Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Curso Ênfase © 2018 DIREITO CIVIL – CAROLINE ANDRIOTTI 60018 AULA15 - DIREITO CIVIL IV - PROPRIEDADE RESOLÚVEL 1. DA PROPRIEDADE RESOLÚVEL O tema insere-se no estudo do direito real das coisas. Portanto, modalidade de propriedade específica, tratada no Capítulo VIII do Título III do Código Civil (CC). Caracteriza-se como modalidade especial, considerando que, apesar da propriedade ser plena, no sentido de reunir nas mãos do proprietário os poderes de usar, gozar, fruir da coisa, dispô-la e reivindicá- la de quem a injustamente possua ou detenha, a modalidade possui originariamente em seu título constitutivo o germe de sua extinção, por força da existência de condição resolutiva ou de um termo extintivo nesse sentido. Dessa forma, a propriedade é tida como resolúvel na medida em que, no momento de sua constituição, há transferência plena do direito real de propriedade - todavia, sujeita à condição resolutiva ou termo extintivo. Pode-se dar por ato inter vivos ou mortis causa, aquele, por exemplo, quando constante em cláusula de retrovenda, e este, nos casos de fideicomisso - institutos que serão estudados mais adiante. Cumpre ressaltar que é de grande importância a transcrição do título no registro de imóveis, tendo em vista que a propriedade resolúvel possui, como uma de suas características fundamentais, a retroatividade, no caso do implemento da condição ou no advento do termo extintivo. Nesse sentido, uma vez verificado um dos eventos, operam-se efeitos ex tunc (retroativos) desfazendo a propriedade ab initio, excluída a proteção de eventuais terceiros adquirentes, o que importa no registro para oponibilidade erga omnes. Observa-se que os efeitos retroativos da propriedade resolúvel ocorrem no plano da eficácia do negócio jurídico, e não da validade, já que produz efeitos sobre eventuais terceiros adquirentes do imóvel. Sobre as limitações da propriedade resolúvel, remetemos ao art. 1.359, do CC, o qual dispõe que: Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha. Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 2 Curso Ênfase © 2018 Nota-se que a força da resolução atinge não somente os direitos obrigacionais que tenham se constituído durante a vigência da propriedade resolúvel, como também eventuais direitos reais constituídos sobre a coisa. Todavia, para os atos de execução continuada ou diferida no tempo, deve-se aplicar o art. 128, do CC, o qual estabelece que: Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé. Dessa maneira, entende-se que, excepcionalmente, salvo disposição em contrário e desde que adequada a natureza da condição pendente e os ditames da boa-fé, é possível preservar atos já praticados com o objetivo de temperar a irretroatividade restrita da propriedade resolúvel, inclusive em atenção à boa-fé. Obviamente, tais efeitos dependerão do que consta do título, bem como da existência ou não de registro. Deve-se esclarecer, ainda, que a propriedade resolúvel, considerando sua aparição pelo implemento de condição resolutiva ou de termo extintivo, faz com que ambos produzam efeitos ex tunc, embora a disciplina geral do termos e encargos seja diversa, tendo em vista que os arts. 127 e 128, do CC, estabelecem que para o implemento da condição resolutiva os efeitos são ex tunc. Todavia, para o termo, operam-se efeitos ex nunc (não retroativos). Desse modo, apesar da disciplina geral do termo ser diversa, nos casos de propriedade resolutiva do art. 1.359, do CC, termo e condição resolutiva se equiparam na produção de efeitos, ambos ex tunc. 1.1 EXEMPLOS DE PROPRIEDADE RESOLÚVEL A primeira e mais mencionada em livros de manuais e cursos é a retrovenda, cláusula especial dos contratos de compra e venda, regulada pelo art. 505, do CC, nos seguintes termos: Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias. Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 3 Curso Ênfase © 2018 vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente. Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador. Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente. Art. 508. