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IMOBILIDADE E SÍNDROME DA IMOBILIZAÇÃO EM IDOSOS Após os 75 anos, ocorre perda funcional importante, podendo ser seguida de incapacidade e imobilidade ao leito, representando um enorme sofrimento existencial. Muitos acabam evoluindo com internação asilar ou hospitalar, onde geralmente falecem (alta taxa de mortalidade, em torno de 50%). Os indivíduos com síndrome de imobilidade (SI), são, em geral, idosos fragilizados hospitalizados ou institucionalizados, em que o ambiente não familiar, repouso prolongado e forçado, desnutrição, iatrogenia e presença de comorbidades tornam-o dependente, podendo estar confinado ao leito. Devido a essa imobilidade, adquirem ou evoluem para outras complicações de síndrome de imobilização (SI). Por vezes, a doença de base é curada, mas estão comprometidas sua independência e mobilidade; Esses idosos geralmente necessitam de dieta especial por sonda, usam antibióticos de última geração para tratamento de infecções e requerem curativos especiais, o que eleva os custos de manutenção. A causa mortis é quase sempre devido à falência múltipla de órgãos, mas, por vezes, uma causa específica pode ser encontrada, sendo as mais comuns: pneumonia, embolia pulmonar e septicemia. Definição: Síndrome de imobilidade/ imobilidade/ repouso prolongado no leito (bed rest) /síndrome do desuso: sinais e sintomas resultantes da supressão de todos os movimentos articulares, que prejudica a mudança postural, compromete a independência, leva à incapacidade, à fragilidade e à morte. Não podemos dizer que todo paciente confinado no leito tenha SI. Classificação: • Repouso: permanência no leito de 7 a 10 dias; • Imobilização: de 10 a 15 dias • Decúbito de longa duração: mais de 15 dias. Define-se SI quando o idoso possui o critério maior e pelo menos 2 dos critérios menores: • Critério maior: déficit cognitivo médio a grave e múltiplas contraturas. • Critério menor: sinais de sofrimento cutâneo ou úlcera de decúbito, disfagia leve a grave, dupla incontinência e afasia; Causas: Consequências da imobilidade: O repouso no leito é a modalidade terapêutica usada para reestabelecimento da doença, porém tal conduta tem sofrido mudanças, tais como a mobilização precoce no pós-operatório e a reabilitação para doenças cardiorrespiratórias A ausência de atividade física, por falta de iniciativa, por imposição do ambiente ou por doenças físicas ou psiquiátricas, induz o indivíduo ao descondicionamento físico, que leva ao agravo de sua condição física, cognitiva e emocional. Priorizar e valorizar atividades regulares produziria ganho de força e resistência, melhor condicionamento cardiorrespiratório e bem- estar psíquico; Como o envelhecimento é uma fase de maior fragilidade e dependência, o repouso ou confinamento no leito passou a ser uma prática errônea usada. O que se vê, então, são idosos capazes e fisicamente estáveis passarem dias sem sair do leito. Isso impede que o paciente permaneça útil e ativo, induzindo-o ao repouso prolongado, sendo esse o ponto de partida para a mudança de comportamento e má qualidade de vida, com rápido e grave desgaste. Após essa fase, tirá- los do leito torna-se difícil. Síndrome de desadaptação psicomotora (PDS): se caracteriza por desequilíbrio para trás (backward), seja na posição sentada ou de pé, hipertonia reacional, alterações na reação postural, modificação na marcha e medo de cair. A PDS resulta da perda de mecanismo de reserva postural, atingindo um limiar que impede o indivíduo de manter um nível funcional adequado; A PDS pode ser desencadeada por demências, quedas e imobilidade prolongada no leito; Sistema tegumentar: A pele senil apresenta: declínio na produção das células epiteliais, com adelgaçamento de 20-30% na espessura da epiderme, redução de número/tamanho/secreção da glândula sudorípara, escasso tecido de sustentação e diminuição da vascularização. A derme