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Laísa Dinelli Schiaveto Doenças Microbianas do Sistema Digestório INTRODUÇÃO Muitas das doenças microbianas do sistema digestório resultam da ingestão de alimentos ou água contaminados com microrganismos patogênicos e suas toxinas. Esses patógenos geralmente penetram no alimento ou suprimento de água após serem disseminados nas fezes de pessoas ou animais infectados à Geralmente transmissíveis por um ciclo fecal-oral. ESTRUTURA E FUNÇÃO DO SISTEMA DIGESTÓRIO O sistema digestório é essencialmente uma estrutura tubular – Trato Gastrointestinal (TGI) – que inclui: (1) boca; (2) faringe; (3) esôfago; (4) estômago; (5) intestinos delgado e grosso. Além disso, inclui estruturas acessórias, como dentes e línguas. Outras estruturas acessórias, como as glândulas salivares, o fígado, a vesícula biliar e o pâncreas situam-se fora do TGI e produzem secreções que são transportadas por ductos até ele. O objetivo deste sistema é digerir os alimentos, ou seja, degradá-los em moléculas menores que possam ser captadas e utilizadas pelas células do corpo. Durante o processo de absorção, esses produtos finais da digestão passam do intestino delgado ao sangue ou linfa para a distribuição às células corporais. Então, o alimentos move-se pelo intestino grosso, onde a água, as vitaminas e os nutrientes são absorvidos. Os sólidos não digeridos resultantes, as fezes, são eliminados do corpo pelo ânus. Os gases intestinais ou flatos são uma mistura de nitrogênio do ar deglutido e dióxido de carbono, hidrogênio e metano produzido pelos micróbios (em média, produzimos de 0,5 a 2,o L de gases por dia). Obs: No curso de uma vida com duração média, cerca de 25 toneladas de alimentos passam através do TGI. Existe uma relação entre o sistema digestório e o sistema imune à As primeiras bactérias a colonizarem o TGI de um lactente moldam a resposta imune, de modo que ela sejam favorável à sua própria sobrevivência, uma vez que o sistema imune reage, então, contra antígenos nocivos e ignora aqueles que não são. Ao longo da vida, a mucosa intestinal é desafiada continuamente pelos antígenos da microbiota intestinal e dos alimentos ingeridos. Como consequência, cerca de 80% do sistema imune está localizado no trato intestinal, sobretudo no intestino delgado. O sistema imune do intestino pode se tornar bastante inflamatório quando a mucosa é invadida por agentes infecciosos, tais como parasitos, bactérias patogênicas ou vírus. Nesse momento, reações como diarreia e náuseas que nos impede de ingerir alimentos, são reações protetoras que acompanham a resposta imune inflamatória que controla a infecção. Laísa Dinelli Schiaveto MICROBIOTA NORMAL DO SISTEMA DIGESTÓRIO As bactérias povoam densamente a maioria do sistema digestório, sendo assim: • Boca – cada milímetro de saliva pode conter milhões de bactérias; • Estômago e Intestino Delgado – apresentam relativamente poucos microrganismos, devido ao ácido clorídrico produzido pelo estômago e ao rápido movimento dos alimentos no intestino delgado; • Intestino Grosso – possui uma enorme população microbiana, excedendo 100 bilhões de bactérias por grama de fezes (até 40% da massa fecal são compostas por material celular microbiano). Mecanismos de Defesa da Microbiota A população do intestino grosso é composta principalmente de anaeróbios e anaeróbios facultativos. A maioria dessas bactérias auxilia na degradação enzimática dos alimentos, principalmente muitos polissacarídeos que, de outra forma, não são digeríveis. Ainda, algumas delas sintetizam vitaminas. O intestino delgado também contém importantes defesas antimicrobianas, mais significativamente, milhões de células especializadas preenchidas por grânulos (células de Paneth). Estas são capazes de fagocitar as bactérias e, também, produzem proteínas antibacterianas (defensivas) e a enzima antibacteriana lisozima. É importante entender que, o alimento ao passar pelo TGI, embora esteja em contato com o corpo, permanece fora dele. Sendo assim, diferentemente do exterior do corpo, como a pele, o TGI é adaptado para absorver os nutrientes que passam através dele. Contudo, ao mesmo tempo em que os nutrientes são absorvidos pelo TGI, microrganismos prejudiciais ingeridos nos alimentos e na água devem ser impedidos de invadir o corpo à Um fator importante nessa defesa é o conteúdo altamente ácido do estomago, que elimina muitos microrganismos ingeridos, potencialmente prejudiciais. Laísa Dinelli Schiaveto Doenças Bacterianas da Boca A boca, que é entrada para o sistema digestório, fornece um ambiente que sustenta uma grande e variada população microbiana. CÁRIES DENTÁRIAS Os dentes são rígidos e as células não se destacam de sua superfície. Isso permite o acúmulo de massas de microrganismos e seus produtos. Esses acúmulos (placas dentárias) são um tipo de biofilme e, estão intimamente envolvidos na formação das cáries dentárias (decaimento dentário). As bactérias orais convertem a sacarose e outros carboidratos em ácido lático, que, por sua vez, ataca o esmalte dos dentes. A bactéria carcinogênica (que causa cáries) mais importante é Streptococcus mutans; um coco gram- positivo que apresenta características de virulência significativa. Este é capaz de metabolizar uma ampla variedade de carboidratos, tolera um alto nível de acidez e sintetiza dextrana, um polissacarídeo viscoso de moléculas de glicose, que é um fator importante na formação da placa dentária. Obs: Algumas outras espécies de estreptococos também são carcinogênicas, porém desempenham um papel de menor importância na iniciação das cáries. O