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral. Nesse sentido, a cláusula permite a possibilidade de resgatar (retrovenda) e recobrar a coisa ao anterior alienante torna a propriedade resolúvel, uma vez que consiste em direito potestativo que confere a possibilidade do alienante de, no prazo decadencial de 3 (três) anos, exercer a faculdade de recobrar a coisa. Outro exemplo refere-se ao art. 509, do CC, o qual trata sobre a venda a contento. Em regra, segundo a disciplina do Código, o instituto se daria por condição suspensiva. No entanto, a doutrina admite que as partes estabeleçam o negócio sob condição resolutiva, hipótese em que teríamos um caso de propriedade resolúvel. Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado. Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina. Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la. Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável. Portanto, embora o Código disponha que o negócio se realiza sob condição suspensiva, nada impede que as partes exerçam a venda a contento, sob condição resolutiva, ou seja, considerada realizada desde logo e, posteriormente, caso haja o desagrado do comprador, seja resolvida a propriedade em favor do alienante original. Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 4 Curso Ênfase © 2018 Ademais, menciona-se a instituto da venda com reserva de domínio, prevista no art. 521, também inserida no seção das cláusulas especiais do contrato de compra e venda: Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago. Art. 522. A cláusulade reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros. Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé. Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue. Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial. Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida. Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual. Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato. Outrossim, tem-se, ainda, a doação com cláusula de reversão. Encontra-se disposta no art. 547, do CC: Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro. Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 5 Curso Ênfase © 2018 Dessa forma, se na instituição de doação for prevista cláusula de reversão, para os casos em que o donatário falecer antes do doador, a propriedade voltará ao doador. Até o implemento do evento morte do doador (nota: donatário), a propriedade era plena (porém resolúvel) em favor do donatário. Cita-se, também, a figura do fideicomisso, regulamentado a partir do art. 1.951, do CC, o qual se institui mortis causa: Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário. Nota-se que o que ocorre no fideicomisso é quase como uma propriedade subsequente, observado através das figuras do fideicomitente, o qual realiza disposição testamentária no sentido de deixar certos bens para o fiduciário, segundo uma propriedade resolúvel, até que esses bens sejam adquiridos pelo fideicomissário. Dessa maneira, o fiduciário possui uma propriedade plena, porém resolúvel, tendo em vis que o CC estabelece que o fideicomisso somente poderá ser instituído, nos termos do art. 1.952: Art. 1.952. A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador. Parágrafo único. Se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário. Nesse sentido, o instituto visa beneficiar a prole eventual de alguém, considerando que o fideicomitente deixa os bens para o fiduciário para que, uma vez nascida a prole (sequer concebida ao tempo de sua morte), seja a propriedade resolvida em favor dos fideicomissários, a quem se destinavam desde o início os bens do fideicomitente. Vê-se, portanto, espécie de propriedade resolúvel do fiduciário. A professora apresenta, ainda, o seguinte julgado: FIDEICOMISSO. TESTADOR. SUCESSÃO. CAPACIDADE. HERDEIRO LEGÍTIMO. IRMÃO SOLTEIRO. NETOS. A Turma entendeu que, no caso, morrendo o fideicomissário antes do fiduciário, a propriedade consolida-se na pessoa do fiduciário, deixando de ser restrita e resolúvel (arts. 1.952, 1.955 e 1.959 do Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 6 Curso Ênfase © 2018 CC/2002). (REsp 820.814-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9/10/2007. Informativo nº 0335). - Art. 1.958, CC O julgado entendeu que, se por algum motivo o fideicomissário falece antes do fiduciário, a propriedade deixa de ser restrita e resolúvel e se torna absolutamente plena e consolidada na pessoa do fiduciário. O Código ainda trata da propriedade fiduciária em garantia, a qual será tratada em próxima aula, considerando sua semelhança com os direitos reais de garantia. 