desidrata, perdendo seu vigor e elasticidade. Esses fatores combinados tornam a pele inelástica e mais friável, facilitando as lesões dermatológicas do paciente acamado; • Micoses: o Facilitadas pela umidade constante na superfície corporal. Nos acamados, o suor, urina e restos de alimentos acumulam-se, principalmente se higiene precária; o Eritrasma por Nocardia minutissima, atinge regiões úmidas e intertriginosas (axila, mamária e inguinal). o Infecção por cândida em áreas de dobras ou pregas. o As micoses são porta de entrada para infecções bacterianas e ocorrem, com frequência, em diabéticos. o Higiene, bom estado nutricional, exposição ao sol, uso de roupa de material poroso (evitar tecidos sintéticos e fraldas), temperatura ambiente agradável, controle glicêmico e o não uso de colchão com superfície plástica são medidas preventivas de micoses; • Xerose: Ressecamento da pele, causado pela diminuição das glândulas sudoríparas, que causa prurido e descamação. O uso de sabões, banhos de imersão, banhos quentes e demorados pioram. Deve-se, por isso, evitar fatores precipitantes, usar hidratante para pele e induzir a ingestão de líquidos; • Laceração: O constante atrito sobre o leito associado à pouca elasticidade da pele, à falta de tecido de sustentação e à xerose produzem lacerações na pele, principalmente de braços e pernas. Jamais mobilizar o paciente pelo antebraço ou contê-lo com faixas de crepe diretamente nos punhos; • Dermatite amonical: Lesão frequente pelo contato da pele com a urina. O uso de fraldas geriátricas pode agravar o problema, pois, por serem revestidas de plástico, criam um meio próprio (umidade e calor) para a proliferação de bactérias que desdobram a ureia em amônia. Por isso, para homens, dá-se preferência ao uso de coletor; e as mulheres que usam fraldas não podem ficar molhadas de urina; • Úlcera de decúbito (UD): Desencadeado pela compressão por > 2h de área tecidual restrita, que produz pressão e colabamento dos vasos sanguíneos, produzindo inflamação, isquemia, anoxia, morte celular e necrose tecidual. Uma úlcera surge em poucas horas, mas necessita de meses para cicatrizar, sendo que o paciente tem 50% de chance de morrer em 4 meses. As úlceras surgem de dentro para fora, ou seja, dos tecidos adjacentes às proeminências ósseas, estendendo-se para a superfície até exteriorizarem-se na epiderme. Recebe graduação I, quando existe apenas hiperemia, a qual não empalidece ao ser comprimida, até o grau IV, em caso de necrose de músculos, ligamentos, tendões e pele. Desnutrição, desidratação, má higiene, anemia, obesidade, sedação, hipoalbuminemia, predisposição individual, doenças crônicas, colchão inadequado, perda de sensibilidade dolorosa, falta de mobilidade e diminuída captação de oxigênio pelos tecidos são elementos que contribuem para sua formação. A melhor prevenção é a correção desses fatores, além de proteção das proeminências ósseas, posicionamento no leito, mobilização de 2 em 2 h (mesmo à noite) e assentar o paciente o maior tempo possível. O colchão mais adequado é o “pneumático” com insuflação intermitente, sendo o colchão “caixa de ovo” pouco eficaz. Características que aumentam a suspeição de infecção secundária à lesão de pressão: tecido de granulação friável; mau odor; aumento da dor; aumento de drenagem da ferida e mudanças de suas características (reaparecimento de sangue na drenagem, característica purulenta); aparecimento de bolsas ou necroses no leito da ferida; ausência de sinais de cicatrização após 2 semanas de tratamento apropriado. A gravidade da infecção pode ser avaliada conforme os seguintes critérios: • Leve: presença de > 2 manifestações de infecção, área de celulite/eritema ao redor da úlcera < 2 cm e a infecção é limitada à pele ou ao tecido subcutâneo. Não existem outras manifestaçõesde complicação local ou sintomas sistêmicos; • Moderada: infecção que apresenta ao menos 1 das características: celulite/eritema >2 cm, presença de linfangite, acometimento de fáscia superficial, abscesso em tecido profundo, envolvimento de tendão e musculatura; • Grave: sintomas de toxicidade sistêmica ou instabilidade metabólica (como febre, calafrio, taquicardia, hipotensão, confusão, vômitos, leucocitose, acidose, hiperglicemia grave). • Equimoses: Representam a grande fragilidade capilar associada à falta de tecido de sustentação para os vasos sanguíneos. O uso de anticoagulante e traumas contribuem para o seu aparecimento. Deve-se manipular o paciente com cautela, usando-se bandagens para proteção dos membros. Sistema esquelético: • Alterações articulares: Na imobilidade, uma série de alterações mecânicas e físico-químicas ocorre nas articulações, levando à contratura. Com a imobilidade, o líquido sinovial e seus nutrientes deixam de fluir na cartilagem intra-articular por ausência do efeito de bomba, responsável por sua difusão. Devido aos processos neuromusculares primários que levam à flexão das articulações, principalmente de quadril, joelhos, punhos e cotovelo, surgem, ao longo do tempo, as CONTRATURAS, que podem são a “limitação da amplitude do movimento articular a ponto de impedir um desempenho normal de sua função”. Uma articulação contraturada é caracterizada por ter menor fluidez e nutrientes no líquido sinovial com proliferação do tecido conectivo fibroso e gorduroso (fibroblastos, adipócitos e matriz extracelular), que é chamado pannus, responsável pela aderência intra- articular. O tecido conectivo frouxo torna-se denso e fibroso, com elasticidade diminuída. A sinóvia torna-se fibrosa, retrátil, espessada e hiperemiada. A cartilagem sofre degeneração, pois os condrócitos apresentam sistema de retículo endoplasmático degenerado, edema das mitocôndrias, aumento de lisossomos, perda das organelas, modificação da forma celular e invasão de gotículas gordurosas que ocupam o citoplasma. Além disso, a matriz da cartilagem torna-se mais frouxa, o colágeno menos elástico e suas fibras cruzam-se. Com apenas 2 semanas de imobilização, surgem reabsorção óssea e cartilaginosa com cistos ósseos subcondrais (artrofibrose), principalmente pela falta de sobrecarga articular. O tecido conectivo periarticular hipertrofia-se, produzindo uma fibrose que, associada às modificações musculares, leva a contraturas e anquilose. Flexão de joelhos, quadril e cotovelos é característica comum a todos os pacientes com SI. Contraturas devem ser prevenidas com movimento ativo e passivo da articulação (cinesioterapia) e posicionamento no leito com coxins, almofadas, pranchas ou órteses para alongamento; • Osteoporose: A imobilidade produz intensa e rápida perda de massa óssea (em torno de 0,9% da massa óssea total/semana, com pico entre o 4º e o 6º mês), podendo ser medida por hipercalciúria e hidroxiprolina urinária (marcador de reabsorção óssea). A perda de cálcio é de 0,4 a 0,7% de cálcio orgânico total/mês de imobilidade no leito. A perda de massa óssea relaciona-se ao aumento de reabsorção do osso trabecular e diminuição em sua formação (30% da perda óssea por absorção aumentada e 70% por formação diminuída). Essa perda é promovida pela falta de atividade muscular e de sustentação de peso corporal do paciente acamado, pouca ingestão de cálcio e falta de exposição solar. A hipercalciúria pode ser diminuída se o paciente ficar em pé pelo menos 3 horas/dia, pois essa posição desencadeia o estresse ósseo, elemento essencial para o turnover desse tecido. Para isso, coloca-se o paciente em uma mesa de ortostatismo (prancha que se inclina até a posição vertical com o paciente contido) ou, se possível, em barras peralelas. A perda de nitrogênio representa desgaste muscular, e segue paralela à hipercalciúria do repouso prolongado. Mesmo que o paciente volte a ter alguma atividade física em ortostatismo, pode demorar mais de 10 semanas para recuperar parte da massa óssea