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TÉCNICO EM ENFERMAGEM Texto complementar às aulas em sala ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL Prof.ª Cristiane de Carvalho EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIA A loucura caracteriza-se como um fenômeno que ocorre nas mais diversas sociedades em variadas épocas e classes sociais, sendo comum a identificação do louco como aquele que é “diferente”, “esquisito”, o outro, o “anormal” (aquele que não se encontra dentro da norma), que não faz o que é aceitável, tendo dificuldades em conviver em coletividade, conviver com os ditos “normais”. Nas sociedades pré-capitalistas o “louco” era relativamente tolerado, já que nesse contexto social, ele estava no estado de loucura devido a possessões demoníacas ou por inspiração divina, algo que de uma forma ou de outra o colocava como um ser excluído da sociedade, sem desfrutar da cidadania, considerado como aquele “incapaz” o “louco”, “doido”, “maluco”, termos que ainda são ouvidos no contexto social atual. Em se tratando da exclusão tal situação se refere ao fato de que o “louco” estava com seus vínculos sociais rompidos, ou seja, era rejeitado no mundo do trabalho, pela sociedade, família, politica e cultura, desta forma o “louco” não possuía uma identidade social, era apenas “um lunático”, um alienado. Essa forma de ver o “louco” era comum dentro de uma sociedade na qual a ciência estava muito atrasada se comparada com os dias atuais, sem o conhecimento cientifico o mundo e os fenômenos naturais tais como: o raio, trovão, fases da lua, as marés eram explicados por meio de ideias relacionadas à magia e a religião. A explicação da doença mental era realizada por meio das ideias mágico- religiosa, que diziam que havia forças sobrenaturais que faziam com que a pessoa enlouquecesse, ou seja, a loucura era uma imposição divina, um castigo, interferência dos deuses. Percebemos assim que havia duas formas de ver o “louco”: como um ser que era divino e inspirado, ou como aquele que foi amaldiçoado, endemoninhado. Desta maneira o tratamento para o “louco” era sempre com a finalidade de controlar, acalmar ou expulsar o demônio da pessoa. Na Grécia Antiga, mesmo que os distúrbios mentais fossem encarados ainda com origens sobrenaturais, procurou-se em causas somáticas a origem dos distúrbios mentais. Neste novo pensamento, a doença era causada pelo desequilíbrio interno, originado pelos humores corporais. A melancolia, por exemplo, era descrita como um quadro de tristeza causado pela “bílis negra” do fígado. As causas somáticas ou Sintomas são condições psiquiátricas em que os pacientes apresentam sintomas físicos aflitivos que não são totalmente explicados por outros transtornos médicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como pensamentos, sentimentos ou comportamentos anormais em resposta a esses sintomas. A teoria dos humores essenciais Hipócrates é chamado de “pai da medicina” porque foi o primeiro no Ocidente a sistematizar o conhecimento disponível sobre saúde e doença. Ele também propôs uma explicação para esses fenômenos e meios terapêuticos para tratá-los. A teoria dos humores essenciais de Hipócrates sugere, para resumir, que o corpo humano consiste em quatro substâncias. Estas substâncias recebem o nome de humores. Eles devem manter um equilíbrio perfeito entre eles. Quando eles perdem seu equilíbrio, a doença aparece, tanto no corpo quanto na mente. Qualquer deficiência ou doença significava que o equilíbrio dos estados de ânimo tenha alterado. Portanto, para curá-los, era necessário encontrar uma maneira de restaurar o equilíbrio perdido. Segundo a teoria dos humores essenciais, as substâncias que compõem o corpo humano são: a bílis negra, a bílis amarela, o sangue e a linfa. Cada um desses humores está diretamente relacionado a um elemento do universo e a uma qualidade atmosférica. Também neste modelo surge, pela primeira vez, a descrição da histeria, que curiosamente era atribuída ao deslocamento do útero (histero), por falta de atividades sexuais. Pode parecer engraçado, mas acreditava-se que se movendo pelo corpo, o útero poderia atingir o cérebro, causando dispneia, palpitação e até desmaios. Recomendava-se então, como terapêutica, o casamento para viúvas e moças, além de banhos vaginais com ervas para atrair o útero de volta ao seu local de origem. No Império Romano, o tratamento dos transtornos mentais adquiriu novas ideias, que defendiam uma maior relação individual entre o médico e o portador de transtornos mentais, e se diferenciava as alucinações das ilusões, recomendando-se que o tratamento da primeira doença fosse realizado em salas iluminadas, devido ao medo que o portador de alucinações tinha da escuridão. Ao contrário da concepção grega, que atribuía à migração do útero a causa da histeria, Galeno, em Roma, afirmava que a retenção do líquido feminino pela abstinência sexual causava envenenamento do sangue, originando as convulsões. Assim, a histeria não tinha uma causa sexual-mecânica, como afirmava o paradigma grego, mas uma causa sexual-bioquímica. Entretanto, para o eminente médico romano, não apenas a retenção do líquido feminino era a causa dos distúrbios psíquicos. Para o alívio das mulheres da época, e das de hoje, o homem também tinha as suas alterações mentais oriundas da retenção do esperma. Desta forma, as relações sexuais e a masturbação, para Galeno, serviriam de alívio para as tensões. Mesmo diante de tais explicações, foram os romanos que deram origem as primeiras concepções diferentes em relação aos doentes mentais, surgem as leis que descreviam diferentes condições, tais como insanidade e embriaguez que, se presentes num crime poderiam diminuir a pena aos criminosos, além de outras que definiam que o doente mental poderia se casar, divorciar, dispor seus bens, fazer testamento e também servir de testemunha. Em 476 D.C., inicia a Idade Média, período no qual o cristianismo cresceu, e também conhecida como “idade das trevas”, esse termo foi utilizado por vários historiadores pelo fato de que todo o pensamento cultura era ligado às ideias religiosas e o campo científico e de diversas áreas do conhecimento humano se desenvolviam de maneira vagarosa. Nesse período a doença mental era descrita por meio da doutrina de temperamentos, principalmente na Escola de Salermo, ou seja, do estado de humor do paciente. O termo “melancolia” era comumente utilizado para identificar todos os tipos de doenças mentais. A melancolia era considerada uma tristeza pela perda do objeto amado, o medo do desconhecido, o olhar o vazio, o medo nos religiosos. São Tomas de Aquino acreditava que as doenças mentais e sua cura dependiam da influencia dos astros sobre a psique humana, além das influencias maléficas dos demônios, o que também era defendido nas sociedades anteriores a este período, ou seja, o “louco” estava com sua mente possuída por um espirito maligno o que causava alterações no comportamento da pessoa doente. Dessa forma os “loucos” poderiam ser queimados em fogueiras, ou outras formas de castigos, ou ainda eram abandonados a própria sorte, assim as conquistas das leis anteriores desenvolvidas no império romano, que asseguravam alguns direitos aos “loucos”, foram abandonadas. Durante todo o período da Idade Média, as epidemias como a “peste negra” aliada à “lepra” causavam grande medo na população. Quando estes “flagelos” começaram a se dissipar, achava-se que uma nova ameaça pairava sobre a população: os “loucos”, criminosos e mendigos. Se por um lado, realmente liberta de muitos preceitos religiosos a ciência pode caminhar um pouco mais livremente, para os portadores de enfermidades mentais novas nuvens tempestuosas se aproximavam. Para uma sociedade que iniciava um processo de produção capitalista, a existência de indivíduos portadores de transtornos mentais, ou de alguma forma “inúteis” à nova ordem econômica (tais como os “loucos”, os criminosos e os mendigos), andando livres de cidade em cidade tornava-se uma ameaça. Os antigos “depósitos de leprosos”, cuja ameaça já não se fazia tão presente, abriram suas portas para a recepção destes novos “inquilinos”. Sem preocupar-se em resolver esses problemas sociais, a nova ordem político-social decidiu pelo isolamento destes seres considerados “improdutivos”. Excluídos do mundo, os enfermos mentais foram trancafiados nos porões das prisões juntamente com todos aqueles que por algum motivo não participavam da nova ordem mundial. A