1.2 RESOLUÇÃO POR CAUSA SUPERVENIENTE NÃO CONSTANTE NO TÍTULO Adiante, o Código trata, no art. 1.360, sobre causas supervenientes não constantes do título, ou seja, resoluções por causas estranhas às previstas no título. Portanto, não se trata de propriedade propriamente resolúvel, já que, para esta, tanto a condição resolutiva quanto o termo extintivo devem constar no título desde o início, com o fim inclusive de proteção contra terceiros, do contrário a transmissão da propriedade se consideraria plena. Na hipótese do art. 1.360, há uma resolução por causas estranhas e supervenientes ao título, fazendo com que a regra seja invertida nesses casos, operando efeitos ex nunc, não retroativos. Nesse sentido, o seguinte Enunciado esclarece a diferenciação: V Jornada de Direito Civil - ENUNCIADO 509: A resolução da propriedade, quando determinada por causa originária, prevista no título, opera ex tunc e erga omnes; se decorrente de causa superveniente, atua ex nunc e inter partes. No ponto, um dos exemplos citados pela doutrina refere-se à revogação da doação por ingratidão (art. 555, CC): Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo. Art. 556. Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário. Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações: I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; II - se cometeu contra ele ofensa física; III - se o injuriou gravemente ou o caluniou; IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava. Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 7 Curso Ênfase © 2018 Sendo assim, todas as situações dos incisos do art. 557, do CC, são supervenientes e estranhos ao título originário (doação), aplicando-se o art. 1.360. Contudo, os atos praticados na propriedade, considerada plena, devem ser protegidos em face de terceiro adquirentes, diante da boa-fé e da aparência, por força dos efeitos ex nunc produzidos pelo instituto, sendo imprescindível a verificação caso a caso. De toda sorte, a doutrina entende que, apesar do instituto encontrar-se topograficamente localizado no Código no Capítulo da propriedade resolúvel, há o que denomina-se de propriedade ad tempus, ou seja, uma propriedade a termo, não resolúvel mas revogável. A posição não é majoritária, tendo em vista que a maioria dos doutrinadores enxerga o estudo dentro da propriedade resolúvel, com as devidas ressalvas quanto às distinções dos institutos. Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anteriorà sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor. QUESTÃO 2013 - TRF5 - XII - JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO Em relação ao direito de propriedade, assinale a opção correta. (a) Segundo a jurisprudência do STJ, é possível a usucapião de bem móvel em contrato de alienação fiduciária em garantia quando a aquisição da posse por terceiro ocorre sem o consentimento do credor, desde que preenchidos os pressupostos legais. (b) O Código Civil de 2002 introduziu instituto jurídico inédito ao prever que o proprietário poderá ser privado de coisa imóvel, desde que constitua área extensa e esteja na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas que tenham nela realizado obras e serviços considerados pelo juiz de relevante interesse social e econômico. (c) A propriedade pode ser resolvida pelo implemento da condição ou pelo advento de termo. Assim, no caso de doação com cláusula de reversão, como regra geral, a resolução da propriedade tem efeitos ex nunc. (d) Em qualquer das hipóteses de usucapião previstas no Código Civil, exige-se a posse de boa-fé e justo título. Direito Civil – Caroline Andriotti 60018 Aula15 - Direito Civil IV - Propriedade Resolúvel 8 Curso Ênfase © 2018 (e) A escritura pública é suficiente para a aquisição da propriedade imobiliária, sendo uma formalidade situada no plano de validade dos contratos de constituição ou transmissão de bens. COMENTÁRIO DA QUESTÃO A análise será restrita ao tema da propriedade resolúvel, já que outros itens tratam de usucapião. (c) A doação com cláusula de reversão, prevista no art. 547, do CC, é exemplo de propriedade resolúvel prevista no Código. Portanto, via de regra, os efeitos são ex tunc (retroativos), justamente por se tratar de exemplo de propriedade resolúvel do art. 1.359. Assertiva incorreta.
Compartilhar