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ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Guilherme Corrêa Gonçalves Revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira Graduada em Ciências Políticas e Econômicas Especialista em Administração Financeira Mestre em Desenvolvimento Regional Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 E37 Elaboração e implementação de políticas públicas / Guilherme Corrêa Gonçalves ... [et al.] ; [revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 324 p. il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-194-5 1. Políticas públicas. I. Gonçalves, Guilherme Corrêa. CDU 304 Nascimento de políticas públicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identi� car os principais fatores do nascimento de políticas públicas. Reconhecer os desa� os na formulação de políticas públicas. Propor estratégias para formulação de políticas públicas. Introdução O nascimento de uma política pública envolve uma escolha, uma deci- são, que repercutirá junto a grupos, organizações e indivíduos, os quais devem ser trazidos para o centro do debate e da negociação que formulará a política pública. Além de se preocupar com essa repercussão, você perceberá que cabe ao gestor público levar em conta o que pensa o corpo técnico da administração pública e averiguar a sua capacidade frente aos recursos materiais e pessoais disponíveis. Neste texto, você verá como nascem as políticas públicas, quais os fatores que fazem com que elas tenham que ser criadas e desenvolvidas para resolver problemas públicos atuais ou futuros. Conhecerá os desafios envolvidos na formulação de políticas públicas e terá condições de propô-las com estratégias adequadas e eficientes. Como nascem as políticas públicas O nascimento de políticas públicas se dá pela geração de um conjunto de esco- lhas de políticas plausíveis para resolver problemas. Quando uma situação, ou estado de coisas, se transforma em um problema público, de modo a demandar mobilização e ação política, surgem os fatores que levam ao nascimento de políticas públicas. De modo geral, esses fatores têm pelo menos uma das seguintes características (RUA, 2009): Mobilização e ação coletiva de grandes grupos, ou de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, ou de atores individuais estrate- gicamente situados. Situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não resolver o problema seja maior que o ônus de resolvê-lo. Oportunidade, ou seja, vantagens antevistas, a serem obtidas com o tratamento de um problema antes que ele ocorra. Como mobilização coletiva, temos exemplos do que aconteceu nos Estados Unidos, na década de 1960, com o movimento negro e com o movimento feminista. Como ação de atores estratégicos, temos a questão ambiental no Brasil, em que lideranças políticas assumem bandeiras ambientalistas, ou, também, podemos ter as duas ações atuando conjuntamente (RUA, 2009). Em situações de crise, calamidade ou catástrofe, ou simplesmente quando um dos atores percebe uma vantagem para um indivíduo ou grupo político, por exemplo, partidos políticos e organizações não governamentais (ONGs), esses atores encontram nos problemas públicos uma oportunidade para demonstrar seu trabalho, ou, ainda, uma justificativa para a sua existência (SECCHI, 2013). Veja alguns exemplos dessas situações: Quando uma espécie animal corre risco de extinção, e isso vem a co- nhecimento público, surge a oportunidade de criação de uma entidade de defesa daquela espécie. A partir do momento em que um produto importado começa a atrapa- lhar um setor industrial, surge a oportunidade política de defender os interesses desse setor industrial. A necessidade de melhoria do acesso à água potável ou a promoção do desenvolvimento econômico em uma região enfraquecida, pode mobilizar não apenas os atores políticos, mas também diversos atores da sociedade, de forma individual, ou coletiva. É importante ressaltar que a formulação de políticas públicas não deve se limitar apenas a resolver um problema político depois de ser identificado. A formulação de políticas públicas deve, sempre que possível, buscar por ações que precedam o início de um problema, ou seja, antecipem o surgimento do problema e estendam-se para a análise de cenários possíveis, até a avaliação dos meios existentes e futuros de resolver problemas públicos que possam desdobrar-se dessas ações (WU et al., 2014). Nascimento de políticas públicas100 Desafios na formulação de políticas públicas Quando as políticas públicas começam a ser formuladas, as aspirações dão origem às expectativas. Expectativas não signifi cam desejos, são suposições do que os atores pensam sobre as consequências das ações e sobre os seus interesses. Muitas vezes, os agentes responsáveis pelas políticas públicas podem falhar na leitura do cenário e propor políticas inadequadas. Mesmo quando eles sabem quais problemas querem abordar e expressam suas opiniões de forma transparente, o público pode não ser favorável às possíveis soluções (RUA, 2009; WU et al., 2014). Muitas pessoas não gostam de congestionamento do tráfego em áreas urbanas, mas elas gostam ainda menos de utilizar o transporte público; querem mais estradas, mas não querem mais impostos, ou pedágios. Outra potencial oposição de interesses na busca por medidas para aliviar o con- gestionamento do tráfego é oposição de outros órgãos do próprio governo. O órgão governamental responsável pelo desenvolvimento de pequenas empresas pode querer mais carros entrando no centro da cidade, porque significa maior circulação de consumidores. Em contraste, um órgão voltado para o meio ambiente, ficará preocupado com a poluição causada pelo tráfego de veículos e, provavelmente, defenderia exatamente o oposto (RUA, 2009; WU et al., 2014). Nesse sentido, há atores que têm expectativas de obter vantagens legítimas com uma decisão e outros que acreditam que essa decisão vá lhes trazer desvantagens. Assim, esses atores se mobilizam, para defender seus legítimos interesses, expresso em preferências (RUA, 2009). Preferência é a alternativa de solução para um problema que mais beneficia um determinado ator, que vai depender do cálculo de custo/benefício de cada ator. Esse cálculo não se restringe a custos econômicos ou financeiros, pois envolve também elementos simbólicos, como prestígio; ou elementos políticos, como ambições de poder e ganhos ou perdas eleitorais (RUA, 2009). As preferências costumam se apresentar ordenadas em uma sequência, como ilustrado na Figura 1. 101Nascimento de políticas públicas Figura 1. Processo de formação de preferências. Fonte: Rua (2009, p. 75). A Figura 1 descreve o processo de formação de preferências: 1. Eu prefiro a alternativa “A”. 2. Mas se “A” não for possível, então, eu, gostaria que fosse adotada a alternativa “C”. 3. Se nem “A” nem “C” forem possíveis, eu prefiro que seja adotada a alternativa “D”. Isso significa que as minhas preferências obedecem a uma sequência, da mais preferida para a menos preferida, ou seja, na ordem: A, C, D, B. Nascimento de políticas públicas102 Desafios técnicos: apesar da maior frequência de obstáculos políticos, barreiras técnicas podem ser mais desafiadoras na formulação de políticas públicas. As dificuldades começam com a compreensão da causa do problema a ser abordado e dos objetivos buscados. Um exemplo é o problema do aquecimento global, cuja solução ainda não é totalmente conhecida, pois não se sabe o que fazer para o carbono e outros gases do efeito estufa serem eliminados sem causar problemas econômicos e sociais em grande escala e em curto prazo (WU et al., 2014). Desafios institucionais: características profundamente enraizadas no contexto que dificultam a adoção de algumas opções de políticas públicas, como legislação, diferentes níveis degoverno (União, Estados e Municípios), existência de grupos sociais poderosos (médicos, seguradoras e empresas farmacêuticas no setor de cuidados com a saúde), ideias filosóficas ou religiosas específicas e procedimentos operacionais-padrão em órgãos burocráticos (WU et al., 2014). “Todas essas exigências e expectativas contraditórias tornam a tarefa de formulação de políticas públicas realmente desafiadoras. Mais uma vez, gestores públicos devem estar plenamente cientes dos pontos de vista e recursos disponíveis para usuários, metas, público e outros membros das comunidades de política pública, incluindo aqueles em outras partes do seu governo, ao propor soluções para os problemas. Tomar medidas para monitorar seu ambiente político regularmente pode ajudar bastante a definir e originar um conjunto de escolhas de políticas que possa abordar o maior número possível de ideias e interesses conflitantes, e, ao mesmo tempo, evitar conflitos e atrasos desnecessários na formulação de políticas e