura. Assim como a Sociedade em Rede, a ideia de Cibercultura refere-se às complexas consequências sociais e tecnológicas decorrentes, sobretudo, do desenvolvimento da tecnologia da informação (LÉVY, 1999). Esse novo tempo é marcado pelo surgimento e aumento das relações virtualizadas, que, todavia, não extinguem outras formas de comunicação, como, por exemplo, a interação face a face (CASTELLS, 1999). Nesse mesmo sentido, Santaella (2003) afirma que a evolução de uma era cultural se dá pela complexificação das formações culturais e sociais, que se unem a sua era anterior. Porém, o surgimento de um novo período histórico não significa o total desaparecimento de seu período antecedente, mas sim de um processo de reajuste, de evolução (SANTAELLA, 2004). Quando se é falado que os avanços da tecnologia da informação são importantes para as transformações de uma era (inclusive, o período atual, marcado pelas relações virtualizadas), é preciso compreender que essa importância é justificada pelo fato de que os avanços tecnológicos produzem meios e instrumentos capazes de interferir nos processos comunicacionais e relacionais dos seres humanos. Nesse contexto, Lemos (2005) fala que o surgimento de diversas tecnologias e formas de conexão (tais como: 3G, Wi-Fi, Bluetooth, chats, blogs, dentre outras) não só modifica a forma como as pessoas se comunicam, mas também interfere no “quando” e “onde”, já que o período atual é marcado pelas conexões móveis e essas implicam no fato de um indivíduo poder se comunicar de diversos lugares, em diferentes espaços de tempo (LEMOS, 2005). Nessa mesma concepção, o autor ainda ressalta que a era marcada pela conexão de redese pessoas é também distinguida pela mobilidade. A era digital, caracterizada por um ciberespaço cada vez mais dinâmico e instantâneo, também é marcada pelo resultado da convergência de mídias, tais como TV e rádio, com a Internet (SANTAELLA, 2003; JENKINS, 2009). Um telespectador, por exemplo, no momento em que assiste a sua série de TV favorita, pode, ao mesmo tempo, responder a uma enquete no Twitter ou Facebook sobre o programa, interagindo, assim, com outras pessoas e marcas. Essa convergência pode ocorrer com outras mídias e de outras formas e se caracteriza 12 também pelo aumento da produção e fluxo da informação (SANTAELLA, 2003). Porém, as mudanças desse fluxo não só dizem respeito à quantidade e à forma da informação, mas também ao tempo em que ela ocorre. Para Lemos (2008) a era da informação também é marcada pela instantaneidade e pela celeridade dos acontecimentos, que, por sinal, podem ser esquecidos num espaço de tempo mais rápido de quando eles ocorrem (HORTA & SILVA, 2014). Diante do exposto, é possível perceber que a era digital, marcada pela Cibercultura, pela mobilidade e pela instantaneidade, tem a transformação da comunicação e dos seus meios como elementos intrínsecos a sua existência. Fica impossível separá-los, pois são processos que interferem entre si ao longo do tempo, criando um emaranhado de tecnologias e relações sociais virtualizadas, que, por sua vez, gera fenômenos cada vez mais complexos e múltiplos. Embora exista essa multiplicidade, é importante para essa pesquisa que certos fenômenos sejam destacados, como o processo de empoderamento do consumidor que será discorrido na seção a seguir. 2.2 Empoderamento do consumidor e consolidação dos espaços de fala Uma vez que o avanço da tecnologia da informação e o desenvolvimento da Internet modificaram o modo de vida das pessoas e suas relações interpessoais, essas transformações também implicaram em diversas outras esferas da sociedade, inclusive, na esfera do consumo (ANDERSON, 2006). Para entender essas mudanças, é válido um breve panorama das principais características que marcaram, predominantemente, as relações entre marcas e consumidores nos tempos anteriores à Sociedade em Rede descrita por Castells (1999). Os meios de comunicação de massa eram os principais canais de informação para o grande público. Porém, os indivíduos desse grande grupo eram, muitas vezes, tratados como elementos inseparáveis e análogos, mesmo que não os fossem e fizessem parte de subgrupos distintos da sociedade (WOLF, 2002). Morin (1984) identifica esse fenômeno dentro daquilo que ele chama de Cultura de Massa, que é diretamente influenciada pela comunicação de massa e marcada por seu caráter homogeneizante e que pouco leva em conta as diferenciações culturais. No entanto, Thompson (1998), apesar de também apontar como característica da comunicação de massa a distribuição de informações de forma generalizada e institucionalizada, alerta que os indivíduos participantes desse 13 processo não podem ser considerados como esponjas que absorvem tudo que recebem, pois existem diferenças nas formas que estes incorporam tais informações. Nesse contraponto, é possível perceber que os receptores das mensagens não interagiam mais, não porque não queriam, mas sim devido às características do processo de comunicação e suas limitações (TORRES, 2009). Nesse período, as marcas