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Apostila Bioquímica dos Sistemas Cardiovascular e Respiratório Professores: Russolina Zingali Robson Monteiro 2 SUMÁRIO UNIDADE 1. Metabolismo do Miocárdio ........................................... pág. 03 UNIDADE 2. Sistema Hemostático .................................................... pág. 19 UNIDADE 3. Regulação do Processo Hemostático ......................... pág. 47 UNIDADE 4. Testes de Hemostasia ................................................... pág. 67 UNIDADE 5. Hemácias e Grupos Sanguíneos .................................. pág. 75 UNIDADE 6. Metabolismo da Hemácia .............................................. pág. 87 UNIDADE 7. Hemoglobina e Mioglobina ........................................... pág. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... pág. 122 ANEXOS I. Anemia e Índices Hematimétricos .................................................. pág. 125 II. Aula Prática 1 – Testes de Hemostasia ........................................ pág. 140 III. Aula Prática 2 – Índices Hematimétricos e Determinação de Grupo Sanguíneo ................................................................................ pág. 143 3 UNIDADE 1 4 1. METABOLISMO DO MIOCÁRDIO 1.1. INTRODUÇÃO O coração necessita de energia diariamente para poder exercer a sua função de bombear o sangue por todo o corpo humano e, assim, perfundir os tecidos. Para que isso ocorra em harmonia, é necessário que haja uma oferta contínua de oxigênio e substratos energéticos, o que é obtido através da circulação coronariana. A utilização de cada substrato pelo coração é definida tanto pela concentração arterial de cada um deles, quanto pela demanda energética do miocárdio em determinado momento. 1.2. COMBUSTÍVEIS DO CORAÇÃO HUMANO As principais fontes de energia do coração são carboidratos e ácidos graxos, os quais são utilizados em maior proporção nos estados pós-prandial e de jejum, respectivamente. Em jejum, ou no período entre as refeições, o nível de ácidos graxos livres no sangue é alto, e estes são preferencialmente utilizados para o metabolismo oxidativo (Figura 1), tornando-se então a principal fonte de energia. Quando os ácidos graxos são oxidados, a oxidação da glicose é inibida, e a mesma é altamente convertida a glicogênio. Este fenômeno é conhecido como “o efeito econômico da oxidação do ácido graxo”. Inversamente, quando os níveis de glicose e insulina circulantes estão elevados, os níveis de ácidos graxos circulantes são suprimidos; logo, o coração diminui a captação dos mesmos e, com isso, a inibição da glicólise pelos ácidos graxos é removida, e a oxidação da glicose é aumentada. Além disso, o próprio metabolismo da glicose suprime diretamente a oxidação de ácidos graxos (Figura 2). Refeições ricas em gorduras levam a um aumento acentuado de triglicerídeos no sangue durante a lipemia pós-prandial. Nestes casos, a enzima lipase lipoprotéica converte o triglicerídeo a ácidos graxos, que então entra nas vias de oxidação dos mesmos. Nestas circunstâncias excepcionais, os triglicerídeos circulantes tornam-se o principal combustível do miocárdio. Durante exercícios físicos intensos, o nível de lactato sanguíneo eleva-se e este se torna o principal combustível do coração, enquanto a oxidação da glicose e a captação de ácidos graxos passam a contribuir para a obtenção de apenas 15-20% da energia necessária ao coração durante o exercício. Os corpos cetônicos contribuem significativamente para o metabolismo energético do coração somente em estado de jejum ou em cetose diabética severa, pois, assim como os ácidos graxos e o lactato, sua utilização é dependente de sua concentração. Finalmente, na isquemia, vale ressaltar que o padrão de captação de substratos modifica-se de uma predominância da utilização de lipídeos para a de carboidratos. 5 Figura 1. Metabolismo Oxidativo dos Ácidos Graxos. Quando o nível sanguíneo de ácidos graxos livres (FFA) é alto, estes são utilizados como a principal fonte de energia do coração. Além disso, enquanto os ácidos graxos são oxidados, a oxidação da glicose encontra-se reduzida, e a mesma é altamente convertida a glicogênio. GS = glicogênio sintase; PFK = fosfofrutoquinase; PDC = complexo piruvato desidrogenase. Figura 2. Controle da Insulina sobre a Absorção da Glicose pelo Coração. Quando os níveis de glicose e insulina circulantes estão elevados, o coração diminui a absorção dos ácidos graxos, e a oxidação da glicose é aumentada. 6 1.2.1. Ciclo Glicose-Ácido Graxo O ciclo glicose-ácido graxo, primeiramente descrito por Randle e colaboradores (1963), é baseado na variação dos papéis relativos da glicose e do ácido graxo como principais fontes de energia entre os estados abastecidos e em jejum (Figura 3). A produção cíclica (liga/desliga) de ácido graxo pelo tecido adiposo é o evento básico no ciclo. Durante o jejum, o tecido adiposo é quebrado para liberar ácidos graxos, inibindo o metabolismo da glicose pelo coração. Após as refeições, a presença de glicose estimula a produção de insulina e a primeira torna-se o principal combustível. A contribuição de determinado combustível para o metabolismo oxidativo do coração varia no decorrer do dia de acordo com seus níveis circulantes, assim como com o tipo de alimento ingerido e com a prática de exercício físico. Figura 3. Metabolismo Cardíaco da Glicose e dos Ácidos Graxos. Os miócitos cardíacos transportam a glicose para o seu interior através dos transportadores específicos GLUT 1 e GLUT 4. A glicose é metabolizada na via glicolítica e produz piruvato, que pode ser então oxidado na mitocôndria a acetil CoA pela enzima piruvato desidrogenase (PDH). A acetil CoA entra no ciclo do ácido cítrico e gera equivalentes redutores para a produção de ATP na cadeia transportadora de elétrons. Já os ácidos graxos entram nos miócitos por difusão passiva ou mediada por translocases específicas. Estes são então esterificados pela acil CoA sintase e subsequentemente transportados à mitocôndria pela via da carnitina acil transferase 1 (CAT-1 ou CPT-1, no esquema), onde são oxidados e geram acetil CoA. 7 1.2.2. Metabolismo Oxidativo da Glicose A captação da glicose pelas células cardíacas é controlada pelos transportadores de glicose GLUT 4 e GLUT 1 (Figura 2). Como a concentração de glicose no meio extracelular é maior do que no intracelular, este transporte não requer energia. A absorção da glicose aumenta sempre que os transportadores são estimulados, como durante o trabalho cardíaco aumentado, no período pós- prandial, ou em situações de hipóxia ou isquemia, condições estas que aumentam também a glicólise. Por outro lado, a absorção da glicose é reduzida pelos fatores que inibem a glicólise, como um baixo trabalho cardíaco, o jejum, ou em casos de diabetes mellitus severa. Nas últimas duas condições, o nível de ácidos graxos no sangue encontra-se elevado. No período pós-prandial com consumo de carboidratos, os níveis circulatórios de glicose elevam-se e a liberação de insulina, um hormônio circulante, é estimulada. Esta aumenta o número dos transportadores de glicose GLUT 4 e GLUT 1 no sarcolema (Figura 2), translocando-os de sítios internos não disponíveis para sítios externos. Logo, a insulina estimula a taxa de reciclagem desses transportadoresentre sítios internos e externos. A insulina se liga a receptores específicos, os quais consistem de uma sub-unidade externa e uma sub-unidade interna. A ligação da insulina na sub-unidade leva a uma autofosforilação da sub-unidade , a qual amplifica fortemente o efeito da insulina e promove a ativação de tirosina cinases, desencadeando vias de sinalização celulares que irão culminar, por exemplo, em um aumento da atividade de enzimas como a glicogênio sintase e a piruvato desidrogenase. Em diversas doenças, tais como a diabete tardia, falha cardíaca congestiva e alguns tipos de hipertensão, o transporte de glicose encontra-se prejudicado mesmo com níveis de insulina aparentemente normais ou até elevados. Estes são casos de resistência à insulina. 1.2.3. Via Glicolítica A glicólise é a via metabólica que converte a glicose a piruvato (Figura 4a). Durante o metabolismo oxidativo normal, a glicose gera piruvato, que então é oxidado no ciclo do ácido cítrico (ou Ciclo de Krebs). Ao entrar na célula cardíaca, a glicose é rapidamente convertida pela enzima unidirecional hexoquinase a glicose 6-fosfato. Esta é então dirigida para a síntese de glicogênio ou para a glicólise. Na glicólise, a glicose-6-fosfato é convertida a frutose 1,6-bisfosfato pela fosfofrutoquinase (PFK), uma das enzimas que regulam o fluxo desta via. Quando sua atividade é aumentada, como em hipóxia, a conversão da glicose 6-fosfato a frutose 1,6-bisfosfato, via frutose 6-fosfato, ocorre em uma taxa aumentada (Figura 4a). glicose + ATP glicose 6-fosfato + ADP glicose 6-fosfato frutose 6-fosfato hexoquinase 8 frutose 6-fosfato + ATP frutose 1,6-bisfosfato + ADP Depois disso, cada frutose 1,6-bisfosfato é convertida a duas moléculas de trioses fosfato (Figura 4a). Nas etapas seguintes, duas moléculas de piruvato e quatro de ATP são formadas independentemente da presença de oxigênio, além de 2 (NADH + H+) (Figura 4a). frutose 1,6-difosfato + 2 Pi + 4 ADP + 2 NAD+ 2 x piruvato + 4 ATP + 2 NADH + + 2 H+ + 2 H2O Logo, no balanço geral, uma molécula de glicose gera duas de ATP, duas de piruvato, duas de H2O, e dois (NADH + H +). Figura 4. Metabolismo Aeróbio e Anaeróbio da Glicose. a) Via glicolítica: a via metabólica da conversão da glicose a piruvato. b) Destinos do piruvato dependendo das condições de oxigênio: anaeróbia – formação de lactato; aeróbia – descarboxilação oxidativa. LDH = lactato desidrogenase; PDH = piruvato desidrogenase. PFK a. LDH b. PDH 9 Cabe ressaltar que existe um controle intracelular coordenado da glicólise, de tal modo que a absorção e fosforilação da glicose, a atividade da PFK e a da piruvato desidrogenase podem aumentar ou diminuir simultaneamente em resposta a um trabalho aumentado do coração, assim como a outros estímulos. Esses são, portanto, pontos-chave no controle da glicólise. 