início de uma cárie depende da ligação do S. mutans ou outros estreptococos ao dente. Essas bactérias não se aderem ao dente limpo, mas, dentro de minutos, um dente recém-escovado torna-se recoberto por uma película (filme fino) de proteínas da saliva. Dentro de algumas horas, as bactérias carcinogênicas estabelecem-se nessa película e iniciam a produção de dextrana. Nesta produção, as bactérias inicialmente hidrolisa, a sacarose em seus componentes monossacarídeos, frutose e glicose. A enzima glicosiltransferase, então, organiza as moléculas de glicose em dextrana. A frutose residual é o açúcar primário fermentado em ácido lático. à O acúmulo de bactérias e dextrana aderido ao dentes compõe a placa dentária à Os depósitos mais antigos e calcificados de placas são chamados de cálculo dentário ou tártaro. Obs: A produção localizada de ácido dentro dos depósitos de placa dentária resulta no amolecimento gradual do esmalte externo. Sendo assim, um esmalte pobre em fluoreto é mais suscetível ao efeitos ácido. Então, esta é razão para a fluoretação da água e das pastas dentárias. Estágios das Cáries 1. Dente com acúmulo de placa em áreas de difícil higienização; 2. A cárie começa à medida que o esmalte é atacado por ácidos formados por bactérias; 3. A cárie avança através do esmalte; 4. A cárie avança para a dentina; 5. A cárie penetra na polpa e pode formar abscessos nos tecidos que circundam a raiz. Se a penetração inicial do esmalte pelas cáries não é tratada, as bactérias podem penetrar no interior do dente. No entanto, as bactérias envolvidas na disseminação da área cariada do esmalte até a dentina é totalmente diferente do microrganismo que inicia a cárie, de modo que, os microrganismos dominantes são bastonetes gram-positivos e bactérias filamentosas (S. mutans está presente apenas em pequenos números). A área cariada eventualmente avança até a polpa, que se conecta com os tecidos da mandíbula e contém o suprimento sanguíneo e as células nervosas. Uma vez que esse estágio é atingido, um tratamento de canal é necessário para remover o tecido infectadoe morto e para fornecer acesso aos antimicrobianos que suprimem a infecção. Se não for tratada, a infecção Laísa Dinelli Schiaveto pode avançar do dente aos tecidos moles, produzindo abscessos dentários causados por populações bacterianas mistas, que contêm muitos anaeróbios. Antigamente, acreditava-se que a causa das cáries dentarias era o Lactobacillus spp. No entanto, este não desempenha nenhum papel no início do processo; estes são importantes no avanço da cárie quando ela se torna estabelecida, visto que são produtores prolíficos de ácido lático. As melhores estratégias para prevenir a cárie dentaria são uma ingestão mínima de sacarose, escovação, uso de fio dental, limpeza profissional para remoção da placa e o uso de fluoreto. Além disso, a remoção profissional da placa e do tártaro em intervalos regulares retardam a progressão para doença periodontal. DOENÇA PERIODONTAL Caracteriza-se por inflamação e degeneração das estruturas que oferecem suporte para o dente. 1. Dentes firmemente ancorados por osso e gengiva saudáveis; 2. Toxinas na placa irritam as gengivas, causando gengivite; 3. Bolsas periodontais se formam à medida que o dente se separa da gengiva; 4. A gengivite progride para periodontite; as toxinas destroem a gengiva, o osso que suporta o dente e o cemento que protege a raiz. Obs: Mesmo as pessoas que previnem a cárie dentaria podem, anos mais tarde, perder os seus dentes devido à doença periodontal. GENGIVITE Em muitos casos de doença periodontal, a infecção é restritiva às gengivas. Essa inflamação é caracterizada por sangramento das gengivas durante a escovação dos dentes. Surge em poucas semanas se a escovação é interrompida, o que permite o acúmulo de placa. As bactérias predominantes são uma variedade de estreptococos, actinomicetos e anaeróbias gram- negativas. PERIODONTITE A periodontite é uma condição na qual a gengivite progride para uma condição crônica; esta é uma condição insidiosa que, em geral, causa pouco desconforto. As gengivas apresentam-se inflamadas e sangram facilmente. Muitas vezes, observa-se a formação de pus nas bolsas periodontais que circundam os dentes. À medida que a infecção continua, ela avança em direção às pontas da raiz e, desse modo, o osso e o tecido que sustentam os dentes são destruídos, levando, por fim, ao afrouxamento e à perda dos dentes. Numerosas bactérias de muitos tipos, principalmente espécies de Porphyromonas, são encontradas nessas infecções; o dano tecidual é induzido por uma resposta inflamatória à presença dessas bactérias. Esta pode ser tratada eliminando-se cirurgicamente as bolsas periodontais. GENGIVITE ULCERATIVA NECROSANTE AGUDA Também conhecida como doença de Vicent ou boca de trincheira, é uma das infecções bucais graves mais comuns. Esta causa tanta dor que dificulta a mastigação normal e o mau hálito (halitose) também está presente. A bactéria principalmente associada é a Prevotella intermedia. Uma vez que esses patógenos são geralmente anaeróbios, o tratamento com agentes oxidantes, debridamento e a administração de metronidazol ou anticorpos pode ser efetivo temporariamente. Laísa Dinelli Schiaveto Doenças Bacterianas do Sistema Digestório Inferior As doenças do sistema digestório são frequentemente relacionadas à ingestão de alimentos e, são essencialmente de dois tipos: Infecçã0 – Ocorre quando um patógeno entra no TGI e se multiplica; estes podem penetrar na mucosa intestinal e crescer ali ou podem passar para outros órgãos sistêmicos. São caracterizadas por um