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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Cirrose Hepática É importante falar um pouco sobre a estrutura lobular do fígado normal, temos que lembrar que o sangue chega no fígado pelos ramos portais (70%), e uma menor parte pela artéria hepática (30%), é um sangue venoso, mas com uma grande quantidade de oxigênio. O sangue chega no lóbulo hepático, onde vemos os sinusóides com as céls próprias e céls de langerhans (céls apresentadoras de antígeno do fígado), e, por fim, o sangue chega na veia centrolobular. Ao contrário do sentido sanguíneo, a bile é produzida pelos hepatócitos e sai em direção ao espaço porta (que possui ducto biliar, artéria e veia). Além disso, ainda existe o espaço de Disse, que é o espaço entre os sinusóides e os hepatócitos. Entre o espaço porta e a veia centrolobular, os hepatócitos são divididos em 3 áreas, sendo a área 1 mais próxima do espaço porta e a área 3 mais próxima da veia centrolobular. Como a zona 3 é a região mais longe do suprimento sanguíneo oxigenado, ela é a que mais sofre em situações de hipóxia, como no álcool, hipertireoidismo, uso de drogas e outras doenças, como a esquistossomose. *O ovo da esquistossomose não consegue entrar nos sinusóides, fazendo obstrução e provocando hipertensão portal, mas não cursa com cirrose. A cirrose nada mais é do que onde houve uma inflamação e ficou um caroço, segundo a professora, cirro significa caroço e cirrose significa fígado encaroçado. Na histologia, observamos a perda da arquitetura normal dos hepatócitos por conta do processo inflamatório e a formação de nódulos a partir disso. Áreas de hepatócitos circundados por fibrose, que não tem contato com espaço porta nem veia centrolobular. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 *O grupo de hepatócitos que fica ilhado pela fibrose vão perdendo a sua função e podem entrar em sofrimento. A cirrose hepática pode ser classificada de duas formas, ela pode ser macronodular ou micronodular. Fígado com macronódulos decorrentes da cirrose hepática e não é algo neoplásico, o álcool é a principal causa de cirrose micronodular. Quando partimos para a visualização da cirrose micronodular, vemos pequenos nódulos e as hepatites B e C são as principais causas de micronodular. *A cirrose pode ser mista, tendo áreas de cirrose micronodular e macronodular. A etiologia da cirrose está em sua maior parte relacionada com o álcool, seguido de hepatite viral C, hepatite viral B e depois disso outras causas em menor número, como a esteatohepatite não alcoólica. O álcool é metabolizado no fígado e forma ácidos graxos, esse processo deposita dentro do hepatócito gotas de gordura, tomando conta da célula, isso se chama esteatose alcoólica, portanto, a esteatose macrogoticular é a primeira alteração histopatológica que vemos na cirrose hepática alcoólica. Essa esteatose macrogoticular vai levar a um sofrimento dos hepatócitos e necrosam, começa um processo inflamatório importante chamado de hepatite alcoólica, que vai provocar a fibrose, que, inicialmente, é peri veia centrolobular e depois vai ir até o espaço porta. *Corpúsculo de Mallory: Hepatócito que sofreu degeneração, sofreu apoptose e pode ser englobado por outro hepatócito, fazendo uma inclusão citoplasmática chamado de corpúsculo de Mallory, presente na esteatose alcoolica e não alcoolica, é um marcador importante de doença hepática. A presença de fibrose é o marcador de gravidade na hepatopatia alcoolica. Outra etiologia importante é a cirrose pelo vírus hepatotróficos, que são os vírus da hepatite B (vírus DNA, imagem 1) e o vírus da hepatite C (vírus RNA, imagem 2) sendo que o da hepatite B pode ser piorado pelo vírus delta, que é um vírus defectivo que mora dentro da hepatite B e leva a uma piora do quadro clínico e gravidade da doença. *Outros vírus como a hepatite E e A não levam a cronicidade. *Além disso, é importante pesquisar se a hepatite alcoolica e a por vírus podem coexistir no paciente. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Uma outra etiologia bem importante é a cirrose hepática causada pela esteatohepatite não alcoólica (NASH), por alterações causadas por obesidade, diabetes do tipo 2 e hiperlipidemia passa a ter um sofrimento hepático por conta da dificuldade do metabolismo dos ácidos graxos, o que leva a um estresse oxidativo importante por excesso de radicais livres e causa uma lesão no fígado, semelhante a doença alcoolica do ponto de vista histológico. Do ponto de vista clínico, a doença alcoolica tem predomínio de TGO ao invés da TGP, a esteatohepatite não alcoolica, que é uma doença plurimetabólica, ela tem predomínio de TGP. Outras causas podem existir, como a hemocromatose, que é uma doença hereditária na alteração do metabolismo do ferro, depositando ferro no fígado, esse depósito vai levando a um processo inflamatório e é causa de cirrose hepática, clinicamente desconfia disso quando está com ferritina elevada e a saturação de transferrina acima de 55%, ao se desconfiar disso deve pedir a alteração para ver hemocromatose. Outro lugar onde há muito deposito é o pâncreas, então pancreatite associada a cirrose hepática sempre temos que descartar hemocromatose. Assim como a hemocromatose, existem outras doenças de depósito geneticamente determinadas, como a doença de Wilson, que é um erro no metabolismo do cobre, há depósito de cobre na íris do paciente, denominado anel de Kayser-Fleischer e a característica dessa doença é que frequente ter alterações neurológicas e psiquiátricas, então, a existência de doenças neurológicas e psiquiátricas com hepatopatia crônica devemos desconfiar de doença de Wilson. Outra doença geneticamente causada é a deficiência de alfa 1 anti-tripsina, encontramos por deficiência um processo inflamatório importante desses pacientes, geralmente crianças e pessoas jovens. Quando há uma estase venosa importante no fígado, pode ter uma hepatopatia crônica com cirrose, paciente com ICC direita, pericardite constritiva, estenose de tricúspide ou pulmonar, nessas situações há uma grande sobrecarga direita que vai fazer com que o sangue que vem do fígado não consiga circular de forma correta, fazendo uma congestão dentro do fígado, que pode levar a um processo de fibrose que pode culminar numa cirrose hepática. Na síndrome de Budd-Chiari há uma trombose das veias hepáticas. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Essa síndrome leva a uma grande estase venosa, que promove fibrose no fígado e culmina com complicações importantes. Temos que pensar nessa síndrome quando o paciente tiver fenômenos tromboembólicos, como os que tem deficiência de fatores anticoagulantes ou aumento de fatores pró- coagulantes, pacientes com deficiência de proteína S, deficiência de proteína C, que tem erros de metabolismo presentes. *Gravidez possui aumento de risco tromboembólico e não é incomum ter sindrome de Budd-Chiari pós gravidez. Obstrução dos ductos biliares pode causar cirrose, seja qualquer for a etiologia da obstrução, como um tumor ou cálculo. Nas imagens vemos a dilatação importante das vias biliares, sendo que, se isso durar 4 meses ou mais pode evoluir para cirrose hepática. *A obstrução de via biliar deve ser drenada para poder poupar o fígado e melhorar o quadro clínico do paciente. Doenças autoimunes podem causar cirrose hepática, como cirrose biliar primária ou Colangite biliar primária, é uma doença ductular, vemos um processo inflamatório importante ao redor do ducto biliar na biópsia, ela pe marcada pelo anticorpo antimitocôndria. Outra doença é a Colangite esclerosante primária, é uma doença da via biliar com um processo inflamatório autoimune extremamente irregular levando a dilatações e estenoses com uma imagem em colar de pérolas, sãoprocessos fibróticos que levam a estenoses e dilatações, causa cirrose hepática e está intimamente ligada a doença inflamatória intestinal, principalmente