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Lei Maria da Penha e a sociologia de Émile Durkheim VITORIA LETICIA MOURA DO NASCIMENTO- 2B- TIA 32076037 Inicialmente vale a pena ressaltar que os estudos acerca da violência contra a mulher começaram a ser realizados com maior frequência entre o fim da década de 70 e início da década de 80, ou seja, apesar de ser um tema que é e foi presente na vida de diversas mulheres antes mesmo desse período esta forma de violência só passou a ser estudada e combatida com veemência recentemente. Com a luta pela proteção pelos direitos humanos, especialmente o das mulheres, a violência contra mulher caminhou do campo privado que possuía tendência de ocultação e relevação para o campo público, causando assim reações de repúdio e tomadas de ações de modo que estas práticas deixassem de fazer parte de estatísticas e passassem a formular normas de proteção ao direito das mulheres. Além disso, esta transferência do campo privado ao público propiciou também a solidariedade social de forma ostensiva, na década de 70 entendia-se por violência doméstica a expressão do poder do homem mediante o emprego da violência física tendo como fonte do problema o patriarcado e seus ideais machistas e misóginos. Já na década de 80, todas as formas de violência foram incluídas no conceito de grupos feministas europeus e norte-americanos. Entretanto, só se tornou norma em 2006 pelo artigo 7.º da lei 11 340/06, mais conhecida como lei Maria da Penha. Os direitos das mulheres são parte dos direitos humanos que abordam a violência sexual contra mulheres como uma violação e um crime. A lei n.º12.015/2009 abrange crimes contra a dignidade sexual, tais como estupros, violação sexual mediante fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação lascívia mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento à prostituição. Apesar de ser uma lei bastante abrangente, na prática, muitas vezes esses crimes são subjetivados e perdem a força de um crime para o senso comum, esta maneira de encarar a violência sexual é bastante presente na nossa sociedade de modo a fazer a própria vítima tornar-se incapaz de reconhecer-se como vítima. Nesse contexto, o pensamento sociológico de Durkheim nos trouxe pontos de reflexão na área da sociologia criminal uma vez que ele não atribuía aos crimes um caráter patológico e sim considerava-os fatos sociais de caráter normal uma vez que estão estritamente ligados à vida coletiva. Nas palavras de Durkheim (2001, p. 83), “[...] classificar o crime entre os fenômenos de sociologia normal, não só dizer que é um fenômeno inevitável, ainda que lastimável, [...] é afirmar que é [...] uma parte integrante de qualquer sociedade sã”. Para Durkheim, o crime é parte integrante da natureza humana, existindo em todas as épocas e classes sociais. Considera-o um fator social normal pelo fato de não existir uma sociedade em que este encontre-se ausente, não existe para Durkheim uma sociedade sem atos criminosos. Ou seja, o que diferencia as sociedades entre si são as modificações na forma da criminalidade, sendo fator influente o momento histórico. Nesta linha de pensamento sempre existirão ações qualificadas como crimes, uma vez que sempre existirão ações que irão ferir os sentimentos coletivos. Em sua teoria Durkheim procura provar que os fatos sociais independem dos valores individuais, pois embora cada pessoa tenha valores, gostos e formas particulares de agir e sentir, que o sociólogo denomina de consciência individual, essa está subordinada a um conjunto de normas, regras e sanções que sobrevivem e se adaptam ao longo das gerações e que são impostas aos indivíduos em favor do bem comum a qual o sociólogo denomina de consciência coletiva. Para Durkheim, tanto a sociedade quanto a coesão social são possíveis apenas a partir de um consenso entre os indivíduos, o qual o sociólogo chama de solidariedade e considera que essa varia de acordo com o modelo de organização social. A solidariedade social é um conceito totalmente moral dado que pensamos e agimos de acordo com o que nos é formulado socialmente. Sendo assim, a vida em sociedade prevê a interação entre os indivíduos de acordo com regras e normas de modo a impedir que esses cometam atos que acarretem prejuízos para a organização social e para os próprios indivíduos. Neste escopo atua o direito, que através de suas normas determina parte dos mecanismos de controle social sobre as condutas individuais. Para o sociólogo, aqueles que ameaçam a coesão social devem ser punidos para que a proteção da unidade da sociedade seja exercida. De acordo com sua concepção, a pena não serve apenas para corrigir o culpado ou intimidar certas atitudes, mas sim, possui a função de proteger a sociedade objetivando a vitalidade dos laços que unem os indivíduos, evitando a perda da coesão social. A partir disto, com base no pensamento durkheimiano, o crime de violência contra a mulher é um fato social considerado normal já que está presente em todas as sociedades e em todas as épocas, participando das relações entre os indivíduos e promovendo a solidariedade social, fazendo com que a solidariedade e a moral imponham-se contra tendências egoístas. O conceito de violência contra a mulher é estrutural e possui raízes históricas, é um fenômeno ligado à cultura patriarcal que estabelece padrões de comportamento e meios de controle social, tanto informal quanto formal. O patriarcalismo pode ser definido como a ideologia da inferioridade, uma vez que veicula a imagem de dependência e impotência feminina, colocando uma mulher em uma posição de dependência masculina e abrindo caminho para objetificação feminina, já que se a mulher depende do homem para a sobrevivência, o mínimo que ela precisa fazer é satisfazer seus desejos, tanto sexuais quanto sociais. Neste conceito, o homem determina qual posição a mulher ocupará frente a sociedade, sendo assim a violência de gênero é reproduzida e eternizada em meio a nossa sociedade. Uma vez determinada a raiz deste problema social e identificada a violência como