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O QUE É Delirium é uma síndrome neuro cognitiva com alteração da consciência e da atenção acompanhada de déficit cognitivo que não pode ser explicado por um quadro demencial preexistente. Ela se desenvolve em curto período de tempo, e a intensidade dos sintomas tende a flutuar durante o dia, com piora ao entardecer e à noite, quando diminuem os estímulos externos de orientação. Entre esses sintomas, estão as perturbações perceptivas e destacam-se a ocorrência de interpretações errôneas, ilusões ou alucinações, com frequências visuais. Estima-se uma frequência de delirium entre 10 e 30% nos pacientes idosos admitidos em unidades de emergência, a incidência de delirium entre 29 e 31% nos idosos internados em unidades hospitalares. HISTÓRICO No século XVIII, o francês Peter Chaslin usou pela primeira vez um único termo, confusion mentale primitive, para descrever doenças somáticas que cursavam com transtorno mental agudo. Em 1980, todo o conhecimento acumulado sobre o delirium foi agrupado pelo americano Zbigniew J. Lipowski, que apresentou o conceito moderno de delirium e sugeriu que não fosse somente utilizado para o transtorno por abstinência, mas também para as condições somáticas que cursavam com estado confusional agudo. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia do delirium envolve, marcadamente, uma resposta cerebral anormal a um distúrbio orgânico agudo. É considerado por muitos profissionais da saúde uma síndrome obscura, desconhecida, que faz parte da evolução natural do adoecimento de pacientes idosos, não sendo considerada uma urgência ou emergência. Um estudo recente demonstrou que até 60% dos casos de delirium não são corretamente diagnosticados em unidades hospitalares. Existe associação com desfechos clínicos negativos, como aumento do tempo de internação hospitalar, mortalidade e risco de quedas, além de acarretar, déficit funcional persistente, declínio cognitivo e necessidade de internação em casas de repouso. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE DELIRIUM DE ACORDO COM O DSM-5 a) Perturbação da atenção e da consciência; b) A perturbação desenvolve-se em um período breve de tempo (normalmente de horas a poucos dias), representa uma mudança da atenção e consciência basais e tende a oscilar quanto à gravidade ao longo de um dia; c) Perturbação adicional na cognição (déficit de memória, desorientação, linguagem, capacidade visuoespacial ou percepção); d) As perturbações dos critérios “a” e “c” não são mais bem explicadas por outro transtorno neuro-cognitivo e não ocorrem no contexto de um nível gravemente diminuído de estimulação, como no coma; e) Há evidências a partir da história, exame físico ou achados laboratoriais de que a perturbação é uma consequência fisiológica direta de outra condição médica, intoxicação ou abstinência de substância, de exposição a uma toxina ou de que ela se deva a múltiplas etiologias. TIPOS DE DELIRIUM Existem três tipos de delirium, o hiperativo, o hipoativo e o misto. O primeiro é caracterizado por agitação, inquietação, aumento excessivo ou inadequação da atividade motora ao contexto. O delirium hipoativo é caracterizado por diminuição da atividade psicomotora e do discurso, além de apatia. Neste, o paciente parece ausente ou distante do ambiente. É o tipo mais comum, no entanto o mais negligenciado quanto ao diagnóstico, o que acarreta em pior prognóstico. Por fim, o delirium misto é caracterizado por um nível normal de atividade psicomotora ou quando o paciente oscila entre os espectros hiper e hipoativo. AVALIAÇÃO DO PACIENTE A avaliação do paciente com delirium baseia-se inicialmente no reconhecimento da síndrome, seguido da busca de evento que pode tê-la desencadeado. O delirium não apresenta características patognomônicas ou exclusivas e alguns aspectos da síndrome, somados ao padrão de evolução do quadro e a aspectos próprios do paciente, como fatores de risco, tornam o diagnóstico mais fácil. O início agudo (iniciar em horas ou dias) e a flutuação (alguns autores consideram que a ausência dessa flutuação deve indicar a possibilidade de outro diagnóstico) da intensidade dos sinais e sintomas (variam em minutos ou horas) são bastante específicos desta síndrome. A variação dos sintomas, no entanto, pode não ser perceptível em uma única avaliação pontual do paciente, sendo, portanto, fundamental entrevistar outros informantes ou consultar dados de prontuário. Durante a consulta, o paciente pode se apresentar distraído ou desconectado do ambiente (além de agitado, o que pode dificultar o diálogo) e é possível testar sua atenção pedindo para que ele conte de 20 a 1 ou recite os dias da semana ou meses de trás pra frente – a atenção está sempre comprometida no paciente com delirium. A cognição nesses indivíduos também está prejudicada, o que culmina em dificuldade de abstração, de compreensão e em pensamento ilógico, e o nível de consciência é variável e testado pela escala de Glasgow. É importante lembrar que distúrbios do sono são muito frequentes, mas não são necessários para o diagnóstico, podendo variar desde fragmentação do sono até a inversão do ciclo, e que alterações psicomotoras são comuns e fundamentais para classificação nos subtipos. Em geral, o delirium pode ser classificado a partir da avaliação da quantidade e velocidade das atividades motoras – enquanto o delirium hiperativo chama a atenção dos profissionais e é reconhecido com facilidade, o delirium hipoativo pode não ser identificado ou erroneamente diagnosticado como depressão. DELIRIUM E DEMÊNCIA A diferenciação entre as 2 síndromes deve considerar o tempo e a evolução dos sintomas, pois o delirium costuma apresentar início agudo e flutuação dos sintomas, enquanto a demência é crônica. Assim, o delirium pode representar o prenúncio de um quadro demencial, evoluindo para déficit cognitivo persistente. CONFUSION ASSESMENT METHOD (CAM) 1. Início agudo: há evidência de mudança aguda do estado mental de base do paciente? 