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CASO CLÍNICO 1 RFS, sexo masculino, 58 anos, natural e procedente de Curitiba, comerciante. Deu entrada na emergência da Unidade de Pronto Atendimento queixando-se de se sentir inchado. Apresenta abdome distendido, que segundo ele, apresentou aumento progressivo nos últimos 4 meses. Relatou que há um mês vem tendo edema de membros inferiores e astenia. A urgência em ir ao serviço de saúde se deu pelo fato do paciente apresentar vômito escuro em quantidade considerável de forma repentina. Nega transfusão sanguínea, uso de drogas e tabagismo, e relata ter feito tratamento para sífilis aos 27 anos de idade, e chegou a consumir grande quantidade de álcool durante 25 anos. Ao exame físico, encontra-se emagrecido, palidez cutâneo-mucosa +/4+, escleras ictéricas ++/4+, telangiectasias (vasos muito finos existentes na superfície da pele) na região torácica. Abdome globoso, com circulação colateral visível, flácido, indolor, Piparote + (indicativo de ascite), fígado palpável a 4 cm em região epigástrica, esplenomegalia. MMII: edema de ++/4+. Foi solicitado sorologia para hepatite B e C OBS. Antes de dar entrada na emergência, foi ao posto de saúde do bairro e o médico prescreveu furosemida e espironolactona (diuréticos). 1- Qual o provável diagnóstico? Explique. ➔ Cirrose hepática (descompensada) ➔ Circulação colateral; hemorragia digestiva (vômito com sangue - hematêmese); esplenomegalia; anemia (a gente não sabe); ascite; encefalopatia hepática (não tem) Descompensada: paciente pode apresentar icterícia, prurido, ascite (manifestação mais comum de descompensação), edema de membros inferiores, diarreia, sangramento gastrintestinal (hematêmese, hematoquezia, melena), confusão mental 2- Quais complicações são mais frequentes na doença levantada? 1. Hipertensão Portal (pressão venosa portal superior a 5 mmHg) e Insuficiência Hepatocelular (definida clínica e laboratorialmente por icterícia e sinais periféricos de cirrose hepática) 2. Gastropatia Hipertensiva Portal (acomete cerca de 20 a 80% dos pacientes portadores de hipertensão portal e cirrose hepática) 3. Hemorragia digestiva alta (HDA) em que o paciente vomita sangue vivo e em grande quantidade - relaciona-se com as varizes esofágicas. 4. Encefalopatia hepática (perda da função cerebral quando um fígado danificado não remove as toxinas do sangue). 3- Explique a fisiopatologia da ascite que o paciente apresenta? ● O que é: Ascite é o acúmulo de água dentro da cavidade abdominal. A ascite na cirrose é causada pela hipertensão portal e pela diminuição da concentração de albumina no sangue. Na cirrose, pode haver acúmulo de mais de 10 litros de líquido ascítico dentro da cavidade peritoneal, o que faz com que o paciente fique com um abdômen muito volumoso. ● Qual é a causa: Ascite ocorre em consequência de distúrbios mecânicos, circulatórios, inflamatórios em diversas doenças primárias e secundárias, relacionadas ou não ao sistema digestório. Nas doenças do fígado, seu surgimento denota disfunção hepática moderada a grave associada a hipertensão portal, redução na excreção de sódio e água e vasodilatação no sistema esplâncnico. A teoria da vasodilatação veio harmonizar as ideias sobre a formação de ascite no cirrótico, englobando as teorias do “overflow” e do “underfill”. Nas fases iniciais da cirrose hepática haveria vasodilatação periférica e retenção renal de água e sódio. A seguir haveria “overflow” (super fluxo) e escape de fluido para a cavidade peritoneal (vindo principalmente da superfície hepática). Provavelmente depois que a ascite começa a se formar e piora a vasodilatação periférica, o “underfill” (baixo enchimento) passa a assumir papel relevante, com queda do volume efetivo circulante e estimulação permanente dos sistemas vasopressores, levando à retenção contínua de água e sódio pelos rins. A saturação da capacidade de drenagem linfática abdominal, e principalmente a limitação da drenagem linfática hepática, contribuem para o acúmulo final de líquido na cavidade peritoneal. Desta forma, diante de um paciente com ascite, podemos especular qual o mecanismo atuante de forma predominante em um determinado momento. Se a história obtida for de ascite de recente começo (até 1 a 2 meses) provavelmente a vasodilatação estará presente e o “overflow” predominará. Um paciente com ascite de longa duração (4 a 6 meses) terá grau mais acentuado de vasodilatação periférica com predomínio do “underfill”. ● Percepção clínica: A percepção clínica de ascite ocorre com acúmulo de líquido abdominal superior a 1.500 mL, causando desconforto abdominal, edema de