semente dos manicômios havia sido plantada. Ainda que vozes se levantassem clamando por um tratamento mais digno aos alienados, e, por conseguinte se fizesse uma seleção mais nítida das “anomalias mentais”, a ideia de que “os loucos” eram perigosos e inúteis permaneceu na sociedade até os fins do século XVIII. A internação destes tornou-se caso de polícia, e a sociedade não se preocupava com as causas, manifestando insensibilidade ao seu caráter patológico. É verdade que em determinados hospitais os doentes portadores de distúrbios mentais tinham lugar reservado, o que lhes dava uma imagem de tratamento médico, sendo uma exceção; a maioria residia em casas de internamento, levando uma vida de prisioneiro. Em 1789 (século XVIII), novos ventos sopraram na Europa Ocidental. A ordem absolutista, onde o Rei mandava sozinho à revelia dos anseios do povo, entrou em falência, e ideias mais liberais e libertadoras passaram a ser discurso constante, principalmente na França, onde a revolução vitoriosa levou grande parte daqueles que não se importavam com os problemas das cabeças alheias a perderem as suas. É neste clima de luta pelos direitos de cidadania e da valorização do “homem” que um jovem médico, chamado Phillipe Pinel, libertará dos porões destes hospitais aqueles cuja alienação mental, e principalmente a ignorância social, haviam condenado ao isolamento. Descendo aos subterrâneos da incompreensão humana, representados por esses porões, Pinel encontrou acorrentados às paredes fétidas e sombrias seres “humanos”, que ali jaziam há quase meio século, condenados pelo “crime” de serem portadores de transtornos mentais. Com uma proposta de tratamento humanitário para os doentes, aliados à prática de docência, Pinel desenvolveu uma corrente de pensamento de médicos especialistas em doenças mentais, aprimorando as descrições detalhadas dos transtornos mentais através de longas observações. A escola francesa, inaugurada com Pinel, trouxe muitas inovações neste campo, como por exemplo, a influência de tóxicos nas alterações do comportamento, a conceituação de esquizofrenia e a divisão dos portadores de doenças mentais em duas classes: os degenerados, que apresentariam estigmas morais e físicos, sendo propensos a apresentar acessos delirantes; e os não- degenerados, que eram indivíduos normais, porém predispostos ao transtorno mental. Esta “Escola” desenvolveu o conceito de inconsciente, paralelamente à aplicação da hipnose como método terapêutico. Nesse período, Jean Martin Charcot, que descreveu diversos sintomas histéricos, reconhecia que um trauma, em geral de natureza sexual, estava relacionado a idéias e sentimentos que se tornaram inconscientes. Como os sintomas da histeria podiam ser reproduzidos através da hipnose, sua cura também poderia advir desta prática. Enquanto os alienistas franceses desenvolviam suas observações clínicas, na Alemanha uma nova corrente com relação aos transtornos mentais surgia: a psiquiatria. Essa corrente seguiu os caminhos da medicina, recebendo um reconhecimento internacional, e o estabelecimento de um sistema moderno de estudo dos transtornos mentais. Nesta nova corrente de pensamento do campo dos transtornos mentais, estava um médico de origem austríaca chamado Sigmund Freud. Formado em um ambiente científico fervoroso, Freud, um neurologista com um grande censo de rigor experimental, conservou a ideia da importância de um método científico para compreender o psiquismo e sua estreita relação com os processos físicos e fisiológicos. Rompeu com a terapêutica da hipnose, quando influenciado por Josef Breuer, outro médico austríaco. Ele havia curado uma paciente com sintomas histéricos usando um novo método: a catarse. Durante a hipnose, a paciente relatou um acontecimento do passado relegado a um segundo plano em sua mente/memória, como se o estivesse vivenciando no momento. O fez com violenta expressão de suas emoções (catarse), e depois experimentou alívio substancial dos seus sintomas. Através dessas observações, Freud desenvolveu os conceitos de “inconsciente e repressão”, nos quais a emoção ligada às ideias reprimidas podia afetar o comportamento nos eventos do presente. Embora a utilização de substâncias como terapêutica no campo das doenças mentais já ocorresse desde a Antiguidade, é a partir do século XIX que o uso de substâncias (Haldol R )que agem diretamente no sistema nervoso central passaram a ser amplamente difundidas, sendo várias delas sintetizadas na segunda metade do século. Mas foi no final dos anos de 1930, que para os casos de transtornos mentais graves houve a introdução do tratamento de choque e da psicocirurgia, sendo esta última introduzida somente baseada nos resultados da experimentação animal, sem qualquer base teórica, anatômica ou fisiológica. Após expectativas ilusórias, estas práticas foram limitadas a condições clínicas específicas. Ao término da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a terapia medicamentosa, com bastante sucesso. No Brasil, paralelamente a todo este processo, a política com relação ao tratamento dos transtornos mentais permaneceu sempre “atrelada” ao modelo europeu do século XIX, centrado no isolamento dos psicopatas ou indivíduos suspeitos, toxicômanos e intoxicados habituais em instituições fechadas, mesmo quando tal modelo tornou-se ultrapassado em muitos outros países. Já em 1916, o Código Civil prescrevia a interdição civil e a conseguinte curatela aos “loucos” de todo os gêneros. Até recentemente, a Saúde Mental brasileira estava ligada à legislação de 1934, que legalizava o sequestro de indivíduos e a subsequente cassação de seus direitos civis, submetendo-os à curatela do Estado. No fim da década de 1980, a partir das transformações sociais e políticas que vinham acontecendo no campo da psiquiatria, em países da Europa (Inglaterra, França e principalmente Itália) e nos Estados Unidos da América, inicia- se no Brasil o movimento da Reforma Psiquiátrica. Este movimento recebeu esta denominação por apresentar e desencadear mudanças que vão muito além da mera assistência em saúde mental. Estas vêm ocorrendo nas dimensões jurídicas, políticas, sócio-culturais e teóricas. A SEGREGAÇÃO INSTITUCIONALIZADA No século XVI acontece a Grande Internação mencionada por Michael Foucault, nela foi decidido retirar do meio “sadio” os “loucos”, tidos como antissociais (pobres, desempregados, insanos, prostitutas, doentes de sífilis, viciados, alcoólatras). Não havia, na verdade uma preocupação em cuidar do estado patológico do doente, mas sim retirar “da vista”, isolar onde não poderiam ser vistos e nem incomodar aqueles que não produziam, uma vez que o capitalismo não tem como finalidade deixar livres indivíduos que eram inaptos, inúteis e perigosos. Ocorre então uma espécie de “limpeza” nas cidades, para manter uma imagem de produção, ou seja, na ordem do capitalismo é “normal” quem contribui para a produção, aquele que trabalha, os que não o fazem mancham a ordem vigente. Em 1794 surge a Psiquiatria moderna, nela ocorre uma mudança na maneira de olhar o “doente mental”, este passa a ser visto de maneira mais particular, trazendo a necessidade de tratamento e de se adequar as medidas de segurança pública com o estado próprio do individuo. A loucura então passa a ser vista como doença. Ocorre a Primeira Revolução Psiquiátrica comandada pelo médico francês Philippe Pinel, que atuava de acordo com os princípios da revolução francesa: o racionalismo e o humanismo. Tem inicio o “tratamento moral”, pela primeira vez foi inserida a noção de que loucura não é um destino imutável, mas sim uma patologia que, como tantas outras, pode ser sanadas, em vários casos, mediante o tratamento adequado. Não houve extinção do isolamento aplicável aos doentes mentais, mas estes passaram a ser recolhidos em locais próprios (asilos), onde recebiam auxílio humanitário e médico, alimentação e atividades terapêuticas. O tratamento moral disseminou-se na comunidade médica da época como um modelo a ser seguido, inclusive com bons resultados em relação aos padrões anteriores. No entanto, os anos seguintes, com o próprio processo posterior à Revolução Industrial, trouxeram uma explosão no número de admissões nos asilos, o que não pôde ser acompanhado pela atenção terapêutica, que deveria se dar de forma individual. O resultado foi a redução nos índices de melhoria, a falta de expectativa na recuperação e a degradação destes espaços, que se transformaram e verdadeiros depósitos humanos. Desta