atraso no aparecimento dos distúrbios gastrointestinais enquanto o patógeno aumenta em número ou afeta o tecido invadido. Em geral, também há a ocorrência de febre (uma das resposta do corpo a um organismos infeccioso). Intoxicação – É causada pela ingestão de uma toxina pré-formada, sendo a maioria causada pelo Staphylococcus aureus. Esta é caracterizada pelo aparecimento súbito de distúrbios gastrointestinais. Vale destacar que, a febre é um dos sintomas menos frequentes. Ambas, infecções e intoxicações, frequentemente causam diarreia. Em casos graves, esta é chamada de disenteria, sendo acompanhada de sangue ou muco. Além disso, há a presença de cólicas abdominais, náuseas e vômitos. Obs: A diarreia e o vômito são mecanismos de defesa projetados para livrar o corpo de materiais prejudiciais. O tremo geral gastrenterite é aplicado a doenças que causam inflamação da mucosa gástrica e intestinal. Em países em desenvolvimento, a diarreia é o principal fator associado à mortalidade infantil. Estima-se que a mortalidade por diarreia na infância pode ser reduzida pela terapia de reidratação oral (reposição de fluidos e eletrólitos), sendo que essa solução (geralmente composta por cloreto de sódio, cloreto de potássio, glicose e bicarbonato de sódio) é destinada à reposição do líquido e dos eletrólitos perdidos. Além disso, recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu uma recomendação relacionada à reposição de zinco, já que, além de fortalecer o sistema imunológico, ele aumenta a regeneração da mucosa intestinal, regula a perda de água nas fezes, melhorando a diarreia. O zinco é um componente importante na recuperação de diarreia, especialmente a aguda, que acomete mais em crianças; isto porque ele reduz a frequência e a duração dos episódios de evacuações, regula a perda de água nas fezes e contribui na manutenção da integridade da mucosa do intestino, dificultando a entrada de microrganismos. No entanto, a função exata do zinco nas infecções intestinas de diversas etiologias não é totalmente compreendida, mas alguns trabalhos mostram que ele poderia atuar na regulação da resposta imunológica e no controle de fluidos, além de exercer papel antioxidante. A falta de zinco, no organismo enfraquece o sistema imunológicos e está diretamente relacionada aos casos de diarreia. INTOXICAÇÃO ALIMENTAR ESTAFILOCÓCICA A intoxicação alimentar estafilocócica, uma intoxicação causada pela ingestão de uma enterotoxina produzida por Staphylococcus aureus, é uma das principais causas de gastrenterite. Características do S. aureus: (1) são resistentes aos estresses ambientais; (2) possuem uma resistência bastante alta ao calor; (3) possuem resistência à dessecação e à radiação, o que os auxilia na sobrevivência em superfícies cutâneas; (4) possui resistencia a pressões osmóticas elevadas, o que os auxilia a crescer em alimentos (como o presunto defumado) em que uma alta pressão osmótica dos sais inibe o crescimento de competidores. Além disso, este estafilococos frequentemente habita as passagens nasais, a partir das quais contamina as mão e, é uma causa frequente de lesões cutâneas nas mãos. Sendo assim, dessas fontes, este microrganismo pode facilmente penetrar o alimento., Caso os microrganismos forem incubados no alimento – abuso de temperatura – eles reproduzem- se e liberam uma enterotoxina à São esses eventos, que levam a surtos de intoxicação estafilocócica. S. aureus produz várias toxinas que causam danos aos tecidos ou aumentam a virulência do microrganismo. Laísa Dinelli Schiaveto A produção da toxina do tipo sorológico A (que é responsável pela maioria dos causas) frequentemente é correlacionada com a produção de uma enzima que coagula o plasma sanguíneo – coagulase-positivas. De maneira geral, uma população de cerca de 1 milhão de bactérias por grama de alimento produzirá enterotoxina suficiente para causar doença. O crescimento do micróbio é facilitado se os microrganismos competidores no alimento forem eliminados (p. ex. pelo cozimento). Também, é mais provável que o micróbio cresça se as bactérias competidoras forem inibidas por uma pressão osmótica maior do que a normal por um nível de umidade relativamente baixo à O S. aureus tende a crescer excessivamenteem relação à maioria das bactérias competidoras sob essas condições. Como a contaminação dos alimentos pelos manipuladores não pode ser completamente evitada, o método mais confiável de prevenção desta intoxicação consiste em uma refrigeração adequada durante a estocagem do alimento, a fim de impedir a formação da toxina. A toxina em si é estável ao calor e pode sobreviver até 30 minutos de cozimento. Portanto, uma vez formada, a toxina não é destruída quando o alimento é reaquecido, embora as bactérias sejam destruídas. A taxa de mortalidade da intoxicação alimentar estafilocócica é quase zero entre pessoas consideradas saudáveis, mas pode ser significativa em indivíduo enfraquecidos, como residentes de clínicas gástricas. O diagnóstico geralmente é baseado nos sintomas, em especial o curto período de incubação, característico da intoxicação. Os isolados de S. aureus podem ser testados por fagotipagem, um método para rastrear a fonte da contaminação. Essas bactérias crescem bem em cloreto de sódio a 7,5%, de forma que essa concentração de forma é usada em meios para seu isolamento seletivo. Além disso, estafilococos patogênicos, em geral, fermentam manitol, produzem hemolisinas e coagulase e formam colônias amarelo-ouro. O tratamento é feito com reposição hidroeletrolítica se necessário. SHIGELOSE (DISENTERIA BACILAR) As infecções