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Thaís Morghana - UFPE-CAA Diarreias INTRODUÇÃO A diarreia é definida como a eliminação de fezes não moldadas ou anormalmente líquidas com maior frequência do que o normal. No caso de adultos que consomem uma dieta ocidental típica, um peso das fezes > 200 g/dia geralmente é considerado diarreico. Aguda → < 2 semanas Persistente → 2-4 semanas Crônica → > 4 semanas Condições que podem ser confundidas com diarreia: pseudodiarreia, que caracteriza-se por eliminação frequente de pequenos volumes de fezes, urgência retal e tenesmo, pode ser devido a SII ou proctite. Incontinência fecal, que caracteriza-se pela eliminação involuntária de conteúdo retal. DIARREIA AGUDA AGENTES INFECCIOSOS A maioria das diarreias infecciosas é adquirida por transmissão fecal-oral ou ingestão de água ou alimentos contaminados. Viajantes → causada mais comumente por patógenos como E. coli, Campylobacter, Shigella, Aeromonas, norovírus, Coronavírus e Salmonella, depende da área que o paciente viajou. Consumidores de certos alimentos → piquenique, banquete ou restaurante - Salmonella; frangos - Campylobacter ou Shigella; hambúrguer mal cozido - E. coli êntero-hemorrágica; arroz frito ou outros alimentos relacionados - Bacillus cereus; maionese ou patês - Staphylococcus aureus ou Salmonella; ovos- Salmonella; alimentos crus ou queijos moles - Listeria; frutos do mar, especialmente quando crus - Vibrio, Salmonella ou hepatite A aguda. Pessoas imunodeficientes → os enteropatógenos comuns em geral causam doença diarreica mais grave e protraída. Principalmente em pessoas com Aids, deve-se ficar atento para infecções oportunistas - Mycobacterium, CMV, adenovírus, herpes simples, Cryptosporidium. Cuidadores de creches e seus familiares → estão mais propensos a infecções por Shigella, Giardia, Cryptosporidium e rotavírus. Pessoas em ILPIs → mais vulneráveis à infecção pelo Clostridium difficile, mesmo sem histórico de uso de ATB. Fisiopatologia Manifestações clínicas Toxinas bacterianas pré-formadas Diarreia abrupta algumas horas após ingestão associada a vômitos acentuados e febre mínima ou ausente Bactérias produtoras de enterotoxinas Diarreia abrupta algumas horas após ingestão associada a vômitos acentuados e Thaís Morghana - UFPE-CAA febre mínima ou ausente Patógenos entero aderentes Os vômitos em geral são menos intensos, sendo que as cólicas e distensão abdominais são mais proeminentes e a febre é mais elevada Produtores de citotoxinas e invasivos Provocam febre alta e dor abdominal Bactérias invasivas Diarreia sanguinolenta OUTRAS CAUSAS Medicamentos → os mais frequentes são ATB, antiarrítmicos cardíacos, anti-hipertensivos, AINEs, alguns antidepressivos, agentes quimioterápicos, broncodilatadores, antiácidos e laxativos. Colite isquêmica, diverticulite colônica, doença do enxerto versus hospedeiro Ingestão de toxinas → inseticidas organofosforados; amanita e outros cogumelos; arsênico; e toxinas ambientais pré-formadas em frutos do mar, como a ciguatera e o escombroide. Thaís Morghana - UFPE-CAA ABORDAGEM DO PACIENTE As indicações para avaliação incluem diarreia profusa com desidratação, fezes francamente sanguinolentas, febre ≥ 38,5°C (≥ 101ºF), duração > 48 horas sem melhora, uso recente de antibiótico, novos surtos na comunidade, dor abdominal grave associada em pacientes com > 50 anos de idade e idosos (≥ 70 anos) ou imunocomprometidos. Investigação → culturas para patógenos bacterianos e virais, exame parasitológico das fezes e imunoensaios para determinadas toxinas bacterianas (C. difficile), antígenos virais (rotavírus) e protozoários (Giardia, E. histolytica). Quando os exames de fezes são inconclusivos, a sigmoidoscopia flexível com biópsias e a endoscopia alta com aspirado e biópsia duodenais podem estar indicadas. O exame estrutural por sigmoidoscopia, colonoscopia ou tomografia computadorizada (TC) abdominal (ou outras técnicas radiológicas) pode ser apropriado nos pacientes com diarréia persistente não caracterizada, a fim de excluir DII. Reposição hidroeletrolítica → casos leves (reposição oral de líquidos); casos graves (soluções de eletrólito com glicose). Medicamentos → diarreia moderadamente grave, afebril, não sanguinolenta (antissecretores e antimotilidade, como a loperamida); diarreia moderada a grave com disenteria febril (ciprofloxacino ou metronidazol na suspeita de Giardia). Thaís Morghana - UFPE-CAA DIARREIA CRÔNICA Exige avaliação para excluir patologia subjacente grave. CAUSAS SECRETORAS Provocadas por distúrbios no transporte hidroeletrolítico por meio da mucosa enterocolônica. Caracterizam-se clinicamente por eliminações fecais aquosas e de grande volume, indolores e que persistem com o jejum. Medicações → a diarreia crônica pode ocorrer devido a ingestão regular de medicamentos e toxinas, consumo crônico de álcool e exposição a toxinas ambientais. Ressecção intestinal, doença da mucosa ou fístula enterocólica → diarreia secretora por causa da superfície inadequada para a reabsorção dos líquidos e eletrólitos secretados. A diarreia tende a se agravar com a alimentação. - Os ácidos di-hidroxibiliares podem escapar da absorção e estimular a secreção colônica, contribuindo para a diarreia secretora idiopática ou diarreia