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Gleyson de Souza Lima Odontologia – 2019.2 INTRODUÇÃO O gênero Giardia inclui protozoários flagelados do intestino delgado de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, sendo nestes hospedeiros o agente responsável pela infecção denominada Giardíase; A giardia possui sua espécie determinada pelo seu hospedeiro de origem; O gênero giardia, atualmente, é dividido em 6 espécies, são elas: A) Giardia duodenalis (G. duodenalis); B) Giardia muris (G. muris); C) Giardia agilis (G. agilis); D) Giardia psittaci (G. psittaci); E) Giardia ardeae (G. ardeae); F) Giardia microti (G. microti); Dentre as seis espécies descritas anteriormente, a Giardia duodenalis (também chamada de Giardia intestinalis ou Giardia lamblia) é a única espécie que parasita o homem, causando a giardíase. MORFOLOGIA A G. duodenalis apresenta duas formas evolutivas, o cisto e o trofozoíto, que diferem quanto à organização estrutural e bioquímica. Não apresenta mitocôndrias, assim como o Trichomonas vaginalis. CISTO O cisto é a forma responsável pela transmissão do parasito e possui um formato oval ou elipsoide; O cisto de G. duodenalis possui: A) Uma parede cística (glicoproteica); B) Quatro núcleos (é tetranucleado); C) Um número variável de fibrilas longitudinais no meio do cisto chamadas axonemas de flagelos; D) Corpos escuros, localizados no polo oposto aos núcleos. OBS: A parede cística torna os cistos resistentes a certas variações de temperatura e umidade e também à ação de produtos químicos empregados como desinfetantes. OBS2: Posteriormente, os axonemas de flagelos e os corpos escuros correspondem a elementos estruturais que no trofozoíto irão originar os flagelos e o disco adesivo, respectivamente. TROFOZOÍTO O trofozoíto é encontrado no intestino delgado (duodeno), sendo a forma responsável pelas manifestações clínicas da infecção, e possui o formato piriforme; Giardíase Face Dorsal Face Ventral Gleyson de Souza Lima Odontologia – 2019.2 O trofozoíto de G. duodenalis possui: A) Dois núcleos (binucleado), sendo um núcleo de cada lado do disco suctorial, dando a característica de “dois olhos”; B) A face dorsal lisa e convexa; C) A face ventral côncava; D) Na face ventral há uma estrutura denominada disco ventral ou disco adesivo ou disco suctorial (os flagelos deslocam o trofozoíto contra a mucosa intestinal e esse disco faz uma pressão hidrodinâmica para fixar o parasito no trato intestinal); E) Dois flagelos anteriores (F.A), onde parte deles caminha no interior da membrana, emergindo lateralmente; F) Dois flagelos ventrais (F.V); G) Dois flagelos posteriores (F.P); H) Dois flagelos caudais (F.C); I) Abaixo do disco suctorial, ainda na face ventral, existem duas estruturas paralelas, em forma de vírgulas, denominadas Corpos medianos. OBS: O disco suctorial é formado por microtúbulos e microfilamentos compostos por α e β-tubulinas e por proteínas denominadas giardinas, que permitem a adesão do parasito à mucosa intestinal. Então, o trofozoíto de G. duodenalis é binucleado com 4 pares de flagelos (8 flagelos), enquanto que o trofozoíto de T. vaginalis é uninucleado com 5 flagelos. CICLO BIOLÓGICO A G. duodenalis é um parasito monóxeno de ciclo biológico direto, tendo como único hospedeiro os seres humanos; A via frequente de infecção do homem é a ingestão de G. duodenalis na forma de cisto: sendo de 10 a 100 cistos suficientes para iniciar a infecção; Após a ingestão (1), o cisto passa por um processo de desencistamento (2) (perda da parede cística e liberação do trofozoíto) que tem início no meio ácido do estômago e se completa no duodeno e no jejuno, por fim o cisto eclode no intestino se diferenciando no trofozoíto; Cada cisto maduro libera uma forma oval, tetranucleada e com oito flagelos, denominada excitozoíto. Em cada excitozoíto ocorrem duas divisões nucleares