bacterianas, como a shigelose e a salmonelose, geralmente têm períodos de incubação mais longos (de 12 horas a 2 semanas) que as intoxicações bacterianas, refletindo o tempo necessário para o microrganismos crescer no hospedeiro. Frequentemente, estas infecções são caracterizadas por febre, indicando a resposta do hospedeiro à infecção. A shigelose é uma forma severa de diarreia casada por um grupo de bastonetes gram-negativos anaeróbios facultativos de gênero Shigella. Estas não possuem nenhum reservatório natural nos animais e se disseminam apenas de pessoa a pessoa, de modo que os surtos são mais frequentemente observados em famílias, creches e cenários similares. Existem quatro espécies patogênicas de Shigella: (1) S. sonnei; (2) S. dysenteriae; (3) S. flexneri; (4) S. boydii. A espécie mais comum é a S. sonnei, causando uma disenteria relativamente leve. Em contrapartida, a infecção por S. dysenteriae, frequentemente resulta em disenteria grave e prostração. A toxina Laísa Dinelli Schiaveto responsável é altamente virulenta, sendo conhecida como toxina Shiga. A doença infecciosa requerida para causar doença é pequena; as bactérias não são muito afetadas pela acidez do estômago. • Elas proliferam até números imensos no intestino delgado, porém o principal sítio da doença é o intestino grosso; • Nesse local, as bactérias fixam-se a determinadas células epiteliais (células M); • As projeções membranosas que circundam as células M captam as bactérias para o interior das células; • As bactérias se multiplicam na célula e rapidamente se disseminam para as células vizinhas, produzindo toxina Shiga, que causa a destruição dos tecidos; • A disenteria é o resultado dos danos às paredes intestinais. A shigelose pode causar até 20 3vacuacoes em um dia. Os sintomas adicionais de infecção são cólicas abdominais e febre. As bactérias Shigella raramente invadem a corrente sanguínea, pois os macrófagos não somente falham em destruir estas bactérias que fagocitam, mas também são destruídos por elas. Segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), maioria dos casos de shigelose ocorrem por S. sonnei, acometendo principalmente crianças com idade inferior a 5 anos. Já, a S. dysenteriae tem uma taxa de mortalidade significativa, podendo atingir 20% em áreas tropicais, onde ela é prevalente. O diagnóstico, em geral, é baseado na recuperação de micróbios de swabs retais. Em casos graves, a antibioticoterapia e a reidratação oral são indicadas. Atualmente, as fluoroquinolonas são os antibióticos de escolha. Parece haver uma certa imunidade após a recuperação, mas uma vacina satisfatória ainda não foi desenvolvida. Existem algumas complicações que podem ocorrer, como: • Síndrome hemolítivo-urêmica, que pode complicar a shigelose em crianças, devido ao S. dysenteriae; • Infecções bacterianas secundárias, em especial em pacientes debilitados e desidratados; • Ulcerações de mucosa graves, provocando perda de sangue aguda significante; • Pacientes (especialmente aqueles com genótipo HLA-B27) podem desenvolver artrite reativa após shigelose e outras enterites; • Convulsões em crianças, miocardite e perfuração intestinal (são menos comuns e acontecem raramente). SALMONELOSE (GASTRENTERITE POR SALMONELLA) As bactérias Salmonella são bastonetes gram- negativos anaeróbios facultativos não formadores de endósporo. seu habitat normal é o trato intestinal dos seres humanos e de muitos animais. Todas as salmonelas são consideradas patogênicas em algum grau, causando salmonelose ou gastrenterite por Salmonella. Obs: As bactérias do gênero Salmonella causam diversos tipos de infecção. Mais frequentemente, essas bactérias causam gastrenterite, mas às vezes causam febre tifoide, uma infecção mais séria. Laísa Dinelli Schiaveto O habitat natural das salmonelas pode ser dividido em três categorias, com base na especificidade do hospedeiro e o padrão clínico por ele determinado: 1. Altamente adaptadas ao homem, incluindo S. typhi e S. paratyphi A, B e C, agentes da febre entérica (febres tifoide e paratifoide); 2. Altamente adaptadas aos animais, representadas por S. dublin (bovinos), S. choleraesuis e S. typhisuis (suínos), S. abortusequi (equinos), S. pullorum e S. gallinarum (aves), responsáveis pelo paratifo em animais; Entretanto, em determinadas situações (idade jovem, pacientes com doenças crônicas, idosos e imunocomprometidos), os sorovares S. dublin e S. cholerasuis podem determinar no homem um quadro septicêmico, isto é, mais grave do que o causado por S. typhi. 3. Inclui a maioria dos sorovares que atingem indiferentemente o homem e os animais, designadas de salmonelas zoonóticas as quais são responsáveis por quadro de gastrenterite (enterocolite) ou por doenças de transmissão alimentar. Sua distribuição é mundial, sendo os alimentos os principais veículos de sua transmissão. Estes são responsáveis por significantes índices de morbidade e mortalidade, tanto nos países emergentes quanto nos desenvolvidos, determinando pequenos e grandes surtos, envolvendo, principalmente, o consumo de alimentos de origem animal, como ovos, aves, carnes e produtos lácteos. à A salmonela vive nos intestinos das aves e a contaminação, em geral, ocorre na postura do ovo, por rachaduras na casca. Então, o recomendado é destacar os ovos rachados e lavar os outros. Patogenicamente, as salmonelas são divididas em salmonela tifoide e salmonela não tifoide, que causa uma salmonelose branda. As salmonelas inicialmente invadem a mucosa intestinal e se multiplicam nesse local. Ocasionalmente, elas conseguem atravessar a mucosa intestinal através das células