também utilizavam os grandes veículos para se comunicar com seu público. Deste modo, assim como as demais mensagens, os anúncios atingiam às pessoas de forma genérica, mesmo que nem todos os receptores tivessem alguma relação com aquilo que recebiam. Em boa parte desse período, as empresas também centravam suas ações de comunicação e marketing no produto, sem se preocupar com as necessidades e desejos mais individualizados dos seus clientes (KOTLER, 2010). O fluxo de informações partia quase sempre do mesmo lugar: das empresas, e se os consumidores quisessem estabelecer algum diálogo era necessário recorrer a canais de atendimento centralizados. Todavia, percebem-se modificações substanciais na realidade e no perfil do sujeito contemporâneo. Essas transformações correspondem, sobretudo, à era em que este indivíduo vive (CASTELLS, 1999; 200; LÉVY, 1999; SANTAELLA, 2003; JENKINS, 2009), ao seu comportamento e relacionamento entre ele e as marcas às quais ele consome (LEWIS & BRIDGES, 2004; JAFFE, 2008; JENKINS, 2009) e às ferramentas e espaços de fala que o configuram como uma partícula mais ativa no processo de consumo (O’REILLY, 2005; JENKINS, 2009). A era corresponde ao período marcado pelas mudanças causadas pelo avanço da tecnologia da informação e pela emergência da Cibercultura. Santaella (2014) fala sobre uma convergência das mídias, afirmando que as quatro principais formas de comunicação (a escrita, o audiovisual, as telecomunicações e a informática) encontram-se fundidas hoje em um único campo, o digital. Essa convergência traz uma nova forma de absorção da informação, o que contribui para interação e também para o fim da comunicação linear e seus papéis pré-definidos. Esse último aspecto também é abordado por Castells (2007) que também ressalta essa diferença: O sistema de comunicação da sociedade industrial foi centrado em torno dos meios de comunicação social, caracterizados pela distribuição maciça de mensagens que não admitiam diálogo. A fundação da comunicação na rede global da sociedade é a teia de comunicação horizontal em redes 14 modais, que incluem o intercâmbio de mensagens interativas, tanto síncronas quanto assíncronas (CASTELLS, 2007, p. 246). Essa “teia de comunicação horizontal em redes modais” mencionada por Castells (2007), dizem respeito a um período histórico, que, segundo Lemos (2010), é marcado pelas funções pós-massivas das mídias, que podem ser compreendidas como a despolarização dos emissores das mensagens, e que, graças aos dispositivos digitais e da tecnologia da informação, permitem “a personalização, a publicação e a disseminação de informação de forma não controlada por empresas ou por concessões de Estado. As ferramentas com funções pós-massivas insistem em processos de conversação“ (LEMOS, 2010, p. 158). O autor ressalta, todavia, que para entender esse fenômeno é necessário pensar nas funções das mídias e não em seu formato, ou seja, um canal que era utilizado antigamente apenas como função massiva (como a TV, por exemplo), pode ter uma função pós-massiva ou, como cita o próprio autor, um site de notícias da Internet pode ter uma função massiva, centralizada (LEMOS, 2010). Com o maior acesso à informação e à transformação e ao hibridismo das funções midiáticas, um novo mundo se abriu para os consumidores. Se antes havia limitações do sujeito dentro do processo comunicacional e tudo o que ouviam sobre as marcas era justamente o que elas queriam dizer (JENKINS, 2009), nessa nova fase, os consumidores são mais atuantes: eles pesquisam mais, questionam mais e trocam mais informações sobre produtos e marcas (LEWIS & BRIDGES, 2004). Dessa maneira, fala-se aqui de uma informação cada vez mais personalizada, considerando as particularidades do indivíduo que irá recebê-la. Castells (2009) fala desse processo introduzindo o termo comunicação pessoal-massiva, que se caracteriza pela produção e disseminação de informações de forma interativa e que pode ser feita por qualquer indivíduo e que tem potencial para atingir mais pessoas de forma dinâmica e ampliada. Negroponte (1985) diz que tudo nesse processo funciona como uma espécie de encomenda, sendo o receptor quem decide quando e como irá recebê-la. Trata-se de um novo indivíduo com poder de fala, mais participativo, mais exigente e questionador. Essa nova audiência deseja uma relação mais próxima e mais dialógica com as marcas, deseja conteúdo, atenção e respostarápida (HORTA & SILVA, 2014). Santaella (2003) diz que a era digital também é marcada pela cultura do acesso, ou seja, o fácil acesso à informação é característica fundamental desse 15 período. Se o maior acesso à informação através da Internet é elemento empoderador, o consumidor contemporâneo sabe disso (TORRES, 2009). Jaffe (2008), ao traçar o perfil do consumidor atual, cita a inteligência como característica marcante desse indivíduo. Segundo o autor, as pessoas já conseguem utilizar a ampla gama de informações do mundo atual para analisar produtos e distinguir se aquilo que as marcas falam com elas, refere-se apenas a