1.2.4. Metabolismo Aeróbico dos Ácidos Graxos (AGs) O metabolismo miocárdico dos AGs começa em função de seus níveis circulantes. Ou seja, quanto maior o seu nível, maior será a relação molar AG/albumina, e maior será a captação dos AGs pelo miocardio. Uma vez captados, os AGs passam por uma série de mudanças até a formação de moléculas de acetil CoA. O primeiro passo desta via é a ativação dos AGs intracelulares pela coenzima A (CoA) para formar derivados de acil CoA. A membrana mitocondrial não é permeável a essas moléculas, que necessitam, portanto, serem transformadas e transportadas para o interior da mitocôndria. Inicialmente, as moléculas de acil CoA combinam-se com a carnitina, formando acil carnitina, que é transportada pelo sistema carreador de carnitina para o espaço mitocondrial interno. Depois disso, as longas cadeias de acil CoA, já livres de carnitina, sofrem -oxidação e progressivamente são formadas moléculas de acetil CoA, as quais são oxidadas no ciclo do ácido cítrico e finalmente levam à geração de ATP. Qualquer AG intracelular não oxidado pode ser estocado como triglicérides ou transformado em lipídeos estruturais por alterações no grau de saturação. Os triglicérides (ou triacilgliceróis) teciduais podem ser fontes de ácidos graxos quando os níveis destes estão baixos na circulação (Figura 5). Sumário das etapas do metabolismo dos AGs: 1. AG intracelular reage com CoA e forma acil CoA extramitocondrial: AG + CoA + ATP acil CoA + AMP + PPi 2. Acil CoA extramitocondrial reage com a carnitina e forma acil cartinina, reação essa catalisada pela enzima carnitina acil transferase 1 (CAT-1); 3. A enzima carnitina acil translocase transloca a acil carnitina extramitocondrial para o espaço intramitocondrial; 4. A enzima carnitina acil transferase 2 (CAT-2) permite à acil carnitina intramitocondrial reagir com a CoA, e ocorre a liberação de acil CoA intramitocondrial e carnitina. Esta última é exportada de volta ao citoplasma; 5. A acil CoA intramitocondrial sofre -oxidação e forma unidades de dois carbonos de acetil CoA, que entram no ciclo do ácido cítrico; 6. Quando os níveis de captação de AGs são bem elevados, ocorre mais formação de acetil CoA do que o ciclo do ácido cítrico é capaz de consumir. Nestes casos, o excesso de acetil CoA pode também reagir com carnitina intramitocondrial, formando acetil carnitina, que é transportada ao espaço extramitocondrial pela enzima carnitina-acetil translocase, onde ocorre formação de acetil CoA citoplasmático. Este pode então sofre transformação a malonil CoA, que provê um feedback inibitório. Acil CoA sintetase 10 O malonil CoA é produzido sempre que elevados níveis de acetil CoA citossólico estão presentes devido ao alto metabolismo de AGs, ou às altas taxas de oxidação da glicose. 1.2.5. -Oxidação A -oxidação converte a longa cadeia de acil CoA em fragmentos de dois carbonos de acetil CoA. A oxidação do AG continuamente remove uma molécula de acetil CoA da terminação carboxi da cadeia. Durante o esforço cardíaco aumentado, a mitocôndria torna-se mais oxidada. Os níveis intramitocondriais de NADH2 e FADH2 diminuem, e ocorre um aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos. Por outro lado, na anaerobiose, os níveis de NADH2 e FADH2 aumentam, como resultado de uma redução da taxa de -oxidação devido ao diminuído transporte de elétrons. Figura 5. Descrição detalhada da absorção e degradação dos ácidos graxos pela mitocôndria. Os números correspondem às enzimas acil CoA sintase (1), carnitina acil transferase 1 (2), carnitina acil translocase (3), carnitina acil transferase 2 (4) e 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase (5). Fp = flavoproteína, NAD + = nicotinamida adenina dinucleotídeo oxidada, NADH = nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzida. 11 Um resumo do metabolismo energético das células cardíacas está representado na Figura 6. Figura 6. Representação esquemática da absorção e metabolismo dos substratos nas células musculares cardíacas. FAT, fatty acid translocase; FABP, sarcoplasmic fatty acid-binding protein; NAD, nicotinamide adenine dinucleotide; NADH, reduced niconamide adenine dinucleotide. 1.2.6. Piruvato e Lactato O piruvato é formado a partir do lactato absorvido pelo coração e pela degradação da glicose, e situa-se na intersecção da glicólise e do metabolismo oxidativo no ciclo do ácido cítrico. No coração anaeróbico, o piruvato forma lactato; noaeróbico, sofre descarboxilação oxidativa e entra no ciclo do ácido cítrico. Esta reação ocorre pela atividade do complexo enzimático da piruvato desidrogenase (PDH) (Figura 4b), encontrado na membrana interna da mitocôndria. Os produtos desta reação de múltiplas etapas incluem a acetil Coa e NADH2. A primeira entra diretamente no ciclo de Krebs e é totalmente oxidada a CO2 e H2O, e a segunda forma ATP pela fosforilação oxidativa. A piruvato desidrogenase é encontrada tanto na forma ativa como na inativa. Normalmente, encontra-se na forma inativa, mas pode ser ativada pelo aumento do esforço cardíaco, pelas catecolaminas ou pelas altas taxas de glicólise do estado pós-prandial. Por outro lado, a enzima é inibida pela formação 12 de NADH2 na isquemia ou na hipóxia, ou pela oxidação dos ácidos graxos. A inibição desta enzima é o evento-chave na inibição da glicólise durante a oxidação dos ácidos graxos. O lactato é absorvido pelo coração aeróbico e produzido durante a anaerobiose; então, a sua liberação no seio coronário pode ser usada como um sinal de isquemia do miocárdio. A contribuição do lactato para as necessidades de energia de um miocárdio bem oxigenado pode aumentar a até 60% quando o seu nível em circulação encontra-se elevado, como por exemplo durante e logo após exercício físico. Durante infusão de lactato, a contribuição do mesmo pode subir a até 90%. O lactato é um combustível muito menos importante quando seu nível está baixo, ou quando os níveis dos ácidos graxos estão elevados. A absorção do lactato pelo coração depende de um sistema de transporte específico, pois o sarcolema não é livremente permeável ao mesmo. Uma vez absorvido, o lactato é convertido a piruvato pela lactato desidrogenase (LDH), sendo que esta reação é reversível: LDH lactato + NAD+ piruvato + NADH + H+ Existem cinco isoformas de LDH, nomeadas de acordo com suas migrações eletroforéticas. Cada enzima é composta de quatro subunidades do tipo H ou M. A isoforma cardíaca é constituída predominantemente de subunidade H, e é conhecida como LDH-1. Pode-se estimar o tamanho de um infarto do miocárdio dosando-se a taxa de aparecimento e desaparecimento de LDH-1 no sangue periférico, com picos entre 35-43 horas após o aparecimento dos sintomas. 1.2.7. Corpos Cetônicos Os corpos cetônicos (CC) são formados no fígado em decorrência do metabolismo excessivo de ácidos graxos através da β-oxidação. Esse processo, como já mencionado anteriormente, consiste na degradação dos ácidos graxos nas mitocôndrias através da liberação progressiva de fragmentos de dois carbonos, na forma de acetil Coenzima A (acetil CoA). Durante um jejum prolongado, quando a glicemia encontra-se muito baixa, os níveis de ácidos graxos elevados, os níveis de insulina baixos e os de glucagon altos, há estímulo para a gliconeogênese, que ocorre principalmente no fígado, e desvia o oxaloacetato do ciclo do ácido cítrico. A gliconeogênese aumentada é necessária porque alguns órgãos nobres, como o cérebro, utilizam principalmente a glicose como fonte energética. Desta forma, ocorre o acúmulo de acetil CoA pelo metabolismo excessivo de ácidos graxos, e diminuição da via do ácido cítrico devido ao desvio do oxaloacetato para a gliconeogênese. Com esse acúmulo, ocorre aumento na produção de corpos cetônicos pelo fígado que se formam pela união de duas moléculas de acetil CoA. Inicialmente, é formado acetoacetato, que é transportado pelo sangue do fígado para diversos órgãos que podem utilizá-lo como fonte energética. O acetoacetato é ainda convertido a β- 13 hidroxibutirato ou acetona. Esses três compostos são denominados corpos cetônicos (Figura 7). Figura 7. Síntese dos Corpos Cetônicos. Duas moléculas de acetil CoA se juntam e formam o acetoacetato, que pode se transformar em -hidroxibutirato ou acetona. Corpos cetônicos: acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. Portanto, quando grande parte da energia do organismo provém do metabolismo das gorduras, como na inanição, nas dietas ricas em gorduras e no diabetes não tratado, aumenta a produção de corpos cetônicos. A utilização desses compostos pelas células cardíacas é mediada pela enzima tiolase, que realiza a reação inversa e converte corpos cetônicos em duas moléculas de acetil CoA. Como no miocárdio não ocorre gliconeogênese e, nessas células, o oxalacetato não é desviado do ciclo do ácido cítrico, o acetil CoA formado segue nesta via, gerando energia para o coração. Nos diabéticos descompensados, mesmo que a glicemia esteja elevada, a glicose não consegue ser absorvida pelas células insulino-dependentes, uma vez que o estímulo para a exposição dos transportadores GLUT 1 e GLUT 4 dado pela insulina não encontra-se ativo, por falta de ou resistência a esse hormônio. Logo, observa-se uma intensa produção hepática de corpos cetônicos nesses pacientes, assim como uma grande utilização desses substratos como fonte de energia pelos miócitos cardíacos, mesmo em situações pós-prandiais. Vale ressaltar que o acúmulo de corpos cetônicos na corrente sanguínea (cetose), observado na diabetes não tratada, pode levar a um quadro de acidose metabólica severa (cetoacidose) nesses indivíduos. 