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Júlia Duques dos Santos – RA: 136.423 Os obstáculos da formação de uma nação: liberdade religiosa e cidadãos brasileiros Esta análise tem como principal objetivo abordar as constituições direta ou indiretamente destinadas ao Brasil com as menções e o contexto que nelas utilizam sobre a temática de conceitos de cidadania com abordagem religiosa, sendo elas: Constituição Portuguesa de 1822, Projeto de Constituição para o Império do Brasil de 1823, Projeto de Constituição de 1823 publicada pelo jornal Correio do Rio de Janeiro em vinte de setembro de 1823 e Constituição Do Império do Brasil de 1824. Desde a Constituição Portuguesa até as constituições de um Brasil independente, a religião católica é reconhecida como a oficial do Estado, mas não eram consideradas ilegais as diferentes práticas religiosas, sendo essas expressadas em forma particular pelo cidadão. Exceto pela Constituição de 1823, mencionadas nos artigos 14 e 15, em que a liberdade se estendia apenas para cristãos, e o exercício de outra crença resultaria na inibição dos direitos políticos. Na Assembleia Constituinte convocada em três de maio de 1823, o contexto de liberdade religiosa foi abordado, sendo dado como lei o direito do cidadão a praticar qualquer crença, como apontado por Guilherme Pereira das Neves1, onde o autor apresenta diversos depoimentos da Assembleia Constituinte como a do advogado Manuel José de Sousa França, em que ele declara “Todavia do direito de liberdade civil, com que o cidadão pode crer ou deixar de crer aquilo que lhe se ensina; porque crer ou não crer não é crime.”2 Neves também expõe outros depoimentos como o do Visconde de Cairu, José Silva Lisboa, que ao relembrar os acontecimentos da Revolução Francesa afirma que sem a influência do catolicismo o Império ficará instável3. Seria esse um forte argumento contra a liberdade religiosa, sendo que para uma nação iniciante, a instabilidade do império era algo preocupante, além da quebra de costumes, mas em principal o temor de uma revolução popular. Apesar dos contrapontos, a liberdade religiosa foi declarada como um direito do cidadão brasileiro em todas as Constituições, desde que seu culto seja doméstico e não afete o povo publicamente. Porém, mesmo a liberdade religiosa sendo incorporada nas constituições, valia somente aos que eram considerados cidadãos, isso restringia a uma parcela mínima da 1 O Brasil Imperial – Vol.1– 1808-1831, organização de Keila Grinberg e Ricardo Salles, capítulo XI A religião do império e a Igreja de Guilherme Pereira Neves, 2011, não há numeração de página. 2 Diário de Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823, v.3, p.332. 3 Diário de Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823, v.3, p.207. população, excluindo principalmente indígena e escravos. O deputado paulista, Nicolau Vergueiro propôs na Assembleia Geral, na sessão de 23 de setembro de 1823, que a palavra “membros” fosse substituída por “cidadãos”4 gerando uma discussão sobre quem seriam esses cidadãos. O mesmo declara que “Pouco importa, que nem todos gozem dos mesmos direitos, e que alguns não exercitem os direitos políticos por não terem os requisitos.”5. Vergueiro desconsiderou escravos, por serem mercadorias, e indígenas por não serem membros da sociedade civil. Em um primeiro ponto, focando na exclusão indígena, Fernanda Sposito em seu livro “Nem cidadãos, nem brasileiros” aborda que a situação destes dentro da sociedade nacional fazia com que fossem forçados a uma cultura ocidental. Os indígenas, cativos ou não, só estariam dentro da sociedade nacional uma vez que estivessem imbuídos na cultura ocidental, abandonando seus hábitos de origem, como idioma, vestuário, religião. Isso implica que eles poderiam compor a nação à medida que deixassem de ser justamente o que eram: índios. (SPOSITO, 2012, p. 33). Em nenhuma das constituições os indígenas são abordados, nem nos artigos dos que não são considerados cidadãos, pois se quer