perdida. • Osteomalácia: Pode ocorrer por síntese diminuída de vitamina D (rara exposição ao sol), má absorção e baixa ingestão de vitamina D e disfunções renal e hepática. Sistema muscular: Idosos sadios, após a 7ª década de vida, apresentam importante processo degenerativo na musculatura, mesmo quando mantêm atividades físicas. A restrição de pacientes idosos saudáveis ao seu leito leva a atrofia muscular importante já nos primeiros 10 dias. Na imobilidade, esse processo é mais intenso e acelerado, pois alteram-se a estrutura e a função do sistema neuromuscular, a transmissão do potencial de ação, as fibras musculares e o tecido conjuntivo. Tais mudanças resultam em atrofia muscular, perda de força, encurtamento de fibras e perda de sarcômeros. O aumento de tecido conjuntivo forma uma barreira para os capilares, prejudicando o aporte de nutrientes e oxigênio. O número de unidades motoras excitáveis (neurônio motor único somado ao conjunto de fibras musculares por ele inervado) no músculo estriado diminui acentuadamente, o que acarreta grande perda de fibras de contração rápida (tipo II) e, após 3 semanas, já predominam fibras lentas (tipo I). Observa-se na imobilidade perda mais acentuada de massa muscular na coxa do que nos membros superiores (mmss). Com 6 semanas, a força muscular dos mmii declina 20% e a dos mmss 10%, com perda diária de 1 a 1,5% da força total, ou seja, quase 10% por semana. Esse declínio acentuado na força muscular resulta em perda de torque (força utilizada para sair da imobilidade) e prejuízo da coordenação motora. A perda de força do músculo imobilizado é explicada pela atrofia e pela perda de área transeccional muscular. A progressão da atrofia muscular pode ser também medida pela eliminação urinária de nitrogênio. A atrofia e a perda de força são decorrentes da ausência das unidades motoras excitáveis, que leva a alteração da disposição de actina e miosina, o que desencadeia a indesejável contratura muscular. As funções metabólicas das fibras musculares estão alteradas, como: redução da síntese e aumento da degradação proteica, menor respiração celular e consumo de oxigênio, reduzida produção de energia e de glicogênio. O aumento da atividade da creatinoquinase plasmática é sinal de dano muscular; A incapacidade dos aminoácidos usados na dieta em sintetizar proteínas nas pessoas acamadas o principal mecanismo do catabolismo proteico do repouso. Por isso, uma pessoa em repouso prolongado deve receber um aporte muito maior de proteínas e aminoácidos, para que ela possa ter um mesmo nível de anabolismo de uma pessoa em atividade. As fibras de colágeno, presentes na composição do músculo em formato de rede e com função de apoio estrutural, fundem-se (cross-linkage) e encurtam-se, perdendo sua propriedade elástica, o que encurta o músculo e o tendão, resultando em contratura das articulações. Os músculos encurtados sofrem atrofia 2x mais rápido e intensamente que os músculos estendidos. Sistema cardiovascular: • Trombose venosa profunda (TVP): A estase é o principal elemento desencadeador de TVP, pois ativa os fatores da coagulação. À medida que a idade avança, a tríade de Virchow se completa com lesão endotelial e o estado de hipercoagulabilidade. Na SI, a posição supina, a contratura dos mmii (quadril e joelho) e a ausência do efeito de bomba da musculatura da panturrilha predispõem à estase venosa profunda. Associadas a isso, comorbidades, como o AVE, neoplasias, ICC, IAM, fraturas e infecções, são coadjuvantes nessa complicação. A somatória de todos esses fatores faz com que a TVP tenha uma incidência de 15% em idosos internados; 60 a 80% dos casos de TVP passam despercebidos, evoluindosilenciosamente. Sinais como edema podem ser confundidos com o edema da própria imobilidade, hipoalbuminemia, ICC. Dor pode não ser percebida pelo déficit cognitivo e dificuldade de expressar seus sintomas, além de ter outras origens, como as