retocolite ulcerativa, todo paciente com doença inflamatória intestinal pedimos FA e GGT pois eles são marcadores de colestase, se tiverem alterados pode indiciar a presença dessa doença. Outra doença autoimune é a hepatite autoimune, é um processo inflamatório no parênquima hepático marcado pelo anticorpo anti-músculo liso ou anti- LKN, sendo que a maioria dos pacientes com essa doença tem o primeiro marcador, e a minoria, principalmente crianças, tem o segundo marcador. O uso crônico de drogas é uma importante causa de cirrose, como metotrexate (utilizado para doenças autoimunes, imunomodulador, leva a fibrose e precisa de uma dose acime de 1250 mg da somatória da dose para começar a ter risco e acima de 1500 é preocupante de fazer), alfa- metildopa (anti-hipertensivo que deixou um pouco de ser utilizado) e amiodarona (dá uma lesão semelhante a esteato hepatite não alcoolica, é um antiarrítmico). Em relação aos aspectos clínicos da cirrose, ela pode ser compensada ou descompensada, e alguns aspectos importante para o diagnóstico são sexo, idade, profissão, antecedentes de icterícia, hepatite e transfusão de sangue, uso de drogas, uso de álcool, dor abdominal, emagrecimento, icterícia, ascite, hemorragia digestiva e encefalopatia hepática. *60 gramas/dia para o homem e 30 gramas/dia para a mulher de consumo de álcool são suficientes para dar sintoma. *A cirrose em si não causa dor abdominal, mas o evento que está causando a cirrose, como uma trombose de veia renal pode causar a dor. Em relação ao exame físico, temos que prestar atenção em algumas coisas, o estado geral é muito importante, nutrição, icterícia, hálito (cheiro de maçã podre), aranhas vasculares, eritema palmar, atrofia testicular, ginecomastia, alteração na distribuição de pelos, edema de mmii, é importante examinar o fígado, baço, verificar presença de ascite e circulação colateral. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Imagem mostrando aranhas vasculares, que são pequenas dilatações. Outras imagens de aranhas vasculares, que são causadas por microaneurismas de onde saem dilatações, sempre no meio vai haver um ponto, que, se apertarmos esse ponto, vai sumir a aranho, e quando soltarmos, vai voltar. Eritema palmar, que é um rubor importante nessa região. Ginecomastia decorrente do aumento do estrogênio circulante, e, assim que começa a ginecomastia, dói, é muito comum o homem procurar o serviço de saúde por conta da dor. Circulação colateral, que pode ser exuberante como essa que possui ascite volumosa e hérnia umbilical. *Todo paciente com risco de hepatopatia crônica é necessária colocar no prontuário se há presença ou ausência de sinais periféricos de hepatopatia crônica. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Hepatomegalia. *Cirrose hepática pode ter um tamanho de fígado aumentado, diminuído ou normal, só o tamanho do fígado não nos diz muita coisa. Esplenomegalia, podemos ver por baço aumentado ou Traube ocupado. O paciente pode estar desnutrido, professora citou sarcopenia, que dificulta muito o tratamento do paciente, podendo chegar sem músculo nenhum. Flapping é uma característica que precisa se pesquisar para ver encefalopatia hepática, que é a presença de derivados nitrogenados metabolizados pelas bactérias intestinais, absorvido e que vão em direção ao fígado, mas como há a cirrose, acontece um desvio do fluxo e esses derivados nitrogenados vão ultrapassar a barreira hematoencefálica e vão funcionar como falso neurotransmissor. - Aspectos laboratoriais da cirrose hepática: Hemograma (pancitopenia, diminuição de hemácias, leucócitos e plaquetas, sendo que quanto menor o número de plaquetas, maior o risco de ter fibrose avançada), TAP, bilirrubinas, ALT, AST, GGT, FA, albumina, ureia, creatinina 9essas duas precisam ser dosadas para avaliar a função renal), Na, K, análise de líquido ascítico (GASA, gradiente da albumina soro ascite), marcadores virais, autoanticorpos, ferro, saturação da