M para penetrar nos sistemas linfáticos e circulatórios, e de lá elas podem se disseminar e, por fim, afetar muitos órgãos. Elas se replicam rapidamente dentro dos macrófagos. A salmonelose possui um período de incubação de cerca de 12 a 36 horas. Em geral, há uma febre moderada, acompanhada de náuseas, dor abdominal, cólicas e diarreias. Até 1 bilhão de salmonelas por grama pode ser encontrado nas fezes de uma pessoa infectada durante a fase aguda da doença. A taxa de mortalidade, em geral, é muito baixa, provavelmente inferior a 1%; contudo, é maior em lactentes e indivíduos idoso. A morte geralmente é em decorrênciade choque séptico. A gravidade e o período de incubação podem depender do número de Salmonella ingerido. Normalmente, a recuperação é completa em alguns dias, porém muitos pacientes continuam a disseminar o organismo em suas fezes por até 6 meses. Laísa Dinelli Schiaveto A terapia antibiótica não é útil no tratamento da salmonelose ou, de fato, em muitas doenças diarreicas. O tratamento consiste em terapia de reidratação oral. A prevenção depende, principalmente, de boas práticas de manipulação para deter a contaminação e de uma refrigeração correta para impedir o aumento no número de bactérias. De maneira geral, os microrganismos são destruídos pelo cozimento normal. Por exemplo, a galinha deve ser cozida sob temperaturas de 76 a 82ºC, e a carne moída a 71ºC. Contudo, o alimento contaminado pode contaminar uma superfície, como uma tábua de cortar carne. Assim, outro alimentado preparado nessa tabua subsequentemente pode não ser cozido. O diagnóstico geralmente depende do isolamento do patógeno a partir de fezes do paciente ou de restos de alimento. O isolamento requer meio especializado seletivo e diferencial; esses métodos são relativamente lentos. Além disso, o pequeno número de Salmonella geralmente encontrado nos alimentos representa um problema especial na detecção, sendo assim, atualmente, testes baseados na PCR são os mais promissores para a detecção de pequenas quantias em alimentos. Esses testes requerem cerca de cinco horas e identificam os sorotipos clínicos. FEBRE TIFOIDE A febre tifoide, uma doença bacteriana, é causada pelo sorotipo mais virulento de Salmonella – S. typhi. Esse patógeno não é encontrado em animais e, desse modo, é disseminado somente nas fezes de outros seres humanos. Nos períodos que antecederam o descarte apropriado de rejeitos, o tratamento da água e a sanitização dos alimentos, a febre tifoide era extremamente comum. Apesar disso, esta ainda é uma causa frequente de morte em determinadas regiões do mundo que possuem um saneamento deficiente. Então, estima- se, globalmente que 21 milhões de casos ocorram anualmente, causando dezenas de milhares de mortes. Em vez de ser destruída pelas células fagocíticas, a S. typhi multiplica-se no interior dessas células e se dissemina para múltiplos órgãos, sobretudo baço e fígado. Eventualmente, as células fagocíticas sofrem lise e liberam a bactéria na corrente sanguínea. O tempo necessário para que isso ocorra explica por que o período de incubação da febre tifoide (2 ou 3 semanas) é maior que o da salmonelose (12-36 horas). O paciente com febre tifoide apresenta febre alta de 40ºC e cefaleia contínua. A diarreia surge somente na segunda ou terceira semana e a febre tende a declinar. Em casos graves, que podem ser fatais, ulceração e perfuração da parede intestinal podem ocorrer. Antes de a antibioticoterapia estar disponível, uma taxa de mortalidade de 20% era comum; com tratamento disponíveis atualmente, é inferior a 1%. Cerca de 1 a 3%, um número substancial de pacientes recuperados, tornam-se portadores crônicos. Eles abrigam o patógeno na vesícula biliar e continuam a disseminar as bactérias por vários meses. Além disso, alguns desses portadores continuam a disseminar o organismo indefinidamente. Os antimicrobianos antitifoides mais efetivos são as quinolonas ou cefalosporinas de terceira geração. No caso do portador crônico, o tratamento pode exigir semanas de terapia antibiótica. É importante destacar que, a resistência a antibióticos é um problema frequente. A recuperação da febre tifoide confere imunidade por toda a vida. A imunização raramente é realizada nos países desenvolvidos, exceto para pessoas expostas a alto risco, como as que trabalham em laboratórios ou militares. O declínio da efetividade dos antibióticos tem renovado o interesse pela vacinação nos países menos desenvolvidos. A vacina que tem sido mais utilizada é aquela produzida com o patógeno morto, que necessita ser injetada e induz altas taxas de efeitos colaterais. Vacinas de nova geração, bastante seguras, estão disponíveis e podem ser utilizadas em crianças a partir dos 2 anos de idade. Uma delas, a vacina de subunidades, que requer dose única, confere boa proteção por pelo menos três anos. Outra, uma vacina viva atenuada, que pode ser tomada oralmente em 3 ou 4 doses, protege bem por sete anos. O diagnostico é feiro por cultura de fezes, pus, sangue ou uma amostro do reto. Dessa maneira, para Laísa Dinelli Schiaveto diagnosticar uma infecção por Salmonella, os médicos obtêm uma amostra de fezes, ou sangue ou usam um cotonete para obter amostra do reto. A amostra é enviada a um laboratório, onde a bactéria, se presente, pode ser cultivada. Então, identificar a bactéria em uma amostra confirma o diagnóstico. Vale destacar que, as bactérias também são testadas para verificar que antibióticos são eficazes – um processo chamado teste de suscetibilidade. CÓLERA O agente causador do cólera, uma das doenças gastrointestinais mais severa, é