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ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL E FUNCIONAL DE HOSPITAIS Glaucio Erlei de Souza G es tã o O R G A N IZ A Ç Ã O E S T R U T U R A L E F U N C IO N A L D E H O S P IT A IS G la uc io E rle i d e S ou za Curitiba 2019 Organizacao Estrutural e Funcional de Hospitais çã Glaucio Erlei de Souza Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. S729o Souza, Glaucio Erlei de Organização estrutural e funcional de hospitais/ Glaucio Erlei de Souza . – Curitiba: Fael, 2019. 220 p.: il. ISBN 978-85-5337-049-8 1. Hospitais – Administração 2. Serviços de saúde - Administração I. Título CDD 362.11068 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstock.com/Elena3567 Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Sistema de saúde | 7 2. Distribuição do sistema de saúde no Brasil | 25 3. Hospitais e seu papel na atenção à saúde | 41 4. Gestão de operações | 63 5. Gestão por processos | 83 6. Planejamento estratégico em hospitais | 99 7. Gerenciamento de pessoas | 119 8. Gestão da capacidade | 135 9. Processos de apoio, administrativos e assistenciais | 149 10. Tecnologia em saúde: os desafios do setor no Brasil | 163 Gabarito | 181 Referências | 195 Prezado(a) aluno(a), Essa obra tem a proposta de exibir e tratar os processos gerenciais com complementação de estudos e aplicabilidade em organizações hospitalares contemporâneas. A escolha pelo tema Organização Estrutural e Funcional de Hospitais justifica-se pelo meu interesse pessoal em desenvolver uma obra técnica que exibisse, de forma sucinta, clara, simples e objetiva, um pouco da minha experiência de mais de 15 anos atuando no setor da saúde. Procuramos na obra apresentar os vários fundamentos, aspectos históricos e contemporâneos relevantes para a Gestão Hospitalar, além de algumas reflexões sobre a aplicabilidade desses conhecimentos no cotidiano dos hospitais e da sociedade em geral. Em muitas abordagens foram expostas: a complexa compreensão do sistema de saúde, a proteção social e o direito à saúde no Brasil, correlacionando esses fatores a algumas passa- gens pelo mundo e construindo um olhar crítico do leitor. Carta ao Aluno – 6 – Organização Estrutural e Funcional de Hospitais Nos muitos fundamentos de Gestão Hospitalar, apresentados ao longo dos dez capítulos da obra, esperamos criar subsídios de estimulo à aprendizagem de alunos de graduação, pós-graduação das mais variadas áreas do conhecimento, além de trazer contribuições teóricas aos profis- sionais do segmento e servir como importante instrumento auxiliar para pesquisadores, docentes, alunos universitários e profissionais que atuam na área de Gestão Hospitalar. Glaucio Erlei de Souza 1 Sistema de saúde Demonstraremos ao longo deste capítulo a complexa com- preensão do sistema de saúde, proteção social e direito à saúde no Brasil, correlacionando esses fatores a algumas passagens pelo mundo e construindo um olhar crítico com aspectos histó- rico-conceituais que remontam aos grandes fatos em ordem cro- nológica dos acontecimentos. Neste capítulo, é trabalhada a conceituação de “saúde” histórica e etimológica e demonstrado em algumas passagens históricas as razões pelas quais era compreendida e aplicada de determinada forma. Observaremos ainda as inúmeras influências sociais, comportamentais, religiosas, políticas, econômicas e até mesmo de fenômenos biológicos. Mesmo que não haja uma única linha de pensamento quanto ao conceito de saúde, alguns dos marcos históricos relevantes da história da humanidade são comuns e norteadores à grande parte das literaturas científicas desse tema, sejam elas de caráter filosó- fico, sociológico ou médico. Portanto, suficientes para compre- ender e demonstrar a complexa evolução histórica do conceito de saúde. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 8 – Será possível compreender a evolução histórica da política de seguri- dade social no Brasil, composta pelo tripé saúde, assistência social e pre- vidência social, principal fundamentação do atual sistema de saúde brasi- leiro. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, precedida por amplo arcabouço legal atinente à saúde, formadores da Lei Orgânica da Saúde de 1990 que deu origem ao Sistema Único de Saúde (SUS) que conhecemos, são as bases teórica e metodológica para a contextualização desta obra. Destacamos ainda a contextualização de algumas das principais difi- culdades e rupturas enfrentadas pelo sistema de saúde público no Brasil, entendendo as reformas regulatórias do Sistema Único de Saúde (SUS) e projetando um futuro cenário para o setor. 1.1 Aspectos histórico-conceituais O conceito de saúde deve ser o primeiro aspecto histórico a ser compreendido em um sistema de saúde. Ao longo de pelo menos 2000 anos, esse conceito sofreu inúmeras intervenções, interpretações e acei- tação de filósofos, alquimistas, médicos, físicos, sacerdotes e da popu- lação de cada época. Sempre existiram contradições quanto ao conceito, visto que saúde não representa a mesma coisa para cada ser humano, pois depende de vários fatores, como da época, do próprio indivíduo, do lugar, da classe social, da compreensão religiosa, científica e filosófica. Na origem etimológica, em português, o termo saúde deriva de salude, que vem do latim salus (salutis), com o significado de cura, bem-estar, íntegro, inteiro, conservação e salvação da vida. Na concepção grega, o termo deriva de Hygeia (Ὑγίεια), que era a deusa da saúde, da limpeza e da sanidade. Pode-se dizer desse ponto de vista etimológico, que o termo saúde não se refere ao contexto da doença, mas ao do bem-estar. Existem literaturas consagradas, e até mesmo passagens na Bíblia sagrada, que narram a medicina mágico-religiosa, com inúmeros registros de doenças transmissíveis desde os primórdios da espécie humana. Apesar dessa medicina ser mais prevalente na antiguidade, ainda nos dias de hoje existem pessoas, grupos, tribos, entre outras entidades exercendo-a no seu cotidiano. – 9 – Sistema de saúde A medicina mágico-religiosa está enquadrada no contexto religioso- -mitológico, no qual a doença era entendida como desobediência aos man- damentos divinos, e a cura tratada por feiticeiros, sacerdotes, xamãs, pajés e demais divindades ou crenças. No decorrer da história da humanidade, verificam-se inúmeros con- ceitos descritos sobre a saúde, mas a caracterização do seu entendimento começa a aparecer junto com a história das práticas médicas, com Hipó- crates, considerado o “Pai da Medicina Ocidental ou Moderna”. As primeiras relações de saúde e doença, denotam do século IV a.C., fase em que viveu o filósofo grego Hipócrates, cuja compreensão de saúde é a influência do estilo de vida dos habitantes, assim como da caracterís- tica da cidade em que viviam. Portanto, se o médico compreendesse as influências desse modo de vida adotado, do mesmo modo das localidades em que habitavam, não cometeria erros ao diagnosticar e cuidar das doen- ças acometidas sobre a população. Na Idade Média, entre os séculos V e XV, a religião cristã, principal- mente na Europa, exercia grande influência no entendimento dos doentes, pregando-os como consequência do pecado, e a cura apenas como resul- tado da fé. Nesse período, as pessoas necessitadas eram recebidas pelas ordens religiosas, em lugares específicos de acolhida de doentes e peregri- nos, porém não eram necessariamente lugares de cura ou de tratamento de doença, mas apenas de abrigo e conforto. Entre os séculos XVI e XIX, a linha de compreensão de Hipócrates de que o estilo de vida dos habitantes influenciava diretamente a saúde do indivíduo foi corroborada pelo médico,alquimista, físico, astrólogo e ocultista, suíço-alemão, Paracelsus, pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, e pelo alemão Friedrich Engels. Paracelsus, quando adolescente, trabalhou nas minas do judeu Sigis- mund Fugger, em Schwatz, no Tirol1, e pela sua experiência como minero atestou a relação direta entre determinadas doenças ocupacionais ao ambiente de trabalho do indivíduo. Ele afirmou que as doenças encontra- 1 O Tirol é uma região histórica da parte ocidental da Europa Oriental, que inclui o esta- do do Tirol, na Áustria, e a Região Autônoma Trentino-Alto Ádige (Trentino-Südtirol), na Itália. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 10 – das nas amostras estudadas por ele foram causadas por vetores alheios ao organismo desses seres-humanos, a exemplo da doença pulmonar pneu- moconiose, popularmente conhecida como doença do pulmão negro, cau- sada pela inalação e acumulo do pó de carvão nos pulmões. Naquela época a alquimia já vinha sendo fortemente empregada nos tratamentos médicos, visto que a linha de pensamento dos especialistas subjugava que as alterações que ocorriam no corpo humano eram quími- cas, e, portanto, seriam químicos os melhores remédios e tratamentos para combatê-las, demonstrando a grande influência da química na medicina desse período. Ainda durante o período da revolução industrial, o filósofo Engels, estudou as condições de vida de vários trabalhadores na Inglaterra, con- cluindo que o estilo de vida desses trabalhadores, bem como as condições do ambiente de trabalho deles, tinham relações diretas com as doenças descobertas na população. Nesse contexto, a fundamentação teórica desses filósofos remete ao entendimento da medicina como uma profissão orientada à doença do indivíduo e não ao estado de saúde e/ou doença da população. Entretanto, paralelamente à linha de pensamento dos filósofos que defendiam a medicina dirigida à doença do indivíduo, outra corrente de pensamento defendia a saúde como a ausência de doenças no indivíduo. Podemos evidenciar a origem dessa outra corrente, na formulação da hipótese mecanicista encontrada na obra Discurso do Método, do