forma, eram refletidos na reclusão os mesmos mecanismos opressores que o mundo exterior impunha ao doente mental A PSIQUIATRIA NO BRASIL Exatamente no período em que as internações psiquiátricas eram questionadas em ambientes acadêmicos europeus, consideradas obsoletas em razão das mazelas que reproduzem, chegou a psiquiatria e seu método asilar ao Brasil, em conjunto com tantas outras influências francesas recepcionadas por nosso país. Contudo, mesmo antes deste fato, já havia no Brasil, desde o princípio do século XIX, registros de cerceamento de indivíduos perigosos ou indesejados às cadeias, em razão de supostos transtornos mentais (ou simplesmente por serem vadios, bêbados ou arruaceiros), além do abrigo por parte das Santas Casas de Misericórdia dos que se encontravam em situação semelhante. Observa-se, desta forma, a aplicação de medidas efetivamente punitivas aos que não tiveram sua segregação baseada em delitos. Os primeiros estabelecimentos específicos para doentes mentais foram construídos no país na segunda metade do século XIX, a começar pelo Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, anexo à Santa Casa de Misericórdia da Corte 2, criado pelo Decreto 82 de 1841, funcionando desse ano até 1852 como Hospício Provisório. Nos anos que se seguiram foram criados asilos em outras províncias, os quais se assemelhavam mais às próprias cadeias do que a lugares reservados ao tratamento de enfermos. As influências positivistas típicas do século XIX, que ordenaram o método das ciências naturais, também atingiram a Psiquiatria, através de modelos que enfatizavam uma medicina estritamente biológica, buscando apreender a natureza do homem e de seus distúrbios psíquicos com observações e descrições. Desta maneira, concebeu-se o indivíduo portador de doença mental como um objeto a ser estudado, em detrimento da Concepção do mesmo enquanto ser humano acometido por uma enfermidade, sendo que esta, consequentemente, acarreta um sofrimento. Em verdade, não se pode falar propriamente em psiquiatras no Brasil até o século XX, quando surgem os primeiros especialistas. Até então, os médicos dos asilos, os chamados alienistas, eram, em grande parte, clínicos gerais e legistas. Fez-se necessário, então, uma regulamentação desta atividade, que começava a ampliar seu campo de atuação na medida em que aumentava a quantidade de asilos pelo território brasileiro. LEIS FEDERAIS ESPECÍFICAS PARA DOENTES MENTAIS O DECRETO 1.132/1903 A iniciativa da implantação de uma legislação referente aos doentes mentais no Brasil partiu do primeiro catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o deputado João Carlos Teixeira Brandão. Este veio a ser o relator do Decreto 1.232 de 1903, promulgado no governo do presidente Rodrigues Alves e responsável por "Reorganizar a assistência aos alienados". Estava explícita a influência sofrida da lei francesa de 1838 neste decreto, que encerrava, além da intenção de unificar a assistência psiquiátrica no país, o estímulo à construção de asilos estaduais e a proibição definitiva do cerceamento de doentes mentais, "alienados" na verdade, em prisões. Além disso, determinava a humanização dos tratamentos, ao menos nos parâmetros do pensamento da época. "A loucura e a doença mental, como em outras partes do mundo ocidental, permaneceram ligadas a três dimensões: médica, jurídica e social. A psiquiatria possui em si estas três dimensões, sendo ao mesmo tempo médica (assistencial) e vinculada ao controle da ordem pública." (AMARANTE ET AL 1998:189). O Decreto 1.132 é o reflexo do empenho desta nascente classe médica, a psiquiátrica, em reservar a si mesma um espaço de atuação. Segunda esta lei, o único lugar autorizado a receber loucos era o hospício, por reunir condições adequadas, e toda internação estaria sujeita ao parecer do médico, detentor da "verdade" no que se refere à alienação mental. O decreto em questão também é o responsável por positivar a ideia de que o louco não possui a capacidade de gerir seus bens e a sua pessoa, devendo estar submetido a um curador, que também é o responsável pela guarda provisória dos bens do doente. Do mesmo modo, não caberia a este paciente interferir, ou mesmo conhecer o tratamento a ser aplicado. Mais uma vez, a política adotada em relação aos doentes mentais foi um resultado da atenção à ideologia economicista. O Código Civil de 1916 surgiu enquanto ainda se encontrava vigente o Decreto 1.132, seguindo o caminho determinado por este em alguns aspectos que se referem à capacidade civil dos doentes mentais, mas, em contrapartida, determinando-os de "loucos de todo o gênero" ao invés de "alienados de qualquer espécie", como estava no projeto original. Não houve, inclusive, a preocupação de definir rigidamente o que fossem alienados mentais: "aqueles que, por organização cerebral incompleta, ou moléstia localizada no encéfalo, lesão somática ou vício de organização, não gozam de equilíbrio mental e clareza de razão suficientes para se conduzirem socialmente nas várias relações da vida" (Clóvis apud Venosa, 2002: 163). É necessário ressaltar que o campo das manifestações psiquiátricas constitui- se em algo estranho ao conhecimento jurídico, que reconhece a necessidade de regulamentá-las, mas confere ao saber médico a determinação do que efetivamente viriam a ser. Tendo o Decreto 1.132 por relator um médico, é natural que algumas de suas determinações permanecessem, como a presunção de incapacidade e o instituto da curatela. Em 1927, um decreto estabeleceu a distinção entre "psicopata", todo doente mental, e "alienado", que se referia ao doente mental perigoso, sujeito à incapacidade penal e civil. Desta forma, a internação do alienado passou a ser obrigatória. DECRETO 24.559/1934 Em meio às modificações impostas pelo governo provisório de Getúlio Vargas, também a assistência e a relação entre poder público e doente mental foram alteradas. O Decreto 24.559 de 1934 revogou o anterior de 1903 e "Dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e a proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos (...)". O termo alienado foi retirado do ordenamento jurídico, que passou a referir-se somente ao psicopata, considerada uma denominação mais ampla. A incapacidade do doente mental foi reafirmada, sendo facilitado o recurso à internação, válido por qualquer motivo que torne incômoda a manutenção do psicopata em sua residência. Assim, entendeu-se que a internação era a regra, e o tratamento extra- hospitalar a exceção, bastando à mera suspeita de existência da doença mental para que o indivíduo fosse cerceado em asilos, com a subsequente supressão de seus direitos civis, e submissão à tutela do Estado. Não havia garantias contra esta medida, embora formalmente existisse um conselho de "proteção" aos psicopatas (extinto em 1944), composto de: juiz de órfãos e de menores, chefe de polícia, diretor geral da Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental, catedráticos de Clínica, Psiquiatria, Neurologia, Medicina Legal e Higiene, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Assistência Judiciária, presidente da Liga Brasileira de Higiene Mental, entre outros. Reafirmou-se a conexão entre a Justiça e a Psiquiatria, com o tratamento sendo associado ao posicionamento legal. O psicopata passou a ser visto segundo os enfoques jurídico e médico, na medida em que sua mera existência era uma questão de ordem pública, em razão do potencial de periculosidade. "Como ficou definido por Foucault e Castel, o processo que levou à definição de periculosidade social está no plano da ordem pública e não está vinculada à natureza do sofrimento psíquico. Toda pessoa internada torna-se, por definição, perigosa. A medicina mental ratificou em sua definição de doença mental a equação doente mental-perigo social. Sendo assim, a definição jurídica não poderia deixar de reafirmar a sua presença." (AMARANTE ET AL 1998:189). A REFORMA PSIQUIÁTRICA E A LEI 10.216/2001 Em meados da década de 1960, o saber psiquiátrico foi convulsionado pelo surgimento da corrente antipsiquiátrica, a qual questionava a psiquiatria convencional enquanto conhecimento científico, propondo serem frágeis às próprias bases que fundamentam a existência da doença mental. Segundo esses teóricos, a loucura não é doença, mas um reflexo do desequilíbrio social e familiar do meio onde o indivíduo se encontra inserido, devendo o empenho em sua cura se localizar nestas causas, excluindo as disfunções orgânicas tão