contraturas e dor muscular. Deve-se examinar com frequência os mmii dos pacientes, onde se procura aumento súbito do diâmetro, palidez, hipotermia local, empastamento à palpação da panturrilha, edema duro. Prevenção e profilaxia devem ser feitas com movimentação frequente, além do uso de HBPM; • Embolia pulmonar: É a consequência mais temida de TVP, sendo responsável por 20% das mortes do paciente acamado. A fonte de origem dos êmbolos são as veias ilíacas, femorais e da panturrilha. A manifestação clínica é variável, podendo ser assintomática e inespecífica ou manifestar dispneia e taquipneia, tosse, taquicardia, cianose, broncospasmo, hipotensão, sudorese, febre, choque e escarro hematoptoico. A dor pleurítica é de difícil avaliação, devendo ter alto grau de suspeição, realizando-se propedêutica com radiografia de tórax, ECG, gasometria, D-dímero e, se possível, cintilografia de ventilação e perfusão e angiotomografia. A prevenção é a mesma da TVP e o tratamento é feito com infusão de heparina seguida de anticoagulantes orais. • Isquemia arterial aguda dos mmii: A isquemia arterial na imobilização é causada por obstrução ateromatosa da artéria (devido a idade avançada, DM, dislipidemia, HAS, tabagismo) ou por embolia proveniente de fibrilação atrial, IAM e aneurismas de aorta. Na SI ocorre, com frequência, contratura do quadril e do joelho, que causa estrangulamento dos vasos nesses locais e formação de trombo, levando à isquemia do membro. Outros fatores precipitantes são neoplasias, arterites, infecção etc. O quadro clínico é súbito (poucas horas), caracterizado por palidez do membro e posterior cianose, dor intensa, hipotermia, ausência de pulso e gangrena. O sintoma inicial como a dor pode não ser manifestado (por déficit cognitivo, por exemplo), fazendo com que o quadro seja diagnosticado tardiamente e perdendo a chance de restabelecer a revascularização. Às vezes, mesmo diagnosticando precocemente a isquemia, o acesso a serviços especializados é precário, levando a complicações. Casos de mumificação e gangrena não são raros, sendo indicado tratamento com amputação. Não deve-se permitir que o paciente fique no leito com o quadril e joelho fletido em ângulo < 20°, pois isso impede a circulação arterial. Deve-se tentar posicionar essas articulações em ângulo mais aberto; • Hipotensão postural (HP): É a queda da PAS > 20 mmHg e PAD > 10 mmHg em posição ortostática, podendo ocorrer em períodos curtos de imobilidade, como 72h. É observada em 20 a 30% dos idosos, sendo ainda mais frequente em pacientes frágeis. A etiologia é multifatorial por modificações cardiovasculares associadas a outras condições patológicas, como a própria redução do volume sanguíneo. Na SI, a posição supina prolongada faz com que os barorreceptores percam sensibilidade, além das modificações naturais do envelhecimento (rigidez das paredes arteriais, baixa resposta dos receptores adrenérgicos). Assim, respostas como aumento da FC e vasoconstrição arterial para elevar o DC não ocorrem, causando má perfusão cerebral e síncope. Fatores como desidratação, ICC, DM, doença de Parkinson, uso de antipsicóticos e anti- hipertensivos, também facilitam a hipotensão postural. Sistema urinário: • Incontinência urinária: Na SI, praticamente todos os pacientes são incontinentes, já que possuem quadro demencial avançado, têm dificuldade de comunicação, não deambulam, são portadores de ITU crônica, usam polifarmácia e são frágeis. Essa complicação é grave, pois facilita o aparecimento de lesões dermatológicas (dermatite amoniacal, úlceras, micoses, infecções cutâneas), e dificultam as condições higiênicas do paciente e do seu ambiente. Na SI, o paciente responde pouco às medidas terapêuticas para a IU, restando, então, o uso de coletor urinário para homens e fralda geriátrica para mulheres (podendo indicar a sonda se houver úlcera de decúbito para facilitar a cicatrização). Além da IU, retenção