filósofo, físico e matemático francês René Descartes. Influenciado pela revolu- ção industrial no desenvolvimento da mecânica, além de contribuir com a humanidade, imortalizando a célebre expressão “Penso, logo existo”, presumiu um dualismo mente-corpo, cujo funcionamento em humanos e animais era equiparado ao funcionamento das máquinas (DESCARTES, 2009, p. 99). Koch (1912) e Pasteur (1876), no século XIX, de certa forma, deram início à chamada “era do germe” e confirmaram a corrente de pensamento de Descartes descrevendo a doença no corpo humano de maneira aná- loga às máquinas industriais da época, em que a existência de um defeito, necessitaria de reparo especializado. – 11 – Sistema de saúde Fica fácil entender, por meio dessa corrente de pensamento, a trans- formação da medicina de uma profissão orientada às doenças das pessoas para uma profissão orientada à ausência de doenças do indivíduo. Como durante a revolução industrial ainda não havia aceitação uni- versal do conceito do que era saúde, agravada com as epidemias e doenças que acometeram a Europa ao término da Segunda Guerra Mundial, veri- fica-se o movimento de preocupação social quanto às condições do meio ambiente, de vida, trabalho e moradia da população, que passaram a ser o foco das discussões políticas e científicas na busca de possíveis soluções. Desde ao térmico da guerra, após a criação em 7 de abril de 1948, da Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Organização das Nações Unidas (ONU), padronizou-se o conceito de saúde traçando requisitos importantes e padrões de melhorias no âmbito da saúde mundial. Na Con- ferência Internacional de Saúde da ONU, realizada em 22 de julho de 1946, em Nova York, foi redigido o primeiro estatuto da OMS e, por con- sequência, o esboço inicial do conceito de saúde mundial, que o descrevia como sendo “um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade.” (OMS, 1946, p. 1, grifo nosso). Assim, diversas transformações ocorreram até a atual compreensão mundial do que é saúde pelo mais abrangente conceito adotado pela a OMS, cuja definição estabelecida na constituição da OMS, em seu artigo 1º, fomenta o acesso à saúde como direito de todo ser humano, sendo a proteção e a promoção um dever do Estado. Uma vez definido o que é saúde pelo conceito universal adotado pela OMS, a busca internacional passou a ser pela criação de mecanismos que garantissem, assegurassem, mas que principalmente sustentassem o direito declarado de acesso à saúde individual, a começar pela difícil definição dos papéis de responsabilidades nesse cenário. De acordo com Dallari (1988, p. 60), podemos pensar e discutir o direito à saúde de modo universal, mas sua definição deve ocorrer em nível local, compreendendo e aplicando todos os recursos de maneira mais assertiva às reais necessi- dades de cada população. Tendo compreendido o complexo conceito de saúde e a definição do direito declarado a ela, avançaremos nosso estudo quanto à compreensão Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 12 – do sistema de saúde, das políticas governamentais, do arcabouço legal no Brasil e suas trajetórias, das dificuldades e barreiras encontras no sistema de saúde brasileiro, assim como as alternativas encontradas para o desen- volvimento do sistema de saúde até os dias atuais. 1.2 Resgate histórico da política da saúde no Brasil e seu arcabouço legal Com a compreensão já estabelecida quanto ao fundamento da saúde e do direito a ela, a fim de continuarmos o aprendizado sobre o sistema de saúde no Brasil, é necessário voltarmos ao ano de 1808, com a chegada em terras brasileiras da corte Portuguesa. Nessa época, Dom João VI, em Salvador (BA), então capital brasileira, assinou a carta régia criando as Juntas de Higiene e Inspetoria de Saúde dos Portos, objetivando comba- ter a propagação de doenças epidêmicas, por meio do controle sanitário dos portos, embarcações, tripulantes, passageiros, produtos comerciali- zados e consumidos. De certa forma, essas juntas são as antecessoras da atual Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Atribui-se ainda à Dom João VI a responsabilidade pela criação da política de formação médica, desen- volvida para enfrentar as grandes epidemias de cólera, febre amarela, entre outras que assolavam a população brasileira naquele período. Adentrando no período após a Proclamação da República Brasileira, em 1889, a saúde pouco havia evoluído desde a chegada dos portugueses. Entre- tanto, na era do germe, influenciada por inúmeros avanços científicos na Europa, sobretudo na ciência da fisiologia humana e bacteriologia, a exem- plo de Koch (1912) e Pasteur (1876), nasceram vários institutos preocupados e atuando em pesquisas e ações relacionadas aos serviços sanitários. No entanto, somente entre os anos de 1919 e 1920, em meio ao caos da epidemia de gripe espanhola que atemorizava a população, com obje- tivo de fomentar e dar visibilidade aos serviços sanitaristas federais, foi fundado o Departamento Nacional de Saúde (DNS). A partir de então, o Estado brasileiro solidificou-se na saúde pública com maior participação e força de intervenção nessa área. – 13 – Sistema de saúde Depois da criação do DNS, entre os anos 1923 a 1967, houve várias ações públicas relevantes para a evolução histórica do sistema de saúde no Brasil. Em 1923, em São Paulo (SP), por meio do decreto legislativo 4.682, Lei Elói Chaves, constituíram-se as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP). Iniciadas para oferecer assistência previdenciária e médica aos tra- balhadores ferroviários e seus familiares, posteriormente foram estendidas a outras classes de trabalhadores, como radiotelegráficos, marítimos e por- tuários, mineradores, entre outros. O destaqueao modelo é que não havia nenhuma participação do governo; fundamentalmente, eram as empresas privadas quem sustentavam as classes operárias. Após a revolução de 1930, essas Caixas de Aposentadorias e Pensões providas pela iniciativa privada foram migradas para os Institutos de Apo- sentadorias e Pensões (IAPs). Somente em 1945 as IAPs ampliaram suas áreas de atuação, incorporando o segmento de saúde. Contudo, o marco relevante da história governamental ocorreu somente em 1953, com a ela- boração do Ministério da Saúde (MS), cuja atuação basicamente limitava- -se a campanhas de vacinação para a saúde pública. Apenas na década de 1960, por meio da Lei Orgânica da Previdência Social, todos os IAPs foram unificados, ampliando a assistência médica pública a partir dessa fusão, por meio do Decreto-lei 72/1966, que oficial- mente fundou o órgão público previdenciário federal brasileiro, o Instituto Nacional de Previdência Social do Brasil (INPS). Devido à ineficiência da saúde pública, os primeiros movimentos para criação do que atualmente chamamos de medicina de grupo acon- teceu em 1964, com a criação da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge). A medicina de grupo é uma modalidade de empresas ou entidades de grupo que comercializam ou gerenciam carteiras de vidas, assegurando-as por meio de plano de saúde, classificados como coopera- tiva médica, autogestão, administradora, filantropia e seguradora especia- lizada em saúde. Anos após a construção do conceito de saúde promovido pela OMS, vários países – inclusive os integrantes da América Latina –, no final da década de 1970, promoveram movimentos sanitaristas semelhantes ao realizado no Brasil, com a ampliação da reforma sanitária brasileira até a Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 14 – concepção do INPS. Com esses movimentos de ciências sociais voltadas à saúde pública ocorrendo paralelamente em vários países mundo a fora, verificou-se expressivo crescimento do tema, a ponto de promover estra- tégias da saúde em caráter universal. Com as experiências nacionalistas e pensamentos mais ousados dos países, em 1978, em Alma-Ata, capital do Cazaquistão, na conferência internacional organizada pela OMS em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com a participação de 134 países, 67 organismos internacionais e mais de 700 interlocutores, estabeleceu-se o compromisso por intermédio da Declaração de Alma-Ata, de que todos os países deveriam garantir à sua população o direito fundamental à saúde até o ano 2000. Vale destacar, que além da conferência de Alma-Ata, outras conferên- cias foram promovidas, a exemplo da Conferência no Canadá, realizada em 1986, que produziu a Carta de Ottawa, que listou além da importância de os países exercerem a equidade social, recursos fundamentais na identi- ficação de campos de ação para promoção a saúde. Precedida no ano 1988 pela Conferência da Austrália, a qual ressaltou o valor das decisões e polí- ticas públicas, assim como a responsabilidade quanto ao impacto dessas decisões, sobretudo as de cunho econômico. Várias outras conferências relevantes para história da humanidade aconteceram. Na Suécia, em 1991, com o tema internacional sobre promoção a saúde. Posteriormente reali- zadas no Rio de Janeiro e em Bogotá na Colômbia, em 1992, as Conferên- cias Mundiais do Meio Ambiente, com olhares direcionados para saúde, ecologia e meio ambiente, fomentaram discussões sobre a conjuntura da saúde na América Latina. O documento então elaborado, outra vez mais, reiterou a importância da elaboração de ações e políticas de saúde pública com ênfase ao combate dos problemas causados pelas doenças derivadas da pobreza e do atraso social dessas comunidades. Em meio a esse período de redemocratização, e mergulhados em uma grave crise econômica no país entre 1970 e 1985, observou-se progres- sivamente as garantias individuais da população sendo ampliadas, com propostas de integração e de descentralização do setor de saúde pública, fomentadas pelas novas estratégias, diretrizes e compromissos reafirma- dos