propagadas anteriormente. Nesta mesma época, teve lugar na cidade italiana de Trieste o embrião do movimento de Reforma Psiquiátrica que atingiria vários países nas décadas seguintes. Seu principal expoente foi Franco Basaglia que, ao invés de ter optado pela negação da doença, como os antipsiquiatras, propôs que o saber da psiquiatria fosse reformulado. Assim, devolveu-se ao doente mental a sua identificação enquanto cidadão, trabalhador, proprietário, pai e tantas outras que lhe foram retiradas quando do início de seu tratamento em instituição asilar, quando adquiriu o estigma de incapaz, perigoso ou anti-social. A inovação da metodologia empregada se fez com o recurso ao hospital-dia, que permitia a continuidade da inserção do indivíduo em seu meio social e familiar na constância do tratamento. A realidade brasileira vivenciou o processo da Reforma Psiquiátrica a partir da década de 1970, com crescentes manifestações de vários setores da sociedade no sentido de reduzir o cerceamento da liberdade individual na forma de manicômios. Além disto, buscou-se um novo enfoque no modelo assistencial, através da promoção da saúde mental, ao invés de direcionar a ação apenas ao desequilíbrio psíquico já instalado. No fim dos anos 80, surgiu o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, lançando o lema "Por uma sociedade sem manicômios" e estimulando a produção legislativa de vários estados no sentido de proceder à desistitucionalização. Tomando por modelo a Lei Basaglia italiana, é promulgada no Brasil, em 6 de abril de 2001, a Lei 10.216, a qual "Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental", catorze anos depois de seu projeto original ter sido proposto pelo deputado Paulo Delgado. O doente mental passou a ter direito ao melhor tratamento, realizado com humanidade e respeito, tendo assegurados a proteção contra qualquer forma de exploração e o direito a receber informações a respeito de sua doença. O tratamento deveria ser feito, de preferência, em serviços comunitários de saúde mental, nos moldes do hospital-dia, tais como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Estes são proporcionados pelo setor público, retirando o monopólio que durante quase todo o século XX fora exercido pela iniciativa privada, na forma de hospitais psiquiátricos particulares, os quais, não raro, negligenciavam o tratamento adequado a fim de receber mais recursos vindos do Estado, inclusive na forma de internamentos desnecessários. Neste contexto, foi invertida a concepção da lei anterior, que estabeleceu o internamento como princípio basilar. Este passaria a ser feito somente quando os recursos extra-hospitalares não se mostrassem suficientes, tendo duração mínima e, ainda assim, sempre mantendo em vista o posterior retorno do paciente ao seu meio social. É perceptível a intenção do legislador em proteger o portador de transtorno mental contra as internações arbitrárias, possibilitando a este, sempre que possível a interferência em seu tratamento. As internações ficam divididas em 3 categorias: as voluntárias, nas quais existe o consentimento do paciente; as involuntárias, sem a anuência do paciente e por solicitação de terceiro; e as compulsórias, que são determinadas judicialmente. Estas duas últimas são controladas pelo Ministério Público, que deve ser notificado das mesmas em até 72 horas após sua ocorrência. Este órgão deve exercer o controle por ser ele o responsável, em nosso ordenamento jurídico, pela defesa os interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, tal como estabelecido no caput do art.127 da Constituição Federal de 1988. Compreender que se trata de definir o destino de uma pessoa, e não de um centro convergente de implicações sociais, é a proposta da atual política de saúde mental, que tem entre suas conquistas a Lei 10.216/2001, e se mostra não como um resultado de concepções exclusivamente médicas, mas de uma mobilização de diversos setores sociais e campos do conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e o Direito. Este último tem um papel fundamental nesta nova política, na medida em que permite promover garantias de cidadão ao doente mental, possibilitando a defesa de sua dignidade enquanto pessoa humana. Somado a isso, e diante das tendências de reformulação da assistência psiquiátrica, é inevitável perceber o anacronismo da instituição asilar, tal como foi organizada até hoje, no sentido em que se propõe a curar e ressocializar um indivíduo "anti-socializando-o", separando-o de sua família e círculo social, impondo- lhe o ócio (este sim, alienante) e submetendo-lhe a uma esfera de relações de poder onde lhe cabe a posição de subordinado, ou até mesmo de um apenado. A atual lei psiquiátrica constitui um avanço, mas não basta por si mesma, fazendo-se necessária a fiscalização efetiva por parte do Ministério Público, das comissões de defesa dos Direitos Humanos e da sociedade como um todo, no que tange à regulação das internações involuntárias e da implantação de uma assistência coerente com os parâmetros atuais, em que se privilegia o atendimento extra-hospitalar ao máximo possível. Desta forma, pode-se iniciar uma tentativa de resgatar uma dívida histórica que a sociedade moderna contraiu em relação ao portador de transtorno mental. Centros de Atenção Psicossocial - CAPS Seu objetivo é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Com a criação desses centros, possibilita-se a organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. Os CAPS são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário. É função dos CAPS: - Prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos; - Acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território; - Promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações Inter setoriais; - Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação; - Dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica; - organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios; - Articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado território - promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. *Estes serviços devem ser substitutivos e não complementares ao hospital psiquiátrico. De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana. O perfil populacional dos municípios é sem dúvida um dos principais critérios para o planejamento da rede de atenção à saúde mental nas cidades, e para a implantação de centros de Atenção Psicossocial. O critério populacional, no entanto, deve ser compreendido apenas como um orientador para o planejamento das ações de saúde. De fato, é o gestor local, articulado com as outras instâncias de gestão do SUS, que terá as condições mais adequadas para definir os equipamentos que melhor respondem às demandas de saúde mental de seu município. Tipos de CAP CAPS I Centro de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população acima de 20.000 habitantes, com as seguintes características: devem dar cobertura para toda clientela com transtornos mentais severos durante o dia; adultos, crianças e adolescentes e pessoas com problemas devido ao uso de álcool e outras drogas. A equipe técnica mínima para atuação no CAPS I, para o atendimento de 20 (vinte) pacientes por turno, tendo como limite máximo 30 (trinta) pacientes/dia, em regime de atendimento intensivo, será composta por: 5 profissionais de nível superior e 4 profissionais de nível médio. CAPS II Centro de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população acima de 70.000 habitantes, com as seguintes características: Recursos Humanos: A equipe técnica mínima para atuação no CAPS II, para o atendimento de 30 (trinta) pacientes por turno, tendo como limite máximo 45 (quarenta e cinco) pacientes/dia, em regime intensivo, será composto por: 6 profissionais de nível superior e 6 profissionais de nível médio. CAPS III Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. Constituir-se em serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana. Oferta retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS Ad. A permanência de um mesmo paciente no acolhimento noturno fica limitada a 07 (sete) dias corridos ou 10 (dez) dias intercalados em um período de 30 (trinta) dias. Recursos Humanos A equipe técnica mínima para atuação no CAPS III, para o atendimento de 40 (quarenta) pacientes por turno, tendo como limite máximo 60 (sessenta) pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por: 08 profissionais de nível superior 08 profissionais