uma comunicação ou se é uma oferta verdadeira ou não (JAFFE, 2008). Nesse mesmo sentido, Lewis e Bridges (2004) também já falavam sobre como o consumidor contemporâneo utiliza as informações encontradas por ele para realizar suas escolhas e também para controlar seus gastos. A informação é o combustível que impulsiona o novo consumidor. A atração pela informação, pelo menos em parte, é porque ela permite maior controle dos gastos. Abre opções e dá lugar a julgamentos mais criteriosos sobre as futuras compras (...). Os novos consumidores verificam rótulos, fazem perguntas pertinentes e sabem quais são os seus direitos legais (LEWIS & BRIDGES, 2004, p.16). Uma vez mais informados e conectados, os consumidores também se tornam cada vez mais emancipados e exigentes, pois eles sabem do poder que a informação lhes dá e, por isso, esperam que as marcas lhe entreguem sempre o melhor possível e que estejam à sua disposição se necessário for (JAFFE, 2008). Essas características no perfil do consumidor contemporâneo estão sendo, cada vez mais, acentuadas pela multiplicidade de canais de informação e contato existentes entre ele e as marcas, fala-se, assim, de um indivíduo com maior poder de negociação e pesquisa, o Neoconsumidor. O processo de empoderamento do consumidor contemporâneo não está relacionado apenas à quantidade de informação ou à variedade de produtos que ele consome, mas, também, ao processo de produção dos mesmos (LEWIS & BRIDGES, 2004). Em muitos casos, é o consumidor que ajuda a produzi-los, tornando-se, assim, parte ativa desses processos. Essa mudança contribui para que o novo consumidor busque, cada vez mais, produtos menos genéricos e mais autênticos. Por isso, esse indivíduo tende a ser mais participativo nas etapas de produção e consumo para garantir resultados aos quais lhe geram maior satisfação (LEWIS & BRIDGES, 2004). Esse fenômeno de coprodução entre marcas e consumidores envolve troca de opiniões e percepções, mais diálogos e o surgimento 16 e consolidação de espaços de fala do consumidor. Se outrora o que reinava na relação entre marca e cliente era a comunicação feita de forma linear e tudo o que se sabia dessas empresas era o que elas diziam, na era da informação, é possível que o consumidor participe na produção de um conteúdo ou discurso sobre essas empresas. Trata-se de uma relação mais horizontal e interativa, em que o consumidor nem sempre aceita seu antigo papel de receptor final e limitado e assim demonstra, cada vez mais, interesse em participar na construção daquilo que consome (JAFFE, 2008; JENKINS, 2009). As empresas, por sua vez, passam a entender que a interação do consumidor faz parte da relação contemporânea, “o conceito de interatividade força as empresas a repensar cada comunicação, avaliando-a e projetando-a para um consumidor sempre exigente” (LINDSTROM, 2007, p.18). Sendo assim, esse processo de mudanças das empresas, nem sempre por livre e espontânea vontade por parte delas, mas a revolução da Internet e o fenômeno de empoderamento do consumidor fazem com que essas empresas sejam compelidas a adaptarem suas formas de relações com seus consumidores, caso estas não queiram que seus clientes se transformem em ameaças (MCCONNEL & HUBA, 2008). Ao passo que o consumidor contemporâneo tem mais poder para manifestar suas opiniões e desejos, é possível perceber que ele tem utilizado mais canais de interação (SOUZA, 2009; MAZETTI, 2009). Houve um tempo em que as empresas limitavam suas formas de atendimento ao cliente a um canal centralizado, porém, na atualidade, os consumidores encontram na web outras maneiras de conversar com as marcas. Seja por um e-mail, pela opção “fale conosco” no site da empresa, por uma mensagem no Facebook ou um tuite1 e, caso se sintam insatisfeitos, utilizam esses mesmos espaços para detratarem a marca. Esses novos espaços, que serão discorridos no próximo capitulo, são caracterizados pela interatividade, coparticipação, conversação, instantaneidade e pelo dinamismo dos acontecimentos (GABRIEL, 2010). 1 Publicação em uma conta da rede social Twitter. 17 2.2.1 Web 2.0 e Redes Sociais na Internet: espaços para diálogo entre consumidores e marcas. À medida que a tecnologia da informação evolui e se modifica, as formas como o ser humano utiliza também sofrem transformações. Trata-se de um fenômeno complexo, pois o aprimoramento de uma técnica ou a criação de uma ferramenta não reflete apenas uma evolução tecnológica, mas também a uma série de mudanças no contexto social às quais estas ferramentas estão inseridas. A utilização da Internet pelo ser humano ao longo de sua história elucida esse fenômeno, uma vez que a web, em suas primeiras décadas de existência, configurava-se de maneira estática, pouco interativa, como um espaço predominantemente voltado à locução e não à conversação (O’REILLY, 2005). Todavia, a web sofreu modificações em sua estrutura, em seus recursos e na forma como ela era utilizada pelo homem, dando origem a uma nova forma de uso, que O’Reilly chamou pela primeira vez, em 2004, de Web 