urinária (bexigoma) é comum, causada por HPB, fecaloma, uso de diuréticos e anticolinérgicos. A apresentação clínica de um bexigoma pode ser um quadro súbito de delirium, já que dor suprapúbica pode não ser expressa pelo paciente. A eliminação/extravasamento involuntário de urina faz com que possa passar despercebido; • Infecção do trato urinário (ITU): Possui alta prevalência no paciente imobilizado (cerca de 40%), sendo essa infecção mais comum nos idosos institucionalizados. A pielonefrite tem prevalência de 10 a 30% nesses pacientes. Tanto a ITU alta (comprometimento renal) quanto a baixa podem ter graves consequências. A ITU é causada por via ascendente ou hematogênica (se presença de outros focos, como úlceras). Os fatores predisponentes na SI são: incontinência urinária, uso de fraldas geriátricas, obstrução uretral, pouca ingestão de líquidos, hospitalização, diminuição da IgA na parede vesical, hipoestrogenismo, diminuída capacidade renal para acidificar urina e manter a osmolaridade. O uso de sonda vesical de demora é importante fator para ITU. Os agentes etiológicos mais comuns são bastonetes gram-negativos multirresistentes, sendo comum a infecção de repetição. E coli é o mais comum, além de Klebsiella sp., Proteus sp., Enterobacter sp. e Pseudomonas sp. Cocos gram-positivos são menos comuns, sendo o Staphylococcus aureus multirresistente o mais temido; O quadro clínico é geralmente atípico, podendo manifestar-se com prostração, desidratação, confusão, septicemia. Diante dessas manifestações, urocultura e urina de rotina são imperativas. USG pélvica pode mostrar alterações anatômicas, cálculos, neoplasias. O tratamento depende dos sintomas, já que a bacteriúria assintomática não requer terapêutica, enquanto para a manifestação sistêmica se usam antibióticos. Sistema digestório: • Desnutrição: É um dos critérios usados para identificar a SI. Enquanto 14% dos idosos normais > 80 anos são desnutridos na comunidade, naqueles com SI a desnutrição ocorre em 90% deles. A desnutrição proteico-calórica associada à deficiência de oligoelementos, minerais (Ca, Fe, Zn) e vitaminas leva a um estado de caquexia com alta morbimortalidade. Além disso, a pouca oferta e aceitação de líquidos (pela menor sensação de sede), causa desidratação crônica. Na imobilidade, há aumento na eliminação urinária e fecal de Ca, P, Zn, N. Medidas antropométricas (IMC, prega cutânea, massa muscular), albuminemia, transferrina, colesterol, hemograma, dosagem de vitamina C são índices que se correlacionam com desnutrição, mas são pouco usados para esse fim. Outros parâmetros importantes seriam a contagem de linfócitos < 1.500 células/mm3 e teste cutâneo tardio ao derivado proteico purificado (PPD), candidina e Tricophyton, os quais correlacionam a competência imunológica com a desnutrição – e que aqui estão comprometidos. Isso explica a alta suscetibilidade às infecções, além da pouca resposta (baixo título de anticorpos) à vacina contra influenza e pneumonia pneumocócica em idosos desnutridos. As causas da desnutrição e caquexia são os estados demenciais avançados, depressão, sequela de AVE, disfagia e uso de sonda, anorexia, perda de olfato, visão e paladar, problemas odontológicos, gastroparesia, diarreia, fecaloma, má absorção intestinal, aumento do catabolismo (úlceras de pressão), pneumopatias e cardiopatias, síndromes dolorosas, falta de dieta adequada, doenças neuromusculares e infecção. Ao exame clínico: escasso tecido gorduroso subcutâneo, pequena massa muscular, baixo peso corporal, desidratação, infiltradosubcutâneo devido a hipoalbuminemia e úlceras de decúbito de difícil cicatrização. Anemia, osteoporose, fraqueza generalizada e infecções graves. Para efeito prático, pode-se adotar como referência uma ingestão diária de 1.800 a 2.000 kcal, 0,8 a 1,0 g de proteína/kg/dia, 30 mℓ de líquido/kg/dia, 1,5 g de Ca++, 70 mEq de K+, 8 g de NaCl e 1 g de P+. Para um cálculo