de ácido da bile (DAB), na qual os ácidos biliares são funcionalmente mal absorvidos de um íleo terminal de aspecto normal. Hormônios → a diarreia pode ocorrer devido a tumores carcinóides gastrintestinais. É gerada pela liberação de potentes secretagogos intestinais na circulação, tais como serotonina, histamina, prostaglandinas e várias cininas. Defeitos congênitos na absorção de íon → raramente, defeitos nos transportadores específicos associados à absorção de íons causam diarreia aquosa desde o nascimento. - Diarreia clorética congênita (Cl-/HCO3-) - Diarreia de sódio congênita (Na+/H+) CAUSAS OSMÓTICAS Solutos ingeridos, pouco absorvíveis e osmoticamente ativos, atraem líquido suficiente para o lúmen, excedendo a capacidade de reabsorção do cólon. Em geral, a diarreia osmótica cessa com o jejum ou com a suspensão da ingestão oral do agente causador. Laxativos osmóticos → a ingestão de antiácidos contendo magnésio, suplementos vitamínicos ou laxativos pode induzir diarréia osmótica. Má absorção de carboidratos → decorrente de defeitos adquiridos ou congênitos nas dissacaridases resulta em diarréia osmótica com pH baixo, a mais comum é a deficiência de lactase. Intolerância a glúten e a FODMAP → diarreia crônica, distensão abdominal e dor abdominal são considerados sintomas de intolerância a glúten não celíaca (que está associada à função de barreira colônica ou intestinal prejudicada) e intolerância a oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis (FODMAP). Os efeitos deste último representam a interação entre a microbiota GI e os nutrientes. CAUSAS ESTEATORREICAS A má absorção de lipídeos pode induzir diarréia com fezes gordurosas, de odor fétido e difíceis de escoar, frequentemente associada à perda ponderal e deficiências nutricionais decorrentes da má absorção concomitante de aminoácidos e vitaminas. Thaís Morghana - UFPE-CAA - Gordura fecal superior à taxa normal de 7g/dia Má digestão intraluminal → insuficiência pancreática exócrina devido a pancreatite crônica, fibrose cística, obstrução do ducto pancreático ou somatostatinoma; proliferação bacteriana que pode desconjugar ácidos biliares; cirrose ou obstrução biliar que causa concentração deficiente de ácidos biliares. Má absorção na mucosa→ ocorre devido a uma variedade de enteropatias, com destaque para a doença celíaca. Outras possíveis causas são espru tropical, doença de Whipple, infecção por Mycobacterium avium intracellulare, giardíase, medicamentos (olmesartana, micofenolato mofetil, colchicina, colestiramina, neomicina), amiloidose e isquemia crônica. Obstrução linfática pós-mucosa → decorrente da rara linfangiectasia intestinal congênita ou de obstrução linfática adquiridasecundária a um traumatismo, tumor, doença cardíaca ou infecção, acarreta a constelação singular de má absorção lipídica com perdas entéricas de proteína (muitas vezes causando edema) e linfocitopenia. CAUSAS INFLAMATÓRIAS As diarréias inflamatórias são geralmente acompanhadas de febre, dor, sangramento ou outras manifestações de inflamação. Doença inflamatória intestinal idiopática → doença de Crohn ou retocolite ulcerativa crônica. A colite microscópica, incluindo tanto a colite linfocítica quanto a colite colagenosa, é uma causa cada vez mais reconhecida de diarreia aquosa crônica, especialmente em mulheres de meia-idade e pacientes que usam AINEs, estatinas, inibidores da bomba de próton (IBPs) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs). Formas primárias ou secundárias de imunodeficiência A→ pode acarretar diarreia infecciosa prolongada. Gastrenterite eosinofílica → a infiltração eosinofílica da mucosa, muscular da mucosa ou da serosa em qualquer nível do TGI pode provocar diarreia, dor, vômitos ou ascite. CAUSAS ASSOCIADAS A DISMOTILIDADE Um trânsito rápido pode acompanhar muitas diarréias como um fenômeno secundário ou contribuinte, mas a dismotilidade primária é uma etiologia incomum de diarreia verdadeira. - Pode ser causada por hipertireoidismo, síndrome carcinóide, fármacos (prostaglandinas, pró-cinéticos), diarréia diabética, SII. CAUSAS FACTÍCIAS Diarreias inexplicadas. - Síndrome de Munchausen - fingimento ou autolesão ABORDAGEM AO PACIENTE A avaliação diagnóstica deve ser racionalmente dirigida por uma anamnese e um exame físico minuciosos. Os pacientes devem ser inquiridos sobre o início, a duração, o padrão, os fatores agravantes (especialmente a dieta) e atenuantes, bem como as características das fezes diarreicas. Deve-se observar a presença ou ausência de incontinência fecal, febre, perda ponderal, dor, Thaís Morghana - UFPE-CAA determinadas exposições (viagem, medicamentos, contatos com diarreia) e as manifestações extraintestinais comuns (alterações cutâneas, artralgias, aftas orais). Tratamento → O tratamento da diarreia crônica depende da etiologia específica e pode ser curativo, supressor ou empírico. Quando não se consegue diagnosticar a causa ou o mecanismo específico da diarreia crônica, a terapia empírica pode ser benéfica. Os opiáceos leves, como o difenoxilato ou a loperamida, são frequentemente valiosos na diarreia aquosa leve ou moderada. Para aqueles com diarreia mais grave, a codeína ou a tintura de ópio podem ser benéficas.
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