pelo Brasil na convenção de Alma-Ata, sob o eixo fundamental de – 15 – Sistema de saúde assegurar a utópica menção de que até o ano 2000 todos os brasileiros possuiriam acesso à saúde pública de qualidade. Em meio a esse contexto de problemáticas vivenciadas no Brasil, os militares no governo de Ernesto Geisel influenciados pela meta estabele- cida pela Organização Mundial de Saúde, criam o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), com finalidade básica de prestar atendimento médico e sanitário àqueles que contribuíam com o INPS em meio à sua própria dissolução, pela Lei 6.439 de 1977, que além do Inamps, instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas), a Fundação Legião Brasileira de Assistên- cia (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Com esse modelo formado e a transição para a seguridade social, as responsabilidades foram redistribuídas, ficando ao INPS apenas a realização das concessões de benefícios, ao Inamps foram atribuídas às assistências médicas aos segurados, a Iapas fora atribuída a responsabilidade do geren- ciamento financeiro, ao Sinpas a arrecadação e fiscalização de impostos direcionados à previdência social, competindo finalmente à LBA a respon- sabilidade de promover a assistência social à população necessitada. Logo em seguida, o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-Saúde) foi concebido, porém na realidade jamais saiu do papel. Posteriormente foi criado o plano do Conselho Nacional de Administra- ção da Saúde Previdenciária (Conasp), e por meio dele foi incorporada a importante política de Ações Integradas de Saúde (AIS). Entretanto, com esse novo sistema implantado, sua operacionali- zação, conforme sua concepção, foi um fracasso, e somente no final da década de 1980 notam-se realmente modificações relevantes para a orga- nização da saúde no Brasil. O ano de 1986 é histórico para o sistema de saúde brasileiro, visto ter sido deliberada na 8ª Conferência Nacional de Saúde que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado assegurá-la. Em 1987, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que recebeu as unidades do Inamps, adotando diretrizes impor- tantes à universalização, descentralização pela regionalização dos servi- Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 16 – ços de saúde, assim como igualdade de acesso aos serviços e cuidados da saúde a todo brasileiro. Em 1988, em meio aos inúmeros problemas políticos enfrentados no Brasil, o SUDS conseguiu cumprir seu compromisso histórico realizado na 8ª Conferência Nacional de Saúde. Pelo artigo 196 da Constituição Federal, determinou-se que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRA- SIL, 1988, grifo do autor). Por fim, em 1990, é criada uma fusão entre o INPS ao Iapas para formar o atual Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), sendo uma autarquia para garantir proteção aos cidadãos, com a finalidade de promo- ção do bem-estar social. Por meio das Leis Orgânicas 8.080/90 e 8.142/90, para promo- ver a justiça social e superar as desigualdades na assistência à saúde da população, é criado o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo sido a maior conquista na história da população brasileira, voltada a garantir e assegurar os direitos sociais e a cidadania, com políticas de Estado mais bem elaboradas. A Lei Orgânica 8.142/90, ainda dispôs sobre a participação da socie- dade brasileira no gerenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS),assim como sobre as transferências dos recursos financeiros entre as esfe- ras intergovernamentais. A lei instituiu também as conferências e os con- selhos de saúde em cada esfera de governo (BRASIL, 1990). Um marco importante da Lei 8.142/90, em seu inciso 1º do art. 1º, é que ficou constituída a Conferência Nacional de Saúde (CNS), em âmbito Municipal, Estadual e Federal, a qual deve acontecer impreterivelmente a cada quadriénio, com a representação dos vários segmentos sociais, viabilizando discussões e propostas para o direcionamento de recursos nas mais diferentes prioridades. A Lei trata, ainda, da alocação e repasse dos recursos financeiros para municípios, estados e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Saúde. – 17 – Sistema de saúde Após a Lei 8.142/90, é constituído um vasto arcabouço normativo, representado posteriormente por quatro Normas Operacionais Básicas (NOB – SUS), de 1991, 1992, 1993 e 1996. A NOB de 1996 é marcada pelo mote da Saúde da Família. Após isso, foram criadas as Normas Ope- racionais da Assistência à Saúde (NOAS – SUS) de 2001 e 2002, seguidas pelas portarias relativas ao pacto pela saúde no Brasil e à Política Nacio- nal de Atenção à Saúde (PNAB), em 2006, 2010 e 2011. Ainda em 2010, foram seguidas pela Portaria 4.279 de 2010, sobre as Redes de Atenção à Saúde (RAS), e a reedição da PNAB, assim como o Decreto-Lei 7.508, que regulamentou definitivamente a Lei 8.080, viabilizando o avanço do Sistema Único de Saúde (SUS). A constituição de 1988, compartilhou a responsabilidade dos cuida- dos à entidades filantrópicas e sem fim lucrativos, por meio do art. 199, que diz: “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As institui- ções privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio” (BRASIL, 1990). O SUS obteve seus fundamentos legais estabilizados na Lei 8.080/90, mas o mesmo não sucedeu com o setor privado. Dez anos após, em dezembro de 1997, foi aprovado na câmara federal o projeto de Lei Orgâ- nica da Assistência Social – LOAS (1997), cuja base conceitual permeou duas principais linhas referenciais: a primeira de natureza econômica e a segunda de natureza propriamente dita de operacionalização da assistên- cia à saúde. A segunda ocasionou a criação do Plano de Referência, que determinava a cobertura das doenças classificadas pelo Código Internacio- nal de Doenças (CID), que inclusive é largamente utilizado pelas versões mais atualizadas no exercício da medicina. Vale destacar, que os artigos 195 e 198 da Constituição de 1988, que tratam do financiamento do SUS, alteraram principalmente os recursos capitaneados na sociedade, cuja base era proveniente do orçamento da seguridade social, migrando para um modelo tripartite de responsabili- dades. Portanto, os recursos são provenientes dos orçamentos fiscais de Estados e Municípios, além do orçamento da seguridade social e fiscal no âmbito da União. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 18 – Todavia, para corrigir o disparate e as distorções orçamentárias, assim como os vários problemas existentes quanto à forma de financiamento do SUS na Constituição de 1988, a Emenda Constitucional 29/2000, procu- rou corrigir os problemas com regras mais claras e percentuais mínimos de repasses definidos à saúde. Na visão de João Batista Lazzari (2004, p. 84), a Emenda Constitu- cional 29, contribuiu para o financiamento do SUS, porém não representa uma resposta suficiente para atender a demanda crescente das ações e ser- viços fundamentais de saúde pública. Saiba mais Através do Código de Defesa do Consumidor, Decreto-Lei 8.078, de setembro de 1990, e posteriormente em 1999, por meio da Lei 9.782, criou-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), assim como o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). 1.3 Problemas enfrentados: considerações finais Enquanto o Brasil e muitos outros países avançavam em seus arca- bouços normativos na busca da melhor fórmula para seus sistemas de saúde, os anseios e as estratégias mundiais eram outra vez mais reiteradas na Assembleia Mundial da Saúde, realizada em 1998, a qual reforçou que a estratégia de saúde no Século XXI permeia na criação de novas e mais ousadas políticas públicas nacionais e internacionais para o modelo de cobertura universal. Da África à Ásia, da América à Europa, nenhum país escapa da necessidade latente da reforma de seus sistemas de saúde. A priori, esse acontecimento poderia ser comemorado, pois alguns países, a exemplo de Austrália, Brasil, Canadá, França, Reino Unido e Suécia, avançaram e apresentam um sistema de saúde público universal. Contudo, vemos países como os Estados Unidos, referência mundial no modelo de saúde privado, copiado pela China, tentando limitar a lógica de conflito de inte- resses gerados pelo capitalismo ambicioso e mercantil. Por outro lado, – 19 – Sistema de saúde vemos países como o Brasil, com sistema de saúde público universal já implantado, patinando em suas políticas e tentando reduzir o papel do Estado e as despesas mutualizadas, por representarem uma fatia salgada e representativa em seu Produto Interno Bruto (PIB). Parece loucura assegurar a saúde como um dever do Estado? Parece loucura privatizar a saúde pública? Qual é a melhor opção a ser adotada por um país? Em nosso entendimento, são perguntas que ainda carecem de respostas, pois a história demonstra que todos os modelos de sistemas de saúde existentes no mundo têm vantagens e desvantagens. O modelo americano, através da Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente (PPACA, na sigla sem inglês), popularmente conhecido como Obamacare, demonstra o exemplo de ineficiência, fadado a passar por um colapso nos próximos anos. O modelo de sistema de saúde com universalidade de acesso, inte- gralidade de assistência, equidade nos direitos, declarado na Assembleia Mundial da Saúde em 1998 como talvez a solução de um sistema de saúde ideal, também passa por provações quanto à sua eficiência, eficá- cia e qualidade, sendo abjuradas pelas políticas públicas ineficientes e má administração pública dos recursos financeiros de países historicamente corruptos que o adotaram. Exemplo do Brasil, que está em meio a escân- dalos, denúncias e desdobramentos da Operação Lava Jato, e que o mundo assiste às inúmeras irregularidades em casos de corrupção ocorridas entre o setor público e privado. Assistimos políticos preocupados em construir e inaugurar novas unidades de atendimentos, justificadas pela lógica dos desvios públicos estarem facilmente sendo manipulado por empreiteiras desonestas contratadas de maneira suspeita, em contrapartida, há o suca- teamento a olhos vistos das unidades de saúde já constituídas. No entanto, o modelo de saúde universal não está perdido, devemos continuar moni- torando países que têm acertado em suas políticas públicas, como França, Canadá e Inglaterra. