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RESENHA CRÍTICA
ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1992.
Joaquim Maria Machado de Assis, nascido em 21 de junho de 1939 na cidade do Rio de Janeiro, representa um dos mais célebres nomes da Literatura Brasileira. Considerado o precursor da estética realista no Brasil, Machado de Assis possui uma vasta produção literária abrangendo, dentre outros gêneros, romances, peças teatrais, poemas, sonetos, crônicas. Logo, apontado como o maior escritor negro de todos os tempos, Machado foi, ainda, um dos responsáveis pela fundação da famigerada Academia Brasileira de Letras (ABL) e, por isso, a referida instituição passou a ser conhecida, também, por Casa Machado de Assis. Nesse sentido, apesar de ser incoerente classificar sua produção em apenas uma estética literária, a crítica divide sua trajetória em duas fases: sua fase romântica, marcada pelas obras Ressureição (1872) e Crisálias (1864); e sua fase realista, marcada pelo memoriável romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Logo, “Admitimos a divisão em duas fases, mas apreciamos a primeira como sendo de experiência e a segunda, como de afirmação.” (CASTELLO, 1953, p. 439). 
Dessa forma, a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, juntamente à Dom Casmurro (1899) e Quincas Borba (1891), compõe a chamada “trilogia realista” que consiste na tríade romântica que marcou a chegada do novo estilo realista na produção literária machadiana. Nesse sentido, vale ratificar que uma das finalidades centrais da trilogia é, justamente, tecer críticas à sociedade e aos regimes imperativos vigentes de sua época, além de “revelar certos aspectos da natureza humana, friamente, porém com penetrante observação psicológica e sem deixar de transparecer seu próprio sentimento de humanidade, tolerância e compreensão.” (CASTELLO, 1953, p. 442). Assim, Memórias Póstumas de Brás Cubas, portanto, constitui-se como uma obra cujo objetivo central, dentre outros, é fomentar reflexões acerca do retrato e da pequenez da própria condição humana. 
Nessa perspectiva, o romance, que se passa no final do século XIX, inicia-se no velório do protagonista narrador Brás Cubas, o intitulado defunto autor. Logo no início do capítulo recebemos a informação de que apenas onze amigos compareceram ao sepultamento de, segundo um dos participantes, “um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade”. Tal afirmação, inicialmente, nos leva a questionar o fato do porquê de tão poucas pessoas terem comparecido ao velório de uma figura tão ilustre. Nesse sentido, ao decorrer dos breves capítulos, o narrador personagem relata, de forma pessimista, nostálgica, ácida e, por vezes, irônica, diversificados acontecimentos vivenciados em seus 64 anos de vida, inclusive o processo de criação de um emplastro, tônico milagroso que se proponha a curar todas as doenças. Assim, por ser um livro de memórias escrito postumamente, os acontecimentos não são lineares, e por isso, a obra é considerada um dos maiores romances psicológicos da literatura realista brasileira. 
Dentre as memórias póstumas apresentadas no livro, o autor traz uma efêmera perspectiva acerca de sua infância enquanto uma criança profundamente mimada, travessa e superprotegida pelo pai. E, também, acerca de suas desilusões amorosas; na adolescência, conheceu Marcela, mulher que “amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”, isto é, Marcela era uma prostituta que lhe explorou durante um determinado período de tempo e que, em função disso, seu pai havia lhe enviado para estudar direito em Coimbra, para esquecer Marcela. Logo, em seu retorno conheceu Eugênia, belíssima moça, porém desafortunada e filha de mãe solteira. Nesse sentido, no momento em que Brás Cubas descobre que a moça possuía uma deficiência em seus membros inferiores, a abandona; “Era linda, porém coxa”, a afirmação do protagonista reforça padrões estéticos que perduram-se até a contemporaneidade.
Nesse contexto, posteriormente, o autor defunto, com intuito de ingressar na vida política, engata um romance com Virgília, filha de um político da época. Entretanto, tamanho era o desinteresse de Brás Cubas que o romance fracassa. Logo, Virgília, mulher ambiciosa, casa-se com Lobo Neves, prestigiado político da época. Tempos depois, Brás Cubas reencontra e, por conseguinte, inicia uma paixão proibida e adúltera com Virgília, que se perdura por um determinado período de tempo até que Virgília se muda do Rio de Janeiro para uma pequena província do Nordeste em função de um novo cargo político de seu marido, Lobo Neves.
Desse modo, Brás Cubas, em tentativas desesperadas de ascender profissionalmente e dar sentido a sua frustrante vida, tenta exercer algumas profissões, como jornalista, filósofo – com ajuda de seu amigo de infância Quincas Borba -, deputado e até mesmo realizar práticas filantropas; porém todas tentativas foram mediocremente malsucedidas. Assim, como um esforço último de atribuir significado a sua existência, Brás Cubas investe em um noivado com Nhã Loló, chamada de Eulália, a flor do pântano, contudo a jovem moça adoece e acaba falecendo de febre amarela antes mesmo do casamento acontecer. 