a bactéria Vibrio cholerae, um bastonete gram-negativo ligeiramente curvo com um único flagelo polar. Os bastonetes do cólera crescem no intestino delgado e produzem uma exotoxina – toxina colérica – que induz as células do hospedeiro a secretarem água e eletrólitos, principalmente potássio. O resultado são fezes aquosas contento massas de muco intestinal e células epiteliais e, devido sua aparência, essas fezes são conhecidas como “fezes água de arroz”. Cerca de 12 a 20 litros (3 a 5 galões) de líquidos podem ser perdidos em um dia, e a perda súbita desses fluidos e eletrólitos causa choque, colapso e, frequentemente, morte. Devido à perda de líquido, o sangue torna-se viscoso que os órgãos vitais são incapazes de funcionar adequadamente. Vômitos violentos podem ocorrer. Os micróbios não são invasivos e a febre geralmente não está presente. A gravidade do cólera varia consideravelmente. Casos não tratados de cólera podem apresentar mortalidade de cerca de 50%, embora com o tratamento de suporte adequado normalmente seja inferior a 1% nos dias de hoje. As bactérias do cólera e outros membros do gênero Vibrio, em geral, são fortemente associados a águas salobras, características de estuários, embora eles também se disseminem rapidamente na água doce contaminada. Eles formam biofilmes e colonizam copépodes (pequenos crustáceos), algas e outras plantas aquáticas e plânctons, os quais ajudam na sua sobrevivência. Sob condições desfavoráveis, V. cholerae pode se tornar dormente; a célula encolhe- se até um estado esférico, não cultivável. Uma mudança favorável no ambiente induz uma rápida reversão à forma cultivável. Ambas as formas são infecciosas. Embora sobrevivam bem em seus ambientes aquáticos, as bactérias do cólera são excepcionalmente sensíveis aos ácidos estomacais. Pessoas com secreção de ácido estomacal prejudicada ou que estejam tomando antiácidos apresentam alto risco de infecção. O diagnóstico é baseado nos sintomas e no isolamento de V. cholerae das fezes. A recuperação da doença resulta em uma imunidade efetiva, mas somente para linhagens bacterianas com as mesmas características antigênicas. O tratamento frequentemente inclui o uso de antibióticos, como a doxiciclina, porém a terapia mais efetiva é a reposição intravenosa de fluidos e eletrólitos perdidos. Em torno de 10% do peso do paciente podem ser requeridos dentro de poucas horas. Em relação as vacinas, nos EUA, a vacina contra a cólera está disponível para pessoas de 18 a 64 anos de idade se estiverem viajando para áreas onde há cólera. Ela é tomada por via oral em uma dose única. No entanto, não se sabe se essa vacina é eficaz por mais de três a seis meses. Já, fora dos EUA, existem outras suas vacinas disponíveis para a cólera. Essas vacinas conferem proteção por cinco anos em cerca de 60-85%das pessoas vacinas. São tomadas por via oral em duas doses. Além disso, são recomendadas doses de reforço depois dos dois anos para pessoas que continuam em risco de contrair cólera. Curiosidade: A terapia de reidratação é tão efetiva que em Bangladesh, por exemplo, onde o cólera é comum, mortes são consideradas “incomuns”. GASTRENTERITE POR ESCHERICHIA COLI Um dos microrganismos mais prolíficos no trato intestinal dos seres humanos é Escherichia coli. Essas bactérias normalmente são inofensivas, porém certas linhagens podem ser patogênicas. Sendo assim, elementos genéticos móveis podem transformar a bactéria E. coli em um patógeno Laísa Dinelli Schiaveto altamente adaptado, capaz de causar uma variedade de doenças. Algumas linhagens patogênicas secretoras de toxina são bem adaptadas à invasão das células epiteliais intestinais, causando gastrenterite por E. coli. Além disso, outros locais, como o trato urinário, a corrente sanguínea e o sistema nervoso central, também podem ser afetados. Oito variedades patogênicas (patovares) de E. coli foram bem caracterizadas; sendo cinco desses patovares causadores de diarreia. E. coli enteropatogênica (EPEC) É a principal causa de diarreia nos países em desenvolvimento e é potencialmente fatal em lactentes. À medida que as bactérias se fixam à parede intestinal, elas eliminam as microvilosidades circundantes e estimulam a actina da célula hospedeira a formar pedestais sob seu sítio de fixação. As bactérias EPEC secretam várias proteínas efetoras, as quais são translocadas para as células hospedeiras, algumas contribuindo para a diarreia. E. coli enteroinvasiva (EIEC) É considerada, de forma geral, quase um “sinônimo” de Shigella, uma vez que ela tem os mesmos mecanismos patogênicos. A EIEC consegue acesso à submucosa do trato intestinal através das células M, da mesma forma que Shigella. Essa invasão resulta em inflamação, febre e em disenteria semelhante à causada por Shigella. E. coli enteroagregativa (EAEC) É um grupo de coliformes encontrado apenas em seres humanos. Esse grupo é assim denominado devido às suas características de crescimento, em que as bactérias formam uma configuração de “tijolos empilhados” em células de cultura de tecidos. Estas não são invasivas, mas produzem uma enterotoxina que causa diarreia aquosa. E. coli enterotoxigênica (ETEC) Esse grupo patogênico secreta enterotoxinas que causam diarreia. Uma das enterotoxinas produzidas por esta bactéria assemelha-se à toxina do cólera em função. Estas não são invasivas e permanecem no lúmen intestinal. A doença é frequentemente fatal para crianças com idade inferior a 5 anos. E. coli entero-hemorrágica (EHEC) O principal fator de virulência dessas bactérias é uma toxina do tipo Shiga. Estas constituem uma família de toxinas que