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a criação do SUS com direito à todo cidadão ao acesso universal e igualitário com tratamento integral, do mesmo modo estabeleceu os princípios de atuação da saúde privada ou suplementar para complementar as ações públicas, indepen- Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 20 – dentemente de seus atributos e defeitos, reconhecido no país e também fora dele, com políticas públicas admiráveis e com grande potencialidade de sucesso. É fato que, antes de 1988, o atendimento pelo sistema público de saúde era limitado para apenas 30 milhões de cidadãos brasileiros. Após a Constituição de 1988, foram beneficiados mais de 70 milhões de brasileiros. Atualmente são mais de 190 milhões de pessoas com seu direito garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Embora seja bonito no papel, o cumprimento do direito à saúde uni- versal, integral e igualitário não é uma tarefa simples, sobretudo no que tange a aspectos financeiros eoperacionais. Com essa visão pragmática de que no Brasil, ao longo dos anos, e em meio às várias promulgações de emendas constitucionais, leis ordinárias, leis complementares, pactos de defesa ao SUS, da extinta e controversa contribuição provisória finan- ceira (CPMF), entre outros recursos, todas inegavelmente foram desen- volvidas em prol das melhorias necessárias para o funcionamento do sis- tema público de saúde brasileiro. A partir de princípios organizativos e de sustentação econômica, geraram contradições ao modelo econômico do SUS, desde opções para obter mecanismos estáveis de arrecadação financeira, até as quantias serem insuficientes para garantir seu funcio- namento. Cenário ainda mais comprometido pela expansão do sistema privado de saúde, orientado pela lógica excludente do mercado capita- lista “americano”, sendo o responsável por consumir mais de 50% dos recursos públicos de saúde, nada coerente ao modelo paternalista e hege- mônico optado pelo Brasil. Há constatação de que, com a melhoria da qualidade de vida em geral no Brasil, identifica-se maior longevidade à população, evidenciada na pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que demonstrou que em 2005 a faixa de idosos acima dos 60 anos represen- tava 9,8% do total da população, para 14,3%, em 2015 (IBGE, 2016, p. 50). Pesquisa que de certa forma foi a constatação e evidência de outra pesquisa que o próprio IBGE já tinham realizado em 2010, apontando que, em 40 anos, a população idosa no Brasil iria triplicar, passando de 19,6 milhões de idosos, em 2010, para 66,5 milhões de idosos, em 2050, ou seja, 29,3% do total da população (IBGE, 2013; DE FIGUEIREDO, 2016, p. 62). – 21 – Sistema de saúde Constata-se ainda, nas mesmas pesquisas apontadas, que a população mais jovem no Brasil vem diminuindo, tornando-se preocupante a relação entre a diminuição do percentual da faixa etária mais jovem e aumento do percentual mais idoso. Nesse sentido, uma impactante mudança demográ- fica está em curso no Brasil, que causará ainda mais impacto e dificulda- des ao já complexo SUS, devido ao aumento de utilização da seguridade social e diminuição de suas fontes de arrecadações, haja vista a seguridade social ser um dos três pilares dos preceitos constitucionais de 1988, que sustentam o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). É notório que desde a concepção do SUS, o financiamento sempre foi a maior dificuldade, de modo que os recursos não são suficientes para os investimentos necessários à rede de serviços ambulatorial e hospitalar. Para Gilson Carvalho (2003), só haverá mais recursos para a saúde pública no Brasil por esforços de todos os brasileiros em buscar mais recursos financeiros, mas também aprender a utilizar melhor os já existentes. Entretanto, consideramos haver a necessidade de complementar a visão trazida por Carvalho, tendo em vista que apenas conseguir mais recursos não é única alternativa viável ao sistema de saúde público e inte- gral. Enfim, sugere-se a necessidade de a sociedade, as entidades de clas- ses, e as entidades governamentais ampliarem debates e pesquisas sobre as dificuldades financeiras e operacionais do SUS, reavaliando todas as formas de se obter recursos financeiros, passando por uma melhor estrutu- ração da complementação da saúde suplementar público-privado, até revi- sões generalizadas das mais de 17.000 contradições de normas e portarias que norteiam o sistema. Nesse último quesito, inclusive, esperamos haver avanços importantes a partir de 2018, com o chamado “SUS Legal”, de 28 de dezembro de 2017. Embora não seja consenso entre os sanitaristas, esse novo modelo de finan- ciamento do SUS pretende garantir eficiência quanto ao uso dos recursos de financiamento do SUS, visto a constatação de R$ 7 Bilhões parados em contas dos municípios, dos estados e do Distrito Federal, em 2017. O Ministério da Saúde, após compreender as dificuldades de repasse financeiro, constatados por meio de recursos parados por inúmeras razões nas contas públicas, com o SUS Legal, tende a conseguir cumprir esses Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 22 – repasses de recursos financeiros da lei complementar 141/2012, com o Acordo 61/2016, realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que regulamentou o rateio dos recursos federais vinculados à saúde, tendo como fundamentação o art. 17 da Lei Complementar 141/2012 e o art. 35 da Lei 8.080/90, que permitem a redefinição do modelo de financiamento entre União, estados e municípios. Neste caso, desde 31 de janeiro de 2018, o Ministério da Saúde ado- tou o novo modelo de transferência dos recursos financeiros federais, com destaque à proposta que unificou os recursos e fortaleceu a execução de ações em saúde pública em todo o país. Migrando os repasses financeiros, que até então eram realizados por meio de seis blocos distintos: atenção básica; média complexidade; alta complexidade; assistência farmacêutica municipal e estadual; vigilância sanitária; e vigilância em saúde, para ape- nas duas formas distintas: por custeio de ação e serviços públicos de saúde e por investimentos. Em meio a esse imenso arcabouço legal que fundamenta a história do SUS e as controversas formas de repasses financeiros, em vias de comple- tar três décadas de existência, constata-se comparando-o a países de refe- rência na saúde universal, os investimentos brasileiros no setor de saúde pública são pequenos, sendo o menor índice de aplicação do PIB entre todos esses países que dispõem de modelo de saúde universal, integral e igualitário. O que faz evidentemente com que o serviço fique comprome- tido, com percepções de baixíssima qualidade nos atendimentos, carência constante de leitos em baixa ou alta complexidade, como leitos de Uni- dades de Terapias Intensivas (UTI), por exemplo, e o tempo de espera exageradamente longo para realização de procedimentos. Tal cenário aponta o quanto o sistema de saúde no Brasil está longe do conceito de integralidade, de garantir ao cidadão uma assistência à saúde que extrapole simplesmente a prática curativa, inserindo o cidadão brasi- leiro em todos os níveis de atenção, sejam eles social, cultural e familiar. – 23 – Sistema de saúde Atividades 1. Leia a definição do conceito de saúde segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades.” (OMS, 1946) Partindo desse conceito, de que uma boa saúde vai além de sim- plesmente ausência de doenças, como o Brasil poderia assegurar esse direito de integralidade a saúde à todo cidadão brasileiro? Argumente sua resposta. 2. Dentre os vários pontos de direito adquiridos pelo cidadão bra- sileiro por meio da Constituição Federal de 1988, explique qual ponto foi extremamente relevante na contribuição para o Brasil cumprir na teoria o pacto de saúde assinado junto a OMS. 3. No Brasil, o direito à saúde pela proteção constitucional é cum- prido na integra? Justifique sua resposta. 4. Em sua opinião, o SUS Legal contribuirá na prática como Sis- tema Único de Saúde, com essa nova metodologia de repasse dos recursos financeiros da União para os estados e municípios? Justifique sua resposta. 2 Distribuição do sistema de saúde no Brasil No capítulo anterior, observamos que no Brasil a concepção do Sistema de Saúde (SUS) foi resultado de anos e inúmeros movimentos da sociedade brasileira na luta contra as várias polí- ticas públicas conservadoras (COHN, 1996). Desde a chegada dos portugueses, vem-se ansiando por uma sociedade igualitária, principalmente quanto ao acesso universal aos serviços sociais, sanitários e de saúde. O Brasil declaradamente apoiou o conceito proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o direito de acesso à saúde é para todos e, por meio da Lei 8.080, tornou dever do Estado à promoção e proteção da saúde. Além disso, o Brasil, em 2004, aderiu à AliançaMundial da OMS para a Segurança do Paciente. Neste capítulo, será abordado o abrangente arcabouço legal que originou o Sistema Único de Saúde (SUS) e suas várias reso- luções e leis complementares, que fundamentaram o sistema bra- sileiro de saúde nos preceitos definidos pela OMS. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 26 – A integralidade de acesso da população ao sistema de saúde público é o principal preceito da OMS, e as Redes de Atenção à Saúde (RAS) são a forma legitimada de garantir esse preceito adotado pelo Brasil. Seg- mentando as redes em três níveis distintos, são eles: 1) Atenção Primária à Saúde; 2) Atenção Secundária à Saúde; 3) Atenção Terciária à Saúde. Elas são apresentadas e fundamentadas em ordem cronológica de entendi- mento e complexidade operativa e terapêutica. Ao longo deste capítulo, contemplaremos outras fundamentações teóricas, trazendo o leitor até o contexto mais atualizado das políticas de saúde pública do Brasil. Desde leis, leis complementares e porta- rias, que são aspectos importantes para o entendimento completo das RAS no contexto e evolução histórico do SUS, bem como as interven- ções da União para garantir o compromisso assumido de integralidade de tratamento para cada cidadão que necessitar do sistema de saúde universal brasileiro. 2.1 Redes de Atenção à Saúde (RAS) Semelhante ao conceito de saúde, apresentado no capítulo anterior, o conceito de rede, em sua fundamentação histórica, permeia vários campos de interpretação e linhas de pensamentos, como: sociológico, psicológico, social, tecnológico, científico e de administração. A história do conceito de rede é muito extensa, e seria necessária uma obra somente para ela. Então, neste capítulo, faremos uma introdu- ção breve. No entanto, vale a pena o leitor aprofundar-se sobre o conceito das RAS, pois existem muitas obras que o abordam com propriedade e maior aprofundamento – muitas dessas obras são citadas na bibliografia deste capítulo. Sugerimos uma obra valiosa, ampla e completa como lei- tura complementar, o livro de Eugênio Vilaça Mendes As redes de atenção à saúde1. 1 MENDES, Eugênio Vilaça. As redes de atenção à saúde. 2. ed. Brasília-DF: Organização Pan- -Americana da Saúde, 2011. Disponível em: <http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_ docman&view=download&category_slug=servicos-saude-095&alias=1402-as-redes-aten- cao-a-saude-2a-edicao-2&Itemid=965>. Acesso em: 10 mar. 2018. – 27 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil Assumiremos como fundamento o conceito das RAS formatado por Mendes (2011), com base nas várias concepções, campos de leitura e cor- rentes de pensamentos por ele interpretadas. Pode-se definir as RASs como Organizações poliárquicas de con- juntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interde- pendente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – e com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população. (MENDES, 2011, p. 82). Com base nessa definição, entendemos que as RAS são redes hori- zontais conectadas por questões correlatas e de continuidade da atenção à saúde, que compartilham de objetivos em comum e cooperam, não havendo necessidade de hierarquia entre esses pontos ou locais de atendi- mento da população. Embora não haja necessidade de hierarquia, a forma poliárquica deve estar organizada e gerenciada pela Atenção Primária à Saúde (APS), exercendo o conceito de malha, cujos nós se entrelaçam para intercam- biar os espaços dos fluxos de prestação de serviços à atenção integral e continuada (CASTELLS, 2000). São exemplos Hospitais-dia, Unidade de Pronto Socorro (UPS) ou Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Uni- dade Básica de Saúde (UBS), Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ambu- latórios, entre outras unidades existentes. No entanto, a interpretação e posicionamento quanto às RAS, para o Sistema Único de Saúde (SUS), é uma forma simplista e genérica de idealizar o sistema (ELIAS, 2001), pois acaba contando, de certa maneira, com um modelo de separação hierárquico de acordo com a condição de apropriação de recursos materiais, estruturais e de conhecimento dos vários profissionais da assistência. Ou seja, para atender essas condições, as RAS foram segmentadas por meio dos níveis de complexidade: nível de atenção básica, média e alta complexidade. Diante disso, as RAS notoriamente estão qualificadas por um sistema hierarquizado e piramidal, teoricamente tendo cooperação entre elas, mas que na prática mostram longas filas em corredores de algumas estrutu- Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 28 – ras, sem a oportunidade de encaminhamento desses pacientes para demais estruturas, pois mesmo existindo espaço para cooperar é mais simples negar pedidos de transferências, com o argumento interno de que “isto não é problema nosso”. Entendemos que esse modelo é obsoleto ou inadequado. De acordo com a interpretação crítica de Mendes (2011, p. 83), ele apresenta a ideo- logia do modelo de sistemas em redes poliárquicas de atenção à saúde, de modo que as APS sejam os centros de controle e de comunicação entre a RAS, conforme demonstra a figura 2.1. Figura 2.1 – Mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para redes de atenção ALTA COMPL E XIDADE MÉ DIA COMPL E XIDADE AT E NÇÃO B ÁSICA APS Fonte: Mendes (2011). Entendemos que as redes poliárquicas de atenção à saúde, utilizam de maneia mais racional os recursos físicos, estruturais, equipamentos e de pessoas, facilitado pela descentralização do sistema de saúde brasileiro. Por essa razão, consideramos esse modelo de RAS mais adequado para assegurar o direito idealizado de saúde universal, integral e igualitário a toda população. Contudo, percebemos que, independentemente da visão de redes poliárquicas ou hierárquica, as RAS são compostas por várias estruturas independentes que oferecem os serviços de saúde com diferentes capaci- dades de recursos, mas com objetivo da integralidade do cuidado. Essas estruturas operacionais naturalmente acabam relacionando- -se por meio de rotinas de suporte logístico, de apoio técnico e de gestão – 29 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil administrativa e operacional. Nesse caso, as RAS acabam trabalhando por meio da coesão de relacionamento entre a população que necessita de atendimento, da estrutura operacional disponível e da lógica de funciona- mento de cada estrutura operacional baseada no nível de atenção à saúde em que está inserida. Assim sendo, para continuidade desse capítulo, a fim de não haver distorção do conceito de um modelo proposto por Mendes versus o atual modelo utilizado pelo sistema de saúde brasileiro, empregamos nos próxi- mos tópicos a interpretação e organização dos serviços de atenção à saúde de maneira hierárquica, segmentando as RAS conforme o entendimento e uso pelo Governo Federal, mas cujo objetivo final é o mesmo da integra- lidade do cuidado da população. 2.2 Atenção Primária à Saúde (APS) Para facilitar o entendimento do leitor, contemplamos uma concei- tuação básica de Atenção Primária à Saúde, visto existirem muitas inter- pretações sobre a terminologia correta a se adotar. Nesse caso, vamos explicar se é correto utilizar a nomenclatura Atenção Primária, Saúde da Família ou Atenção Básica. Vale destacar que, no Brasil, existem essas e outras expressões sendo utilizadas. Nessa obra, de maneira geral, veremos a terminologia Atenção Primária à Saúde, que tem se mostrado em franco crescimento de utili- zação em literaturas do gênero, pelos meios de comunicação social em geral e até mesmo pelos três níveis de administração do estado brasileiro: Federal, Estadual e Municipal. O Governo Federal, em 2006, mediante os Atos de Portarias 648/GM, 650/GM, e 822/GM, que de maneira geral instituíram a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), além de formular o marcante Pacto pela Vida, certamente legitimou a terminologia Atenção Básica, mas tam- bém iniciou a confusão entre as terminologias. A menção dessa termino- logia está descrita no próprio nome da política, mas também na carta de apresentação redigida por José Gomes Temporão, cuja frase de definição da prioridade estabelecida no Pacto pela Vida, descreve a estratégia da Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 30 – “Saúde da Família” como sendo o modelo de “Atenção Básica” do Sis- tema Único de Saúde (BRASIL, 2006b). Embora o termo Atenção Básica seja a terminologia adotada para o modelo do SUS, e Saúde da Família sejs estratégia de atuação ao modelo do SUS, é possível encontrarmos com frequência muitos registros e docu- mentos oficiais recentes com o emprego da terminologia Atenção Primária à Saúde. Quanto ao termo Saúde da Família, ele já havia sido introduzido em 1994, através da criação do Programa Saúde da Família, principal estratégia do Ministério da Saúde para a Atenção Básica do país. O pro- grama, com o passar dos anos, mostrou-se sustentável e naturalmente cresceu e fomentou o progresso da Atenção Primária à Saúde no Brasil. Tal programa resgatou a essência da medicina da família, e a termino- logia passou a ser utilizada com maior frequência. Devido ao seu sucesso, o programa evoluiu e passou a ser, em 2006, uma Política Nacional de Atenção Básica à Saúde (PNAB) na tripartite do Governo Federal, que mudou a concepção de um simples programa do SUS, para uma ampla estratégia de saúde da família nacional (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c, 2006d, 2007, 2008). As Estratégias de Saúde da Família (ESF) são consideradas pelo Ministério da Saúde (MS), gestores estaduais e municipais modelos de ampliação, melhoria e estabilização da atenção básica no Brasil, que, de acordo com os princípios norteadores do SUS, apresentam dispositivos para reorganizar o sistema de saúde, devido a sua ampla abrangência e mecanismos de operacionalização voltados à redução da morbidade, mor- talidade, injustiças ao acesso e utilização do sistema de saúde. As ESF também acabam reorganizando o modelo de saúde, ampliando sua resolutividade na saúde coletiva e individual, visto ter mais potencial de aprofundarem-se nas reais necessidades da atenção básica, além de apresentar melhor relação entre o custo e efetividade