transferrina, ceruloplamina e alfa 1 anti-tripsina. É necessário pedir EDA para todo paciente com suspeitada de hepatopatia crônica avançada para poder avaliar as varizes de esôfago. O principal risco desses pacientes é o sangramento, quando apresenta os red spots o risco é maior, partindo para uma profilaxia primária, com uma ligadura elástica ou injeções. Obrigatório pedir USG, não quer dizer que o paciente com o ultrassom normal não tenha cirrose, mas quando vemos um ultrassom alterado, significa que o paciente tem cirrose, portanto é um exame com baixa sensibilidade, mas alta especificidade. Analisar se o fígado tem aspecto de papel rasgado, heterogenicidade, fibrose peritportal, dilatação de veia porta (2ª imagem), baço aumentado, CHC, etc. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 A tomografia deve ser feita mais para pesquisa de nódulos e estado das veias do que Dx de hepatopatia crônica. Tomografia mostrando um CHC. *Elastografia, método que joga uma onda e vai ver a rigidez do fígado, é possível ver a quantidade de fibrose e classificar o grau e ver se tem cirrose ou não. A biópsia hepática só vai ser feita para aqueles pacientes que o Dx ficou impossível de ser dado por métodos não invasivos. Outro exame complementar que já foi muito utilizado é a laparoscopia, que é utilizada para ver o fígado e o baço por dentro. Lembrando que, a cirrose pode ser compensada ou descompensa, sendo que, a compensada tem 10% de chance ao ano de descompensar, e, depois que isso acontece, a sobrevida não é muito grande, em média de seis anos, apresentando icterícia, ascite, encefalopatia hepática e hemorragia digestiva. - Tratamento: Algo muito importante é o uso de uma dieta balanceada, não deve utilizar uma dieta com restrição de gordura, a dieta deve ter um grau de proteína de 1-1,2 g de proteína/dia, se tem ascite, faz uma restrição de sódio, mas não zero sódio (2g/dia). A abstinência do álcool é importante, fazer atividade física, evitar o uso de medicação hepatotóxica e evitar o uso de benzodiazepínicos (para não dar encefalopatia hepática). É importante fazer o tratamento da etiologia da doença também, na cirrose alcoolica é a abstinência do álcool, nas hepatites virais é o uso de medicações próprias, hepatite autoimune é corticoide e azatioprina, doença de Wilson é dpenicilamina, hemocromatose é sangria terapêutica e colangite biliar primária e colangite esclerosante primária é o ácido ursodesoxicólico. É importante fazer a profilaxia das complicações, como tratamento da ascite, prevenção e TTO da HD, TTO da encefalopatia hepática, prevenção de TTO da síndrome hepatorenal e prevenção do CHC. O tratamento definitivo é o transplante de fígado, deve ser indicado para cirrose hepática Child B, sangramento varicoso de repetição, encefalopatia hepática, peritonite bacteriana espontânea, prurido refratário e colangite de repetição. O MELD é a classificação da fila de transplante. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Complicações da Cirrose A cirrose hepática é uma condição grave que surge por uma agressão hepática crônica, ela tem como principais repercussões clinicas a hipertensão portal e a insuficiência hepática, é a partir dessas duas que surgem as complicações do paciente cirrótico. Alguns exemplos de complicações são hemorragia digestiva alta varicosa, ascite que pode infectar e surgir uma condição chamada de peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia hepática e síndrome hepatorenal. - Bases anatômicas da hipertensão portal: É importante lembrar que a irrigação hepática vem da veia porta e da artériahepática, com a presença da fibrose hepática, ocorre um aumento da resistência a chegada de sangue, isso aumenta a pressão no sistema anterior, que é o sistema porta, e, como uma forma de fuga do aumento dessa resistência, surgem as varizes de esôfago e esplenomegalia, por exemplo. - Varizes esofágicas: O desenvolvimento das varizes de esôfago é um marco muito importante