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História e Cultura Brasileira
UNICESUMAR
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27G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Outro fator de grande valia que devemos destacar é referente à relação estabelecida entre portugueses, escravos e índios. A primeira imagem que nos vem à cabeça quando se toca nesse assunto é aquela figura medonha e abo- minável do mercador português que ganhou muito dinheiro com o comércio de vidas hu- manas. Certamente que os livros de história que você estudou no Ensino Fundamental e Médio cristalizaram a imagem do português como sendo o ser mais amedrontador e cruel dos humanos. Entretanto, sua relação como os escravos africanos foi muito melhor, muito mais cordial, se comparada aos demais operadores da escravidão ao longo do continente americano. O escravocrata terrível que só faltou transportar da África para a América, em navios imundos, que de longe se adivinhavam pela inhaca, a população inteira de negros, foi por outro lado o colonizador europeu que melhor con- fraternizou com as raças chamadas infe- riores. O menos cruel nas relações com os escravos. É verdade que, em grande parte, pela impossibilidade de constituir- se em aristocracia europeia nos trópi- cos: escasseava-lhe para tanto o capital, senão em homens, em mulheres brancas. Mas independente da falta ou escassez de mulher branca o português sempre pendeu para o contato voluptuoso com a mulher exótica. Para o cruzamento e miscigenação. Tendência que parece re- sultar da plasticidade social, maior no português que em qualquer outro colo- nizador (FREYRE, 2006, p. 265). De fato, afirmações como essas não podem ocorrer sem que haja questionamentos que a coloquem em xeque. Sabemos que a cicatriz histórica deixada pela escravidão é visível. Mas, enquanto no Brasil a miscigenação é vi- sível sem muito esforço, quando observamos outros países da América Latina, percebemos que o que ocorreu no Brasil foi algo sui generis. H i s t ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a 29G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Vamos dar continuidade aos nossos estudos falando da formação da sociedade brasileira. Como foi destacado no início desta uni- dade, os três elementos básicos dessa formação foram o índio, o português e o negro africano. Dessa forma, vamos apresentar a você como cada uma dessas etnias foram responsáveis por moldar nossas instituições, nossos usos, costumes e outras práticas. O Papel Fundamental de Índios e Negros na Composição da Sociedade e Cultura Brasileira H i s t ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a O s nativos americanos que habitavam a região onde hoje se situa o Brasil eram as civilizações mais atrasadas da América. Se compararmos os inú- meros grupos étnicos que aqui habitaram com os Maias, Incas e Astecas, perceberemos que a distância cultural e evolutiva era imensa. Nas palavras de Freyre (2006, p. 158): A colonização europeia vem surpreen- der nesta parte da América quase que bandos de crianças grandes; uma cultu- ra verde e incipiente; ainda na primeira dentição; sem os ossos nem o desenvol- vimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas. Em outras palavras, o que vimos por aqui foi uma luta entre uma civilização adulta e outra em estágio embrionário. O que justificaria tal afirmação? Enquanto as demais civilizações citadas (Maias, Astecas e Incas) construíram verdadeiros impérios, com sistemas de irri- gação, palácios, pirâmides, fortalezas, dentre outros, nossos ancestrais indígenas ainda viviam em uma situação semelhante ao Período Paleolítico. Todavia, para o processo colonizador por- tuguês, bem como à formação de nossa socie- dade, isso não representou qualquer tipo de objeção, tendo em vista a já citada propensão à miscigenação que o lusitano possuía. De todos os processos colonizadores vistos na América, o português foi o que ocorreu de forma mais harmoniosa, em relação aos demais países, quando o assunto é raça. Dentro de um ambiente de quase re- ciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporiza- ção da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do conquista- do. Organizou-se uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indíge- na, recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas das tradições, experiências e utensílios da gente autóc- tone (FREYRE, 2006, p. 160). Não diferente, o casamento entre índias e por- tugueses, em regra, foi uma das principais con- tribuições que podemos levar em conta no que diz respeito à formação de nossa identidade cultural. Principalmente quando falamos da influência direta na nossa forma de se compor- tar e também de se alimentar, conforme vamos destacar com maior ênfase na unidade III. Outro grupo étnico de indiscutível impor- tância são os africanos que foram trazidos para cá como escravos. Façamos um teste! Por onde quer que andemos, sem qualquer esforço, ob- servaremos a presença marcante do elemento africano em nossa sociedade. Não estamos nos referindo apenas à cor da pele. Essa influência está na aparência, mas também em nossas in- timidades domésticas e culturais. Na comida, como na utilização da pimenta malagueta, nas 31G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R manifestações populares, como as Congadas, nas cores de nossas roupas, enfim, a lista é grande e, no que diz respeito à culinária, podere- mos observar com mais detalhes na unidade III deste livro. Em suma, o brasileiro, sem distinção alguma, é fruto dessa miscigenação. Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – há muita gente de jenipa- po ou mancha mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do africano (FREYRE, 2006, p. 367). Ao contrário do que fizeram muitos historia- dores ao analisar a importância do elemento africano, Gilberto Freyre deu destaque à influ- ência deste nas relações da nossa intimidade. É a partir da observação dos escravos domésticos que o autor fundamenta sua tese. Em suma, Freyre se absteve de enfatizar o aspecto da do- minação violenta entre brancos e negros e focou na afetividade criada nas relações da vida pri- vada, em que as escravas desempenharam um papel de extrema importância. Os elementos que justificam essa importância são inúmeros na visão do escritor. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influ- ência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amo- lengando na mão o bolão de comida (FREYRE, 2006, p. 367). H i s t ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a Eu gostaria que você, estudante do curso de gastronomia da UNICESUMAR, refletisse muito sobre a citação acima! Observe como a narrativa nos dá uma sensação de calor, de clima tropical. Imaginar as diversas cenas retratadas por Freyre não é algo impossível. A narrativa da importân- cia das escravas domésticas é um dos pontos fundamentais da obra de Freyre. Uma das fi- guras mais importantes são as populares Ama de Leite, que são aquelas mulheres que ama- mentam os filhos de outras. Vale lembrar que, naquele contexto, não havia qualquer condição para que houvesse programa de doação de leite, como conhecemos hoje, e a única saída para aquelas mães que não conseguiam amamentar de forma suficiente seus filhos era utilizando essas mulheres. Nesse sentido, entendemos a grande importância do escravo no ambiente doméstico de nossa sociedade. Era também