para o SUS. Portanto, entendemos que as terminologias Atenção Primária, Saúde da Família, Atenção Básica, Atenção Básica à Saúde e Atenção Primária à Saúde são formas análogas de interpretação, ou seja, consideramos que as terminologias são sinônimas. Portanto, adotamos todas elas de modo – 31 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil que sua aplicação encaixe melhor em cada contexto, não fomentando esse debate quanto à semântica correta ou de problema conceitual. Para nós, a Atenção Básica à Saúde é uma conquista da população brasileira, sendo um dos maiores progressos de cunho jurídico e legal, com o estabelecimento de uma ampla reforma sanitarista brasileira para população em geral, legitimada pela evolução histórica da PNAB. No entanto, evidencia-se que, mesmo após a concepção dos programas e estratégias de saúde da família, não foram alterados os padrões de morbi- dade e mortalidade, ou morbimortalidade, da população, conceitos análo- gos, mas que ainda estão muito aquém do objetivo idealizado pela PNAB. Quanto maior a vulnerabilidade da população que apresenta taxas mais elevadas de morbimortalidade, inexoravelmente, maior o custo operacional de tratamento dessa população para o SUS, de modo que a população acaba buscando tratamento em unidades de atenção espe- cializada, que, de maneira geral, têm custos mais elevados de opera- cionalização, materiais, equipamentos e dos profissionais que atuam nessas unidades – que, segundo Mendes (2011, p. 100), são melhor preparados tecnologicamente. Embora, muitos desses padrões de morbidade e mortalidade não este- jam ligados diretamente à culpa tão somente do sistema de saúde, um exemplo é a dificuldade do governo de qualificar a saúde do homem. Difi- culdade para a qual, em 2009, foi desenvolvida uma política específica, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), cujo objetivo era entender e dissolver a natural resistência masculina em buscar tratamentos precoces. Para o Ministério da Saúde (2009a, p. 5): Muitos agravos poderiam ser evitados caso os homens realizas- sem, com regularidade, as medidas de prevenção primária. A resistência masculina à atenção primária aumenta não somente a sobrecarga financeira da sociedade, mas também, e, sobretudo, o sofrimento físico e emocional do paciente e de sua família, na luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida dessas pessoas. A consequência da resistência masculina é que, na ausência do acompanhamento precoce da saúde do homem, estabelecido pela aten- ção básica, acabam procurando a assistência apenas quando já estão com o problema mais sério, começando seu atendimento pela porta de aten- Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 32 – ção especializada, agravando a morbidade pelo retardamento na atenção a sua saúde. Nessa reflexão, a morbimortalidade aumenta os custos de tratamento do SUS, sejam eles ligados diretamente por programas ou políticas públi- cas insuficientes para contornar, combater ou resolver os problemas da população, ou por características e modo de pensar de algumas classes, a exemplo do homem citado anteriormente. Entendemos que Atenção Pri- mária à Saúde é fundamental para referência do sistema, tornando-o mais efetivo e com menores custos para o SUS. Sendo assim, faz-se necessária uma Atenção Primária à Saúde extre- mamente fortalecida, evitando um possível apagão econômico que venha comprometer ainda mais o já sofrido sistema de saúde público do Brasil. Mediante essa problemática, fica a dúvida de como o SUS poderia fazer para operacionalizar práticas que sustentem e garantam economicamente seu funcionamento. Promovendo a saúde pública integral a toda popula- ção? A ideia, de certa forma, permeia a descentralização dos cuidados pelo conhecimento dos perfis sociodemográficos e de saúde de cada microrre- gião e mesorregião, visto que na prática cada uma apresenta características próprias, baseadas em vários fatores, como do próprio indivíduo, do lugar e da classe social em que vivem (TAKEDA, 2013, p. 25) e, por conseguinte, com doenças e/ou epidemias de maneira geral diferente entre elas. Nesse contexto de descentralização ou municipalização da saúde, a APS é direcionada para o primeiro acesso do enfermo à rede de assistên- cia pública, ou pelos casos mais simples de atendimento. Assim sendo, embora controverso, não dispõe de estrutura funcional para realização de médios, altos e complexos tratamentos e procedimentos, mas limita-se ao simples acompanhamento e compreensão dos casos e, se necessário, de encaminhamento às unidades referenciadas de maior complexidade. De maneira geral, é uma atribuição das conhecidas Unidades Básicas de Saúde, que naturalmente auxiliam o sistema como todo e servem como uma barreira no combate à desoneração das unidades mais caras e com- plexas (secundárias e terciárias). Destacamos ainda, que a responsabilidade pela organização em espaços comunitários de ações com ênfase à promoção da saúde pública, – 33 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil sejam elas em comunidades, bairros, escolas, creches e até mesmo em universidades, também é da APS. Assim sendo, a APS é responsável por promover campanhas, como as de combate à dengue, zika e chikungunya, de incentivo à vacinação contra febre amarela e gripes, ou campanhas infantis como de poliomielite (paralisia infantil), entre outras inúmeras campanhas adultas e infantis existentes, que de maneira geral acabam sendo amplamente veiculadas nasmídias televisivas locais. A título de curiosidade, enaltecemos que, ao longo dos seus mais de 30 anos, desde a sua criação em 1986, o Zé Gotinha participou de todas as campanhas de vacinação no Brasil. Outra responsabilidade da APS é a capacidade de reconhecer as necessidades da população de seu município, organizando os serviços de saúde às reais carências de saúde de seus usuários. Essa estratégia do SUS de paulatinamente descentralizar os serviços de saúde para as microrre- gião e mesorregião, ou seja, passando a responsabilidade de organização e execução de seus serviços à esfera municipal, fortaleceu a utilização do conceito de Atenção Básica, remetendo o termo imediatamente aos atuais serviços municipais. Atrelado a esse papel descentralizado da APS, há quatro atributos fundamentais para as APS, segundo Starfield (2002): primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação. O primeiro contato é basi- camente a porta de entrada ao sistema, que para o indivíduo é o primeiro recurso ou local lembrado por ele para procurar atendimento em saúde. A longitudinalidade é a continuidade do cuidado, a relação de tempo gerada entre o médico e o indivíduo e pressupõe a existência de um local regu- lar para geração de atendimento precoce e adequado. Já a integralidade está baseada na abrangência do cuidado, com maior quantidade de ações de prevenção. Por fim, a coordenação está ligada à informação, comuni- cação, acompanhamento, compreensão dos casos e encaminhamento às unidades referenciadas de maior complexidade. Embora o modelo empregado pelo SUS seja amplamente criticado (O’DWYER, 2010), principalmente as unidades de urgência e emergên- cia, que pagam a conta pela desordem do sistema público de saúde, é importante elogiar o amplo esforço político no Brasil em busca de uma Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 34 – saúde pública igualitária. Mesmo que o modelo adotado de APS não esteja entre os melhores do mundo, por inúmeras ocasiões foi reverenciado, comentado e citado internacionalmente como modelo de saúde e políticas públicas que demonstram esforços para alcançar com esmero o sucesso. Esforços demonstrados pelos Programas de Aceleração de Cresci- mento (PAC) – exemplo PAC II, período entre 2011 e 2014 – ratificam a importância de priorizar esse nível na busca do equilíbrio econômico- -financeiro à sobrevivência do SUS. Os investimentos realizados no Eixo Comunidade Cidadã para construção ou ampliação das Unidades Básicas de Saúde (UBS) somaram R$ 3,7 bilhões, para 4.145 municípios benefi- ciados em todo o país, totalizando 3.326 obras concluídas até 2014. No entanto, nesse ponto é necessário acrescermos ressalvas quanto aos escân- dalos, denúncias e desdobramentos apurados pela Policia Federal com a Operação Lava Jato, que vem desmascarando um imenso esquema de irre- gularidades entre empreiteiras e a classe de políticos deste país. Portanto, a APS atendida pelas unidades popularmente conhecida como Postos ou Postinhos de Saúde, oficialmente chamadas de UBS, tem como sua essência fundamental ser a porta de entrada e acesso da popula- ção junto ao SUS. Nota-se com a evolução histórica e as inúmeras modifi- cações das legislações que compõem o SUS que a APS mudou seu geren- ciamento da responsabilidade do Governo Federal, descentralizando-a para a responsabilidade dos governos municipais, os quais pelas inúmeras prefeituras existentes no Brasil passaram a gerenciar suas próprias UBS. Fica, portanto, a critério de cada município a forma mais adequada de operacionalizar as atividades da APS, e na prática as prefeituras dos grandes centros ou capitais, por exemplo, mapeiam seus municípios, dis- tribuindo estrategicamente entre bairros e/ou regiões da cidade as suas Unidades Básicas, de modo a facilitar e promover o acesso da população a esses locais de atendimento. 