para a hipertensão portal, essas varizes podem sangrar e é daí que vem a gravidade, os fatores preditores para o sangramento são o tamanho e calibre da variz, quanto maior possuem maior risco de sangrar, presença de sinais vermelhos no topo da variz chamados de red spots aumentam o risco de sangramento, a gravidade da doença hepática, quanto pior o prognostico maior a chance do paciente sangrar (Child C) e gradiente de pressão venoso-hepático, acima de 5mmHg tem o desenvolvimento da hipertensão portal, acima de 10 mmHg surgem as varizes de esôfago, e quando o gradiente está maior ou igual a 12 mmHg aumentam o risco de sangramento. Imagem mostrando o momento do sangramento da variz. Quando estamos de frente a um paciente com muito risco de sangrar, mas nunca sangrou, temos que adotar a profilaxia primária. Essa medida será usada para pacientes que tem varizes de médio ou grosso calibre, paciente com variz de fino calibre, mas com sinal preditor de disfunção hepática (Child B ou C) ou de fino calibre com red spots. Essa profilaxia é feita de duas maneiras, utilizar o betabloqueador não seletivo, o mais usado é o propranolol, ou lançar mão da ligadura elástica. No paciente que sangra, precisa interromper o sangramento, eles podem chegar com histórico de hematêmese ou melena, ou sangramento ativo, nesses fazemos reposição volêmica em pacientes instáveis, hipovolêmicos ou taquicardicos, drogas vasoativas que são os constritores esplâncnicos, a mais utilizada e de 1ª escolha é a terlipressina, e a antibioticoprofilaxia para prevenir peritonite bacteriana espontânea no paciente cirrótico com ascite e para diminuir o risco de sangramento, pois o antibiótico diminui a liberação de endotelina e Lucas Melo – Medicina Ufes 103 endotoxinas, que diminui o gradiente de pressão venoso-hepático, o que diminui a chance de sangrar, sendo que o antibiótico de escolha é a ceftriaxona (1g/dia por 7 dias) ou norfloxacino (400mg de 12/12 horas). *Regra das 8, manter a pressão do paciente em 80 e reposição média de hemoglobina de 8. Esse é o protocolo inicial para o paciente que está sangrando, antes mesmo de realizar a EDA, que sempre vai ser feita nas primeiras 12 horas para investigar a causa do sangramento e fazer o tratamento endoscópico, que é feito com a ligadura elástica ou escleroterapia. Após a realização da EDA e de um dos métodos de tratamento do sangramento, se há o controle do sangramento, vai adotar a profilaxia secundária que é a prevenção de um novo sangramento usando ligadura elástica e betabloqueador não seletivo (diferente da profilaxia primária que usamos só um dos dois, como o risco de sangrar aqui é maior, fazemos uma terapia combinada dos dois). Se o sangramento for persistente, vai repetir a endoscopia e tentar fazer outro método endoscópico para o sangramento, se persistir de novo, vai lançar mão do balão de Sengstaken- Blakemore (é um tratamento temporário) ou o TIPS (Shunt intra-hepático porto-sistêmico). Ligadura elástica. - Ascite: As principais causas de ascite são cirrose hepática (em 80% dos casos), carcinomatose peritoneal, insuficiência cardíaca, tuberculose peritoneal e outras causas, como sindrome nefrótica e pancreatite. A fisiopatologia da ascite envolve basicamente a pressão hidrostática, pressão oncótica e produção e reabsorção do líquido peritoneal. O aumento da pressão hidrostática pode ser causado por cirrose hepática, insuficiência cardíaca e pericardite constritiva, a redução da pressão oncótica pode ser causada por síndrome nefrótica, cirrose hepática e desnutrição. A produção do liquido peritoneal > reabsorção pode ser causada por tuberculose peritoneal e carcinomatose peritoneal. *O diagnóstico de ascite é clínico, feito por exame físico (piparote e macicez móvel) e história clínica. Os exames de imagem podem ajudar a confirmar a hipótese diagnóstica, e em casos para identificar as ascites menores, podemos lançar mão do USG. Todo paciente com ascite, devemos investigar