2.0. Para o autor, a Web 2.0 é caracterizada pelo uso da Internet como plataforma e pelo desenvolvimento de aplicações e funcionalidades que impulsionam a inteligência coletiva, ou seja, a inteligência acessível, compartilhada e colaborativa. Web 2.0 é um conjunto de tendências econômicas, sociais e tecnológicas que, coletivamente, formam a base para a próxima geração da Internet – de uma forma mais madura, meio distinta, caracterizada pela participação do usuário, abertura e efeitos de rede (MUSSER, O’REILLY, & O’REILLY, 2007, p.5, tradução nossa) 2 . Primo (2007) reforça esse conceito ao dizer que a Web 2.0 potencializa as formas de participação do usuário e cria novas formas de interação mediada pelo computador. Essas mudanças nas relações sociais desencadeiam processos interativos mais coletivos, afetivos e com maior fluxo de informações. Nesse sentido, vale retomar o conceito de interações mútuas definido por (PRIMO, 2001), pois essas são consoantes ao surgimento da Web 2.0: "interação mútua é aquela caracterizada por relações interdependentes e processo de negociação, em que 2 “Web 2.0 is a set of economic, social, and technology trends that collectively form the basis for the next generation of the Internet —a more mature, distinctive medium characterized by user participation, openness, and network effects.” 18 cada interagente participa da construção inventiva e cooperada do relacionamento, afetando-se mutuamente” (PRIMO, 2001, p. 9). Um aspecto importante que acarreta tais mudanças é que a Web 2.0 não se resume ao conceito de páginas, mas sim de plataforma (GABRIEL, 2010), dimensão capaz de suportar as inúmeras formas e espaços de interação dos usuários. Mota (2009) reafirma esse aspecto e acrescenta novas características a esse fenômeno, ao dizer que a Web 2.0 possui maior personalização de conteúdo e maior fragmentação das informações, embora estas possam ser ligadas e recombinadas de formas fluídas. Ao passo que é possível percebertransformações na web e nas formas de relações e processos ocorridos nela, também é possível identificar mudanças nas características dos usuários. Musser, O’Reilly e O’Reilly (2007) elencam seis características desses indivíduos. Segundo os autores, esses usuários são globais, conectados, adeptos à mobilidade e querem estar conectados onde quer que eles estejam engajados, possuem custo de investimento menor e são alvos de uma publicidade online relativamente mais barata do que a tradicional. Em relação aos dois últimos aspectos, pode-se atribuí-los ao surgimento e consolidação de novas mídias mais baratas e acessíveis. Para Primo (2007), a Web 2.0 contribui para a ampliação desses novos meios, consolidando-os como novos espaços para interação entre os participantes do processo. Esses espaços configuram-se como pano de fundo para que novas formas de redes sociais ocorram. Recuero (2009 p.24) define que o termo rede social é “uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores”. Vale ressaltar que o fato que difere essas redes dos agrupamentos de pessoas são os vínculos e laços sociais que são estabelecidos entre os indivíduos (RAMOS, GOULART, & CRUZ, 2012). Não apenas por conexões e pessoas, as redes sociais também são formadas por objetos, aparelhos digitais e entidades (SANTAELLA & LEMOS, 2010). Em relação a esses três últimos elementos, observa-se que o surgimento e evolução de dispositivos digitais, tais como computador e aparelhos móveis e o aparecimento das plataformas digitais, tais como Facebook e Twitter, contribuem para a formação das redes sociais na Internet (GABRIEL, 2010). Essas novas redes sociais digitais são marcadas pela interatividade instantânea e, sobretudo, por oferecer aos seus usuários maior poder de fala. Afinal, 19 em cada plataforma existem espaços para compartilhamento de opiniões, percepções e criação de relacionamento, seja com outros usuários ou com as marcas (PEREIRA, 2014). Quando se fala na relação entre empresa e cliente através das redes sociais digitais, identificam-se nesse processo novos canais de relacionamento direto. Nesses meios, não é somente a marca que fala e nem tão pouco só ela que decide se irá ou não se relacionar com seus clientes. Para Salgado (2012, p.72) “independente da vontade das empresas em criar pontes com o consumidor, o próprio consumidor criou pontes com outros consumidores”. Essas conexões entre clientes, por sua vez, geram as comunidades virtuais, que podem ser definidas, em suma, como grupo de pessoas que criam laços pessoais no ciberespaço para falar de um determinado assunto, em determinado período de tempo (RHEINGOLD, 1993). A proximidade entre os indivíduos dessas comunidades se caracteriza pelas afinidades que tendem a ser estreitadas com o passar do tempo (ANDERSON, 2006). Para Lévy (1999) essas comunidades são marcadas pela conexão sem fronteiras, reciprocidade e inteligência coletiva. Assim, esses fenômenos são caracterizados pelas relações sociais virtualizadas e podem ocorrer em diversos âmbitos do ciberespaço, sejam eles nas redes sociais