14 1.3. PRINCIPAIS RESERVAS DE ENERGIA O coração possui reservas de energia que são poupadas para momentos de carência energética, como por exemplo, durante a isquemia. A isquemia é a interrupção do fluxo sangüíneo para determinado órgão, diferente da hipóxia, que é a interrupção apenas da chegada de oxigênio, podendo ou não haver fluxo sangüíneo. Durante uma isquemia, portanto, o coração fica privado tanto dos substratos energéticos, como ácidos graxos, glicose, lactato e corpos cetônicos, quanto de hormônios como glucagon e adrenalina. Para continuar funcionando, então, os miócitos cardíacos utilizam suas principais reservas energéticas: creatina-fosfato e glicogênio. 1.3.1. Creatina-Fosfato O miocárdio utiliza as reservas de creatina fosfato, principalmente, para a manutenção da integridade da membrana plasmática (mantém os canais dependentes de ATP). A creatina fosfato transfere fosfato ao ADP, formando creatina e restaurando os níveis de ATP, cuja produção está muito reduzida durante a isquemia. Essa reação é catalisada pela enzima creatina fosfoquinase cardíaca (CPK-MB). Essa mesma enzima também se localiza próximo à membrana mitocondrial, e, nessa região, quando as ofertas de oxigênio e ATP são normalizadas, a CPK-MB restaura os níveis de creatina fosfato através da reação inversa. Assim, a creatina fosfato é uma fonte energética de curtíssima duração. 1.3.2. Glicogênio O glicogênio é um polissacarídeo constituído de várias moléculas de glicose, que forma grandes grânulos no citoplasma da célula cardíaca. As moléculas de glicogênio estão em constante estado de turnover, como resultado das taxas variáveis de síntese e degradação das mesmas. As vias de síntese e degradação do glicogênio são realizadas por dois sistemas de enzimas diferentes. A síntese ocorre em altas taxas nos períodos pós-prandiais sob influência da insulina, que aumenta a absorção da glicose e estimula a atividade da enzima glicogênio sintase (Figura 1). A síntese do glicogênio parece também acontecer após intenso esforço cardíaco ou após isquemia, quando o glicogênio é depletado, sugerindo que a própria diminuição dos níveis de glicogênio é capaz de estimular sua produção. No estado de jejum, embora haja falta de insulina, a síntese do glicogênio ainda pode ocorrer, mesmo que em menor taxa, porque a glicogênio sintase é estimulada por altos níveis miocárdicos de glicose 6-fosfato, que resultam dobloqueio da via glicolítica. A energia requerida para a síntese do glicogênio é derivada de um composto fosfato de alta energia, uridina trifosfato (UTP), que é formado a partir do ATP. Já os dois principais mecanismos que levam à glicogenólise são: (1) ativação da glicogênio fosforilase pela adenosina monofosfato cíclica (cAMP); ou 15 (2) na isquemia, por uma diminuição nos níveis de fosfato de alta energia. Um aumento em cAMP promove uma cascata de eventos que no final converte a enzima fosforilase b inativa à fosforilase a altamente ativa: estímulo de catecolaminas -receptor adenilato ciclase cAMP * * ativação de proteína quinase ativação da fosforilase b quinase * * mudança da fosforilase b à fosforilase a degradação do glicogênio A glicogênio fosforilase cataliza a reação em que uma ligação glicosídica, reunindo dois resíduos de glicose no glicogênio, sofre o ataque por fosfato inorgânico (Pi), removendo o resíduo terminal não-redutor de glicose como glicose 1-fosfato. A fosforilase age repetitivamente nas extremidades não- redutoras das ramificações do glicogênio, controlando assim o início da glicogenólise durante hipóxia ou isquemia. A continuação da degradação pode ocorrer apenas depois da ação de uma enzima de desramificação, que cataliza as reações sucessivas que removem as ramificações. Função do Glicogênio Cardíaco O glicogênio cardíaco é uma fonte potencial de energia miocárdica, produzindo três moléculas de ATP durante a glicólise e a quantidade padrão de ATP através do ciclo do ácido cítrico em condições aeróbicas. O glicogênio tem o papel estabelecido como fonte de energia durante hipóxia ou isquemia miocárdica. Além dessas condições de curta duração, o turnover do glicogênio pode contribuir substancialmente para a glicólise aeróbica em um coração em trabalho normal, e pode ser oxidado preferencialmente à glicose externa, especialmente logo depois de um estímulo β-adrenérgico aumentado. Como o glicogênio está situado nas proximidades do retículo sarcoplasmático, seu turnover pode fornecer ATP no local para a bomba de captação de Ca2+. 1.4. DOENÇA CARDÍACA DA ESTOCAGEM DE GLICOGÊNIO A degradação do glicogênio pode ocorrer em lisossomos das células cardíacas através de uma outra via, dependente de -1,4 glicosidase. Quando esta enzima é inativa, ocorre um acúmulo muito grande de glicogênio que pode levar a uma condição de glicogenólise cardiomegálica ou doença de Pompe (Figura 8). As membranas lisossomais se rompem devido ao acúmulo de glicogênio, com risco de destruição do músculo cardíaco. A glicogenólise citoplasmática, dependente de fosforilase e da enzima desramificadora, ocorrem normalmente. 16 Figura 8. Eletromicrografia de Tecido Cardíaco de Paciente com Doença de Pompe. (aumento de 6.500 X) A célula superior consiste de muitos elementos contrácteis intactos, com as terminações e a lateral da fibra esfiapadas, e glicogênio ligado à membrana (seta descontínua). O citoplasma da célula inferior foi totalmente “substituído” pelo glicogênio (seta contínua). Verifica-se que os elementos contráteis ou mitocôndrias não foram mantidos, e as membranas lisossomais rompidas flutuam livremente no glicogênio. 1.5. REPERFUSÃO O coração é irrigado pelas artérias coronarianas que, normalmente, adaptam-se ao aumento de demanda energética. Caso isso não aconteça, pode ocorrer hipóxia por redução do fluxo sanguíneo no coração, causando lesões reversíveis ou irreversíveis, dependendo do tempo de hipóxia. Se as lesões forem irreversíveis, mesmo após a reperfusão, não há restauração das estruturas celulares, gerando áreas de necrose. Por outro lado, quando as lesões são reversíveis, a velocidade de reperfusão deve ser definida pelo tempo de hipóxia sofrido. Quanto maior o tempo de hipóxia, menor deve ser a velocidade de reperfusão, pois a rápida restauração do fluxo sangüíneo após um longo período de hipóxia gera aumento paradoxal da lesão. Em situações fisiológicas, o metabolismo das bases nitrogenadas leva a formação de pequena quantidade de hipoxantina, que através da enzima xantina oxidase, na presença de O2, leva a formação de xantina e peróxido de hidrogênio (H2O2), que são rapidamente degradados. A isquemia, ao longo do tempo, leva ao esgotamento de fontes energéticas como ácidos graxos, glicose, fosfocreatina e glicogênio, e ao acúmulo de metabólitos do ATP, como ADP, AMP, adenosina e inosina (Figura 9). Como o ATP nessas ocasiões não pode ser regenerado, as ligações fosfato de menor energia (ADP e AMP) tendem a ser utilizadas como fonte energética para a tentativa de manutenção da maquinaria celular, gerando, portanto, o acúmulo dessas substâncias. O aumento da concentração desses metabólitos estimula a 17 formação de hipoxantina a partir de adenosina e inosina, através de reações catalisadas por enzimas presentes no citoplasma das células cardíacas. Quando o fluxo sangüíneo é restabelecido, através do uso de trombolíticos, por exemplo, o oxigênio que chega ao miocárdio ativa a enzima xantina oxidase. Essa enzima utiliza a hipoxantina como substrato para gerar xantina e H2O2, que se acumula. Essa mesma enzima ainda pode utilizar a xantina como substrato para gerar ácido úrico. Já o peróxido de hidrogênio formado pode dissociar-se em dois radicais livres hidroxila (OH·). Essas espécies reativas peroxidam lipídios (os lipídios peroxidados tornam-se instáveis e reativos, iniciando uma reação autocatalítica em cadeia), reagem com proteínas da membrana celular (aumentam