a etiologia e fazer a paracentese diagnóstica, ela é feita em todo paciente internado com ascite no momento da admissão hospitalar, nos pacientes cirróticos vamos fazer a paracentese quando há uma deterioração do quadro clínico ou quando o paciente faz febre, fazemos para descartar a possibilidade de peritonite bacteriana espontânea. Na análise do líquido coletado, temos que nos atentar obrigatoriamente a contagem de células (avaliação de infecção), albumina, proteínas totais e cultura do LA. De forma opcional podemos fazer glicose/DHL, gram/cultura para TB, amilase/triglicerídeos, pesquisa de células neoplásicas. GASA – Gradiente de albumina soro-ascite, o cálculo do GASA é feito pelo gradiente da albumina do soro menos o gradiente da albumina do líquido ascitico. No mesmo momento que você solicita a albumina do líquido ascitico, você solicita a albumina sérica do paciente, e quando o resultado chegar, faz o cálculo e vai ter um valor X, se ele for maior que 1,1 estamos diante de um paciente com hipertensão portal, se ele for menor que 1,1 estamos diante de um paciente sem hipertensão portal. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Se o GASA é maior que 1,1 (ALTO), há hipertensão portal, sendo as principais causas dela a cirrose hepática, insuficiência cardíaca, metástases hepáticas e sindrome de Budd-Chiari. Quando tem um GASA baixo, são as outras causas de ascite, como carcinomatose peritoneal, sindrome nefrótica, peritonite tuberculosa e ascite pancreática. o Num paciente cirrótico, na análise do liquido ascitico temos uma contagem de leucócitos baixa (<500 células/mm3 e contagem de PMN<250), GASA maior ou igual a 1,1, proteína total <2,5g/dl (esse dado de proteína baixa é o diferencial entre insuficiência cardíaca e cirrose hepática) e é um líquido amarelo citrino. o Num paciente com ICC, os dados são todos iguais ao do paciente cirrótico, o que diferencia é a proteína total, que nesse caso é alta >2,5g/dl, geralmente é maior que 3, 4 e 5. o Na carcinomatose peritoneal, a contagem de leucócitos vai ser >500 células/mm3 (PMN<50%), GASA < 1,1, proteína total > 2,5 e coloração amarelo citrino ou hemorrágico. O tratamento da ascite do paciente cirrótico vai ser feito por: 1. Restrição de sódio (2g/dia). 2. Restrição hídrica se o sódio for menor que 120 mEq/L. 3. Diuréticos como espironolactona (inicia com 100mg e pode chegar a 400mg) ou furosemida (inicia com 40mg e pode chegar a 160mg). 4. Paracentese terapêutica com reposição de albumina (6 a 8 g/L LA) nos pacientes com ascite tensa ou ascite refratária, esse último é o paciente que não tolera usar diurético. *Paracentese sem reposição de albumina aumenta o risco de sindrome hepatorenal. - Peritonite bacteriana espontânea: é uma infecção do líquido ascítico que ocorre em cirróticos descompensados na ausência de uma fonte intra- abdominal de infecção (úlcera perfurada, divertículo que perfurou, etc). A prevalência de PBE em cirróticos internados é de 10 a 30%, com uma mortalidade alta de 20 a 30%. O surgimento da PBE se dá por translocação de bactérias entéricas e baixa capacidade de opsonização do LA por conta da baixa concentração de proteínas que diminui a capacidade de defesa. *Bactéria faz a translocação para o sangue, faz uma bacteremia, vai pela circulação até o peritônio e passa para o LA. *O fígado produz opsoninas, por issoquando está baixo aponta para um problema no fígado. O diagnóstico dela é feito pela contagem de PMN no LA >250/mm3 e proteína baixa, além da cultura positiva do LA, sendo que, na maioria das vezes, o paciente possui uma clínica de infecção, como febre, dor abdominal encefalopatia hepática, etc. O TTO de primeira escolha é a cefotaxima (no nosso meio utilizamos a ceftriaxona, que é uma cefalosporina de 3ª geração) associada a albumina em 2 condições, quando o paciente tem creatinina maior ou igual a 1 ou bilirrubina maior do que 4, pois esses dois são fatores de risco de disfunção renal, ou seja, associar