2. Distúrbio de atenção a. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção? Por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito? Ausente em todo momento da entrevista/presente em algum momento da entrevista, porém de forma leve/presente em algum momento da entrevista, de forma marcante/incerto. b. Se presente ou anormal, esse comportamento variou durante a entrevista, isso é, tendeu a surgir e desaparecer ou a aumentar e diminuir de gravidade? Sim/não/incerto/não aplicável. c. Se presente ou anormal, descreva o comportamento. 3. Pensamento desorganizado: o pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com conversação dispersiva ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico ou mudança imprevisível de assunto? 4. Alteração do nível de consciência: em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? Alerta (normal)/vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente)/letárgico (sonolento, facilmente acordável)/estupor (dificuldade para despertar)/coma/incerto. 5. Desorientação: o paciente ficou desorientado durante a entrevista, pensando, por exemplo, que estava em outro lugar que não o hospital, que estava no leito errado ou tendo noção errada da hora do dia? 6. Distúrbio da memória: o paciente apresentou problemas de memória durante a entrevista, como incapacidade de lembrar de eventos do hospital ou dificuldade de se lembrar de instruções? 7. Distúrbios de percepção: o paciente apresentou sinais de distúrbios de percepção, como alucinações, ilusões ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto fixo se movimentava)? 8. Agitação psicomotora/retardo psicomotor a. Parte I: durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal daatividade motora, como agitação e tamborilar com os dedos, ou mudança súbita e frequente de posição? b. Parte II: durante a entrevista, o paciente apresentou diminuição anormal da atividade motora, como letargia, olhar fico no vazio, permanência na mesma posição por longo tempo ou lentidão exagerada de movimento? 9. Alteração do ciclo sono-vigília: o paciente apresentou sinais de alteração do ciclo sono-vigília, como sonolência diurna excessiva e insônia noturna? TESTE DOS 4 AS 1. Alertness (nível de alerta): observar o paciente, julgando se ele está alerta, sonolento ou agitado/hiperativo; 2. Abbreviated mental test: pergunta-se ao paciente sua idade, data de nascimento, local (nome do hospital ou edifício) e ano; 3. Attention: solicita-se ao paciente que diga os nomes dos meses na ordem inversa, a partir de dezembro; 4. Acute change or fluctuating course: restreia-se alteração do nível de alerta, cognição e outras funções mentais, iniciada dentro de 2 semanas e perceptível nas últimas 24 horas. EXAMES Hemograma e dosagem de ureia, creatinina, glicemia e eletrólitos séricos podem ser solicitados rotineiramente, pois podem também ser necessários para o manejo adequado. Gasometria arterial em pacientes com dispneia, bem como punção lombar no paciente febril com rigidez nucal e sem déficits neurológicos focais. A radiografia de tórax e o exame de elementos anormais do sedimento, igualmente, podem contribuir muito com o diagnóstico, uma vez que, como já referido, pneumonia e infecção do trato urinário são importantes causas de delirium em pacientes idosos. MANEJO Em geral, a principal medida para o manejo adequado do delirium é a correção, eliminação ou tratamento do fator precipitante da síndrome. Enquanto não é possível identificar o fator precipitante, ou quando o tratamento adequado não oferece melhora imediata do quadro, algumas medidas farmacológicas e não farmacológicas podem ser aplicadas. → Medidas para prevenção do delirium Fornecimento de óculos e aparelhos auditivos para os pacientes que necessitem; reorientação periódica; estimulação cognitiva; promoção do sono; mobilização precoce; controle da dor; prevenção, identificação precoce e tratamento de complicações pós- operatórias; manutenção de boa hidratação e nutrição; regulação da diurese e das evacuações; administração de oxigênio suplementar quando necessário; revisão das medicações em uso; evitar contenção física. BENZODIAZEPÍNICOS Os benzodiazepínicos devem ser evitados no tratamento de delirium, pois apresentam efeitos colaterais que podem piorar o quadro confusional, além de aumentarem as chances de desenvolvimento dele. No entanto, devem ser utilizados em situações específicas, como abstinência alcoólica e manejo de crise epiléptica. OUTROS FÁRMACOS Apesar dos resultados conflitante e da limitada evidência disponível na literatura, o haloperidol em baixas doses (0,25-1mg) parece ser a melhor opção, uma vez que pode ser administrado por via oral, intramuscular ou intravenosa e não apresenta efeito anticolinérgico. É preciso cautela ao utilizá-lo, especialmente na forma intravenosa, devido ao risco de torsades de pointes e prolongamento do intervalo QT, sendo recomendada a realização de eletrocardiograma antes de seu uso, além de evitar o haloperidol, caso o QTc seja maior que 500 milissegundos. Os antipsicóticos devem ser evitados em pacientes com demência por Corpos de Lewy e Parkinson devido ao maior risco de sintomas extrapiramidais provocado por esses medicamentos. Não há estudos que evidenciem o benefício da realização rotineira de tomografia de crânio, mas o exame é útil nos casos com déficit neurológico focal, alteração do nível de consciência, uso de terapia anticoagulante, história de queda ou sinais de trauma do crânio.
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