estão intimamente relacionadas. Algumas linhagens de E. coli, que produzem toxinas do tipo Shiga são chamadas de E. coli produtoras de toxina Shiga (STEC). No entanto, a verdadeira toxina Shiga é produzida somente por Shigella dysenteriae. Então, a maioria dos surtos ocorre devido à EHEC sorotipo O157:H7. Além disso, outras linhagens menos conhecidas incluem a O121 e a O104:H21. Como a toxina é liberada em consequência da lise celular, a antibioticoterapia pode agravar os danos ao provocar a liberação de mais toxina. Algumas complicação que podem ocorrer são: Em seres humanos, as toxinas Shiga frequentemente causam apenas uma diarreia autolimitada, mas em cerca de 6% das pessoas infectadas, elas produzem uma inflamação do colo (a porção final do intestino grosso que termina logo acima do reto) envolvendo um sangramento profuso, chamada de colite hemorrágica. Diferentemente da Shigella, estas bactérias E. coli não invadem a parede intestinal, mas, em vez disso, elas liberam a toxina no lúmen (espaço) intestinal. Outra complicação perigosa é a síndrome hemolítico- urêmica (HUS). Caracterizada por sangue na urina, frequentemente levando à insuficiência renal, a HUS ocorre quando os rins são afetados pela toxina. Cerca de 5 a 10% das crianças pequenas que foram infectadas progridem para esse estágio, que tem uma taxa de mortalidade de cerca de 5%. Os cuidados desses pacientes envolvem principalmente a reidratação intravenosa e o monitoramento cuidadoso dos eletrólitos séricos. Laísa Dinelli Schiaveto Além disso, alguns sobreviventes da HUS podem exigir diálise renal ou mesmo transplantes. DIARREIA DOS VIAJANTES A causa bacteriana mais comum é ETEC (E. coli enterotoxigênica) e o segundo isolado mais frequente é EAEC (E. coli enteroagregativa). No entanto, também pode ser causada por outros patógenos gastrointestinais, como Salmonella, Shigella e Campylobacter; bem como por vários outros patógenos bacterianos não identificados, vírus e protozoários parasitos. Na verdade, na maioria dos casos, o agente causador nunca é identificado, e a quimioterapia nem chega a ser administrada. Uma vez que seja contraída, o melhor tratamento é a reidratação oral, recomendada para todas as diarreias. Em casos graves, antimicrobianos podem ser necessários. A prescrição de antibióticos pode oferecer alguma proteção; outra opção consiste na administração de preparações contendo bismuto (como Pepto-Bismol), mas a melhor orientação para as área de risco consiste na prevenção da infecção. GASTRENTERITE POR CAMPYLOBACTER Campylobacter são bactérias gram-negativas microaerófilas curvadas em espiral, que emergiram como a principal causa de doenças transmissíveis por alimentos nos EUA. Geralmente, esta doença é causada por C. jejuni, sendo a dose infecciosa é inferior a 1 milhão de bactérias. Elas se adaptam bem ao ambiente intestinal de hospedeiros animais, sobretudo de aves. O cultivo de Campylobacter requer condições de baixa tensão de oxigênio e alta tensão de dióxido de carbono, desenvolvidas em sistemas especiais. A temperatura ótima de crescimento das bactérias, de cerca de 42°C, aproxima-se daquela de seus hospedeiros animais, mas as bactérias não se multiplicam nos alimentos. Quase todos os frangos à venda em varejos estão contaminados com Campylobacter. Além disso, cerca de 60% do gado excreta o organismo nas fezes e no leite, porém a carne vermelha à venda tem menos probabilidade de estar contaminada. Clinicamente, ela é caracterizada por febre, cólica abdominal e diarreia ou disenteria. Normalmente, a recuperação ocorre dentro de uma semana. Uma complicação rara da infecção por Campylobacter é que ela está associada, em cerca de 1 a cada 1.000 casos, à doença neurológica denominada síndrome de Guillain-Barré, uma paralisia temporária. Aparentemente, uma molécula de superfície da bactéria assemelha-se a um componente lipídico do tecido nervoso e desencadeia uma resposta autoimune. ÚLCERA PÉPTICA POR HELICOBACTER PYLORI A Helicobacter pylori é o responsável pela maioria dos casos de úlcera péptica. Essa síndrome inclui úlceras gástricas e duodenais. Cerca de 30 a 50% da população nos países desenvolvidos se tornam infectados; sendo que a taxa de infecção é maior em outros lugares. Apenas cerca de 15% dos infectados desenvolvem úlcera; portanto, certos fatores do hospedeiro provavelmente estão envolvidos. A mucosa do estômago contém células que secretam suco gástrico contendo enzimas proteolíticas e ácido clorídrico, que ativa essas enzimas. Outras células especializadas produzem uma camada de muco que protege o próprio estômago da digestão. Se essa defesa é rompida, uma inflamação do estômago (gastrite) ocorre. Essa inflamação pode, então, progredir para uma área ulcerada. Por meio de uma interessante adaptação, o H. pylori pode crescer no ambiente altamente ácido do estômago, que é letal para a maioria dos microrganismos. Esta bactériaproduz grandes quantidades de uma urease especialmente eficiente, enzima que converte a ureia Laísa Dinelli Schiaveto no composto alcalino amônia, resultando em um pH localmente elevado na área de crescimento. A erradicação do H. pylori com antimicrobianos geralmente leva ao desaparecimento das úlceras pépticas. Vários antibióticos, geralmente administrados em combinação, demonstraram ser efetivos. O subsalicilato de bismuto (Pepto-Bismol) também é efetivo, sendo frequentemente parte do regime medicamentoso. Quando as bactérias são eliminadas com sucesso, a taxa de recorrência da úlcera é de apenas 2 a 4% ao ano. A reinfecção pode resultar de várias fontes ambientais, mas é menos provável em