a albumina para prevenir sindrome hepatorenal. Todo paciente com dx de PBE tem o risco de ter novamente, então a medida para prevenir a recorrência dessa infecção é a profilaxia secundária com norfloxacina 400mg/dia em uso contínuo até que o paciente seja transplantado ou resolva a ascite. - Encefalopatia hepática: Surge por alterações neuropsíquicas que são reversíveis, mas existem pacientes muito graves que podem ter encefalopatia hepática persistente, ela possui um amplo espectro clínico (de subclínica até o coma), maior chance de ocorrer em pacientes com cirrose hepática descompensada, pode acontecer quando Lucas Melo – Medicina Ufes 103 tem a formação de shunts porto-sistêmicos e na insuficiência hepática aguda grave. *O marco importante do grau 1 é a inversão do ciclo sono-vigília, o do grau 2 é o asterixis, que é o Flapping. A patogenia é o aumento dos níveis de amônia, por conta da diminuição da metabolização da amônia no fígado que vai passar a barreira hematoencefálica, ação de falsos neurotransmissores (octopamina e feniletanolamina), aumento de número e sensibilidade de receptores GABA/benzodiazepínicos que são inibidores do SNC. Sempre precisamos identificar algum fator precipitador dessa condição, o mais comum deles é infecção (TB/ITU/PBE), ainda podem ser hemorragia digestiva, ingestão excessiva de proteínas (faz aumento da quantidade de amônia), hipocalemia, uso de benzodiazepínicos, insuficiência renal e TIPS. O dx é clínico com a história clínica e exame físico, paciente tem alterações neuropsíquicas, com Flapping, hálito hepático, pode fazer testes psicométricos, como o teste de conexão numérica, micrografia, e pode fazer eletroencefalograma onde encontramos ondas theta e delta. O TTO é a identificação e correção do fator que desencadeou a encefalopatia, suspender o uso de diuréticos, restringir proteínas da dieta de origem animal (modificando as proteínas que o paciente come, proteína da clara do ovo, leite e vegetais são melhores digeridas), atividade física (NH3 também é metabolizado no músculo) e suporte calórico adequado. O tratamento medicamentoso é feito com lactulose (10 a 30 ml 3x/dia) que reduz as bactérias que fazem a conversão da ureia em amônia, rifaximina, neomicina (2 a 6 g/dia) e metronidazol (750 mg/dia). - Síndrome hepatorenal: é uma insuficiência renal funcional que ocorre em pacientes com cirrose avançada na ausência de evidência clínica, anatomica e laboratorial de doença renal, é algo funcional pela constrição das arteríolas renais. É uma complicação muito grave em pacientes cirróticos com ascite, o prognóstico é muito reservado e a mortalidade chega a 90%. SHR é um distúrbio funcional, com alterações histológicas mínimas ou ausentes, o rim transplantado para paciente com insuficiência renal funciona normalmente e o transplante de fígado tende a reverter esse quadro. É classificada em tipo 1 e 2, sendo que o tipo 1 tem uma evolução rápida e progressiva da perda da função renal em curto período de tempo (dias ou semanas), e o tipo 2 tem uma evolução mais lenta e progressiva, com uma sobrevida superior ao tipo 1, e o paciente perfil desse tipo é aquele que tem ascite refratária. Os critérios para dx são: 1. Cirrose com ascite. 2. Lesão renal aguda pelos critérios de ICA-AKI. 3. Ausência de melhora nos valores de creatinina após pelo menos dois dias da interrupção do uso de diuréticos e iniciada expansão com albumina (1g/kg de peso). *Aumento de pelo menos 0,3 na creatinina nas últimas 48 horas ou nos últimos 7 dias já é critério para diagnóstico. 4. Excluir se o paciente está chocado ou perdeu sangue na hemorragia digestiva. 5. Afastar o uso recente ou recorrente de drogas nefrotóxicas. 6. Ver se o paciente tem doença renal parenquimatosa. O TTO de melhor escolha é a prevenção, transplante renal e evitar e tratar os fatores precipitantes, como paracentese sem reposição de albumina, PBE e hemorragia.
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