membros inferiores (MMII) e redução do débito urinário. Geralmente tem caráter progressivo, podendo levar à distensão abdominal e à restrição ventilatória. Subjetivamente, classificam-se a ascite em leve ou grau 1, moderada ou grau 2 e tensa ou grau 3. ● Relação entre ascite e cirrose: Estima-se que 50% dos cirróticos desenvolvam ascite ao longo da vida, sendo sua ocorrência frequentemente o primeiro sinal da doença, relacionado à redução significativa na qualidade de vida e sobrevida, estimada em 50% após 2 anos do surgimento da ascite. ● Complicações: Uma das complicações da ascite é a peritonite, que ocorre quando o líquido dentro da barriga fica infectado por bactérias vindas dos intestinos. A peritonite é uma situação grave, que se não for identificada e tratada a tempo pode evoluir com sepse. Além do acúmulo de líquido dentro do abdômen, o paciente cirrótico pode apresentar também retenção de líquidos nas pernas e nos pulmões. Paciente com grau avançado de ascite causada por cirrose. Fonte: https://www.mdsaude.com/gastroenterologia/ascite/ https://www.mdsaude.com/gastroenterologia/ascite/ 4- Quais exames devem ser solicitados na investigação? Anamnese e exame físico: ● História familiar (hemocromatose, Doença de Wilson, Fibrose cística) ● Etilismo (hepatite alcoólica) ● Hiperlipidemia ● Diabetes ● Obesidade (Esteatose hepática) ● Transfusão sanguínea (Hepatite B e C) ● Doenças autoimunes (Hepatite autoimune, cirrose biliar primária) ● Medicações e toxinas (Hepatite induzida por drogas) ➔ Suspeita do diagnóstico de cirrose diante de um paciente com hemorragia digestiva, ascite, hepato e/ou esplenomegalia, sinais de insuficiência hepática ou mesmo pacientes assintomáticos, mas com evidência de alterações laboratoriais ou de imagem Laboratoriais: ● Hemograma completo - pode apresentar anemia, leucopenia, trombocitopenia ou pancitopenia ● Função hepática - Albumina (encontra-se reduzida na insuficiência hepática ou desnutrição), bilirrubina (normais, mas pode se elevar com a progressão da doença), tempo de protrombina (TP); alanina aminotransferase (ALT ou TGP), aspartato aminotransferase (AST ou TGO); globulina ● Testes de coagulação ● Testes sorológicos para causas virais (hepatites B e C) Exames de imagem: ● Ultrassonografia de abdome (USG) ● USG com Doppler ● Tomografia computadorizada ● Ressonância magnética ➔ Nesses exames podem ser identificado nódulos hepáticos, heterogeneidade do parênquima hepático, redução do fígado ou sinais de hipertensão portal 5- Qual a principal suspeita do vômito apresentado e qual a conduta terapêutica mais adequada para resolver o problema? Pode ser devido a Hemorragia digestiva alta, complicações comuns que podem ocorrer em caso de cirrose hepática. Conduta terapêutica: A conduta inicial para um paciente com quadro de sangramento digestivo envolve a caracterização da hemorragia através de uma anamnese e um exame físico minuciosos e concomitantemente de uma avaliação da estabilidade hemodinâmica do paciente com estimativa das perdas volêmicas: ● Perda de volume < 15% não apresenta hipotensão ou taquicardia. Obs.: pacientes em uso de betabloqueador e idosos podem não apresentar taquicardia, enquanto grávidas e crianças podem apresentar sintomas. ● Taquicardia em repouso (> 100 bpm) e hipotensão postural, indicam uma perda de 15-30% do volume sanguíneo. ● Ressuscitação volêmica com cristaloidesaté 2L, mais do que isso pode aumentar o sangramento ativo ou voltar a sangrar. ● Pacientes que não melhoram, idosos e com sinais de falência orgânica, necessitam de concentrado de hemácias. ● PAS < 90 mmHg, agitação, confusão ou letargia, com extremidades frias, indica choque hipovolêmico com > 40% de perda do volume sanguíneo. ● Transfusão sanguínea com concentrado de hemácias. ● Intubação orotraqueal eletiva é recomendada antes da endoscopia, em pacientes com choque hipovolêmico, hematêmese em curso, alteração do estado mental, comprometimento respiratório e para minimizar o risco de aspiração Realizar endoscopia digestiva alta(EDA) precocemente (12h a 24h após admissão) após estabilização hemodinâmica e medidas iniciais. É preciso monitorizar o paciente, solicitar exames laboratoriais, como tipagem sanguínea, prova cruzada, hemograma, coagulograma e função hepática. Aqueles com sangramento ativo e coagulopatia (RNI > 1,5) e/ou plaquetas < 50.000/mm3, devem receber plasma fresco congelado e/ou plaquetas. De modo geral, objetiva-se manter Hb > 7 mg/dL. Hemotransfusões acima de > 10 U de concentrados de hemácia, devem ser repostos também plasma fresco, plaquetas e cálcio.
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