No último capítulo da obra, o defunto autor sintetiza sua trajetória de vida enquanto um conjunto de negativas. O referido capítulo se materializa na personificação de suas frustrações, isto é, de seus planos e perspectivas de vida malsucedidos: o emplastro milagroso fracassado, seus amores infrutuosos, sua carreira política quase inexistente. Brás Cubas, entretanto, se gaba de nunca ter precisado trabalhar para se sustentar e, ainda, enfatiza que o único ponto positivo de sua esmorecida vida é que “Não tive filhos, não transmite a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Desse modo, para Brás Cubas, todas as desventuras e experiências negativas de sua vida aconteceram de forma hereditária, assim, não ter tido filhos, portanto, representaria a quebra desse ciclo, dessa “maldição”. Logo, Brás Cubas compara, prepotentemente, sua vida medíocre e cheia de negativas às escrituras bíblicas, com a única diferença que a bíblia começou pelo nascimento e sua história de vida, pela morte. 
Desse modo, para compor a análise da obra, faz-se importante enfatizar alguns aspectos referentes à volubilidade da estrutura narrativa do livro e, ainda, do próprio personagem narrador, isto é, o caráter mutável e inconstante destes. Assim, com relação à estrutura narrativa, logo no primeiro capítulo, percebemos uma espécie de ruptura com a linearidade costumeira dos livros, haja vista que a narrativa se inicia a partir da morte do protagonista, isto é, de forma não linear. Nessa perspectiva, é perceptível uma determinada predileção por capítulos curtos e que se modificam, estruturalmente, ao longo da obra. Referente à afirmação, destacam-se, dentre outros, os capítulos LV (O velho diálogo de Adão e Eva) que apresenta diálogos entre Brás Cubas e Virgília, mas contendo meramente pontuações; CXIX (Parêntesis) que contém apenas uma série de máximas; CXXV (Epitáfio) que contém somente a frase inscrita no, provável, túmulo de Eulália e CXXXIX (De como não fui ministro de Estado) que contém apenas uma série de reticências. Nesse sentido, a partir das exemplificações, podemos perceber uma maneira única de formular os capítulos, isto é, uma singularidade na construção destes. 
Nesse contexto, referente à volubilidade do personagem narrador, primeiramente, vale salientar que ao longo de toda a trama, captamos intromissões deste atrapalhando, de certa forma, a progressão temporal do romance, ou seja, por vezes o narrador se dirige, de forma debochada e desrespeitosa, ao leitor. Logo, tais intromissões constituem-se enquanto um elemento característico da produção machadiana. Dessa forma, faz-se imprescindível enfatizar a forte particularidade multifacetada do personagem, haja vista que ao decorrer na narrativa, Brás Cubas se mostra enquanto um personagem munido de caracteres múltiplos, isto é, o defunto autor alterna constantemente, ao longo dos capítulos ou até no mesmo, aparênciase máscaras. Desse modo, o personagem, de início e ao longo de toda a narrativa, manifesta uma personalidade medíocre apresentando-se enquanto um indivíduo culto, com o intuito de demonstrar superioridade, mas que só possui conhecimentos superficiais acerca de temas gerais, posto que Brás Cubas, apesar de ser burguês, não pertencia à elite intelectual da época. Logo, a cada capítulo, o narrador transita entre paixões e indiferenças, generosidade e mesquinharia, prestígio e desprestígio. Nesse sentido, podemos compreender que tanto a estrutura narrativa, quanto o personagem narrador apresentam modificações ao longo das memórias, representando, portanto, um método moderno e único de se contar uma história.
Nesse sentido, podemos inferir que o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas representa, sobretudo, uma crítica contundente à alta sociedade carioca do século XIX, a burguesia. Assim, o personagem Brás Cubas, a partir de sua crua sinceridade e ironia, constitui-se como uma alegoria que reflete a arrogância, frivolidade, superficialidade e indiferença dos integrantes da elite abastada do Rio de Janeiro, que preocupavam-se exclusivamente com aparências e títulos; tal afirmação é exemplificada, dentre outros, nos trechos em que Brás Cubas foge de Eugênia quando descobre a deficiência da moça e quando se relaciona, inicialmente, com Virgília em função de interesses políticos. Nessa perspectiva, Brás Cubas foi um homem ocioso, mesquinho e prepotente que não deixou nenhum legado, porém viveu despreocupadamente em função de seu privilégio de classe. 
Destarte, recomendo fortemente a obra resenhada acima a toda comunidade acadêmica do curso de letras e afins. Recomendo, ainda, a todos aqueles que possuem apreço e interesse pela excêntrica e ímpar produção literária machadiana, haja vista que a leitura do referido livro faz-se essencial para se entender a singularidade do autor, já que em “toda a obra de Machado de Assis realiza sempre um processo de purificação das paixões e dos vícios humanos”. (CASTELLO, 1953, p. 442). 
Referências 
O Realismo e o Naturalismo no Brasil: leitura e discussão do texto “Aspectos do Realismo-Naturalismo no Brasil” In: CASTELLO, José Aderaldo. Revista de História. São Paulo. v. 6, n. 14, 1953.

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