resultado de um sistema patriarcal e machista, questionamo-nos acerca da eficácia da Lei Maria da Penha no combate a este mal que assombra a vida de todas as mulheres simplesmente por nascerem mulheres. De acordo com Ana Lúcia Sabadell o sistema penal não tem capacidade para solucionar os conflitos de maneira satisfatória. O Direito Penal simbólico não faz pelas mulheres vítimas de violência doméstica nada além do que duras legislações simbólicas, decepcionando-se consigo mesmo por não conseguir alterar a realidade, é uma espécie de remédio ineficaz, pois diferentemente das legislações voltadas às questões de drogas ou crime organizado, que tem relação direta com a diminuição da incidência do crime a legislação contra a violência doméstica tem pouca ou nenhuma eficácia social no que diz respeito à prevenção do delito. A partir disso questiona-se: se a legislação que possuímos se mostra ineficaz, qual a solução para o problema da violência doméstica e toda a cultura machista e patriarcal que esta traz consigo? Como fazer esta sociedade patriarcal questionar os próprios valores e equiparar crimes de lesão corporal na esfera pública aos crimes de violência doméstica na esfera privada? O Direito Penal se mostra ineficaz no combate à raiz do problema, uma vez que privação de liberdade não arranca da mente do agressor todos os seus ideais patriarcais, que são tão intrínsecos ao ser que este não possui o discernimento nem a capacidade crítica de refletir acerca dos mesmos. A Lei Maria da Penha abandona o princípio da proporcionalidade quando adota penas privativas de liberdade e prisão preventiva para crimes até então punidos com restrição de direitos, adotando uma ideia de “pena exemplar”. Entretanto, não considera que o agressor não ficará para sempre privado de liberdadee que esta pena não corrigirá sua mentalidade, pode pelo contrário, aumentar o ódio ao feminino e criar uma ideia de vingança. Na composição da lei, diversas medidas de cunho assistencial e educacional foram pensadas e inseridas aos dispositivos, entretanto, não saíram do papel até então. As mulheres vítimas de violência por vezes devido à dependência emocional e por carregarem consigo também ideais machistas e patriarcais veem necessidade em terem ao seu lado a presença de um companheiro, ainda que agressor. Estas mulheres não têm a quem pedir ajuda efetiva que poderia se dar a partir de tratamento psicológico e assistencial, alojamento seguro para a família, qualificação profissional de modo a não haver mais dependência econômica e outras medidas. As questões de violência de gênero possuem particularidades que acompanham as vítimas, tais como a vergonha em relação à violência sofrida, que acaba por atingir diretamente a autoidentidade fazendo-as questionarem-se sobre sua posição de vítima. Este é um problema de ordem pública, pois mulheres deixam de buscar suporte exclusivamente por vergonha, o que acaba por dificultar o rompimento com a situação abusiva. É uma tarefa difícil mensurar a magnitude da violência contra a mulher, pois grande parte das vítimas tendem a silenciarem-se. A partir disso estaria o Direito Penal a iniciar a caminhada de um sistema de combate ao patriarcalismo e suas consequências negativas além do combate à violência doméstica, não se limitando à repressão penal e à simples reafirmação de valores abstratos. Durkheim entende que é por meio do nosso sistema jurídico que podemos reconhecer o modelo de organização de determinada sociedade e as categorias de solidariedade que compõe a coesão social. Para o sociólogo o ato criminoso é considerado nocivo por ser rejeitado pela sociedade, o que vingamos o criminoso expia. Todos os atos que atingem a consciência coletiva não são perigosos por si mesmos, mas sim por terem potencial de abalá-la, e, caso isso ocorra, a coesão social é afetada e consequentemente a sociedade. Assim sendo, a mudança de valores é o ponto central para que a sociedade enxergue a violência contra a mulher como um “ato criminoso” que fira a consciência coletiva e possa sofrer punições. A violência contra a mulher é consequente às relações de poder e dominação exercidas pelos homens que se fundam no privilégio masculino. Segundo o legado de Durkheim a sociedade é uma autoridade moral que possui consciência coletiva, é esta autoridade que liga os indivíduos por meio das normas e mecanismos de controle social. Com isso o esperado é que ninguém transgrida os valores sociais, os “criminosos” são aqueles que não internalizaram a moral preponderante, que rompem com o contrato social. A lei simboliza a solidariedade social quando positiva os valores que unem os indivíduos. O processamento do crime simboliza as operações do sistema de solidariedade que é necessário para perpetuar a sociedade. Durkheim entende que a punição é voltada a violação aos sentimentos e valores prevalentes socialmente e não apenas ao indivíduo. O crime é uma conduta que vai contra os valores morais sociais, portanto a sociedade, que sente a dor e os prejuízos da ação criminosa deve arcar com a punição. Apesar de a Lei Maria da Penha ter gerado grande solidariedade social e ser fruto dela, a violência não é efetivamente enfrentada pela burocracia imposta pelo Direito Penal. A literatura da sociologia jurídica tende a abordar formas além privação de liberdade ante a questão de violência de gênero dando especial atenção às políticas sociais multidisciplinares. A Lei 11 340/06 é caracterizada pelo direito repressivo uma vez que criminaliza a violência contra a mulher prevendo a detenção de 3 meses a 3 anos. Para Durkheim a necessidade de uso do direito repressivo é fruto de uma sociedade menos desenvolvida, uma vez que atua como uma vingança. Além disso, para o sociólogo a legitimidade da norma jurídica não depende da eficácia da lei e sim de sua internalização pelos membros sociais, somente quando ocorre essa internalização social da lei é que a violência contra a mulher poderá ser erradicada. A eficácia da lei não é suficiente nesta análise.
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