2.3 Atenção secundária à saúde Nas Redes de Atenção à Saúde (RAS), no nível de atenção secundá- ria à saúde entram os serviços especializados, como as portas de urgência – 35 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil atendidas pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), as Policlínicas, os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), os Serviços de Aten- dimento Móvel de Urgência (SAMU), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), bem como os serviços ambulatoriais de médio risco e hospitalar especializado (Maternidade de Risco Habitual e Unidade de Internação Pediátrica) (MENDES, 2011). Na conceituação histórica do Sistema Único de Saúde, a atenção secundária se dá nos procedimentos de média complexidade, com capaci- dade operacional intermediária, ou seja, unidades de atendimentos muni- das de melhores recursos operacionais que a atenção primária. A ênfase é no tratamento preventivo, porém com inferior prestação de serviços mais complexos, sendo estes de responsabilidade da atenção terciária. Essa rede de atenção encontra-se nos preceitos ideológicos do SUS como forma de garantir a integralidade almejada do sistema, porém neces- sita fundamentalmente que as ofertas proporcionadas nesse nível de aten- ção sejam suficientes para atender as demandas da população, mas princi- palmente com qualidade na prestação desses serviços. A prestação e realização dos serviços médicos nesse nível de aten- ção à saúde são essencialmente de consultas, tratamentos e acompanha- mento clínico e epidemiológico da população, por meio das especiali- dades encaminhadas, ou seja, referenciadas, que no Brasil contam em média com nove principais especialidades (oftalmologia, cardiologia, ortopedia, neurologia, dermatologia, saúde bucal, mastologia, endocri- nologia e otorrinolaringologia). A normalidade do fluxo de atendimento da atenção secundária ocorre pelos encaminhamentos de casos identificados por meio da rede de aten- ção à saúde primária. Por exemplo, uma gestante que está realizando o acompanhamento do pré-natal em unidade básica de saúde mais próxima de sua residência será encaminhada para realização do parto em uma maternidade pertencente ao nível de atenção secundária à saúde. Contudo, caso seu parto seja identificado e considerado de alto risco à saúde da mãe e/ou do bebê, o profissional responsável pelo acompanhamento do pré-natal da gestante, a fim de garantir o menor risco possível e evitável à segurança de ambos, irá referenciá-la para um hospital de nível de atenção Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 36 – terciário; este, por sua vez, será capaz de atendê-la com maior segurança, amparado de equipamentos e profissionais mais especializados, mitigando os riscos da parturiente e do recém-nato. Além da prestação de serviços médicos especializados, o nível da atenção secundária à saúde é composto pelos serviços de apoio, chamados de Serviços de Apoio Diagnóstico Terapêutico (SADT). Essa modalidade de prestação de serviços é responsável pela realização de exames com- plementares das linhas de cuidado da atenção básica à saúde, assim como da atenção especializada. Radiografia, ultrassonografia, exames laborato- riais, endoscopia, monitorização em holter2 e teste ergométrico são alguns exemplos de procedimentos diagnósticos disponíveis em determinadas unidades com SADT. Entretanto, a maioria das unidades de atenção secundária à saúde ofer- tam exames complementares baseados nos dados epidemiológicos da sua própria microrregião, de modo a atender e satisfazer a real necessidade daquela população. Nesse caso, não há razão pela qual a unidade especí- fica tenha exame complementar de monitorização em holter (para investigar doenças ligadas ao ritmo cardíaco), se a demanda e procura é muita baixa naquela população para essa necessidade. Em contrapartida, a maior inci- dência de casos é relacionada a problemas de ortopedia, portanto o exame de radiografia torna-se muito mais assertivo para essa população. Outra responsabilidade desse nível de atenção à saúde é o atendi- mento de urgência, emergência e pronto atendimentopara adultos e crian- ças. As Unidades de Pronto Atendimento (UPA) disponibilizam atendi- mento médico e de enfermagem 24x7, ou seja, durante 24 horas por dia e sete dias da semana, sob a demanda espontânea da população. Além disso, oferecem leitos para internamento, com suporte a exames de emergência, atuando como retaguarda hospitalar terciária, com leitos de isolamento por doenças infectocontagiosas e para os casos mais complexos e graves. O atendimento de urgência e emergência de nível secundário ajuda a reduzir as filas de espera e a superlotação desses mesmos serviços nos 2 Método de registo eletrocardiográfico contínuo magnético efetuado durante 24 horas e que permite diagnosticar perturbações do ritmo cardíaco e/ou sinais eletrocardiográficos de insuficiência coronária. – 37 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil hospitais, problema reconhecido mundialmente, caracterizado pelo uso da capacidade máxima disponível dos leitos de observação em prontos- -socorros dos hospitais (BITTENCOURT, HORTALE, 2009; O’DWYER, 2010; SOUZA, 2016). As UPA integram a Política Nacional de Urgência e Emergência (PNAU) do Ministério da Saúde (MS), que estruturam e organizam as redes de urgência e emergência no país por meio da classificação em por- tes: I, II e III. Essa classificação é segmentada de acordo com a população do município, com as áreas físicas das unidades de atendimento, com o número de leitos/capacidade operacional instalada e de recursos humanos. 2 Porte I: população recomendada para a área de abrangên- cia da UPA 24h entre 50 mil a 100 mil habitantes; número mínimo de 7 leitos de observação; número mínimo de 2 leitos de sala de urgência. 2 Porte II: população recomendada para a área de abrangência da UPA 24h entre 100.001 mil a 200 mil habitantes; número mínimo de 11 leitos de observação; número mínimo de 3 leitos de sala de urgência. 2 Porte III: população recomendada para a área de abrangência da UPA 24h entre 200.001 mil a 400 mil habitantes; número mínimo de 15 leitos de observação; número mínimo de 4 leitos de sala de urgência. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) tam- bém pertence ao nível secundário e é um serviço público móvel, norma- tizado no Brasil em 2004, pelo decreto presidencial 5.055, de 27 de abril de 2004, com ambulância e equipe operacional especializada no atendi- mento e transporte de pessoas em situação de urgência e/ou emergência, cujo objetivo é chegar com a maior brevidade possível à vítima com dano grave à saúde, de modo a mitigar sequelas, sofrimento e óbito. A natureza desse atendimento pode ser traumático, pediátrico, cirúrgico, obstétrico, entre outros. Por fim, ainda existem os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), cujo objetivo é disponibilizar acesso à assistência pública odonto- Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 38 – lógica, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), voltado para a família no cuidado das pessoas com algum tipo de transtorno psíquico – exemplo atendimento aos usuários de drogas –, e as Policlínicas, que são unidades de saúde para prestação de atendimento ambulatorial em várias especia- lidades, abrangendo ou não as especialidades básicas à saúde, podendo, além disso, oferecer diversas especialidades não médicas à população. 2.4 Atenção terciária à saúde Esse nível de atenção à saúde é o que menos dispõe de literatura a respeito. As literaturas que o abordam acabam o fazendo de maneira superficial no contexto das Redes de Atenção à Saúde (RAS), talvez pelo fato do modelo de atenção à saúde terciária privilegiar o hospital como estrutura base das práticas de assistência e cuidados à saúde. Nesse caso, o tema acaba ficando como coadjuvante às literaturas específicas, abrangen- tes e de alto grau de complexidade envolvendo os atendimentos em caráter de internação hospitalar. Nessa obra não será diferente, pois o capítulo 3 será inteiramente dedicado a conhecer e entender a evolução histórica dos hospitais, con- templando conceitos e definições mais aprofundadas, demonstrando a importância dos serviços prestados para o sistema de saúde terciário, assim como a classificação e seu papel na atenção à saúde no Brasil. A atenção da saúde de terceiro nível é a composição dos serviços ambulatoriais e hospitalares especializados e de alta complexidade, orga- nizados fundamentalmente em eixos de macrorregionais, cujas unidades são referência de alta complexidade dessas macrorregiões para os dois níveis anteriores. Esse é o nível com maior complexidade entre os três, e de maior custo para o SUS, visto ser composto por hospitais de grande porte e capacidade operacional instalada, na sua grande maioria, com legado de equipamen- tos altamente tecnológicos e avançados, como estrutura de UTI, banco de sangue ou agência transfusional, dispositivos de tomografia, ressonância magnética, entre outros equipamentos. Apesar disso, o grande diferencial do nível terciário aos demais níveis de atenção à saúde é o acesso a médi- cos, cirurgiões e equipes multidisciplinares altamente especializadas. – 39 – Distribuição do sistema de saúde no Brasil Também é de responsabilidade do nível terciário de atenção à saúde a execução de cirurgias, transplantes e procedimentos que apresentem ris- cos de vida ao cidadão. Portanto, seguindo os requisitos que impusemos anteriormente, assumiremos como fundamento o conceito adotado pelo Ministério da Saúde (MS), que apresenta o nível de atenção à saúde terci- ária como conjunto de procedimentos de alta complexidade, de qualidade para a população, envolvendo alta tecnologia e alto custo embarcado. Finalmente, entendemos que o nível de atenção à saúde terciária é composto por hospitais de grande porte, mantidos ou não pelo estado, onde são realizados procedimentos de alta complexidade, com manobras invasivas de maior risco de vida ao paciente. Do mesmo modo, destaca- mos que muitos desses hospitais podem e/ou são credenciados ao cha- mado Serviço Quaternário, responsável pelos vários tipos de transplantes realizados no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde que publicou nota em março de 2017, o Brasil, no ano de 2016, foi identificado como tendo o maior programa público de transplantes do mundo, transplantando fígado, pulmão, rins, coração, entre outros órgãos, e praticamente 87% dos trans- plantes de órgãos realizados no Brasil em 2016 foram financiados e reali- zados pelo sistema público de saúde (BRASIL, 2017b). 