digitais ou em fóruns, por exemplo. Os surgimentos dessas novas comunidades trazem novidades à realidade das pessoas que participam delas, para Mazzeti (2009, p.3) “o consumidor empoderado está experimentando novas formas de sociabilidade, marcadas por vínculos de pertencimento social diferentes daqueles experimentados tradicionalmente”. Todos esses espaços de fala citados criam um vasto emaranhado de conteúdo na web, produzido, por sua vez, pelos próprios usuários. O consumidor que antes era reduzido a mero receptor no processo comunicacional com as marcas, agora tem o poder de fala e inúmeros espaços para iniciar diálogos: seja em uma mídia social, em um blog pessoal, na página de reclamações da marca no Reclame Aqui ou, até mesmo, em fóruns e grupos de discussões espalhados pela web. O consumidor sabe da imensidão de informações passíveis de serem encontradas no ciberespaço e, por isso, utiliza a web como fonte aliada de conhecimento. Por esse motivo, esses indivíduos utilizam pesquisas em mídias sociais e buscadores como o Google para encontrar informações que guiarão suas escolhas (GABRIEL, 2010). Anderson (2006) alerta sobre o grande desafio das marcas mediante a esse fenômeno: 20 Para uma geração de clientes acostumados a fazer suas pesquisas de compra por meio de softwares de busca, a marca de uma empresa não e o que a empresa diz que é, mas o que o Google diz que é. Os novos formadores de preferências somos nós. Agora, a propaganda boca a boca é uma conversa pública, que se desenvolve nos comentários de blogs e nas resenhas de clientes, comparadas e avaliadas de maneira exaustiva. As formigas têm megafones (ANDERSON, 2006, p. 106). A analogia que Anderson (2006) faz em relação às formigas e seus megafones com a força que o consumidor ganha com a consolidação de seus espaços de fala elucida bem o processo de empoderamento do consumidor. Segundo Mcconnel e Huba (2008) o poder e autoridade que a audiência tem ganhado não estão diretamente relacionados ao tamanho dela, mas à influência daquilo que ela fala e a quão autênticas são suas mensagens. Essa autenticidade, por sua vez, está diretamente ligada ao discurso dos usuários da rede, que, segundo o Manifesto Cluetrain (2000), é caracterizado por uma linguagem “natural, aberta, honesta, direta, engraçada e, muitas vezes, chocante. Quer seja explicando ou reclamando, brincando ou séria, a voz humana é genuína” (LEVINE et al., 2000). Uma vez mais empoderado, com mais autoridade e propenso a novas formas de diálogo, o consumidor contemporâneo estabelece um novo desafio às marcas: o de encontrar caminhos para essas novas formas de relacionamentos decorrentes da era digital. 2.2.2 Novos caminhos para se relacionar: o desafio das marcas frente ao consumidor contemporâneo Bauman (2001) afirma que o mundo contemporâneo está passando por um momento de transição, que ele denomina de interregno. Segundo o autor, essa seria uma fase em que os velhos meios não funcionam mais, mas que também não se descobriu a melhor maneira de se fazer. Ou seja, as características do mundo contemporâneo levaram a uma nova audiência não passiva, mas ainda não se descobriu a melhor forma de se comunicar com essas pessoas. Santaella (2003, p.27) diz que o surgimento das mídias digitais ocasiona uma “busca dispersa, alinear, fragmentada, mas certamente uma busca individualizada da mensagem e da informação”. As mudanças no indivíduo e nos meios trazem às marcas a necessidade de repensarem a forma como se comunicam e se relacionam com seus 21 consumidores, que, mesmo em grande número, possuem características e desejos individualizados. A nova mídia não é mais mídia de massa no sentido tradicional do envio de um número limitado de mensagens a uma audiência homogênea de massa. Devido à multiplicação de mensagens e fontes, a própria audiência torna-se mais seletiva. A audiência visada tende a escolher suas mensagens, assim aprofundando sua segmentação, intensificando o relacionamento individual entre emissor e receptor (CASTELLS, 1999, p. 262-367). O consumidor não se satisfaz mais com uma comunicação massiva, ele quer ser ouvido e visto como indivíduo. Ele espera uma relação mais dialógica com as marcas e, por isso, tende a rejeitar mensagens genéricas e monólogos decorridos das propagandas tradicionais (LEWIS & BRIDGES, 2004; JAFFE, 2008). Nesse sentido, Godin (2000) fala sobre a necessidade das empresas em recorrerem a novas formas de comunicação que fuja de métodos interruptivos ou que incomodem a quem não quer receber tal mensagem. Garantir que a comunicação seja recebida não é mais o suficiente, é preciso que as marcas consigam engajar, emocionare influenciar seus consumidores (LONGO, 2003). Se as mudanças no perfil do consumidor estabelecem novos desafios às marcas para que essas consigam atrair seus respectivos públicos, a velocidade com que essas transformações ocorrem demanda dessas empresas esforços maiores para que consigam, de fato, conquistar seus clientes. O consumidor contemporâneo vive em constante mudança e tem em seu comportamento