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Gastroenterologia Aulas dias 31/10 e 01/11/2017 – Prof. Lourdes Heloisa Fernandes – Turma 73 Hemorragia Digestiva CASO CLÍNICO Foi realizada uma consulta de urgência em 22/10/2007. O caso clínico é de um paciente de 70 anos, que foi encaminhado para o atendimento devido a desmaio e evacuação com sangue → maior risco, pois com essa idade pode ter comorbidades associadas. Foi socorrido pelos familiares, sentado no chão do sanitário, consciente, pálido e com sudorese, após ter evacuado grande quantidade de sangue vivo. Antecedentes: a cerca de 60 dias foi submetido a revascularização do miocárdio após pequeno infarto. É hipertenso, controlado com inalapril. Desde a cirurgia faz uso de AAS tamponado 100mg/dia → diminui a densidade plaquetária → ácido acetilsalicílico é um fator agravante que pode gerar sangramentos. Não há antecedentes de outras doenças importantes. Ao exame físico o paciente estava pálido, hipotenso (PA 90x70 mmHg), taquicádico (mais de 100 bpm). Constatada a gravidade, providenciou-se acesso venoso central e transfusão de derivado de sangue → primeira conduta é a estabilização hemodinâmica do paciente ainda no PA. O paciente foi encaminhado para exame endoscópico de urgência. Foi diagnosticado sangramento ativo forrest IIB em lesão ulcerada gástrica pré-pilórica. Realizada hemostasia, foi feita a terapia endoscópica, com injeção de 1,2 cc de álcool absoluto, dividido entre as bordas e o centro da lesão. O sangramento foi controlado. Imediatamente após o procedimento endoscópico, foi ministrado o tratamento farmacológico e o paciente foi encaminhado pelo centro de endoscopia para uma unidade de terapia intensiva. No CTI o paciente permaneceu internado, a volemia e os parâmetros hematológicos foram corrigidos e mantidos com soluções eletrolíticas e derivados de sangue → geralmente é feita transfusão sanguínea com bolsa de sangue de 300 a 400 ml para repor as perdas do paciente. Ele permaneceu em jejum → dieta zero durante pelo menos 48 a 72 horas → tempo de avaliação de um novo sangramento. Evoluiu bem clínica e laboratorialmente. O aporte calórico foi feito através de soro. Pergunta: continua com o medicamento anti-hipertensivo? Depende de cada paciente, podendo ser mantida a medicação de acordo com como esta a pressão dele. Nesse caso, como o paciente não estava em choque, poderia manter a medicação. Em alguns casos, pela idade do paciente, pode suspender temporariamente o medicamente e observar a evolução do paciente. Porém outros medicamentos que podem causar sangramento (AAS, anti-inflamatórios), devem ser suspensos por trazer risco para o paciente. Pergunta: por que o sangramento gástrico causava evacuações em sangue vivo? Pode acontecer que o volume de sangue seja grande de forma a acelerar o transito intestinal de tal forma que ele seja eliminado ainda vivo → sangue acelera o trânsito intestinal. No dia 25/10 o paciente foi avaliado pelo gastroenterologista. Ele estava bem, queixando-se de moderada epigastralgia. Suas fezes ainda estavam escuram, parecendo “sangue pisado”, porém mais consistentes. Interrogado, negou qualquer antecedente do sistema digestivo antes do episódio hemorrágico, salvo discreta dispepsia após a cirurgia cardíaca, que ao “excesso de medicamento”. Devido à dor epigástrica e a persistência da melena, foi solicitada outra endoscopia gástrica → reavaliar o paciente para ver se a melena é residual ou se tem novos sangramentos. Endoscopia: ulcera atípica (?), sem sangramentos, com grande edema nas bordas, atribuído ao tratamento com injeções de álcool. O caso apresentado é exemplar de alguns aspectos importantes sobre afecções do tubo digestivo relacionadas ao uso de ácido acetilsalicílico. A hemorragia digestiva ocorre em 2,5% dos usuários de aspirina, mesmo em baixas doses. O paciente estava tomando 100mg por dia de ácido acetilsalicílico. Até 80% dos pacientes com lesões digestivas em uso de anti-inflamatório ou ácido acetilsalicílico são assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas). O paciente apresentava apenas discretos sintomas dispépticos. A mortalidade por hemorragia digestiva em usuários de aspirina chega a 12%, mesmo com formulações tamponadas. O paciente estava medicado com formulação tamponada de ácido acetilsalicílico. Como os parâmetros hemodinâmicos se apresentavam estáveis e a endoscopia não revelou sangramento ativo nem estigmas de sangramento, o paciente recebeu alta do CTI e iniciou alimentação e medicação, inclusive de esomeprazol 40mg VO. Considerou-se a dor epigástrica como consequência do tratamento endoscópico com álcool e as fezes negras como melena residual. No dia 30/10 recebeu alta hospitalar e passou a ter acompanhamento ambulatorial. Para o tratamento da ulcera gástrica hemorrágica foi medicado com 40mg de esomeprazol, o AAS foi