a sua degradação) e provocam danos ao DNA (ruptura dos seus filamentos), agravando as alterações em áreas com lesões ainda reversíveis. O miocárdio possui mecanismos protetores antioxidativos contra esses radicais livres, mas como estes radicais estão sendo formados em alta velocidade, há discrepância entre a síntese dos mecanismos protetores e dos radicais livres. Figura 9. Efeito da Reperfusão sobre o Metabolismo de Produtos de Degradação da Adenosina. Durante a hipóxia, o metabolismo de adenosina e inosina leva ao acúmulo de hipoxantina. A reperfusão, aumento repentino de O2, leva a uma ativação da enzima xantina oxidase, que transforma a hipoxantina em xantina e liberação de H2O2. A xantina é posteriormente transformada em ácido úrico. O acúmulo de espécies reativas de O2 leva a danos nos tecidos. Ciclo do Ácido Cítrico Cadeia Respiratória NADH FADH2 O2 ADP/AMP Adenosina/Inosina Reperfusão O2 H2O2 Xantina Hipoxantina Ácido Úrico HO - Xantina Oxidase Xantina Oxidase Danos ao DNA Modificação Oxidativa de Proteínas Peroxidação de Lipídeos Glicólise Anaeróbia Lactato Acidose Lática Estoque de Glicogênio 18 Quando a reperfusão ocorre gradualmente, apesar de haver muito substrato (hipoxantina) para a enzima xantina oxidase, o estímulo lento do oxigênio permite que haja sincronia entre a produção de radicais livres e mecanismos antioxidantes de defesa celular. Durante a perfusão normal do miocárdio, com aporte de oxigênio e nutrientes, a enzima xantina oxidase também está ativa. No entanto, nessas ocasiões, os níveis de metabólitos de ATP não estão elevados, pois o ATP está sendo sempre renovado. Portanto, não há formação em excesso de hipoxantina, o substrato da xantina oxidase. Assim, a formação de radicais livres não é significante, pois os mecanismos celulares de proteção a esses radicais conseguem dar conta da pequena quantidade produzida. 1.6. MARCADORESBIOQUÍMICOS DE ISQUEMIA MIOCÁRDICA O dano celular provoca a ruptura da membrana plasmática, com conseqüente extravasamento do conteúdo intracelular para o interstício. Através da drenagem venosa, essas substâncias caem na corrente sangüínea, permitindo que se estime ocorrência de infarto através das suas dosagens. Os principais marcadores bioquímicos utilizados são as isoformas cardíacas das troponinas T e I, mioglobina, CK-MB, e a enzima LDH-1. A troponina I é o marcador mais específico, mas demora um pouco para ter sua concentração sangüínea elevada; no entanto, seus níveis mantêm-se altos entre 7 a 10 dias após o episódio de infarto. A mioglobina é o primeiro marcador a apresentar seus níveis elevados, mas apesar de ser muito sensível, é pouco específica, pois sua concentração aumenta após qualquer injúria muscular, não só do miocárdio. A CK-MB, uma isoforma cardíaca da creatina fosfoquinase, e a LDH-1, isoforma cardíaca da lactato desidrogenase, também apresentam alterações mais tardias na corrente sangüínea, mas as suas dosagens são realizadas de rotina, pois apresentam baixo custo e resultado satisfatório. Todas essas enzimas devem ser dosadas periodicamente, e seus resultados anotados em um gráfico, formando uma curva enzimática e permitindo, assim, a confirmação do diagnóstico, a monitoração da lesão e a estimativa do tamanho do infarto do miocárdio. Autor(es): Catarina A. Miyamoto Eduarda Pascarella Redenschi Luize Gonçalves Lima Russolina Zingali 19 UNIDADE 2 20 2. SISTEMA HEMOSTÁTICO 2.1. PRINCÍPIOS GERAIS Hemostasia é o processo fisiológico responsável pela manutenção da fluidez do sangue e pela contenção da perda de sangue após algum dano vascular, evitando perturbações no fluxo sanguíneo, além de estar envolvido no início do processo de reparo tecidual. O sistema hemostático contribui ainda para o sistema de defesa, uma vez que previne ataques de microorganismos por formar uma rede de plaquetas e fibrina, que é dissolvida mais tarde com o restabelecimento do fluxo sangüíneo normal. Simultaneamente à hemostase, inicia-se um processo um pouco mais lento de formação de um novo tecido e revascularização. Mas quais são os agentes participantes do processo de hemostasia? De maneira geral, podemos citar: Plaquetas; Parede vascular (especialmente endotélio e subendotélio); Fatores de coagulação e seus inibidores; Proteínas plasmáticas (fator de von willebrand, outras proteínas de adesão, imunoglobulinas); Íons Ca2+; Substâncias orgânicas de baixo peso molecular (fosfolipídeos, prostaglandinas, etc); Citocinas e hormônios. As interações desses agentes podem ser estimuladas principalmente após uma lesão vascular, mas também em condições patológicas como doenças auto- imunes, aterosclerose ou câncer. 21 Mas por que, em condições fisiológicas, essas interações não ocorrem o tempo todo, se grande parte dos fatores envolvidos encontra-se circulante ou presente nos vasos sanguíneos? A resposta é que os fatores de coagulação, em sua maioria consistindo de proteínas plasmáticas, circulam na forma de zimogênios, isto é, pré-enzimas que requerem processamento por proteólise para que se tornem ativas. Além disso, a camada interna dos vasos, formada pelas células endoteliais, possui um papel preponderantemente anti-hemostático. As células endoteliais são capazes de: Separar fisicamente o sangue do subendotélio (que é a camada que possui substâncias pro-hemostáticas); Sintetizar e liberar prostaglandina do tipo PGI2 (prostaciclina) e óxido nítrico, substâncias que reduzem a resposta plaquetária a estímulos ativadores da hemostasia primária; Além disso, possuem em sua membrana externa, em contato com o sangue, duas substância anti-hemostáticas: a proteína trombomodulina e o glicosaminoglicano heparan sulfato (que será discutido futuramente). A figura abaixo demonstra como está o endotélio na hora em que a lesão ocorre, ou seja, o endotélio intacto e, portanto, inibidor da hemostasia. Além disso, o esquema à direita demonstra o endotélio lesionado e sua ação trombogênica. Figura 10. Ações Endoteliais Opostas (Antirombótica Vs. Pró-Trombótica) em Diferentes Situações. Repouso (à esquerda); ou frente uma lesão (à direita). Para o melhor entendimento do processo hemostático, este é dividido em fases: Hemostasia primária – consiste na formação de tampão ou agregado plaquetário; Hemostasia secundária ou coagulação – consiste na formação de uma rede de fibrina (coágulo) encarregada de estabilizar a agregação plaquetária. 22 Após a hemostasia secundária, ocorre a dissolução do coágulo de fibrina. A essa fase denominamos fibrinólise. Cada capítulo dessa unidade é destinado a elucidar cada uma dessas fases, que estão esquematizadas com suas respectivas durações na figura abaixo: Figura 11. Resumo das Fases do Processo Hemostático. LESÃO HEMOSTASIA PRIMÁRIA (1-5 min) Vasoconstricção (3-10 seg) Adesão plaquetária (segundos) Agregação plaquetária (minutos) HEMOSTASIA SECUNDÁRIA (3-15 min) Ativação dos fatores de coagulação Formação de fibrina (minutos) FIBRINÓLISE Ativação da fibrinólise (minutos) Lise do “coágulo” (horas) 23 2.2. HEMOSTASIA PRIMÁRIA Hemostase primária consiste em uma série de eventos, os quais incluem vasoconstricção e adesão, ativação e agregação plaquetárias, como apresentado na figura abaixo. Figura 12. Participação das Plaquetas no Processo de Hemostasia durante a Formação do Tampão. A) Processo de injúria com exposição de agonistas plaquetários; B) Adesão das plaquetas ao subendotélio; C) Mudança de forma da plaqueta com secreção de grânulos; D) Ligação plaqueta-plaqueta; E) Depósito de fibrina sobre o tampão plaquetário. 2.2.1. Vasoconstricção Eficiente forma de prevenir perdas sanguíneas, em especial na microcirculação. É um processo mediado por uma interação do sistema nervoso autônomo, células musculares e diversos mediadores como serotonina, adrenalina e noradrenalina. Para modular a vasoconstricção e impedir que essa seja extrema e cause isquemia, a prostaciclina I2 e a liberação de óxido nítrico pelo endotélio possuem ação vasodilatadora. A vasoconstricção é extremamente rápida e eficiente para conter pequenos sangramentos. Para sangramentos maiores, são recrutadas as plaquetas. 