um viés migratório. Esse novo indivíduo, não passivo, navega constantemente em busca de novidades e conteúdo que lhe agradem. Ele não é mais fiel aos meios de comunicação ou marcas (LEWIS & BRIDGES, 2004; JAFFE, 2008), o que Jenkins (2008) define como uma “declinante lealdade”. Esse caráter migratório faz com que esse indivíduo vá a quase toda parte em busca de experiências de entretenimento (JENKINS, 2009). O Manifesto Cluetrain, escrito em 1999, já diagnosticava as transformações nas relações entre empresas e consumidores devido às mudanças decorridas da maior utilização da Internet para conversação e compartilhamento de conhecimento. Segundo os autores da obra, tais mudanças ocasionam o surgimento de novos mercados mais conectados e transparentes, o que representa um novo desafio para as empresas já existentes, principalmente na forma como elas se comunicam. 22 A maioria das empresas (...) apenas sabe como falar na linguagem calma, sem-humor e monótona da missão corporativa, prospectos de marketing, e (com) o sinal de ocupado sua-ligação-é-importante-para-nós. O mesmo antigo tom, as mesmas antigas mentiras. Não é de se espantar que mercados conectados não tenham respeito por empresas que não querem falar como eles. Mas aprender a falar em uma voz humana não é nenhum truque e as corporações não irão nos convencer de que são humanas com coisas do tipo ouvindo os clientes. Elas irão parecer humanas apenas quando empregarem seres humanos reais para falar por elas (LEVINE et al., 2000). Nesse sentido, é possível notar que o processo de empoderamento do consumidor envolve complexas modificações em seu comportamento, assim como em todos os aspectos que envolvem a esfera do consumo. Trata-se de uma mudança significativa nas relações entre marca e consumidor, em que o último ganhou mais poder e autonomia. Vale ressaltar, no entanto, que esse processo de empoderamento não significa que os papéis se inverteram: se anteriormente as marcas, com uma comunicação unilateral, balizavam o relacionamento com seu cliente e o limitavam a uma parte passiva do processo, não significa que o inverso ocorra atualmente. Pelo contrário, o consumidor contemporâneo é mais acessível, gosta de compartilhar e coproduzir (JAFFE, 2008). As empresas apenas precisam buscar novas maneiras de se adaptarem às essas mudanças. Sheth, Eshghi e Krishnan, (2002) percebem a necessidade desses novos rumos e apontam alguns caminhos para as transformações no marketing. Segundo os autores, os profissionais da área devem buscar formas de comunicação interativas, com trocas mútuas e não unilaterais, em que o consumidor tenha o poder de decisão na escolha do que irá consumir e com o quê ou quem irá interagir. Ainda na visão dos autores, o marketing na era digital também envolve transformações nas formas e aplicações de conteúdo, pois a maneira como o usuário interage e se comporta também mudou. Considerando essas mudanças e as demais citadas nos capítulos anteriores, o próximo capítulo abordará esses novos rumos do marketing na era digital. 23 2.3 Marketing na era Digital Quando se fala em marketing digital, é preciso entender que não se trata de uma ruptura com as primeiras práticas de marketing (TURCHI, 2012), mas sim de novas maneiras de se aplicar seus fundamentos nas formas e nos meios de comunicação que caracterizam a era digital (SANTAELLA, 2001; LIMEIRA, 2007). Assim, antes de apresentar algumas variações e aplicações do marketing no período atual, é preciso tomar conhecimento de alguns conceitos gerais sobre o assunto. Bagozzi (1974) afirmou que a essência do marketing está baseada na troca e definiu o termo como o “processo de se aplicar e solucionar relacionamentos de troca” (BAGOZZI, 1974, p.74). Esse intercâmbio pode ocorrer com mais de dois participantes (não necessariamente vendedor e consumidor) e nem sempre envolve apenas o produto em si, mas pode contemplar trocas simbólicas e intangíveis entre os participantes desse processo (BAGOZZI, 1974). Segundo o autor, essas permutas simbólicas imprimem na vida do sujeito significados sociais e conjugações de sentido baseados em suas experiências e, por isso, as pessoas buscam essas relações de troca para satisfazer suas necessidades pessoais (BAGOZZI, 1975). Para a AMA, American Marketing Association, (2013), “o marketing é definido como a atividade e o conjunto de processos feitos para criar, comunicar, entregar e trocar ofertas que tenham valor para os consumidores, parceiros e sociedade como um todo”. Kotler e Armstrong (1998, p.3) definiram o marketing como um “processo social e gerencial pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam através da criação, oferta e troca de produtos de valor com outros”. Mais tarde, Kotler; Keller (2007) ressaltaram que o marketing envolve troca, valor e relacionamento, de modo que todas as partes do processo sejam beneficiadas. Várias definições apontam a criação de valor para o cliente como característica fundamental do marketing. Essa concepção de valor pode ser definida como: “resultado da diferença entre