mais preciso, pode-se adotar o gasto energético basal (GEB) de 1 kcal/kg/h; multiplica-se pelo FA (fator atividade) de 1,2 para acamados; multiplica-se pelo FI (fator lesão) de 1,2 a 1,6 para infecção e septicemia; Quando a aceitação alimentar ou hidratação é deficiente por dias, indica-se sonda nasogástrica. Se 2 semanas sem melhora da disfagia, opta-se por sonda nasoentérica, que é menos traumática. Finalmente, se o paciente não consegue deglutir o suficiente por mais de 3 meses e tem perspectiva de sobrevida mais longa, então a gastrostomia é melhor indicada. • Constipação intestinal: Eliminação de fezes endurecidas, em frequência < 3x/ semana e com volume abaixo do habitual. Acarreta grande sofrimento ao idoso acamado devido às formações de fezes endurecidas e impactadas no sigmoide e no reto, evoluindo para o fecaloma. É causada por: disfunção anorretal, menor desejo de evacuar, trânsito intestinal mais lento (nos idosos sadios, esse tempo é o mesmo que nos adultos), uso de fármacos anticolinérgicos, menos ingestão de líquidos e fibras, manutenção de paciente no leito no momento de evacuar, constrangimento social, depressão, imobilidade no leito, fraqueza da musculatura abdominal e antiácido à base de sais de alumínio. O paciente apresenta-se com desconforto abdominal, anorexia, vômitos e agitação psicomotora, sendo as complicações mais graves obstrução intestinal, vólvulo do sigmoide e compressão do colo da bexiga, acarretando retenção urinária e bexigoma. Outro sinal observado é a diarreia paradoxal ou espuriosa, que é a eliminação de muco retal misturado às fezes, dando a falsa impressão de serem diarreias e, por engano, são usados antidiarreicos, o que piora o quadro. Exame do abdome e toque retal são imperativos no exame físico para diagnóstico dessas complicações. Dietas com resíduos ou fibras, hidratação oral, posicionamento na cadeira higiênica/vaso sanitário e privacidade são importantes na prevenção. Se fecaloma, fazer clister glicerinado a 20% e toque retal para quebrar o fecaloma; • Disfagia: A disfagia antecede a SI em quase todos os pacientes, sendo o resultado de déficits neurológicos importantes. Aos poucos, o paciente vai perdendo sua capacidade de trabalhar o alimento dentro da cavidade oral, impulsioná-lo com a língua para a orofaringe e produzir o reflexo voluntário para deglutição. Recusa voluntária de alimentos também é frequente. Com isso, o paciente ingere cada vez menos nutrientes e líquidos, atingindo o estado de caquexia. Outra complicação que pode ser letal é a pneumonia aspirativa, caracterizada por aspiração de alimento e secreção para o pulmão. A disfagia devido aos graves déficits neurológicos e cognitivos, costuma não haver boa resposta ao tratamento, sendo necessário sonda nasoentérica (SNE) ou gastrostomia; Distúrbio neuropsiquiátrico: Depressão, demência e delirium são frequentes na SI; Sistema respiratório: Na posição supina prolongada, ocorrem modificações na dinâmica respiratória: diminuição da amplitude de movimento do diafragma e da expansibilidade torácica pela fraqueza das musculaturas intercostal e abdominal, além das modificações nas articulações costocondrais. O acúmulo de gases e fezes nas alças intestinais empurra o diafragma para cima e comprime as bases pulmonares. Funções pulmonares estão comprometidas em até 50% dos pacientes, como capacidade respiratória funcional, capacidade respiratória máxima, volume minuto e volume corrente e relação V/Q. O acúmulo de secreção pulmonar se acentua pela menor função ciliar, capacidade de tossir e de eliminar essa secreção. A pneumonia é a principal causa de morte em idosos acamados (mortalidade de até 25% para >70 anos). As causas referem-se à modificação senescente do AR, assim como resultantes de doenças crônicas, menor reflexo de tosse, menor capacidade elástica do pulmão. Os alvéolos tornam-se rasos e com menor superfície, tornando a área total dos alvéolos