de nível médio. Para o período de acolhimento noturno, em plantões corridos de 12 horas, a equipe deve ser composta por: 03 (três) técnicos/auxiliares de enfermagem 01 (um) profissional de nível médio CAPSi Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes ou que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço aberto e de caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de 150.000 habitantes. Recursos Humanos A equipe técnica mínima para atuação no CAPS i, para o atendimento de 15 (quinze) crianças e/ou adolescentes por turno, tendo como limite máximo 25 (vinte e cinco) pacientes/dia, será composto por: 06 profissionais de nível superior 05 profissionais de nível médio. CAPS ad II Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional para atendimento em municípios ou regiões com população superior a 70.000. CAPS ad III A equipe técnica mínima para atuação no CAPS ad III para atendimento de 25 (vinte e cinco) pacientes por turno, tendo como limite máximo 45 (quarenta e cinco) pacientes/dia, será composta por: 07 profissionais de nível superior 06 profissionais de nível médio. Recursos Humanos Serviço de atenção psicossocial para atendimento de adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades de cuidados clínicos contínuos. Serviço com no máximo 12 leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. Desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, profissionais de saúde e grupos da sociedade civil organizada avaliaram que o sistema de assistência ao doente com transtornos mentais era excludente, impedindo que os indivíduos ali tratados exercessem os seus direitos civis, políticos e sociais. Os hospitais superlotados de doentes não dispunham de programas que os reintegrassem à sociedade. Ao serem filmados pela imprensa, as imagens apresentadas à opinião pública eram de descuido, expresso em pacientes contidos nos leitos e em enfermarias gradeadas. A higiene precária, o sussurro de palavras arrastadas e a expressão facial de desespero demonstravam que essas pessoas, chamadas de internos, estavam abandonados à própria sorte. Muitos chegavam ao hospício levados por seus familiares depois de um “ataque de loucura”, quando gritavam e quebravam objetos. Outros eram levados pelos familiares que queriam sequestrar bens e/ou heranças, acreditando, por vezes, na proteção do patrimônio familiar. Havia também aqueles que, por falta de informação sobre as doenças da mente, acabavam convencidos de que a hospitalização era a melhor alternativa em momentos de crise. Muitos advogados também utilizavam a loucura como argumento para inocentar ou amenizar a pena de seus clientes que praticavam crimes hediondos. Infelizmente para os clientes, esta estratégia nem sempre dava certo, pois acabavam sendo condenados e encaminhados aos manicômios judiciários. Uma coisa era certa: todos os que no hospício chegavam eram submetidos às rotinas institucionais, que incluíam na terapêutica a camisa de força, o eletrochoque, a medicação em excesso e inadequada as psicocirurgias, à revelia do querer do cliente. Neste momento, a prática predominante na área de saúde mental sustentava- se nos princípios: Hereditariedade – acreditavam que passava de geração em geração; Institucionalização - o tratamento só poderia ocorrer através da hospitalização; Periculosidade - todos os “loucos” eram agressivos e perigosos; Incurabilidade – a loucura não tinha cura. O paciente era visto como um transtorno para a sociedade e por isso as práticas adotadas sequestravam este cidadão temporariamente dos direitos civis, isolando-o e segregando-o em manicômios, afastando-o dos espaços urbanos. No Brasil, na década de 1960, chega-se à margem de cem mil leitos psiquiátricos, quando no restante do mundo estava se refazendo conceitos sobre o tratamento desta clientela. Nesta época estávamos em plena ditadura militar e não havia espaço para nenhum tipo de questionamento político e social. Dentro deste contexto, reforçava-se que o louco era de difícil convivência, perigoso e representava o diferente do convencional, do aceitável pelas regras sociais. Por isso, fazia-se necessário segregá-lo, sequestrá-lo e cassar seus direitos civis, submetendo-o à tutela do Estado. Isso perdura na atualidade, pois o Código Civil em vigor reforça que os “loucos de todo o gênero” são incapaz para os atos da vida civil. O direito à informação sobre a sua doença representa um dos pontos críticos da relação instituição/profissional de saúde e família/usuário, tendo em vista a falta de diálogo imposta pelo sistema asilar. Aos profissionais de saúde cabia o “tratar/cuidar”; à família cabia o aceitar/calar e confiar. Esta relação de poder ainda é muito forte nos dias de hoje, sendo um fator impeditivo da consolidação na prática da Lei 10.216/2001. Lei 10.216 de 2001: Reforma Psiquiátrica e os Direitos das Pessoas com Transtornos Mentais no Brasil Prevê que o usuário tem o direito de receber o maior número de informação a respeito de sua doença e de seu tratamento, I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de Saúde Mental”. Observa-se nessa lei que a família, o trabalho e a comunidade recebem lugar de destaque, contribuindo para a inserção deste indivíduo no cenário social. Em particular, a família é levada a refletir sobre o seu papel no processo de reintegração deste indivíduo, embora existam famílias que continuem achando a internação uma solução. Nestes casos, para elaborar um plano terapêutico familiar, é pertinente estudar a cultura desta família, a maneira pela qual ela se organiza e expressa o sofrimento físico e psicológico para si e para o mundo exterior. Outro aspecto importante é que a lei inibe a construção de novos hospitais psiquiátricos e a contratação ou financiamento de novos leitos nesta área pelo poder público, utilizando critérios rígidos e atrelando sua aprovação a comissões intergestoras e de controle social dos três níveis de gestão do SUS. Exemplificando: se quiséssemos implantar um hospital de 400 leitos para assistir clientes com transtornos mentais no município do Rio de Janeiro, teríamos de levar a proposta aos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Saúde, além de requerer a aprovação das Comissões Bipartite e Tripartite. Esta medida não somente dificulta a ação dos empresários que lucram com este setor, mas força a rede pública e privada de saúde a criar efetivamente mecanismos concretos de desospitalização, como os hospitais-dia, Lares Abrigados, pensões protegidas e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para efetivar este processo de desmobilização da hospitalização, foi proposto na 2ª Conferência de Saúde Mental o limite e redução gradual de pagamentos de Autorização de Internação Hospitalar (AIHs) até alcançar a meta de desocupação de 20 % dos leitos ao ano. O número de hospitais distribuídos em 22 Estados era de 241, totalizando 55.387 leitos contratados e 55.488 existentes. Os estados, em ordem decrescente, que mais investiram na desospitalização foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Goiás. Assim sendo, do total de leitos contratados pelo SUS, 11.774 leitos por ano deveriam ser desativados. Pode-se dizer que a meta para garantir o acesso da população com transtornos mentais a novas modalidades de serviços é de 20% ao ano, por estado. Para alcançar esta meta, faz-se necessário o resgate do conceito de território e responsabilidade, proporcionando aos sistemas locais ou distritos sanitários a descentralização das dimensões política, ideológica e técnica de romper com o modelo hospitalocêntrico, garantindo o direito dos usuários à assistência e à recusa ao tratamento, observando a obrigação dos serviços em não abandoná-los à própria sorte. Com relação ao processo de internação, está previsto que só poderá se dar quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Desta forma, a lei prevê três tipos de internação: Voluntária: aquela consentida pelo usuário; Involuntária: aquela a pedido de terceiro, sem consentimento do usuário; Compulsória: aquela determinada pela justiça. (comunicar imediatamente Ministério público)) É bom lembrar que a internação involuntária a pedido da família, sem consentimento expresso do paciente, deve ser comunicada ao Ministério Público, à autoridade sanitária e ao Conselho Local de Saúde no prazo de 48 horas. Deve também ser composta uma comissão interdisciplinar com integrantes da administração pública, de entidades profissionais, de usuários e da sociedade