os benefícios obtidos com o consumo de um produto ou de um serviço e os custos incorridos pela sua compra e no seu uso” (LIMEIRA, 2007, p.04). Para Yanaze, (2011) a criação de valor está diretamente relacionada à satisfação dos clientes e à busca das empresas por estratégias que satisfaçam as necessidades e desejos desses consumidores. Para Kotler, (2010), esse processo está diretamente ligado aos relacionamentos construídos entre 24 marcas e clientes, que, por sua vez, contribuem para a geração de vantagem competitiva duradoura para uma empresa (LIMEIRA, 2007). Uma vez que o marketing envolve troca entre marcas e consumidores, é importante ressaltar que as mudanças que ocorrem nas práticas relacionais, no comportamento e contexto social desses indivíduos interferem também nas trocas simbólicas e de valor entre empresas e clientes (SHETH; ESHGHI & KRISHNAN, 2002). Essas transformações podem ser atribuídas, sobretudo, à revolução causada pela Internet e à autoridade que o consumidor conquistou com a democratização da informação, e transportam o papel deste indivíduo para o de propulsor das ações de marketing (SHETH; ESHGHI & KRISHNAN, 2002). A maior autoridade do consumidor nos processos de marketing na era digital decorre de um período marcado pela interatividade e pela falta de controle das empresas sobre os processos comunicacionais com seus clientes (LIMEIRA, 2007). Nesse mesmo sentido, Limeira (2007) ainda ressalta transformações no marketing tradicional e diz que antes esse processo era feito de um para muitos e as empresas utilizavam mensagens padronizadas para muitas pessoas, que, por sua vez, recebiam a informação de forma passiva. Com a era digital, o marketing encontra um ambiente interativo, com consumidores que não só podem dar feedbacks de forma instantânea, mas que também são elementos ativos nos processos de troca: “Na era industrial, os profissionais de marketing iniciavam e controlavam o processo de troca, enquanto na era da Internet os clientes cada vez mais iniciam e controlam o intercâmbio” (SHETH; ESHGHI & KRISHNAN, 2002, p.14). Nesse contexto de mudanças, alguns termos como marketing digital e marketing eletrônico passam a ser utilizados para denominar um “novo marketing” aplicado na era marcada pela cibercultura. Para Limeira (2007, p.09), pode se entender comomarketing digital “o conjunto de ações de marketing intermediadas por canais eletrônicos, como a Internet, em que o cliente controla a quantidade e o tipo da informação recebida”. A definição de Torres (2009) para o termo vai ao encontro a essa ideia e o autor complementa dizendo que o processo envolve “comunicação, publicidade, propaganda e todo o arsenal de estratégias e conceitos já conhecidos de marketing” (TORRES, 2009, p. 45). Ainda explicando o conceito, o autor ressalta o quão essencial é para uma marca pensar suas ações de marketing vinculadas à Internet e complementa dizendo que mesmo que uma empresa opte 25 em não fazer isso, seus respectivos clientes usarão a Internet para se relacionar com outras pessoas e empresas da mesma maneira. Todavia, o marketing na era digital não interrompe ou anula as outras práticas de marketing ocorridas antes ou fora da Internet (TURCHI, 2012). Gabriel (2010) alerta quanto ao uso do termo digital e defende a aplicação da palavra não no sentido de diferenciação absoluta de marketing, mas na lógica de era, contexto ou período, que impulsiona novas maneiras de se aplicar os processos de marketing já conhecidos. Torres (2009) fala que o marketing e os consumidores são os mesmos e o que muda é a forma como esses indivíduos se sentem e agem frente às mudanças decorridas da era digital e como as marcas respondem a essas transformações. A grande diferença é que alguns comportamentos e desejos estavam reprimidos em função das restrições da comunicação em massa e da pressão da sociedade moderna sobre o indivíduo. O que a Internet, de fato, fez foi abrir de novo as portas para a individualidade e para o coletivo, sem a mediação de nenhum grupo de interesse (TORRES, 2009, p. 63). Para Limeira (2007), o marketing digital é marcado pelo fluxo de informações e valor que partem de todos os lados do processo, inclusive do consumidor. Essas trocas criam conexões e, nesse sentido, Sheth, Eshghi e Krishnan (2002, p.11) afirmam: “todos estão ligados a todos – pessoas a pessoas, empresas a empresas, empresas a clientes e clientes a empresas em um campo mais ou menos nivelado”. Torres (2009), contudo, alerta que esses sistemas de trocas só acontecem através do consentimento do consumidor, e este poder que o indivíduo tem de consentir ou não está relacionado ao controle que ele tem da quantidade e tipo de informação que ele recebe (LIMEIRA, 2007). Para caracterizar o marketing na Internet, Kotler e Keller (2007) identificam algumas diferenças em relação ao marketing realizado fora dela, tais como: os custos são acessíveis para grandes e pequenas empresas; não existe limite físico para a propaganda; existe um acesso maior e mais rápido à informação e as informações sobre a empresa e seus canais de informação ficam acessíveis para todos, durante todo o tempo. Mais tarde, Kotler (2009) ressalta que o marketing digital “abriu as portas para que as empresas novas e voltadas para nichos de mercado, com pouco capital, alcancem o mercado mundial” (Kotler 2009, p.257). 