e a expansibilidade destes diminuídas, além de redução dos capilares e dos macrófagos alveolares. O volume corrente passa a ser exercido pela musculatura abdominal, com pouca eficácia. Essas modificações causam fechamento das unidades respiratórias, que serão alagadas pelo filme mucoso, causando atelectasia e menor capacidade residual e funcional; No paciente acamado, o acúmulo de líquido nos pulmões serve de meio de cultura para bactérias. Doenças estruturais (DPOC, bronquiectasia, sequela de tuberculose, fibrose pulmonar e cifose) predispõem à infecção pulmonar, assim como corticoides, DM, ICC, disfagia, refluxo gastresofágico. O quadro clínico geralmente é atípico e polimórfico, que pode fazer com que passe desapercebida ou levar a erros no diagnóstico. Confusão mental, desidratação, hipotensão, obnubilação são sinais inespecíficos, mas que chamam atenção. Um fato interessante nesses pacientes é que, apesar da hipoxia e hipercapnia, eles podem não ter taquipneia. A reação febril nos idosos é controversa, pois estes não respondam bem à produção de fatores pirogênicos (endotoxinas e interleucinas). No idoso, há menor vasodilatação e liberação de calor corporal, podendo a temperatura axilar ser normal mesmo na presença de hipertermia. A melhor maneira para diagnosticar febre seria por meio da temperatura retal, (pouco usado). Dor torácica, característica comum em pneumonia dos adultos, é de difícil avaliação no idoso com SI. Tosse e expectoração podem também estar ausentes na pneumonia, devido a perda de reflexo e força na caixa torácica. Estertores e crepitação basal são aspectos comuns a quase todos os idosos acamados e, na maioria das vezes, não se correlacionam com pneumonia, sendo muito mais um sinal de estase pulmonar. Em casos suspeitos, leucogramas, PCR, radiografia de tórax e hemocultura devem ser feitos. A leucocitose e a hemocultura podem ser normal. Resta, então, um alto índice de suspeição sempre que houver alteração cognitiva e comportamental, desidratação, hipotensão arterial e alteração no nível de consciência. Streptococcus pneumoniae é o mais comum germe da pneumonia comunitária, e o Haemophilus influenzae o segundo, principalmente em portadores de DPOC. Já no idoso frágil com SI, institucionalizado ou hospitalizado, bacilos gram-negativos são os mais comuns (Legionella, Pseudomonas, Proteus e Klebsiella) , sendo aspirados de secreção da orofaringe. Patógenos como Chlamydia pneumoniae e Moraxella catarrhalis vivem naturalmente na flora da orofaringe, mas, devido ao uso de antibiótico, queda da imunidade, desnutrição, estes tornam-se agressivos e com alta mortalidade. Staphylococcus aureus multirresistente (MRSA) tem sido diagnosticado com muita frequência, principalmente em portadores de úlceras de decúbito com necrose (provavelmente ocorre por via hematogênica). Os anaeróbios são comuns quando o conteúdo aspirado for devido ao refluxo gastroesofágico (pelo uso de SNG e SNE). O tratamento é complexo, de alto custo, com resultados pouco animadores. Os ATB deverão ser direcionados a um agente específico. A intervenção do fisioterapeuta respiratório é de grande importância. Metabolismo: • A eliminação urinária de nitrogênio aumenta rapidamente, podendo-se chegar a 2,0 mg/dia. Esse fato contribui para a hipoalbuminemia. • Na posição supina, a secreção de ADH está diminuída. Elimina-se maior volume urinário, contribuindo para a desidratação e perda de peso.• O cortisol plasmático pode estar aumentado e andrógenos diminuídos, sendo ambas facilitadoras do catabolismo. • O metabolismo é 20% menor que o normal. • A resistência à insulina está aumentada, que provoca intolerância ao carboidrato e piora nos níveis glicêmicos. Esse fato ocorre pela queda da concentração intramuscular de GLUT 4. • Elementos como Na+, Ca+, Mg+, K+, S+ são menos aproveitados e mais eliminados nas fezes e na urina.
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