são considerados civilizados. E mesmo antes da independência, índios não eram vistos como civilizados, essa linha de raciocínio de propaga até a exclusão dos povos indígenas nas leis direcionadas apenas aos cidadãos brasileiros, ponto que Fernanda Sposito aborda apontando o que seria necessário para um índio ser considerado civilizado, e que a princípio não há nenhuma lei nacional para indígenas até 1840 e 1850. Ademais num segundo ponto, novamente nas constituições - exceto pela de 1824 - foram considerados civis apenas escravos libertos. Andrea Slemian, em seu texto Seriam todos cidadãos? Diz que até os estudos recentes apontam a extrema dificuldade da concretização da cidadania.6 Para ir mais a fundo do tema, a autora cita Richard Graham que diz que mesmo que o Estado que se formou no Brasil fosse muito mais liberal nas suas preposições em relação aos seus contemporâneos, concebe que isso teve apenas desdobramentos negativos para os “homens de cor”, pois enquanto os escravos permaneciam como um grupo controlado de fato por serem propriedade, os libertos praticamente “desapareciam das leis” 7. E mesmo que sendo considerados cidadãos das constituições de 1822 e 1823, os ex-escravos tinham inúmeros 4 Palavras da autora Fernanda Sposito em Nem cidadãos, nem brasileiros para resumir o pensamento do deputado, p. 24. 5 SPOSITO, Nem cidadãos, nem brasileiros, 2012, p.31. 6 Palavras da autora Andrea Slemian em Seriam todos cidadãos? p. 832. 7 Dimensiones de la cuidadanía en el Brasil del siglo XIX”, in: Hilda Sábato. Ciudadanía política y formación de las naciones. Perspectivas históricas de América Latina. México: Fondo de Cultura Econômica, 1999, pp. 345- 70 obstáculos para exercer seus direitos políticos, pela dificuldade de obter e acumular a renda mínima aceita para quais quer atos na política, que seria uma obrigatoriedade da lei, além das enormes barreiras para se tornar livre e aceito moralmente na sociedade. Como citado no início da análise, a liberdade religiosa era direcionada apenas para cidadãos, todavia escravos e indígenas não eram considerados membros civilizados beneficiados dos direitos da constituição. Por tanto suas práticas religiosas eram descriminadas, como João José Reis mostra ao dizer que durante a escravidão, e mesmo após, as expressões religiosas negras foram descritas por escrivães da polícia que narravam invasões de terreiros e derrotas de revoltas, por autoridades eclesiásticas e civis preocupadas em combater a “feitiçaria” e a subversão dos costumes, por viajantes do estrangeiro ávidos pelo exótico8. O mesmo se atribui as práticas indígenas, que apesar de serem práticas completamente diferentes, o preconceito exercido pela sociedade civil sobre esses grupos eram o mesmo. Mesmo um ex- escravo considerado cidadão, enfrentaria diversas situações para realizar sua crença, por exemplo, se praticasse seus costumes durante atividade da Constituição de 1823, teria seus direitos políticos negados. Sendo negros e indígenas submetidos a uma cultura europeia onde a intolerância religiosa está presente no pré e pós-independência. BIBLIOGRAFIA A Constituição Portuguesa, 1822. Carta Constitucional de 1824. Constituinte de 1823. Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823, p. 207 e 332. Projeto de Constituição publicado no jornal Correio do Rio de Janeiro. NEVES, A religião do império e a Igreja, Rio de Janeiro, 2ª Edição, Editora Civilização Brasileira, 2011. REIS, Magia Jeje na Bahia: A invasão do Calundu do Pasto de Cachoeira, 1785, São Paulo, Revista Brasileira de História, 1988, p. 57 e 58. SLEMIAN Seriam todos cidadãos? 2005, São Paulo, Editora Hucitec, p. 832. SPOSITO, Nem cidadãos, nem brasileiros– Indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1842), 2012, p. 24 e 33. REIS, Magia Jeje na Bahia: A invasão do Calundu do Pasto de Cachoeira, 1785, São Paulo, 8 Magia Jeje na Bahia: A invasão do Calundu do Pasto de Cachoeira, 1785, João José Reis, p. 57-58. Revista Brasileira de História, 1988, p. 57 e 58.