2.2.2. Plaquetas: Sua Estrutura e Funções As plaquetas constituem o grupo celular mais importante da hemostasia. São fragmentos de células com formato discoidal, sintetizados na medula óssea, e representam uma forma especializada e madura dos megacariócitos. Sua 24 síntese é estimulada pelo hormônio trombopoietina, que é encontrado em baixas concentrações no plasma. O citoesqueleto da plaqueta contribui significativamente para a manutenção da sua forma discóide e para a sua alteração de forma, que ocorre durante a fase de ativação plaquetária. Metabolicamente, as plaquetas perderam a capacidade de sintetizar proteínas. Sua energia é gerada essencialmente pela degradação da glicose e fosforilação oxidativa. Em geral, as plaquetas tornam-se ativadas e, portanto, pró-hemostáticas, ao serem estimuladas por diferentesfatores. Por sua vez, as plaquetas ativadas secretam diversas citocinas, fatores de crescimento e outras proteínas por meio de grânulos. A plaqueta contém dois sistemas internos de membrana: Sistema canalicular aberto, que é formado por múltiplas invaginações, semelhantes a uma esponja, que são visualizadas na superfície da plaqueta. Durante a ativação plaquetária, a plaqueta secreta seus grânulos através desses canais. O sistema canalicular também fornece pseudópodes que são emitidos com a mudança de forma que a plaqueta sofre após sua ativação. Sistema tubular denso, que é constituído por restos de reticuloendoplasmático. Este sistema membranoso, que não se comunica com o exterior, serve como um local de depósito de cálcio intracelular. A forma como as plaquetas atuam na hemostase é discutida abaixo e, didaticamente, dividimos essa participação plaquetária nas três fases a seguir: Adesão Plaquetária Essa etapa se inicia quando a plaqueta entra em contato com uma superfície não fisiológica, gerada por uma lesão do endotélio. Tal lesão faz com que o colágeno subendotelial seja exposto às plaquetas circulantes. A adesão inicia-se com a interação entre o colágeno e as plaquetas, que ocorre pela ligação direta do receptor plaquetário glicoproteína Ia/IIa (GPIa/IIa) às fibrilas de colágeno. Outro receptor presente na superfície das plaquetas, a glicoproteína Ib/IX/V (GP Ib/IX/V), também participa da interação plaqueta-colágeno, porém de maneira indireta. Este receptor se liga a uma proteína plasmática denominada fator de von WIllebrand (FwV), a qual, por sua vez, está ligada ao colágeno. O FvW age, portanto, produzindo uma espécie de “gancho” entre a plaqueta (mais especificamente o receptor plaquetário GP Ib/IX/V) e o colágeno subendotelial. Cabe ressaltar que este último exemplo de interação (GP Ib/IX/V-FvW- colágeno) é determinante para a estabilização da adesão plaquetária inicial ao espaço subendotelial, especialmente sob alta força de fluxo da corrente sanguínea, permitindo a continuidade do processo de hemostasia primária. Assim, ambas as deficiências genéticas de FvW (Doença de von Willebrand) ou 25 do seu receptor GPIb/IX/V (Síndrome de Bernard-Soulier) resultam em adesão plaquetária defeituosa e distúrbios hemorrágicos, como demonstrado na figura abaixo. Figura 13. Doenças Relacionadas à Hemostasia Primária. Fator de von Willebrand O FvW é sintetizado nos megacariócitos e nas células endoteliais, e armazenado, respectivamente, em grânulos e em organelas específicas, denominadas corpos de Weibel-Palade. O FvW é uma proteína de alto peso molecular que forma multímeros extensos, sendo encontrado tanto no plasma (associado ao fator VIII) como em plaquetas, e, ainda, na região subendotelial. Sua concentração plasmática é aproximadamente 30% menor em indivíduos do grupo sanguíneo “O”. Este fator apresenta sítios de ligação específica aos receptores plaquetários GPIb/IX/V, ao fator VIII, ao colágeno, e à proteína botrocetina, derivada de veneno de cobra. A função de carregar o fator VIII é de extrema importância. A concentração plasmática do FvW é de 50 nmol/L excedendo em quase 50 vezes a de FVIII (1 nmol/L). Ambas as proteínas possuem grande afinidade uma pela outra e, portanto, praticamente todo o FVIII encontra-se ligado ao FvW. Este estabiliza e protege o FVIII da inativação proteolítica, transportando- o até o local da lesão e aumentando, assim, sua concentração local. Depois da ativação do FVIII, este se desliga do FvW, podendo ser inativado pela proteína C. 26 Ativação Plaquetária Uma vez aderida, através da interação plaqueta-subendotélio eficientemente estabilizada pelo FvW, a plaqueta sofre um estímulo de ativação pela própria ligação ao colágeno, além da ação de outras substâncias ativadoras – os agonistas plaquetários. O colágeno, a trombina, o ADP e a adrenalina, entre outros, são exemplos de agentes responsáveis pelo processo de ativação plaquetária. Na tabela abaixo, estão os principais agonistas e seus respectivos receptores plaquetários: Agonista Receptor Tipo de receptor ADP P2Y1 P2Y12 Acoplados à Proteína G Canal de cálcio Colágeno GP IV GP VI Tirosina fosfatase Epinefrina Receptor de Epinefrina Acoplado à Proteína G PAF Receptor de PAF Acoplado à Proteína G α-trombina GP Ib PAR 1 PAR 4 Acoplados à Proteína G Tromboxana A2 Receptor de tromboxana A2 Acoplado à Proteína G A ativação plaquetária induz vários eventos, dentre os principais: Secreção dos grânulos α e grânulos densos; Mudança de forma da célula – o formato original da célula (discóide) é alterado para um formato esférico com emissão de pseudópodes; Aumento nos níveis intracelulares de cálcio; Alteração da composição lipídica da membrana externa; Exposição da GP IIb/IIIa. Secreção de grânulos A ativação plaquetária é iniciada pela ligação dos agonistas supracitados aos receptores da superfície plaquetária, seguida pelo desencadeamento de uma cascata de fosforilação de proteínas intracelulares que culmina, entre outras coisas, na liberação dos grânulos plaquetários, os quais podem ser de três tipos: grânulos densos, contendo cálcio, serotonina, epinefrina e ADP; grânulos alfa, contendo FvW, fibronectina, trombomodulina, fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF) e uma enzima inativadora da heparina (fator plaquetário 4); 27 lisossomas com endoglicosidases e heparinases. Em especial, as liberações de tromboxano A2 (TXA2) – um derivado do ácido araquidônico – e ADP são de extrema importância, por serem capazes de ativar ainda mais plaquetas, desencadeando finalmente a agregação plaquetária. Mudança de forma da célula e aumento nos níveis intracelulares de cálcio Os agonistas plaquetários se ligam a seus receptores e estimulam a fosfolipase C, uma enzima que hidrolisa o fosfatidilinositol (PIP2) em dois componentes: o inositol trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). O IP3 induz a liberação de cálcio no citoplasma, proveniente do sistema tubular denso, além de fosforilar a miosina, uma proteína contrátil do citoesqueleto plaquetário. Como resultado, a plaqueta muda a sua forma e torna-se capaz de degranular (liberar os seus grânulos, como explicado anteriormente). Com o aumento de cálcio, a assimetria da membrana – presença de fosfatidilserina exclusivamente na camada interna das células – é alterada, devido a mudanças na atividade das seguintes enzimas: Aminofosfolipídeo translocase ATP-dependente (ou flipase) – transporta especificamente os lipídeos fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina da camada externa para a camada interna da membrana da célula. Ativada em baixos níveis de cálcio e inativa em altos níveis de cálcio intracelular. Flopase ATP-dependente – transporta inespecificamente fosfolipídeos da camada interna para a camada externa da membrana. Ação lenta. Escramblase – transporta inespecificamente fosfolipídeos da camada interna para a externa e vice-versa. Ação rápida. Inativa em baixos níveis de cálcio e ativa em altos níveis de cálcio intracelular. Além disso, a alta concentração de cálcio também ativa as chamadas fosfolipases A2, que liberam ácido araquidônico a partir de fosfolipídeos de membrana, como a fosfatidilcolina para a produção de tromboxano A2, um potente ativador de plaquetas. O ácido araquidônico sofre a ação da enzima ciclooxigenase, produzindo compostos como PGG2 e PGH2. A partir destes, a enzima tromboxano sintetase produz tromboxano A2 (TXA2), o qual, por sua vez, age na própria plaqueta, estimulando fosfolipasesde membrana – um mecanismo de retroalimentação positiva. Alteração da composição lipídica da membrana externa O aumento nos níveis de fosfatidilserina na membrana externa da plaqueta ativada é fundamental para a montagem de alguns complexos da coagulação 28 sanguínea, como demonstrado abaixo e melhor aprofundado no capítulo de coagulação sanguínea. Figura 14. Perda de Assimetria Fosfolipídica da Membrana Plasmática na Presença de Cálcio. Efeito regulatório do cálcio sobre a atividade de enzimas transportadoras de fosfolipídios e exemplo do papel da exposição de fosfatidilserina na montagem do complexo pró-coagulante protrombinase. DAG O DAG, produzido na via ativada por fosfolipase C, estimula ainda a proteína quinase C (PKC), que fosforila a miosina e conduz as plaquetas à profunda mudança na forma plaquetária. Agregação Plaquetária A agregação plaquetária é estritamente dependente da ativação plaquetária, especialmente devido à indução da maior exposição da GP IIb/IIIa, presente na membrana da plaqueta, ao seu ligante fibrinogênio (decorrente de mudanças conformacionais dessa glicoproteína), e à secreção de ativadores plaquetários contidos nos grânulos. Este fenômeno de agregação consiste em uma interação física entre as plaquetas, mediada pela proteína plasmática fibrinogênio, que possui uma seqüência específica de aminoácidos que é reconhecida pela GP IIb/IIIa. O resultado final desta fase é a formação do agregado plaquetário, capaz de impedir o sangramento até que a hemostase secundária (coagulação) esteja concluída. 