civil, para avaliar a pertinência legal da internação. Esta medida evita o uso indevido pela família e classe jurídica da prerrogativa de dispor sobre a vida de pessoas com transtornos mentais, tendo como finalidade o gerenciamento dos seus bens e a liberação de penas judiciais. Em casos de internação, existe também um movimento que luta pela revisão da legislação cível, no sentido de responsabilizar proprietários de clínicas e a equipe envolvida no processo terapêutico quando houver erro, dano ou omissão. Nestes casos, deverão ser aplicadas “(...) penalidades, sem prejuízos de eventuais processos judiciais e indenizatórios relativos ao paciente ou à família”. Na 2ª Conferência de Saúde Mental, as propostas sobre o direito à informação estão conjugadas ao direito à divulgação e educação. A divulgação desses direitos devem contemplar ações educativas em saúde mental para toda a população, extrapolando os espaços das instituições de saúde, da família e do usuário, chegando aos meios de comunicação de massa como TVs, rádios e jornais. Esta divulgação de informações legais da Reforma Psiquiátrica inclui debates sobre um dos problemas mais sérios do mundo contemporâneo, que é o problema da droga, com a finalidade de minimizar a divulgação de notícias distorcidas sobre o assunto. Em toda discussão sobre este assunto se defende a discriminalização do usuário e dependente de drogas, recusando os procedimentos penais e apoiando os encaminhamentos para assistência à saúde. A finalidade é evitar a exclusão deste grupo do convívio social com internações prolongadas em clínicas de recuperação, garantindo o acesso e a permanência nas escolas, de todos os níveis, dos usuários e/ou dependentes de substâncias psicoativas. Para tal, o movimento de reforma psiquiátrica vem lutando para modificar o artigo 16 do código penal que trata das sanções aos alcoólatras e drogaditos, que os coloca no mesmo nível dos traficantes. A proposta é incluir o direito ao tratamento e à reabilitação de todos os usuários, penalizando apenas os traficantes. A propaganda direta ou indireta de fumo, álcool, agrotóxicos e medicamentos deve ser limitada ou eliminada dos meios de comunicação. Somado a isto a frase “Faz mal a saúde” deve estar contida em todos os produtos que trazem dependência química. A implantação desta medida nos anúncios de cigarro é a maior prova do alcance das ações construídas em parceria com outros setores, que ultrapassam os espaços hospitalares. Outro ponto crítico é a prescrição abusiva de medicamentos que causam dependência, tais como: anorexígenos, antitussígenos e anticonvulsivantes. Para o controle do uso dessas drogas, é importante que os Conselhos Profissionais e a Vigilância Sanitária Estadual fiscalizem e avaliem as corporações de médicos, farmacêuticos, indústria farmacêutica e comércio, visando o controle do processo de medicalização, e implementem programas de educação continuada para os profissionais envolvidos que apontem para a desmedicalização. FATORES RELACIONADOS À SAÚDE MENTAL: Influência cultural e religiosa na saúde mental A religião é importante na vida do ser humano Participa das principais áreas da vida: política, legislação e educação, para dar apenas alguns exemplos. Pouco se discute, entretanto, sobre seu papel na saúde, particularmente na saúde mental. Graves problemas impactam nossa saúde mental, prejudicando-a: miséria, violência, criminalidade, uso inadequado do álcool, tráfico e consumo de drogas e muitas outras mazelas. Religião é, provavelmente, a instituição humana mais antiga e duradoura, sendo praticamente impossível separá-la da história da cultura. Sua influência é ambígua, tendo inspirado o que há de melhor no ser humano, e também o que há de pior. Possibilidade de nos tornarmos seres humanos melhores. Ao mesmo tempo, a religião pode ser associada à opressão dos que seguem suas doutrinas, e à perseguição dos que seguem outras crenças ou dos que, simplesmente, em nada crêem. Esse é um conceito do qual ouvimos muito falar atualmente: o de multicausalidade, Ou seja, várias são as causas que fazem com que o indivíduo venha a desenvolver, em determinado momento de sua história, um transtorno mental. À primeira vista, não parece difícil responder à pergunta, “Que é uma pessoa normal?”. Embora os indivíduos que nos cercam apresentam comportamentos bastante variados, embora saibamos que cada pessoa é diferente de outra, que cada qual tem suas peculiaridades que o fazem único, todos nós pretendemos saber distinguir as pessoas normais das anormais. Mas a coisa, como veremos, não é tão simples quanto parece, sobretudo quando nos referimos aos aspectos psicológicos da natureza humana. Normal, de uma maneira geral, é aquilo que está de acordo com determinadas normas, regras ou padrões. Esse acordo não significa identidade absoluta. Se, com relação a peças de maquinaria e outros objetos inanimados, pode-se exigir que sejam rigorosamente iguais para que satisfaçam os padrões de qualidade, o mesmo não se dá com criaturas mais complexas como são os seres vivos. Em se tratando de saúde Mental A Constituição da Organização Mundial da Saúde define saúde como “um estado se completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Associação Nacional para a Saúde Mental, norte-americana, e largamente distribuído, intitulado “Saúde Mental é: 1, 2, 3” salientam as seguintes características da pessoa mentalmente saudável: “1 – Vivem satisfeitas consigo mesmas: Não se deixam dominar por suas emoções – seus temores, ira, amor, ciúmes, sentimento de culpa ou preocupações. Podem suportar as desilusões e os contratempos da vida sem se deixarem afetar demasiadamente. Adotam uma atitude tolerante e benigna, tanto com relação a eles mesmos quanto com relação aos demais; podem rir-se deles mesmos. Não consideram suas capacidades nem melhores nem piores de que realmente são. Sabem reconhecer seus defeitos. Tem amor-próprio e sentem-se com disposição para enfrentar as múltiplas situações que se lhes deparam. Sabem desfrutar dos pequenos prazeres do viver diário. 2 – Sentem-se bem com relação às demais pessoas: Sabem ter amor e consideração para com os demais e seus interesses. Mantém relações pessoais agradáveis e duradouras. Apreciam as demais pessoas e nelas confiam, e estão seguras de que os outros apreciarão e retribuirão a confiança. Respeitam as muitas diferenças que encontram nas outras pessoas. Não pretendem impor-se aos demais nem permitem que os demais se lhes imponham. Sentem-se parte do grupo ao qual pertencem. Tem senso de responsabilidade para com seus vizinhos e companheiros. 3 – Podem fazer frente às exigências da vida: Procuram resolver os problemas à medida que estes se apresentem. Aceitam suas responsabilidades. Modificam seu meio ambiente quando possível; adaptam-se a ele quando necessário. Fazem planos com antecipação, mas não temem o futuro. Aceitam com prazer novas experiências e novas ideias. Aproveitam suas habilidades naturais. Têm aspirações que podem ser realizadas; estabelecem para si mesmos metas realistas. Sabem pensar por si mesmos e tomar suas próprias decisões. Fazem sempre o melhor que podem e experimentam satisfação com suas realizações.” Em vários âmbitos de pesquisas cientificas evidenciou-se a importância da religião, espiritualidade e religiosidade para a proteção, promoção e recuperação da saúde mental, visto que tais elementos, frequentemente resgatam e fortalecem os seguintes pontos: Liberação de preocupação e culpa Competência pessoal e controle Impulso para crescer Valorização da família Suporte social para enfrentar situações desafiadores e difíceis Aceitação (de si mesmo, dos outros, da natureza) Espontaneidade; simplicidade; naturalidade. Relações interpessoais mais íntimas e mais profundas, sensação de pertencimento. Os seguintes efeitos desse tipo de conhecimento podem ser observados: Efeitos terapêuticos Melhora na concepção de si própria Melhora conceito sobre os outros e as relações com eles. Altera visão do mundo. Liberação para maior criatividade e espontaneidade. Experiência desejável; procura repeti-la. Sente que a vida, em geral, é digna de ser vivida. Entretanto é importante considerar que Sintomas psicopatológicos com conteúdo religioso, como obsessões ou delírios, necessitam do diagnóstico e tratamento adequados. Fatores físicos ou biológicos: O nosso corpo funciona de forma integrada, isto é, os aparelhos e sistemas se comunicam uns com os outros e o equilíbrio de um depende do bom