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1 Abortamento O abortamento é definido como a interrupção da gravidez antes de atingida a viabilidade fetal. A Organização Mundial da Saúde estabelece como limite para caracterizá-lo a perda de conceptos de até 22 semanas ou 500 gramas. Os termos “abortamento” e “aborto” algumas vezes são empregados como sinônimos, porém “abortamento” refere-se ao processo e “aborto”, ao produto eliminado. Cerca de 75% dos ovos fertilizados são abortados, e em mais da metade deles isso ocorre antes da 1 falha menstrual. Em gestações diagnosticadas clinicamente, 10 a 25% terminam espontaneamente, e 80% delas ocorrem no 1trimestre (abortamento clínico). Vale salientar que, no Brasil, o aborto é considerado crime salvo em três situações específicas: quando a gravidez representa risco de vida para a gestante, quando a gravidez é resultado de um estupro ou quando o feto for anencéfalo. Classificação Precoce ou tardia O abortamento é considerado precoce se ocorre até a 12 semana e tardio se ocorre entre a 13 e 20 semana. Espontânea ou provocado Espontâneo ocorre sem nenhum tipo de intervenção externa, podendo ser causado por doenças da mãe ou anormalidades do feto. Provocado decorre de uma interrupção externa e intencional que acarreta na interrupção da gestação. Esporádica ou habitual Os abortamentos esporádicos tem como principal causa as anormalidades cromossômicas. Habitual aquele que ocorre 3 vezes ou mais na mesma gestante. Sendo as principais causas: Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 2 incompetência do istmo cervical e síndrome do anticorpo fosfolipíde. Formas clínicas Constituem tipos clínicos de abortamento: ● Ameaça de abortamento ● Abortamento inevitável ● Abortamento completo ● Abortamento incompleto ● Abortamento infectado ● Abortamento habitual Ameaça de abortamento Quadro clínico Consiste, fundamentalmente, em hemorragia, que traduz anomalia decidual e/ou descolamento do ovo, e dor, sinal de contração uterina. ■Hemorragia. É o elemento mais comum e costuma ser o primeiro a revelar distúrbios na evolução da gravidez. De modo geral, o fluxo sanguíneo na fase de ameaça é menor do que na interrupção inevitável. Os sangramentos precoces, de longa duração, escuros e do tipo “borra de café” são considerados mais sérias. Aproximadamente 30% das gestações apresentam sangramento no primeiro trimestre, e metade delas resultam em aborto. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 3 ■Dores. Precedem, acompanham e geralmente sucedem a hemorragia. São provocadas por metrossístoles fugazes e intermitentes. Contrações regulares, como as do trabalho de parto, espelham processo irreversível. Deve ser lembrado que o abortamento, muitas vezes, é precedido pela morte do embrião, e as perdas sanguíneas e as cólicas, antes de constituírem ameaça, anunciam interrupção inevitável. ■Exame físico. Confirma, exceto nas primeiras semanas, o útero aumentado, cujo volume é proporcional à data da amenorreia. O toque não é esclarecedor, pois não existem modificações cervicais. O exame especular pode afastar causas ginecológicas da hemorragia. Tratamento Algumas recomendações que devem ser seguidas no período da ameaça de abortamento são: ▪Repouso relativo; não tendo fundamento a obrigatoriedade de acamar-se ▪O coito deve ser proibido enquanto perdurar a ameaça ▪Tranquilizar a gestante, sem, contudo, exibir demasiado otimismo (metade aborta); consumada a interrupção, mostre não haver, em geral, tendência a repetição ▪Administrar antiespasmódicos e analgésicos nas pacientes com cólicas ▪A progesterona vaginal não está recomendada no abortamento esporádico. Abortamento inevitável Quadro Clínico Nas amenorreias de curta duração em que o ovo é pequeno, o processo pode ser confundido com menstruação, diferenciando-se dela pela maior quantidade de sangue; pela presença de embrião e decídua ao exame do material eliminado. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 4 Esse mecanismo é raro após 8 semanas. O cório frondoso bem desenvolvido fixa o ovo à decídua. A partir de 8 semanas, o processo de abortamento adquire, progressivamente, as características do trabalho de parto. O diagnóstico não oferece dificuldades. O episódio é, quase sempre, precedido por período de ameaça de abortamento; excepcionalmente, pode manifestar-se pela 1 vez no estágio de iminente expulsão. As hemorragias tendem a ser mais abundantes que as da fase de ameaça, e o sangue apresenta cor viva. O colo mostra-se permeável, notando-se as membranas herniadas pelo orifício externo na cavidade uterina. O quadro clínico inconfundível dispensa