áreas com altos padrões de saneamento. Os testes diagnósticos mais confiáveis requerem a biópsia de tecido e a cultura do organismo. No entanto, testes diagnósticos de fezes para a detecção de antígenos (e não anticorpos) para H. pylori são adequados para testes de acompanhamento após a terapia. Eles são os testes não invasivos de escolha, sobretudo para crianças. Já, os testes sorológicos para a detecção de anticorpos são de baixo custo, mas não são úteis na determinação da erradicação do patógeno. GASTRENTERITE POR YERSINIA Outros patógenos entéricos que estão sendo identificados com uma frequência cada vez mais elevada são Yersinia enterocolitica e Yersinia pseudotuberculosis. Esses patógenos causam gastrenterite por Yersinia, ou yersiniose. Essas bactérias gram-negativas são habitantes do trato intestinal de muitos animais domésticos e frequentemente são transmissíveis na carne e no leite. Ambos os micróbios apresentam a capacidade distintiva de crescer em temperaturas de refrigeração de 4°C. Essa capacidade aumenta seus números em sangues armazenados sob refrigeração, estendendo, assim, suas endotoxinas, o que poderá resultar em choque ao recipiente do sangue. A Yersinia tem sido ocasionalmente responsável por reações graves quando contamina sangue de transfusão. Os sintomas incluem diarreia, febre, cefaleia e dor abdominal. A dor frequentemente é intensa, o suficiente para causar um diagnóstico errôneo de apendicite. O diagnóstico requer a cultura do organismo, que pode, então, ser avaliado por testes sorológicos. Os tratamentos com antibióticos e reidratação oral são úteis. Adultos sofrendo de yersiniose, em geral, recuperam- se em 1 a 2 semanas; crianças podem requerer um tempo maior para recuperação. GASTRENTERITE POR CLOSTRIDIUM PERFRIGENS Uma das formas mais comuns de intoxicação alimentar nos EUA, embora pouco reconhecida, é causada por Clostridium perfringens; um bastonete grande gram-positivo formador de endósporos anaeróbio obrigatório. Essa bactéria também é responsável pela gangrena gasosa humana. A maioria dos surtos de gastrenterite por Clostridium perfringens está associada a carnes ou ensopados de carne contaminados com conteúdo intestinal do animal durante o abate. O requerimento nutricional de aminoácidos do patógeno é atendido por esses alimentos e, quando a carne é cozida, o nível de oxigênio é reduzido o suficiente para o crescimento clostridial. Os endósporos sobrevivem à maioria dos aquecimentos de rotina, e o tempo de geração da bactéria vegetativa é de menos de 20 minutos sob condições ideais. Assim, grandes populações podem se acumular rapidamente quando os alimentos estão sendo armazenados até a hora de servir, ou quando a refrigeração inadequada leva ao resfriamento lento. O micróbio cresce no trato intestinal e produz uma exotoxina que causa os sintomas típicos de dor abdominal e diarreia. A maioria dos casos é branda e autolimitada e provavelmente nunca é clinicamente diagnosticada. Os sintomas geralmente surgem de 8 a 12 horas após a ingestão. Caso um tratamento seja necessário, recomenda-se reidratação oral. O diagnóstico com frequência é baseado no isolamento e na identificação do patógeno em amostras de fezes. Laísa Dinelli Schiaveto DIARREIA ASSOCIADA AO CLOSTRIDIUM DIFFICILE A diarreia associada ao Clostridium difficile é uma doença que surgiu nas últimas décadas e se tornou a responsável por mais mortes do que todas as outras infecções intestinais associadas. C. difficile é uma bactéria anaeróbia gram-positiva formadora de endósporos, encontrada nas fezes de muitos adultos saudáveis. As exotoxinas produzidas por essa bactéria causam uma doença que se manifesta em sintomas que variam de um caso brando de diarreia até colite (inflamação do colo) que apresenta risco à vida. A colite pode resultar em ulceração e possível perfuração da parede intestinal. A doença é geralmente precipitada pelo uso intensivo de antibióticos, sobretudo fluoroquinolonas. A eliminação da maioria das bactérias intestinais competidoras permite a rápida proliferação de C. difficile produtor de toxina. Ocorrendo principalmente como uma doença associada aos cuidados de saúde em hospitais e lares de idosos, atualmente a diarreia associada ao C. difficile também está afetando a comunidade em geral. No entanto, a taxa de mortalidade é mais elevada em pacientes idosos. Obs: Uma nova linhagem, conhecida como BI/NAP1/027, é capaz de produzir muito mais exotoxina e está ocorrendo em taxas quase epidêmicas. GASTRENTERITE POR BACILLUS CEREUS Bacillus cereus é uma bactéria grande gram-positiva formadora de endósporos, que é muito comum no solo e na vegetação, e geralmente é considerada inofensiva. Contudo, ela foi identificada como a causa de surtos de doenças transmissíveis por alimentos. O aquecimento do alimento nem sempre destrói os esporos, que germinam à medida que o alimento esfria. Como os micróbios competidores foram eliminados no alimento cozido, B. cereus cresce rapidamente e produz toxinas. Alguns casos de gastrenterite por Bacillus cereus assemelham-se às intoxicações por C. perfringens e são quase em sua totalidade de natureza diarreica (geralmente surgindo de 8-16 horas após a ingestão do alimento). Outros episódios envolvem náuseas e vômitos (geralmente de 2-5 horas após a ingestão). Suspeita-se de que diferentes toxinas estejam envolvidas na produção de diferentes sintomas. Ambas as formas da doença são autolimitadas. As doenças podem ser diferenciadas pelo isolamento de pelo menos 105 B. cereus por grama de alimentos suspeitos.
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