2.5 Considerações finais Pudemos, ao longo deste capítulo, compreender as Redes de Aten- ção à Saúde (RAS) do Ministério da Saúde, assim como os fundamen- tos do Sistema Único de Saúde (SUS) e como as RAS estão distribuí- das. Demonstramos a organização dos três níveis gradativos de atenção à saúde, segmentados como uma espécie de triagem para o SUS, sendo os níveis: atenção à saúde primária, básica ou baixa complexidade; atenção à saúde secundária, intermediária ou de média complexidade, e atenção à saúde terciária ou alta complexidade. Entendemos também como os pacientes são conduzidos de um nível a outro de maneira hierarquizada e piramidal, e observamos como vários especialistas defendem o modelo de redes poliárquicas como sendo o mais coeso para a comunicação e transbordo entre os níveis de atenção à saúde. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 40 – Compreendemos que os custos de operação são hierarquicamente proporcionais aos níveis de atenção à saúde, ou seja, para que o SUS possa garantir profissionais altamente especializados, equipamentos mais avan- çados e maior disponibilidade dos recursos de saúde a quem realmente precisa, faz-se necessário o modelo de redes referenciadas, evitando as superlotações das redes mais complexas e, portanto, minimizando os cus- tos do sistema de saúde. Acreditamos não ser fácil garantir a promoção do direito de acesso à saúde para todos, e apoiamos a obrigação do Estado na promoção e prote- ção a todo cidadão brasileiroesse direito universal, integral e igualitário. Infelizmente, o papel tudo aceita, porém assistimos quase diariamente a queixas, reclamações e longas filas em corredores de hospitais e postos de saúde, com estruturas abarrotadas de usuários necessitando atendi- mento do SUS. Em contrapartida, é evidente os muitos esforços e avanços legais realizados na saúde pública do Brasil, porém é imprescindível que o Ministério da Saúde encontre o equilíbrio entre oferta x procura x custo. Atividades 1. A Política Nacional de Urgência e Emergência (PNAU) do Ministério da Saúde (MS) estrutura e organiza as Redes de Aten- ção à Urgência e Emergência no país por meio da classificação em portes I, II e III. Assim sendo, independentemente da clas- sificação, é possível afirmar que esse modelo de Rede busca o acesso universal, igualitário e humanizado a todo individuo em situação de urgência e emergência que necessita de atendimento de maneira ágil e adequada? Justifique sua resposta. 2. Segundo os conceitos de Redes de Atenção à Saúde (RAS) apre- sentados neste capítulo, é possível afirmar que não existe um con- senso sobre a definição de RAS no Brasil? Justifique sua resposta. 3. Considerando os conceitos de Redes de Atenção à Saúde (RAS) apresentados, é possível afirmar que a atenção primária nos municípios brasileiros não se desenvolveu de maneira uniforme e homogênea. Explique por quê. 4. Atualmente, para o SUS, qual é a função da rede terciária ou de alta complexidade? 3 Hospitais e seu papel na atenção à saúde Neste capítulo, serão complementados os aspectos históri- cos sobre saúde, doença, medicina e sistema de saúde, pois esses elementos evoluíram juntos, contribuindo e participando direta- mente da construção histórica entre eles e dos hospitais. Assim sendo, é abordada a conceituação etimológica de “hospital”, bem como sua função para a sociedade em vários momentos históricos da humanidade. Observamos que os hos- pitais também sofreram influências sociais, religiosas, política e econômica. Destacamos que essas instituições participaram do processo de caridade, filantropia, acompanhamento espiritual, de aprendizado e evolução da medicina. Mostramos ainda a origem dos primeiros hospitais de que se tem registro no mundo, na América e no Brasil, além das inúme- ras classificações designadas aos hospitais e, principalmente, seu papel na atenção à saúde pública e privada no Brasil. Também são vistas algumas terminologias empregadas no segmento de saúde e em um complexo hospitalar. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 42 – Abordamos a importância de agências reguladoras no Brasil e a cadeia de valor da área de saúde, enfatizando a importância real dos hos- pitais prestadores de serviços para a universalização, integralidade e equi- dade do Sistema Único de Saúde (SUS) para toda população. 3.1 Aspectos histórico-conceituais A origem e raiz etimológica do vocábulo “hospital” é o mesmo dos termos “hospício” e “hotel”, que, do latim, derivam de hospes, que em português significa hospedeiro, hóspede ou aquele que é recebido. Com o passar dos tempos e o surgimento da necessidade de distinguir melhor cada atividade representada pelo vocábulo, hospes deu origem às pala- vras: 1) hospitalis, inicialmente estrutura física ou local que recebia os hóspedes, que posteriormente evoluiu para estruturas que recebiam os doentes, sendo desse vocábulo a evolução para o termo “hospital”; 2) hospitium, cuja função era mais próxima à de albergue ou hospedaria para mulheres, crianças, senhores, viajantes, peregrinos e enfermos; posteriormente desse termo surgiu “hospício”, que eram os sanatórios psiquiátricos para abrigar as pessoas com algum tipo de retardo ou defi- ciência metal, assim como a hospedaria, em virtude do francês hôtel, deu origem ao vocábulo “hotel”. Afim de compreendermos a história dos hospitais, bem como vimos no capítulo 1, as primeiras relações médicas de doença e saúde remetem ao século IV a.C., período em que viveu Hipócrates. Apesar de ser uma época predominantemente egocêntrica, em que o ser humano estava apenas pre- ocupado consigo mesmo e pouco se importava em ajudar seu semelhante, alguns registros são encontrados na Ásia, na África e nos países do leste da Europa, que remontam à existência de locais que exerciam papel aná- logo aos hospitais, ou seja, lugares de cuidados. Entretanto, em nosso entendimento a figura do hospital começa ver- dadeiramente a aparecer – e principalmente a ser contada –, a partir da história de Jesus Cristo, visto datar dessa época a transformação do pen- samento da humanidade quanto a fazer o bem e ajudar ao próximo. Moti- vado principalmente pelos princípios e preceitos do cristianismo de “amar o próximo como a si mesmo” (BORBA, 1985, p. 35). – 43 – Hospitais e seu papel na atenção à saúde Em meados da “Era Cristã”, o ser humano passou a preocupar-se com seu semelhante, sendo o marco histórico a criação da primeira instituição que prestava auxílio ao próximo, fundada em Roma, na Itália, em meados dos anos 360 a 400. Muito longe do conceito de complexos hospitalares que conhecemos atualmente, naquela época, o cristianismo fomentava a caridade por inter- médio desses locais, dispondo de abrigo, albergue ou hospício, isolamento, assistência às pessoas enfermas ou doentes, pobres, damas desamparadas ou rejeitadas pela sociedade, enfermos crônicos, jovens e/ou idosos com deficiência ou abandonados pela família, peregrinos, entre outros. Segundo Valdir Ribeiro Borba (1985, p. 36), motivada por compai- xão e amor ao próximo, a nobre dama romana e religiosa Santa Fabíola de Roma, discípula de São Jerônimo, entrou para história como a pre- cursora da “Era dos Hospitais”, com a construção do “Hospício do Porto de Roma”, Nosocomium, com a tradução do vocabulário latino para o português como “local dos enfermos, asilo dos doentes”, ou seja, local destinado pela Santa a recolher qualquer ser humano necessitado, sob o cuidado das religiosas. Muitos outros movimentos religiosos e militares sucederam-se pelo mundo com a criação de hospital, abrigo, hospício, albergue, ou qualquer outra nomenclatura designada naquela época, como exemplo, o Hotel Dieu (Hospedaria de Deus), em Paris, que, segundo o Brought to Life1 (2018), é considerado o hospital mais antigo da França, datando sua fun- dação do ano de 651. O Hotel Dieu também é considerado o hospital mais antigo da Europa que ainda está em funcionamento até os dias atuais. Tanto a Hospedaria de Deus em Paris quanto o Hospício do Porto de Roma tiveram trajetórias parecidas, iniciando suas funções por meio da caridade, com acolhimento de pobres, enfermos, prostitutas, doentes e peregrinos em suas dependências. Nesse contexto, entendemos que na época da origem dos hospitais, eles apresentavam uma função social-religiosa de segregação das pessoas sadias das enfermas, acolhimento dos pobres ou sem recursos financeiros 1 Website da história da medicina fornecido pelo Science Museum, em Londres. Organização Estrutural e Funcional de Hospitais – 44 – e das pessoas desprezadas pela sociedade por qualquer razão que seja. Desempenhando sua função por meio da caridade, a transformação espiri- tual era o foco principal, sendo a intenção clínica apenas o plano de fundo. O hospital, entre os séculos V e XVIII, percorrendo a idade média toda, ou seja, durante mais de 1.500 anos, pouco evoluiu no quesito da medicina terapêutica, mesmo que tenhamos explanado que a medicina tenha crescido cientificamente, conforme explicado, em três de quatro enfoques importantes da história da saúde e da doença descrita no capítulo 1, em que partimos da medicina mágico-religiosa ou xamanística, pas- sando pela compreensão da saúde já com lampejos de preceitos científi- cos, Hipócrates, Paracelsus e Friedrich Engels, chegando ao século XVII, na “era do germe”. O exercício da medicina era pautado no aspecto de clí- nica individualista, fundamentada em hipóteses
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