exames complementares. Tratamento A conduta depende da idade da gravidez: Até 12 semanas são procedimentos de escolha a dilatação seguida de aspiração a vácuo ou de curetagem. De 12 semanas em diante o ovo está muito desenvolvido, e a cavidade uterina, volumosa. Por serem suas paredes finas e moles, o esvaziamento instrumental torna-se perigoso. Abortamento completo É frequente até 8 semanas de gestação. Considera-se abortamento completo quando, após a expulsão do ovo, cessam as cólicas e o sangramento reduz-se a perdas muito discretas. Só a evolução do caso confirma o diagnóstico. ■Ultrassonografia. “Útero vazio” é indicação certa de abortamento completo. Ecos intrauterinos centrais e escassos ou moderados podem representar coágulos sanguíneos, decídua, glândulas endometriais e placenta. A espessura anteroposterior do endométrio é < 8 a 10 mm. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 5 Abortamento incompleto Quadro Clínico Está relacionado com a eliminação parcial do ovo, que causa hemorragia persistente e é terreno propício à infecção. O abortamento incompleto é comum após 8 semanas de gestação, quando as vilosidades coriônicas ficam aderidas ao útero. Nos abortamentos tardios, a paciente consegue distinguir páreas e o concepto e, geralmente, informa a eliminação apenas do feto. O sangramento não cessa, é intermitente, pode ser intenso, e ocorre porque os restos ovulares impedem a contração uterina adequada. As cólicas persistem. O útero, amolecido, tem volume aumentado, mas o escoamento do líquido amniótico e, comumente do feto, reduz suas dimensões, que não são as previstas pela idade da gravidez. O colo está entreaberto. ■Ultrassonografia. Massa focal ecogênica e espessura anteroposterior do endométrio > 8 a 10 mm caracterizam o diagnóstico de restos ovulares. Tratamento O melhor tratamento para o abortamento incompleto é o esvaziamento cirúrgico, e nesse particular, a aspiração a vácuo. O tratamento expectante não é o mais indicado. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 6 Abortamento infectado Quadro Clínico O abortamento infectado sucede, quase sempre, à interrupção provocada em más condições técnicas, mas esta não é sua única origem. Espontâneo ou intencional, há sempre antecedentes que a anamnese esclarece: abortamento incompleto, manipulação instrumental cavitária, introdução de sondas, laminárias, soluções diversas. Os microrganismos causadores são os existentes na flora normal do sistema genital e dos intestinos: cocos anaeróbios (peptococos, peptoestreptococos), E. coli, bacteroides, Clostridium perfringens. A classificação clínica mais utilizada é feita em três formas: I, II e III. ■ I – Endo(mio)metrite. É o tipo mais comum. A infecção é limitada ao conteúdo da cavidade uterina, à decídua e, provavelmente ao miométrio. A sintomatologia é semelhante à do abortamento completo ou incompleto. A elevação térmica é pequena (pouco acima de 38°C), e o estado geral é bom; as dores são discretas. Não há sinais de irritação peritoneal, e tanto a palpação do abdome como o toque vaginal são tolerados. Hemorragia escassa é a regra. ■ II – Pelveperitonite. Em função da virulência do microrganismo e, sobretudo, do terreno, a infecção progride, agora localizada no miométrio, nos paramétrios e anexos, comprometendo o peritônio pélvico. Todavia, a hemorragia não é sinal relevante. O sangue escorre mesclado a líquido sanioso, cujo odor é fecaloide, com presença de anaeróbios. Se um abortamentoincompleto suceder à infecção, como é usual, eliminam-se fragmentos do ovo. A temperatura está em torno de 39°C e o estado geral está afetado, com taquicardia, desidratação, paresia intestinal, anemia. As dores são constantes e espontâneas. A defesa abdominal está limitada ao hipogástrio e não se estende ao andar superior do abdome. ■ III – Peritonite. Trata-se da forma extremamente grave, da infecção generalizada. As condições da genitália repetem as da forma anterior. Há peritonite, septicemia e choque séptico, decorrentes, em geral, do acometimento por gram-negativos (E. coli), mas também de bacteroides e Clostridium. A infecção por Clostridium piora o prognóstico. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 7 Temperatura elevada, mas, nem sempre, pulso rápido, filiforme, hipotensão arterial, abdome distendido, desidratação acentuada, oligúria e icterícia, são sinais gerais. Abortamento retido Quadro Clínico No abortamento retido, o útero retém o ovo morto por dias ou semanas. Após a morte fetal, pode ou não haver sangramento vaginal. O útero mantém-se estacionário e pode até diminuir. A ultrassonografia não exibe bcf após o embrião ter atingido ≥ 7 mm. Nas retenções prolongadas do ovo morto (> 4 semanas), os distúrbios da hemocoagulação constituem a complicação mais temida. Chama-se ovo anembrionado o tipo de abortamento retido no qual a ultrassonografia não identifica o embrião, estando o SG ≥ 25 mm. O diagnóstico definitivo de abortamento retido deve ser sempre confirmado por duas ultrassonografias espaçadas de 7 a 10 dias. Tratamento A despeito da conduta expectante e médica (misoprostol) para o abortamento retido no 1 trimestre, a intervenção cirúrgica ainda representa 90% dos desfechos no Reino Unido. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 8 Abortamento habitual O abortamento habitual (ou recorrente) é definido como a perda de duas ou mais gestações. Esse conceito é considerado inovador, haja vista que a maioria dos autores continua definindo abortamento habitual como a perda de três ou mais gestações consecutivas. Etiologia Fatores Epidemiológicos O abortamento habitual, definido como duas ou mais interrupções, afeta cerca de 5% dos casais tentando conceber; para três ou mais interrupções, a incidência é de 1%. A idade materna e o número de abortamentos anteriores são dois fatores de risco independentes para uma nova interrupção. A idade materna avançada está associada a declínio tanto no número como na qualidade dos oócitos remanescentes. A idade paterna também tem sido reconhecida como fator de risco. Alterações Cromossômicas Em aproximadamente 5% dos casais com dois ou mais abortamentos recorrentes, pelo menos um dos parceiros, especialmente a mulher, é portador de anomalia estrutural balanceada, na maioria das vezes, uma translocação. Muito embora os portadores de translocações balanceadas sejam fenotipicamente normais, a perda fetal ocorre porque a segregação durante a meiose resulta em gametas com duplicação ou falta de segmentos nos cromossomos. Além da incidência maior de abortamento, essas gestações carreiam risco de crianças malformadas. A cada gestação, a chance de abortamento é de 20 a 30%, às vezes de 50%. Isso significa que cerca de dois terços dos casais com Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 9 translocação balanceada e abortamento recorrente têm recém- nascidos normais na gestação seguinte. Síndrome Antifosfolipídica A síndrome antifosfolipídio (SAF) talvez seja a causa mais importante de abortamento habitual. A SAF refere-se à associação entre anticorpos antifosfolipídio – lúpus anticoagulante (LAC) e anticardiolipina (aCL) – e trombose vascular ou prognóstico adverso na gravidez. Dos abortamentos habituais, 3 a 15% são causados por SAF. Mulheres com abortamento recorrente por SAF, sem tratamento, têm chance de apenas 10% de feto vivo. Doenças Endócrinas Estão relacionadas: deficiência luteínica, hipotireoidismo (doenças autoimunes –Hashimoto) e síndrome do ovário policístico (SOP). A tireoidite de Hashimoto é 10 vezes mais frequente em mulheres do que em homens e está associada aos anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO) e antitireoglobulina (anti-Tg). A SOP é uma síndrome metabólica que envolve ovário policístico, disfunção ovariana, androgenismo e resistência à insulina, incidindo em 5 a 7% das mulheres em idade de conceber. Já o ovário policístico (OP) é uma entidade discreta, vista em 15 a 25% das mulheres com ciclos regulares ovulatórios, representando uma forma leve de hiperandrogenismo ovariano, também associada a maior resistência à insulina. Fatores Anatômicos Malformações uterinas. Tem incidência de 10 a 15% no abortamento habitual. As malformações uterinas deformam a cavidade uterina e prejudicam o desempenho reprodutivo, acentuando a incidência de abortamentos, parto pré-termo, crescimento intrauterino restrito (CIR), ruptura uterina e apresentações anômalas. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo 10 A insuficiência cervical está frequentemente associada aos defeitos congênitos uterinos, o que explica por que o útero arqueado, a malformação mais leve, também ocasiona mau prognóstico obstétrico. O útero septado é o de pior prognóstico em virtude da má vascularização do septo. Os úteros didelfo, bicorno e septado estão associados a taxas de parto pré-termo 2 a 3 vezes mais elevadas do que na população geral. Insuficiência cervical Determina, tipicamente, abortamentos de 2 trimestre, e o diagnóstico é feito pela história clínica de ruptura espontânea das membranas e dilatação sem dor. Dada sua importância no abortamento habitual, a insuficiência cervical será analisada separadamente, mais adiante. Julyana de Aquino Guerreiro Araújo
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