26 O marketing na era digital é impactado pela evolução tecnológica das velhas mídias e pelo surgimento de novos canais de comunicação e interação (tais como, tecnologia mobile, redes sociais, comunidades virtuais, etc.), que modificam substancialmente o comportamento das pessoas e, por isso, demandam que os profissionais de marketing encontrem novas maneiras para se relacionar com seu público (HENNIG-THURAU ET AL., 2010). Se outrora a mídia tradicional era elemento fundamental para engessar a relação entre marca e cliente, na era digital as novas mídias permitem formas mais interativas e dialógicas para o marketing. Hennig-Thurau et al., (2010) afirma que nesse novo período as funções das empresas não se direcionam mais para empurrar uma mensagem para seu público, mas sim para convidá-lo ao diálogo, tornando o relacionamento um dos pontos- chave do marketing na era digital. Nesse sentido, o autor diz que, na era atual, gerir relacionamento é como jogar Pinball 3, em que uma empresa lança a “bola do marketing” (que pode ser uma mensagem ou a projeção da marca) em um ambiente repleto de obstáculos (novas mídias), que não permitem mais que a informação siga um fluxo linear e unilateral ou que os processos comunicacionais a partir dela sejam os mesmos. A partir dessa analogia, o autor propõe uma nova representação para os processos de marketing e relacionamento, como mostra a figura a seguir: 3 Pinball ou flipper é um jogo eletromecânico onde o jogador manipula duas ou mais ‘palhetas’ de modo a evitar que uma ou mais bolas de metal caiam no espaço existente na parte inferior da área de jogo. A bola, quando entra em contato com certos objetos espalhados pela área de jogo, aumenta a pontuação do jogador. (http://www.pinballgodfather.com.br/o-que-e-pinball/) 27 Figura 1: Quadro Pinball conceitual: efeitos das novas mídias no relacionamento com os clientes. Fonte: The Impact of New Media on Customer Relationships. Journal of Service Research. Na figura 1 é possível perceber as mudanças nas formas de comunicação e aplicação do marketing e que as novas mídias complexificaram os processos comunicacionais e relacionais entre marca e consumidor. As empresas continuam utilizando as práticas habituais do marketing e as mídias tradicionais (setas A, B e F), porém, é possível que os consumidores interajam com essas mídias (seta E) e que tanto as novas quanto as tradicionais se integrem (setas I e J). Jenkins (2009) diz que esse processo de integração se dá pela cultura da convergência das mídias e traz à tona possibilidade de as marcas utilizarem essa integração (que o autor chama de Transmedia) como estratégia de comunicação, explorando a especificidade de cada uma delas e apresentando narrativas que engajem a audiência. Sendo assim, as novas mídias se tornam espaços para que os 28 consumidores sejam mais ativos e permitem que as empresas encontrem outras maneiras de se relacionar com seu público (setas K e H). É importante ressaltar que as mudanças no perfil do consumidor também são fatores preponderantes para que fluxo de informações e tomadas de atitudes no processo comunicacional também partam dele (setas C, D, E e H). É possível perceber nas ideias de Hennig-Thurau et al. (2010) que o consumidor tem papel mais participativo no processo de marketing, principalmente, pelas tecnologias e espaços que permitem que isso aconteça. Quando se fala dos espaços, retoma-se, mais uma vez, ao conceito de Web 2.0, que, segundo O’Reilly, (2005) está relacionado aos ambientes nos meios marcados pela inteligência coletiva e participativa. Para Torres (2009), a coletividade desses espaços digitais muda o ambiente que, antes, era dominado pelas empresas. Segundo o autor, “a Internet se transformou, pela ação do próprio consumidor, uma rede de pessoas, uma mistura de escola, parque de diversões e festa, algo como uma grande colmeia” (TORRES, 2009). Torres (2009) utiliza essa metáfora para expressar que o consumidor atual utiliza a Internet para vários fins. Levine et al. (2000) falam de mercados online formados por pessoas, que estão cada vez mais atuantes no processo de conversação em rede e alertam que as empresas precisam compreender essa dinâmica, para enxergar e tratar seu respectivo público de forma mais humana. Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010) falam que as mudanças tecnológicas foram fundamentais para as transformações do marketing contemporâneo, que, anteriormente, era voltado para consumidores e, com as mudanças provocadas pelo avanço da tecnologia da informação, passa a enxergar os consumidores como “seres humanos plenos: com mente, coração e espírito” (KOTLER, KARTAJAYA E SETIAWAN, 2010, p. 4). Para Ehrenberg
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