sem replicação do DNA e, sem seguida, esse parasito se divide e origina 4 trofozoítos binucleados. Os trofozoítos se multiplicam por divisão binária longitudinal e, assim, colonizam o intestino (3), onde permanecem aderidos à mucosa intestinal por meio do disco suctorial, cobrindo a superfície do intestino; OBS: O disco suctorial é composto por microfibrilas que formam uma franja ventrolateral. Essas microfibrilas são formadas por proteínas que reconhecem o receptor dos enterócito, auxiliando na fixação do trofozoíto. O ciclo se completa com o encistamento (4) do parasito, que se inicia no baixo íleo ou no ceco (principal sítio de encistamento), e sua eliminação para o meio exterior; F.A F.V F.P F.C Gleyson de Souza Lima Odontologia – 2019.2 OBS2: Alguns estímulos são necessários para que ocorra o encistamento, dentre eles temos: pH intestinal, concentração de sais biliares e o destacamento do trofozoíto da mucosa intestinal esses estímulos provocam à expressão de genes específicos, que são responsáveis pela codificação de moléculas da parede cística e pela biogênese de organelas que transportam, secretam e organizam os constituintes dessa parede. Assim, o trofozoíto secreta ao redor de si mesmo uma membrana cística resistente (com quitina), capaz de suportar as intemperanças do ambiente externo e, no interior do citoplasma, ocorre a nucleotomia, voltando a apresentar 4 núcleos; Os cistos produzidos são excretados juntamente com as fezes do hospedeiro (5), podendo permanecer viáveis por meses no meio ambiente, desde que em condições favoráveis de temperatura e umidade; OBS3: Em fezes líquidas, podem-se encontrar cistos e trofozoítos, já em fezes sólidas encontra-se apenas cistos, devido a menor quantidade de água. OBS4: O parasito de G. duodenalis chega ao intestino ainda na forma de cística. TRANSMISSÃO Principalmente por via oro-fecal, a partir da ingestão de água e alimentos contaminados com os cistos de G. duodenalis; De forma menos comum, pode ocorrer também por transmissão direta de pessoa para pessoa, por meio de mãos contaminadas, e entre homossexuais, através do contato oral-anal; Contato próximo com animais domésticos infectados com a giárdia. IMUNIDADE A imunidade protetora contra infecções humanas por G. duodenalis ainda carece de mais evidências, mas o desenvolvimento de resposta imune na giardíase tem sido sugerido a partir de evidências como: A) A natureza autolimitante da infecção; B) A detecção de anticorpos específicos anti- Giardia nos soros de indivíduos infectados; C) A participação de monócitos citotóxicos na modulação da resposta imune; D) A maior susceptibilidade de indivíduos imunocomprometidos à infecção; E) A menor susceptibilidade de indivíduos de áreas endêmicas à infecção, quando comparados com os visitantes; F) A ocorrência de infecção crônica em modelos animais atímicos ou tratados com drogas que deprimem a resposta humoral; No que tange à resposta imune específica, mecanismos humorais e celulares atuam diretamente no controle da infecção (anticorpos IgG, IgM e IgA anti-Giardia tem sido detectados no soro de indivíduos com giardíase, no entanto, o papel destes anticorpos na imunidade protetora ainda não foi totalmente elucidados). Gleyson de Souza Lima Odontologia – 2019.2 SINTOMATOLOGIA A giardíase apresenta um aspecto clínico diverso, variando desde indivíduos assintomáticos até pacientes sintomáticos com um quadro de diarreia aguda e autolimitante, ou um quadro de diarreia persistente, com evidências de má absorção e perda de peso, que muitas vezes não responde ao tratamento; Na forma aguda, em indivíduos não imunes (primoinfecção), a ingestão de um elevado número de cistos é capaz de provocar diarreia do tipo aquosa, de odorfétido, acompanhada de gases e cólicas abdominais; Nas infecções crônicas, os sintomas podem persistir por muitos anos, se manifestando