em outras etapas de sua criação.” (WU et al., 2014). Estratégias para formular políticas públicas O primeiro passo que um gestor público deve dar na formulação de políticas públicas é reunir, com antecedência, as informações necessárias sobre vários aspectos dos problemas existentes e emergentes, e desenvolver propostas de solução para uso dos principais formuladores de políticas. Eles devem iniciar pelo levantamento de informações que contribuam para a primeira análise das propostas de reforma já existentes. Saber quais opções têm chance de 103Nascimento de políticas públicas funcionar depende substancialmente do que de fato causou o problema. No entanto, muitas vezes, pode haver várias interpretações diferentes das causas de um problema, pois alguns problemas de políticas são tão complexos que é difícil haver um consenso sobre as suas verdadeiras causas. Contudo, é necessário ao menos uma interpretação plausível da fonte do problema para se avançar na defi nição do que fazer (WU et al., 2014). Em seguida, o gestor deve definir objetivos e metas alcançáveis e desdobrá- -los em ações para alcançar esses objetivos. O objetivo de diminuir o aquecimento global deve ser traduzido em algo mais es- pecífico, como a redução das emissões de carbono, que ainda é muito amplo para fins operacionais. É necessário esclarecer e especificar o exato declínio percentual esperado até um determinado ano, ou seja, a definição de uma meta: reduzir 50% das emissões dentro de 10 anos. Com objetivos e metas esclarecidos, os gestores públicos precisam então elaborar uma lista de ações que poderiam ajudar a alcançar tais objetivos, por exemplo: eles precisam considerar opções como a redução de subsídios ou o aumento de impostos sobre os combustíveis fósseis. A definição do reajuste exato do imposto e/ou subsídio seria uma tarefa para a tomada de decisão, mas várias opções ainda podem ser desen- volvidas nessa fase e suas possíveis consequências estabelecidas para os tomadores de decisão (WU et al., 2014). Enfim, pode-se dizer que, na prática, o nascimento de uma política pública pode ser compreendido como um conjunto de decisões e ações realizadas por grupos ou indivíduos, direcionados para a consecução de objetivos estabe- lecidos mediante decisões anteriores, conforme esquematizado na Figura 2. Nascimento de políticas públicas104 Figura 2. Processo de nascimento de uma política pública. Esse processo envolve desde provisão de recursos no orçamento; formação de equipes; elaboração de minutas de projeto de lei, autorizando realização de concurso para contratação de servidores; e elaboração de editais para aquisição de bens ou contratação de serviços. A importância de conhecer o modo como nascem as políticas públicas está na possibilidade de visualizar, por meio de instrumentos analíticos mais estruturados, os obstáculos e as falhas do processo. Além disso, é possível visualizar erros anteriores à tomada de decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos mal traçados, otimismos exagerados etc. (SECCHI, 2013). 105Nascimento de políticas públicas RUA, M. G. Políticas públicas. Florianópolis: UFSC, 2009. SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. WU, X. et al. Guia de políticas públicas: gerenciando processos. Brasília, DF: ENAP, 2014. Leituras recomendadas OLIVEIRA, L. C.; CAVALLI, V. T.; GUIDUGLI, S. T. Política pública de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho: algumas considerações sobre sua formu- lação, implementação e avanços de 1991 até 2015. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, DF, n. 48, jan./jun. 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/ images/stories/PDFs/ppp/170728_ppp48.pdf>. Acesso em: 04 set. 2017. TUDE, J. M. As políticas públicas e o seu estudo. [S.l.]: Videolivraria, [c2017?]. Disponível em: <http://www2.videolivraria.com.br/pdfs/24132.pdf>. Acesso em: 04 set. 2017. XAVIER, A. R. Políticas públicas de combate ao crime organizado: ações da polícia militar do Ceará nas divisas do estado. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, DF, n. 48, jan./jun. 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ PDFs/ppp/170728_ppp48.pdf>. Acesso em: 04 set. 2017. 107Nascimento de políticas públicas http://www.ipea.gov.br/portal/ http://www2.videolivraria.com.br/pdfs/24132.pdf http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: Elaboração e Implementação_U2_C08