29 2.2.3. Distúrbios na Hemostasia Primária Quando há deficiência em algum dos fatores envolvidos na hemostasia, há um prejuízo em todo o processo descrito, que é o que caracteriza os distúrbios hemostáticos. Os distúrbios hemostáticos congênitos mais importantes estão descritos na tabela abaixo. Além dos congênitos, também há distúrbios adquiridos, como pelo uso excessivo de antiinflamatórios, de ácido acetilsalisílico, anti-histamínicos ou de psicotrópicos. Há também distúrbios numéricos, de alteração na produção de plaquetas, como a aplasia medular, leucemia e produção reduzida por deficiência de folato ou vitamina B12, ou de destruição excessiva: coagulação intravascular disseminada (CID), envenenamento botrópico e esplenomegalia. Distúrbio Freqüência da ocorrência Descrição Gravidade do sangramento Doença de von Willebrand Relativamente comum Fator de von Willebrand defeituoso ou ausente, a proteína que mantêm as plaquetas unidas à parede vascular lesada, ou deficiência do fator VIII da coagulação Leve a moderado na maioria dos casos. Pode ser severo nas pessoas que apresentam níveis muito baixos do fator de von Willebrand Doença da reserva de armazenamento Relativamente incomum Grânulos das plaquetas defeituosos que impedem a aglomeração das plaquetas Leve Síndromes de Chédiak-Higashi e de Hermansky- Pudiak Raras Formas especiais de doença do fundo de armazenamento Variável Disfunção do tromboxano A2 Muito rara Resposta plaquetária comprometida aos estímulos de aglomeração Leve Trombastenia de glazman Rara Ausência de GP IIb/IIIa na superfície da plaqueta que são necessárias para a aglomeração plaquetária Variável Síndrome de Bernard-Soulier Rara Ausência de proteínas na superfície da plaqueta e plaquetas anormalmente grandes que não aderem às paredes vasculares lesadas Variável 30 2.2.4. Importante Observação Farmacológica O ácido acetilsalisílico, comercialmente conhecido como aspririna®, é capaz de interferir no processo de hemostasia primária. A aspirina®, que inativa a enzima ciclooxigenase, evita a síntese de PGH2 plaquetário e, consequentemente, de tromboxano A2, o que dificulta uma eficiente ativação plaquetária. Além disso, discute-se seu efeito limitador sobre a capacidade do colágeno de ativar as plaquetas, uma vez que o colágeno é, por si só, indutor fraco da ativação plaquetária, mas se torna um indutor poderoso na presença de PGH2. Dessa forma, percebemos que a aspirina® possui um papel antitrombótico, ou seja, de inibir a hemostase, mas que não ocorre tão intensamente em indivíduos normais pela compensação da ativação plaquetária por outros agonistas, tais como a trombina. Por outro lado, no endotélio, a aspirina® também atuará inibindo a ciclooxigenase endotelial. Esta produz PGG2 que passa a PGH2, o qual, no endotélio, se converte em PGI2 – um inibidor da hemostasia primária. Logo, no endotélio, a aspirina® agiria como um agente pró-hemostático. Mas porque será que a sua ação predominante continua sendo antitrombótica? Porque apesar de a aspirina® agir na mesma enzima, tanto na plaqueta quanto no endotélio, este último possui a capacidade de sintetizar novas proteínas e, dessa forma, rapidamente repõe seus níveis de ciclooxigenase. Já nas plaquetas, a síntese protéica não ocorre, e a enzima não é reposta, inibindo, portanto, a produção de PGH2 e consequentemente de tromboxano A2, o que dificulta a ativação plaquetária. O esquema abaixo busca resumir toda essa produção dos derivados do ácido araquidônico. 31 Assim, concluem-se os conceitos relacionados à hemostasia primária, cujos pontos mais importantes são: As fases desse processo; A participação das plaquetas e de seus receptores; A ação da aspirina. A partir de agora, passaremos à próxima etapa, hemostasia secundária, mas tendo em mente que a hemostasia primária não é uma fase separada da secundária. Os processos de ativação ocorrem todos juntos, somente com diferença temporal para os efeitos apresentados que fazem com que sejam agrupados em fases. Na verdade, essa divisão é meramente didática, e essas fases interligam-se, estimulam-se e inibem-se, como será explicado a seguir. PGG2 ciclooxigenase PGH2 TROMBOXANA A2 Tromboxana sintetase (nas plaquetas) aspirina Inibida por ÁCIDO ARACDÔNICO PGI2 Prostaciclina sintetase (no endotélio) 32 2.3. HEMOSTASIA SECUNDÁRIA: COAGULAÇÃO SANGÜÍNEA A coagulação sangüínea constitui a segunda etapa do processo hemostático. Apesar da divisão didática e conceitual desta fase, como veremos mais adiante, esta etapa está naturalmente relacionada à hemostase primária. O sangue contém diversas proteínas plasmáticas, dentre as quais os fatores de coagulação, que estão envolvidos em uma seqüência rigorosamente controlada de reações de ativação, as quais resultam, em última instância, na formação de trombina e, subsequentemente, fibrina. Esta série de eventos leva à ativação parcial dos fatores de coagulação, que circulam em um estado precursor inativo chamado de zimogênio (zimo= enzima, gênio= que dá origem). O processo de ativação é primariamente uma seqüência de clivagens proteolíticas em locais específicos – também conhecida como proteólise limitada –, um mecanismo muito comum a vários outros sistemas do organismo, tais como o sistema complemento, sistema de regulação da pressão sanguínea via angiotensina/renina ou sistema de cininas, ativação de metaloproteases de matriz, etc. A enzima, nesta constelação, é um fator de coagulação ativado, e o substrato (em muitos casos também ligados a superfície), um zimogênio de um fator de coagulação diferente que se torna ativado depois de uma parte da molécula ter sido clivada (o peptídiode ativação). Em alguns casos, várias clivagens proteolíticas podem ser requeridas, porém nem sempre o peptídeo de ativação é liberado, e isto se deve ao fato de o mesmo estar ligado à molécula residual via pontes dissulfeto ou por ligação não covalente. No caso dos fatores homólogos VIII e V, várias clivagens proteolíticas ocorrem, mas as cadeias de proteínas individuais finais ainda formam uma molécula ligadora de cálcio relativamente estável (ver figura 15 para sítio de clivagem nos fatores de coagulação). A clivagem das ligações do peptídio de ativação induz mudanças conformacionais consideráveis que expõem o sítio ativo da enzima recém gerado, geralmente escondido dentro da pró-enzima. Na maioria dos casos, os passos de ativação proteolítica são mais ou menos restritos a superfície, porque muitos dos fatores de coagulação ou de seus precursores têm locais de ligação específica a fosfolipídios, íons metálicos, receptores específicos ou co-fatores localizados na superfície de diferentes tipos de células. Todos os fatores de coagulação com atividade proteolítica pertencem à classe de serino-proteases (que contém o resíduo de aminoácido serina no sítio catalítico), as quais compartilham significativa seqüência de homologia. Em certas doenças, uma ativação inespecífica de fatores de coagulação pode ser mediada por uma variedade de outras proteases de microorganismos, liberadas por células tumorais, leucócitos ativados ou tecidos danificados. Um caso especial são as proteases de animais venenosos, tais como certas espécies de serpentes que contêm poderosos ativadores da coagulação (e inibidores) nos seus venenos, e podem induzir mudanças maciças associadas à hemostase, com severas complicações tromboembólicas ou hemorrágicas. 33 2.3.1. Fatores da Coagulação Os fatores de coagulação representam uma família de proteínas plasmáticas altamente glicosiladas. A maioria deles (exceto Fator II – protrombina – e Fator I – fibrinogênio) é encontrada em concentrações muito baixas. À exceção do fator tecidual (TF) que está ligado à membrana de células do subendotélio, todos os fatores da coagulação são proteínas plasmáticas que requerem uma etapa de ativação proteolítica. A pré-calicreína e o cininogênio de alto peso molecular – HMWK –, e também o Fator XII estão envolvidos na então chamada fase de contato da coagulação sanguínea ou via extrínseca, que parece ser de mínima importância para a hemostase fisiológica. Fator Peso Molecular (Da) Concentração Plasmática (µg/mL) Concentração Necessária para Hemostase (% concentração normal) Fibrinogênio 330.000 3.000 30 *Protrombina 72.000 100 40 Fator V 300.000 10 10-15 *Fator VII 50.000 0,5 5-10 Fator VIII 300.000 0,1 10-40 *Fator IX 56.000 5 10-40 *Fator X 56.000 10 10-15 Fator XI 160.000 5 20-30 Fator XIII 320.000 30 1-5 Fator XII 76.000 30 0 Pré-calicreína 82.000 40 0 HMWK 108.000 100 0 *Fatores dependentes de vitamina K Alguns dos fatores da coagulação são dependentes de vitamina K, isto é, uma série de reações enzimáticas que resultam na modificação (gama- carboxilação) de cadeias laterais de ácido glutâmico presentes no chamado “domínio-Gla” dessas proteínas dependem de vitamina K. “Gla” é o acrônimo para ácido gama-carboxiglutâmico (do inglês gamma-carboxyglutamic acid). Resíduos Gla- são requeridos para ligação de íons cálcio, co-fatores pivôs da maioria das reações da cascata de coagulação. Entretanto, a ligação do cálcio não está restrita a apenas o ácido gama-carboxiglutâmico. É importante observar que mais de um resíduo de ácido glutâmico é modificado por esta reação, somente no domínio Gla. Antagonistas da vitamina K (coumadim / Warfarin®, phenprocoumon / Marcumar® / Falithrom®, acenocoumarol / Sintrom®) são drogas que são ministradas para profilaxia e tratamento de doença tromboembólica. Sua função é inibição de gama-carboxilação, o que leva a formação de fatores de coagulação em parte inativos. Estes anticoagulantes orais inibem o sistema de reciclagem 34 (redução) enzimática de uma forma oxidada e inativa de vitamina K (vitamina K epóxido) que é gerada nas reações de gama carboxilação. Figura 15. Representação Esquemática da Seqüência de Alguns Fatores da Coagulação. 