com episódios de diarreia contínuos, intermitentes ou esporádicos. PATOGENIA A) No duodeno, a adesão envolve a sucção do disco suctorial, além de moléculas de superfície (adesinas); B) A giardina 1-α (adesina mais frequente na superfície da giardia), presente na superfície do trofozoíto possui a capacidade de ligar-se ao esqueleto de glicosaminoglicanos dos enterócito; C) Três proteínas são liberadas pela G. lamblia durante a infecção arginina deaminase, ornitina carbamil transferase e a enolase, que vão entrar no enterócito; D) A arginina e ornitina são utilizadas para ativar o metabolismo da arginina na geração de energia dentro dos enterócito (transaminação); E) Esse mecanismo esgota a arginina do enterócito e induz a apoptose em células intestinais. Além disso, essa redução de arginina impede a produção de óxido nítrico (importante na resposta imune inata) pelas células epiteliais intestinais; F) O encistamento é desencadeado por fatores do hospedeiro, como altos níveis de bile, baixos níveis de colesterol e pH alcalino; G) O trofozoíto produz níveis abundantes de proteínas de parede do cisto, que são empacotadas em vesículas específicas. Essas vesículas crescem, amadurecem e transitam para a membrana plasmática do trofozoíto onde as proteínas de parede do cisto são secretadas. OBS: A cisteína proteinase é essencial para o encistamento e desencistamento de G. duodenalis. OBS2: A CWP2 (proteína de parede celular 2) está co-localizada com as CWP’s dentro da parede do cisto variação antigênica. PATOLOGIA Ocorrem mudanças na arquitetura da mucosa intestinal; Os trofozoítos de G. duodenalis aderidos ao epitélio intestinal podem romper e distorcer as microvilosidades do lado em que o disco adesivo entra em contato com a membrana celular; A alteração morfológica e funcional do epitélio intestinal é dada pelos processos inflamatórios, devido à reação imune do parasito; Atapetamento da mucosa por um grande número de trofozoítos, impedindo a absorção de nutrientes provenientes dos alimentos. DIAGNÓSTICO A precisão do diagnóstico é importante tanto para identificar os casos sintomáticos quanto para os casos assintomáticos, visto que as infecções assintomáticas, além de compreenderem cerca de 90% dos casos, incluem os indivíduos excretores de cistos e, portanto, importantes fontes de infecção. CLÍNICO Gleyson de Souza Lima Odontologia – 2019.2 Em crianças de 8 meses a 10-12 anos, os sintomas mais indicativos de giardíase é diarreia, cólicas, dor abdominal, perda de apetite e outros; Embora os sintomas sejam característicos, é importante que haja uma comprovação por exames laboratoriais. LABORATORIAL A) Parasitológico: é feito pelo exame microscópico de fezes (coproparasitológico) e baseia-se na identificação das formas evolutivas do parasito (cisto ou trofozoíto). Lembrando que em fezes líquidas, podem- se encontrar cistos e trofozoítos, com predominância de trofozoítos, já em fezes sólidas, encontra-se apenas cistos, devido a menor quantidade de água. Assim, os cistos são encontrados nas fezes da maioria dos indivíduos com giardíase, enquanto o encontro de trofozoítos é menos frequente, e está, geralmente, associado a infecções sintomáticas. B) Imunológico: os métodos imunológicos mais empregados são a imunofluorescência indireta e o método ELISA. EPIDEMIOLOGIA Ingestão de cistos na água; Conhecida como “diarreia dos viajantes”; Zoonose (veterinária); Resistente ao meio externo, podendo permanecer viáveis por meses fora do hospedeiro, desde que em condições favoráveis de temperatura e umidade; São resistentes ao processo de cloração da água; Frequentemente é encontrada em ambientes coletivos, favorecendo a transmissão de pessoa para pessoa; Manipuladores de alimentos. TRATAMENTO Metronidazol, Secnidazol e Tinidazol. REFERÊNCIAS NEVES, David Pereira. Parasitologia humana. 13. ed. São Paulo: Atheneu, 2016.