funcionamento dos outros. Muitas vezes podemos achar difícil de entender como sintomas tão “emocionais” como sentir-se culpado ou ter pensamentos repetidos de morte ou ouvir vozes possam ter também uma base orgânica, mas ela existe. O envelhecimento, o abuso de álcool ou outras substâncias são exemplos comuns. Em muitos casos essa base já pode ser identificada e descrita pelos especialistas, em outros casos ainda não. O que se sabe é que sempre que temos alguma emoção, seja ela agradável ou desagradável, ocorrem uma série de trocas elétricas e químicas em nosso cérebro, o que já constitui, por si só, um fator orgânico. Podemos definir os fatores físicos ou biológicos como sendo as alterações ocorridas no corpo como um todo, em determinado órgão ou no sistema nervosos central que possam levar a um transtorno mental. Dentre os fatores físicos ou biológicos que podem ser a base ou deflagrar um transtorno mental, existem alguns mais evidentes, que avaliaremos a seguir. Fatores genéticos ou hereditários Quantas vezes já ouvimos dizer que fulano “puxou” o gênio do pai? Ou que tem “problema de cabeça” que nem a tia? Ou que é nervoso que nem a mãe? Quando usamos essas expressões, estamos nos referindo às possíveis heranças genéticas que possamos trazer em nosso comportamento e forma de ser. O nome “genético” vem da palavra genes, que são grandes moléculas que existem dentro de nossas células contendo informações sobre como nosso corpo deve se organizar. Herança genética é tudo aquilo que “passa” do pai e da mãe para os filhos através de códigos que vêm inscritos em nossas células. As informações contidas nos genes são muitas e não são todas que utilizamos; algumas ficam guardadas. Em Psiquiatria, os fatores genéticos ou hereditários têm sido muito falados ultimamente, muitas vezes em programas de televisão, sempre caracterizados como grandes descobertas. Isso porque embora popularmente sempre se diga que a pessoa com transtorno mental o herdou de alguém da família, há muito tempo os cientistas tentam identificar se essa “herança” veio através do corpo ou do ambiente em que a pessoa foi criada. Atualmente, os avanços da Medicina têm permitido identificar alguns genes que possam ter influência no desenvolvimento de transtornos mentais. No entanto, é importante deixar claro que quando se fala de fatores genéticos em Psiquiatria, estamos falando de tendências, predisposições que o indivíduo possui de desenvolver determinados desequilíbrios químicos no organismo que possam levá-lo a apresentar determinados transtornos mentais. Ainda assim, é uma grande armadilha acreditarmos que aí está “toda” a causa da doença mental, pois passamos a acreditar que a solução do problema só estará neste ponto e deixamos de prestar atenção em todos os outros aspectos da pessoa que atendemos em sofrimento mental. Dessa forma, a constituição genética precisa ser vista como uma “facilidade orgânica” para desenvolver um determinado transtorno mental, mas não há garantias de que, ao longo da vida do sujeito, tal fato ocorrerá, visto que dependerá de outros fatores para que tal “tendência” de fato se manifeste. Fatores pré-natais As condições de gestação, dentre eles os fatores emocionais, econômicos e sociais, o consumo de álcool, drogas, cigarro e de alguns tipos de medicação podem prejudicar a formação do bebê, gerando problemas futuros que poderão comprometer sua capacidade adaptativa no crescimento e desenvolvimento, podendo facilitar o surgimento da doença mental. Os genes se organizam dentro de estruturas que se chamam cromossomas Quando ocorre a fecundação, os cromossomas de uma e outra célula germinativa (espermatozóide e óvulo) se unem, dando início ao novo ser. Quando os cromossomos se unem, os genes neles contidos formam diferentes combinações, o que faz com que filhos dos mesmos pais tenham características diferentes. Há casos nos quais a influência genética é determinante de um problema. Por exemplo, a existência de um terceiro cromossoma no par 21 gerará, sem dúvida, a Síndrome de Down, que trará uma situação de atraso mental para esse indivíduo. Isso nos informa que esse indivíduo terá uma adaptação mais difícil ao mundo e que, portanto, necessitará de recursos especiais, no caso a educação especializada. Fatores peri-natais Perinatal é tudo aquilo que acontece “durante” o nascimento do bebê. Em algumas situações o bebê pode sofrer danos neurológicos devido a traumatismos ou falta de oxigenação do tecido cerebral. Nesses casos, dependendo da gravidade desses danos, a criança poderá desenvolver problemas neurológicos (como, por exemplo, a epilepsia ou diversos tipos de atraso de desenvolvimento) que podem formar a base para futuros transtornos psiquiátricos. Fatores neuro-endocrinológicos O sistema endócrino, que é responsável pela regulação do equilíbrio de nosso organismo, faz isso através da produção de hormônios pelas glândulas endócrinas (pituitária, tireóide). Acontece que esse sistema tem estreita ligação com o sistema nervoso central, havendo uma influência recíproca entre eles, isto é, o que acontece em um causa reações no outro e vice-versa. Muitos estudos recentes têm mostrado a ligação entre mecanismos neuro- endocrinológicos e reações cerebrais. As mudanças hormonais podem influenciar nosso estado de humor e deflagrar até mesmo estados psicóticos como é o caso da psicose puerperal ou da tensão pré-menstrual (TPM). Fatores ligados a doenças orgânicas O transtorno mental pode também aparecer como consequência de determinada doença orgânica, tal como infecções, traumatismos, vasculopatias, intoxicações, abuso de substâncias e qualquer agente nocivo que afete o sistema nervosos central. Fatores Ambientais Você acorda pela manhã e percebe que o tempo mudou. O sol que havia ontem não apareceu hoje, faz frio e cai forte chuva. Ao se preparar para sair, com certeza você buscará roupas mais quentes e procurará se proteger com capa ou guarda chuva. Estamos, assim, procurando nos ajustar aos fatores ambientais (nesse caso, climáticos). Na verdade, estamos o tempo todo procurando formas de nos adaptarmos, o melhor possível, ao que acontece à nossa volta. Tantos Psicose puerperal - É um estado psicótico que pode ocorrer na mulher após o parto. Por ambiente podemos definir tudo aquilo que está “fora do indivíduo, que não é inerente a ele, mas que está o tempo todo à sua volta”. Não há como não estabelecer trocas com o ambiente em que vivemos, estamos o tempo todo interagindo com ele. Como você interage e se adapta ao ambiente em que você mora ou trabalha? são os estímulos que sofremos que acabamos desenvolvendo maneiras características de reagir, muitas vezes supervalorizando as informações que nos chegam, outras vezes tornando-nos apáticos a elas. Que sensação você experimenta quando entra em contato com as constantes (e massacrantes!) notícias de violência via rádio e televisão? As pessoas costumam ter diferentes reações: algumas tornam-se apáticas a elas, outras fazem uso do humor para digeri-las, outras tornam-se excessivamente medrosas, e assim por diante. Como exemplo, uma paciente passou a pensar na possibilidade de fazer algum mal à sua pequena filha a partir de noticiários de rádio que relatavam maus tratos e até homicídios materno-infantis. Os fatores ambientais exercem forte e constante influência sobre nossas atitudes e nossas escolhas diárias, tanto externa quanto internamente, isto é, como nos sentimos e enxergamos a nós mesmos. As reações a cada estímulo ambiental se darão de acordo com a estrutura psíquica de cada pessoa, e essa estrutura psíquica estará intimamente ligada às experiências que a pessoa teve durante a vida. Assim se estabelece uma relação circular entre todos os fatores geradores de transtorno mental onde um ocasiona o outro. Para melhor compreensão, podemos dizer que os fatores ambientais podem ser sociais, culturais e econômicos. Como sociais podemos compreender todas as interações que temos com o outro, nossas relações pessoais, profissionais e com outros grupos. Estudos falam da importância das pessoas significativas em nossa infância e de como ficam marcadas em nós as suas formas de pensar e agir, assim como as reações que passamos a ter influenciam o nosso comportamento diante de outras pessoas. Se, com as pessoas importantes de nossa infância, aprendemos que existem pessoas que não são confiáveis e que devemos estar sempre atentos para não sermos enganados, possivelmente teremos dificuldades em confiar em alguém mesmo em nossa