35 Figura 16. Formação do Domínio Gla. A reação de gama carboxilação dos fatores da coagulação ocorre no fígado, e pode ser bloqueada por antagonistas da vitamina K como a varfarina. Em (A) está representada a reação de gama carboxilação em resíduos de ácido glutâmico, catalisada pela enzima gama-glutamil carboxilase. Esta converte uma forma reduzida de vitamina K em vitamina K epóxido (oxidada), que por sua vez é reciclada a sua forma reduzida pela enzima vitamina K epóxido redutase (em B), a qual é alvo de inibição pela varfarina e outros cumarínicos relacionados. 2.3.2. Vias de Ativação da Coagulação Sanguínea A ativação do sistema de coagulação pode ser separada em duas vias: a via extrínseca ou via do fator VII, cuja ativação se dá pelo fator tecidual; e a ativação por contato com superfícies não-fisiológicas, também chamada de ativação intrínseca ou via de contato, onde há participação das proteínas pré- calicreína (PK) e cininogênio de alto peso molecular (HMWK), e dos fatores XII, XI e IX (FXII, FXI, FIX). Estas duas vias não estão diretamente separadas; elas interagem em diversas etapas. As duas vias se encontram no fator X. Etapas restantes são comuns a ambas as vias. Por razões práticas, uma vez que os dois principais ensaios de coagulação (TAP e PTTa) separaram estas vias, é comum tratá-las individualmente. Via Extrínseca A ativação fisiológica da coagulação sanguínea é mediada quase exclusivamente por meio da via do fator tecidual. Fator tecidual (TF) é uma proteína de membrana que usualmente não é encontrada em quantidade suficiente na superfície do endotélio, células brancas do sangue ou no plasma. Entretanto, o subendotélio é constitutivamente rico em TF, o qual também tem sido localizado em quase todos os tecidos. Placas ateroscleróticas e monócitos estimulados com lipopolissacarídeos (endotoxina LPS) ou a citocina pró- inflamatória interleucina 1 (IL-1) também podem gerar TF. 36 ou estímulos de ativação celular, ou sintetizado de novo por leucócitos/células sanguíneas, respectivamente. Os indutores fisiológicos da biossíntese do fator tecidual são diversas citocinas, tais como IL-1, fator de necrose tumoral (TNF), trombina, proteína C 5a (do sistema complemento), a anaflatoxina gerada do complemento C5, e provavelmente vários outros. O fator tecidual consiste de um domínio intracelular, uma porção transmembrana e um domínio extracelular, que é homólogo ao de receptores de citocinas. Após injúria vascular, TF é exposto no subendotélio, e o contato do fator tecidual com o fator VIIa leva à formação de um complexo ativo, chamado de complexo tenase extrínseco, o qual pode ativar o fator X, ainda mais eficientemente na presença de fosfolipídios (PL) e íons cálcio. De acordo com outros resultados, concentrações muito baixas de fator VIIa parecem estar sempre presentes no sangue (meia vida 2,5 h) e são responsáveis pela ativação inicial de tal complexo nos locais onde há TF exposto. O sistema, simplificadamente, pode ser ilustrado como uma série de etapas subseqüentes: TF/FVIIa + FX (+ Ca2+ + PL) → FXa FXa + FII (protrombina) → FIIa (Trombina) FIIa + Fibrinogênio → Fibrina Na realidade, entretanto, o sistema é muito mais complexo. Um elemento muito importanteda hemostase é o envolvimento de reações de feedback positivo, caracterizadas pela participação de um produto da reação em sua própria formação, levando a uma amplificação maciça. Na hemostase, o feedback positivo é provido pela ativação de uma pró- enzima pelo produto de sua reação, a enzima resultante, (p.ex., a ativação de FVII pelo próprio FVIIa na presença de TF e íons cálcio), e pela ativação de co- fatores que aceleram as reações enzimáticas. As reações de feedback positivo estão envolvidas em muitas etapas na cascata de coagulação. Na via extrínseca, provavelmente o feedback mais importante é alcançado depois que o fator V é ativado pelos primeiros traços de trombina. Junto com Ca++ e PL, FVa acelera a ativação de protrombina pelo FXa significativamente, enquanto a forma não ativada não é efetiva. O complexo FXa, FVa, PL e cálcio (complexo protrombinase) é muito mais efetivo na geração de trombina que o FXa sozinho, e é parcialmente protegido contra inibição por inibidores tais como a antitrombina. A contribuição do FVIII, FIX e FXI para a formação de trombina Pacientes com deficiências de FVIII ou FIX (hemofílicos A e B, respectivamente) são muito mais comuns que pacientes com uma deficiência em um dos fatores extrínsecos típicos. Isso ilustra que a deficiência completa ou muito severa de FVII, FX, FV e protrombina é provavelmente letal. Mas uma grave deficiência de FVIII e IX é também associada com hemorragia maciça, especialmente no tecido conjuntivo das articulações. No caso de deficiência de FXI (hemofilia C), a tendência ao sangramento é relativamente fraca em alguns 37 pacientes. Outros sofrem de uma diátese hemorrágica severa, similar àqueles das clássicas hemofilias A e B. Os achados clínicos provam que todos os fatores devem estar envolvidos na ativação da coagulação. O FVIII circulante está ligado ao FvW e é ativado pela trombina: Figura 17. Esquema de Ativação do FVIII pela trombina. O envolvimento de FVIII, FIX e FXI na formação de trombina foi reinvestigado através dos últimos anos e isso levou a uma descrição revisada da coagulação sanguínea, na qual a então chamada „‟via intrínseca‟‟ não representa mais um papel importante a respeito da formação de trombina fisiológica. Já há um longo período, sabia-se que, na presença de baixas concentrações de TF, não apenas fator X, mas também fator IX era ativado por FVIIa. Sob essas condições, a taxa de formação de trombina tornou-se também dependente deste FIXa e de FVIIIa (co-fator do FIXa, juntos formam o complexo tenase intrínseco, na presença de Ca++ e PL). Usando um ensaio imune para o peptídio de ativação do fator IX, que é liberado por ativação, foi demonstrado que FVIIa in vivo é de longe o ativador mais relevante de FIX. Sob as condições do ensaio de tempo de protrombina (TAP), entretanto, no qual um grande excesso de TF é usado, a ativação da coagulação é independente dos fatores IX e VIII. Mais recentemente, descobriu-se que a 38 trombina é capaz de ativar também o FXI, ativador conhecido do FIX. Essa etapa é provavelmente dependente da presença de superfícies negativas ou compostas. De acordo com dados mais recentes, FXI é ativado quando altos níveis de trombina são gerados, que é um processo em andamento até mesmo quando fibrina já está formada. Isto explica por que a deficiência do FXI não é detectada em ensaios de coagulação para a via extrínseca, nos quais a taxa para formação de fibrina (usualmente os primeiros filamentos de fibrina detectados) é determinável. A Fase de Contato da Coagulação Sanguínea e a Via Intrínseca A interação do sangue com superfícies artificiais, especialmente superfícies que são negativamente carregadas tais como vidro ou plásticos (em dispositivos médicos), aciona uma complexa interação de várias proteínas que requerem uma superfície negativamente carregada para uma mudança conformacional que as ativa. Superfícies biológicas negativamente carregadas também podem ser representadas por certos componentes de membrana, tal como sulfatídeos. Eles são expostos ao sangue em casos de injúrias. Este processo é chamado de “fase de contato” da coagulação sanguínea. A fase de contato também é caracterizada por reações de feedback positivo. Na presença de cininogênio de alto peso molecular (HMWK ou HK), pré- calicreína é ativada pelo FXIIa a calicreína, que por sua vez ativa mais FXII e assim por diante. O FXIIa, por sua vez, pode também ativar FXI a FXIa. O único fator envolvido que parece ser um fator fisiológico de coagulação é o FXI. Uma deficiência desta proteína (hemofilia C) pode levar a problemas hemorrágicos leves e, às vezes, até mesmo severos, enquanto que a deficiência de FXII e HMWK ou pré-calicreína não determinam quadros hemorrágicos. O FXIa ativa FIX a FIXa. Todas as etapas subseqüentes requerem íons cálcio e são fosfolipídeos dependentes. FIXa livre ativa FX, mas esta reação não é muito efetiva. Tão logo alguma trombina é formada, entretanto, FIXa forma um complexo com FVIIIa (que é ativado pela trombina). Junto com PL (na superfície de plaquetas) e íons cálcio, este complexo (tenase intrínseco) ativa FX com eficácia muito maior. A via intrínseca, especialmente a fase de contato, parece ser um tanto menos importante que a via extrínseca. Existe crescente consenso de que o gatilho fisiológico típico da coagulação, em saúde e doença, é o fator tecidual. Cabe ressaltar, entretanto, que a ativação por contato desempenha um papel importante quando o sangue é exposto a superfícies não biológicas, tal como durante cirurgia de by-pass cardiopulmonar, na qual a inibição da ativação por contato é rotineiramente realizada com aprotinina, um inibidor de protease polivalente. Aparentemente, o benefício terapêutico alcançado com aprotinina, entretanto, é preferencialmente a inibição da fibrinólise induzida pela ativação por contato (discutido em mais detalhes na parte de fibrinólise). 