vida adulta. Entre os fatores ambientais culturais podemos lembrar de todo o sistema de regras no qual estamos envolvidos. Este sistema varia de país para país, de estado para estado, de grupo para grupo, e também de acordo com a época. Ou seja, noção de certo e errado, de bom e mau varia muito dependendo do local e época em que estamos. Os mitos, as crenças, os rituais que nos cercam, nos dão as noções de bem e mal que são aceitas pelos grupos aos quais pertencemos, seja ele o nosso país, o nosso grupo religioso, a nossa escola ou mesmo a nossa família. Outro grupo de fatores ambientais que podemos perceber como exercendo influência sobre nós são os econômicos. Nesse tópico tanto podemos nos referir à nossa possibilidade mais direta de aquisição de bens, ou seja, “nosso bolso”, quanto às atuais condições sociais, onde a miséria, aliada à baixa escolaridade, pode levar ao aumento da criminalidade e esta ao aumento de tensão em nosso dia-a-dia. Vale observar que todos estes grupos de fatores ambientais estão presentes tanto em meios menos extensos, como a família, quanto em meios mais amplos, como a própria humanidade. Fatores emocionais ou psicológicos Continuamos tentando compreender o que, afinal de contas, torna as pessoas diferentes umas das outras. O que faz com que se comportem de uma maneira e não de outra. Já abordamos os aspectos físicos e os ambientais e, não por acaso, deixamos para abordar os aspectos emocionais depois de bem compreendidos os anteriores. Isso porque, como já foi visto antes, os fatores influenciam-se entre si, mas no caso dos aspectos emocionais estamos falando de formação de identidade, que se inicia justamente com a conjugação dos aspectos físicos e ambientais. Cada pessoa vem a este mundo como ser único, diferente de todos os outros. Cada um de nós apresenta, mesmo ao nascer, uma forma de interagir com o mundo que influencia o comportamento de quem está à nossa volta e é influenciado por ele. Não é incomum as mulheres que possuem mais de um filho afirmarem que foram bebês totalmente diferentes: um dormia mais, outro chorava o tempo todo, ou estava sempre doente. Também devemos lembrar que, quando nascemos, já trazemos conosco uma “história de vida”. Se fomos desejados ou não, se somos o primeiro filho ou o décimo, se nossa estadia na barriga foi tranquila ou cheia de altos e baixos, se a mamãe fez uso de algum medicamento ou droga que tenha nos deixado mais agitados ou mais apagados, se tivemos ou não dificuldades maiores no parto, se fomos bem atendidos e fomos logo para perto da mamãe, ou se tivemos que ficar mais tempo longe (indo para uma UTI neonatal, por exemplo), se a mamãe ficou bem após nosso nascimento (disponível para gente) ou se teve, por exemplo, uma depressão puerperal. Bom, estes são só alguns exemplos que mostram que nós já “botamos o pé na vida” com algumas características que nos são individuais e que as interações que vamos estabelecer com o mundo, a partir de nosso nascimento, serão formadoras de um modo de ser caracteristicamente nosso, mais ou menos ajustado, ao qual chamamos personalidade. Pois bem, voltemos a pensar um pouco no “nosso bebê”... Ao nascer, o bebê não tem ainda consciência de si mesmo e do mundo à sua volta. Não consegue diferenciar suas sensações internas do mundo externo. Apenas consegue perceber sensações boas (prazerosas) e más (desprazerosas). A fralda molhada dá desprazer e ele chora. O colo da mamãe dá prazer (possivelmente lembra o conhecido aconchego do útero e dá segurança) e ele dorme. Nessa seqüência, entre chorar e ser confortado, se dá um dos alicerces fundamentais para o restante da vida do bebê (e dificilmente a mãe se dá conta do papel fundamental desses momentos), pois, aos poucos, a criança vai construindo a noção de confiança, que é o ponto de partida para sentimentos como segurança, otimismo e fé na vida adulta. Além disso a formação do vínculo afetivo com a mãe ou pessoa substituta faz com que o bebê ganhe condições para amadurecer e voltar-se para conhecer e experimentar o mundo. Imagine-se chegando sozinho a um país estranho, onde você não conhece a língua, os costumes, nada (que sufoco, não?). Agora imagine que nesse lugar esteja te esperando alguém que fala a sua língua (que alívio!) e que pode te ensinar tudo quanto você precisa para se adaptar melhor. A mãe e o pai, ou pessoas substitutas, atuam mais ou menos como “guias turísticos” do mundo para o bebê que chega. A grande diferença é que o bebê é um “turista” até mesmo em seu próprio corpo, precisando de alguém para ajudá-lo a se conhecer. Acontece que quando o bebê não tem suas necessidades atendidas, ele não tem ainda a capacidade de suportar a sensação ruim para aguardar a boa. O bebê não diz para si mesmo: “Ah! Agora estou com fome, mas mamãe não pode me dar de mamar porque está tomando banho. Tudo bem! Quando ela sair do banheiro, eu choro de novo.” Não! Para o bebê recém-nascido, a fome é um desprazer tão intenso que, se não atendida, adquire tons de ameaça de destruição (mais ou menos como nos sentiríamos diante do fim do mundo). Nesses momentos o bebê experimenta profunda sensação de desamparo. A repetição constante de tais exposições à frustração, por períodos mais prolongados, pode levar o indivíduo, no futuro, a desenvolver uma série de transtornos mentais. Alguns autores identificam aí as raízes emocionais das psicoses e da famosa síndrome do pânico. À medida que vai estabelecendo trocas positivas com as pessoas que cuidam dele, o bebê vai criando uma diferenciação entre ele e o restante do mundo (que, nesse momento, ainda são as pessoas mais próximas) e vai adquirindo uma certa tolerância à frustração e maior capacidade de espera, pois já consegue “antecipar” (fazendo uso da memória) a satisfação de suas necessidades. Com a continuidade de seu crescimento e desenvolvimento, a criança vai adquirindo noções de julgamento de si e dos outros, isto é, vai internalizando as regras e proibições de seu ambiente e passando a captar a impressão que ela própria provoca no ambiente. As experiências posteriores da criança podem aumentar ou diminuir os efeitos das primeiras experiências do bebê. Assim, entramos em contato com o ambiente social mais amplo pelas portas que abrimos nas relações com nossa família nuclear ou com outras figuras de sobrevivência de nossas vidas. Por falar em crise... Crise é uma palavra das mais usadas atualmente. O país está em crise, a saúde está em crise, o local onde trabalhamos geralmente está passando por uma crise, o paciente “teve uma crise”, nós estamos em crise. Mas o que quer dizer crise dentro da Saúde Mental? Existem coisas que acontecem uma vez ou outra em nossas vidas, e que podem nos parecer agradáveis ou desagradáveis, tais como ter um filho, ficar doente, perder o emprego etc. Essas situações muitas vezes nos pegam de surpresa e exigem que a gente busque uma forma de se adaptar. Costumamos chamá-las de crise, um conceito muito importante para quem procura compreender a pessoa com transtorno mental. O termo crise foi inicialmente empregado em Psiquiatria em 1963, por Caplan e Lindemann, para descrever as reações de uma pessoa a situações traumáticas, tais como uma guerra, desemprego, morte de alguém querido. Eric Erikson usou o mesmo termo para descrever as diversas etapas normais do desenvolvimento de uma pessoa, momentos nos quais ela teria que passar por mudanças. Ele identificou essas crises que ocorrem na vida de todos nós desde o nascimento até a morte (passando pela infância, adolescência, idade adulta e velhice) como crises evolutivas. Ele também nomeou as crises imprevisíveis, anteriormente descritas, como crises acidentais. Doença mental; Doença Mental Popularmente há uma tendência em se julgar a sanidade da pessoa, de acordo com seu comportamento, de acordo com sua adequação às conveniências sócio-culturais como, por exemplo, a obediência aos familiares, o sucesso no sistema de produção, a postura sexual, etc. Medicamente, entretanto, Doença Mental pode ser entendida como uma variação mórbida do normal, variação esta capaz de produzir prejuízo na performance global da pessoa (social, ocupacional, familiar e pessoal) e/ou das pessoas com quem convive. Organização Mundial de Saúde diz que o estado de completo bem estar físico, mental e social define o que é saúde, portanto, tal conceito implica num critério de valores (valorativo), já que, lida com a ideia de bem-estar e mal-estar.
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