39 Figura 18. Resumo das Vias Extrínseca e Intrínseca da Coagulação. Observe a ligação comum entre ambas as vias no nível de ativação do fator IX. PL=fosfolipídios; HMWK=cininogênio de alto peso molecular. 40 Um Modelo Recente na Coagulação Sanguínea Fisiológica Resultados mais recentes proveram evidências para um modelo baseado em superfícies celulares hemostáticas que enfatiza a importância de receptores celulares específicos para as proteínas da coagulação. Já há algum tempo foi reconhecido que plaquetas fornecem fatores que apóiam a ativação de protrombina, uma vez que FXa ligado à superfície da plaqueta pode levar à geração de trombina. De acordo com este novo modelo, a coagulação não ocorre simplesmente como uma “cascata”, mas em três estágios sobrepostos: Fase 1: Iniciação Ocorre na superfície de uma célula que expõe fator tecidual, p.ex. em células subendoteliais ou monócitos ativados. A formação do complexo tenase extrínseco (TF/FVIIa) resulta na formação de FXa e FIXa, e na geração de pequenas quantidades de trombina. Essa fase de iniciação é facilmente desligada pelo inibidor da via do fator tecidual (TFPI), como veremos mais adiante. Fase 2: Amplificação A trombina formada na fase inicial é essencial para ativação das plaquetas e dos co-fatores das enzimas FXa e FIXa, respectivamente FV e FVIII, de modo a permitir uma amplificação da geração de trombina em larga escala. Dessa forma, o FXa, agora constituinte do complexo protrombinase, está protegido da inibição por antitrombina. Fase 3: Propagação Grandes quantidades de trombina são geradas na superfícieda plaqueta ativada, onde a exposição de fosfolipídios aniônicos, especialmente fosfatidilserina, é essencial para a montagem dos complexos tenase intrínseco (FIXa/FVIIIa/FX) e protrombinase (FXa/FVa/protrombina). Níveis mais elevados de trombina levam também à ativação de FXI, que está disponível no plasma, mas também é liberado de plaquetas (através dos grânulos alfa). A superfície da plaqueta ativada protege ainda o FXIa de inibição por inibidores plasmáticos. FXIa pode induzir a formação de trombina de forma explosiva, por ativação mais eficiente de FIX na superfície da plaqueta ativada. Obviamente, uma formação adicional maciça de trombina através dessa via ocorre quando a fibrina já estiver formada. 41 Figura 19. Reações da Coagulação Dependentes de Superfícies de Membrana. Representação esquemática dos principais complexos enzimáticos da coagulação, onde cada serino-protease está associada ao seu co-fator protéico e substrato apropriados, em uma superfície de membrana expondo Fator Tecidual (no caso do complexo tenase extrínseco) ou fosfatidilserina, representada em azul (no caso dos complexos tenase intrínseco e protrombinase). Formação de Polímero de Fibrina Solúvel e Fibrina Estabilizada A fase final da cascata de coagulação leva à formação de fibrina insolúvel por conversão da proteína solúvel no plasma, o fibrinogênio, pela trombina em uma série de reações proteolíticas. Fibrinogênio é uma grande proteína plasmática multimérica que é formada de duas cadeias alfa, beta, gama. As cadeias de proteínas individuais do fibrinogênio são conectadas por diversas ligações dissulfeto. A molécula forma uma estrutura nodular que pode ser depois segmentada em um domínio-E central e dois domínios-D (Figura 20). Figura 20. Desenho Esquemático aa Clivagem de Fibrinogênio pela Trombina. Este esquema mostra os fibrinopeptídios A (FPA) e B (FPB), expostos no domínio-E central, sendo cortados pela trombina. O produto da reação é chamado des-AB-fibrina, monômeros de fibrina, ou, depois da formação de oligômeros, “fibrina solúvel”. 42 A liberação de fibrinopeptídios FPA e FPB (um processo gradual levando primeiro a des-A-fibrina e um tanto depois a des-AB-fibrina) gera mudanças significativas na estrutura geral da molécula e induz polimerização. Após certo tamanho molecular ter sido atingido, a solubilidade da fibrina é reduzida significativamente. Isso leva à formação de um polímero insolúvel, que forma uma rede de cadeias ramificadas, o coágulo. A trombina permanece ligada ao coágulo e ainda é ativa. Em adição à trombina, existem diversas enzimas de cobras venenosas que também podem gerar fibrina (Reptilase®, uma protease semelhante à trombina proveniente de Bothrops atrox, Ancrod e várias outras). Algumas enzimas de cobras venenosas cortam apenas FPA ou FPB. Defibrinação terapêutica com enzimas de cobras venenosas parecem ser benéficas no acidente vascular cerebral (AVC) e outras doenças tromboembólicas arteriais. Em contraste com a trombina, batroxobin e enzimas de cobras venenosas altamente purificadas similares não são inibidas por antitrombina ou inibidores de ação rápida similar, e não ativam plaquetas ou FV, FVIII, FXI ou FXIII. Portanto, estas enzimas são ferramentas valiosas na investigação da formação de fibrina e retração do coágulo. Fator XIII A formação de des-A-fibrina por trombina leva à quase simultânea ativação de outro fator da coagulação, FXIII, em uma reação dependente de cálcio. FXIIIa age como uma transglutaminase e faz uma ligação cruzada entre as moléculas de fibrina. De acordo com dados recentes, o substrato de FXIIIa já é a des-A- fibrina. FXIIIa também promove a ligação cruzada entre diversas outras proteínas e o coágulo de fibrina. Dentre estas proteínas, estão a alfa2-antiplasmina, inibidor central do sistema de fibrinólise, e o inibidor da fibrinólise ativado por trombina (TAFI). Esses inibidores previnem o coágulo de ser dissolvido precocemente. Figura 21. Conversão de Fibrinogênio em Fibrina (1) e Estabilização do Coágulo de Fibrina pelo Fator XIIIa (2). 43 A ligação cruzada mediada pelo FXIIIa é a formação de uma ligação isopeptídeo entre cadeias laterais de lisina e glutamina específicas no substrato. Essa reação libera uma molécula de amônia/ligação cruzada (Figura 22). Figura 22. Ligação Cruzada Isopeptídeo Catalisada pelo Fator XIIIa. A fibrina forma uma rede tridimensional. In vivo, um coágulo de fibrina contém células aprisionadas tais como plaquetas, eritrócitos e células brancas do sangue. Devido à baixa atividade fibrinolítica inicial, o coágulo é relativamente estável por algum tempo. Desde de que o coágulo ainda tenha trombina ativa, pedaços dissolvidos do coágulo (embolia) podem transportar um material altamente trombogênico para outros segmentos de vasos sanguíneos, que podem então ser o início de um novo evento tromboembólico (p.ex., um infarto do miocárdio ou um AVC). A fixação direta de filamentos de fibrina a diferentes células tais como plaquetas, fibroblastos, células do músculo liso e a proteínas adesivas garante que a área afetada esteja mecanicamente (impacto do fluxo) e quimicamente (impacto de enzimas fibrinolíticas ou proteases de leucócitos) bem protegida. Isto limita a perda de sangue no caso da injúria de um vaso, protege contra invasão por agentes infecciosos em feridas abertas, e previne os filamentos de fibrina e células aprisionadas de formar êmbolos, que podem ocluir vasos sanguíneos em outras áreas. 2.3.3. Deficiência dos Fatores da Coagulação 44 Deficiências Hereditárias As deficiências congênitas da maioria dos fatores da coagulação são relativamente raras. Deficiências leves de fatores da coagulação (usualmente abaixo de 30% da atividade normal ou até mesmo mais baixo), não levam a diátese hemorrágica espontânea. Entretanto, a combinação com um fator de risco diferente, tal como trombocitopenia, uso de AAS (ácido acetilsalicílico) e outros, pode ser perigoso, especialmente quando é requerida uma cirurgia. Portanto, uma anamnese cuidadosa é obrigatória, e testes de coagulação que investiguem a função das vias de coagulação devem sempre ser efetuados, incluindo uma investigação da função plaquetária, que é provavelmente mais importante que o sistema plasmático. As deficiências hereditárias que levam a diátese hemorrágica são mais conhecidas como hemofilias, e três tipos diferentes são descritos: a Hemofilia A, conhecida também como hemofilia clássica e que se caracteriza pela ausência do fator VIII da coagulação; a Hemofilia B, também conhecida como doença de Christmas, e que se caracteriza pela ausência do fator IX; e a Hemofilia C, que é determinada por gene autossômico dominante não relacionado com o sexo e caracteriza-se pela ausência de fator XI. Terapia Deficiências de fatores da coagulação são usualmente tratadas com fatores purificados e concentrados de plasma agregado de diferentes doadores, ou de origem recombinante, especialmente para a maioria das formas de hemofilia, as deficiências de FVIII (hemofilia A) e FIX (hemofilia B). Deficiências de alguns dos outros fatores da coagulação são usualmente tratadas com plasma fresco congelado (ou liofilisado) ou com PPSB, uma fração do plasma que é rica em fatores da coagulação dependentes de vitamina K. PPSB tem sido utilizado cuidadosamente porque algumas marcas podem conter fatores da coagulação ativados tal como FIXa. Apenas para alguns subtipos de deficiência do fator de Von Willebrand, a peptídio hormônio
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