reintroduzido 14 dias após a alta por recomendação do cardiologista. A endoscopia de controle mostrou cicatriz branca S2 de SAKITA na pequena curvatura antral, junto do piloro, deformando discretamente a região → úlcera bem cicatrizada. Em outubro de 2008 o paciente faz consulta regulares com o cardiologista e gastroenterologista. Permanece sintomático com exame clínico e parâmetros laboratoriais excelentes. Continua em uso de esomeprazol 40mg/dia e AAS. Nova endoscopia mostrou que a úlcera permanece cicatrizada. O tratamento preventivo nas úlceras hemorrágicas é fundamental. Estudos mostram reincidência da hemorragia em 14,8% sem o uso de IBP e de 1,6% quando este fármaco é utilizado → importante uso de protetor gástrico quando em tratamento com AAS e anti-inflamatório. INTRODUÇÃO A hemorragia digestiva é autolimitada em 80% dos casos. A mortalidade é estimada em 5% dos pacientes internados. É importante confirmar a hemorragia digestiva. Ela pode estar em forma de: o Hematêmese → vômito com sangue. o Melena → 400 a 500 ml de sangue, 8 a 10 horas após o evento hemorrágico. o Hematoquezia/enterorragia → sangramento retal. o Sangue oculto nas fezes → alta sensibilidade e baixa especificidade → pacientes com anemia, que faz uso de medicamentos como anti-inflamatórios, acima de 50 anos → rastreamento de câncer colorretal. o Falsas hemorragias → medicamentos a base de ferro; pacientes com epistaxe que acabam engolindo o sangue e depois vomitando-o; estase gástrica, que pode fazer o vômito escuro. É necessário que se faça a avaliação do paciente com o quadro que ele apresenta para fazer a distinção da causa. Avaliação das perdas sanguíneas o Maciça/Grave: PA abaixo de 100 mmHg; FC acima de 100 bpm; Perda sanguínea acima de 2000 ml ); o Moderada: PA acima de 90 mmHg; FC abaixo de 100 bpm Perda sanguínea abaixo de 1500 ml ; o Discreta: Ausência de repercussão hemodinâmica; Perda sanguínea abaixo de 1000 ml . Formulação da Hipótese Diagnóstica o Anamnese → quando começou o sangramento, se o paciente faz uso de alguma medicação, se o paciente é etilista ou tem alguma comorbidade, se já teve úlcera ou outros sangramentos, se mora em área endêmica para hepatite, etc. o Exame Físico: estado geral; palidez cutâneo mucosa; PA e FC; exame proctológico → avaliar se tem sangue vivo na ampola retal ou melena. o Fatores de Risco para Morbidade e Mortalidade CLASSIFICAÇÃO Hemorragia digestiva alta: lesão proximal ao ligamento de Treitz (transição duodeno-jejunal). Hemorragia digestiva baixa: lesão distalmente ao ligamento de Treitz. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA Etiologia Úlcera péptica gastroduodenal: o 50% dos casos de sangramento grave. o Ressangramento estimado em 25%. o 95% nas primeiras 72 horas. Lesão Aguda da Mucosa Gastroduodenal: o Úlceras de estresse: IRA; grandes queimados; lesões associadas ao uso de AINH; insuficiência respiratória aguda. Lesão de Mallory-Weiss: o Ulceração longitudinal no esôfago distal.o Predomínio em homens (70%). o Principal sintoma: hematêmese (37% a 87%). o Ingestão de bebida alcoólica (40% a 75%). Situações que podem levar a sangramento: o Fístula aortoentérica. o Lesão de Dieulafoy. o Ectasia vascular antral (estômago em melancia) . o Tumores gastrointestinais. o Hemobilia. o Hemosuccus pancreáticus. o Gastrite hemorrágica. Hemorragia digestiva alta não varicosa (Hdanv) Não é consensual → pode causar trauma, ainda mais se o paciente tem varizes esofágicas. o Gastropatia hipertensiva (portal). o Varizes esofagogástricas População heterogênea. Causa mais comum de sangramento decorrente da hipertensão portal. 15% a 40% mortalidade de cada episódio. 60% a 80% mortalidade em quatro anos → grande parte dos pacientes são cirróticos, tendo piora do quadro após o sangramento → maior repercussão hemodinâmica. Causa exata da ruptura das varizes é desconhecida. Indicadores prognósticos/Risco de sangramento. Presença de manchas vermelhas (“red spots”) ao exame endoscópico. Grau de disfunção hepática (Classificação de Child-Pugh). Tamanho das varizes → as varizes de grande calibre tem maior chance de sangrar que as de médio e pequeno calibre. Diagnóstico Anamnese o Uso de medicamentos o Hemorragia anterior o Sintomas ou condições que possam produzir lesões capazes de sangrar o Procedência o Hábitos o Etilismo o Manifestações mais comuns. o Apresentação: aguda ou crônica. Exame Físico o Estimar o volume perdido através da repercussão hemodinâmica: pulso, PA, mucosas, sudorese. o Situações de alto risco: Idade acima de 60 anos. Doenças graves associadas → HAS, DM, paciente renal crônico, que já teve insuficiência respiratória, hepatopata. Sangramento em hospitalizados. Hematêmese de vulto (grande volume). Melena persistente. Enterorragia de vulto (grande volume) → sugestivo de hemorragia baixa. Hipotensão postural. Pressão arterial sistólica < 100mmHg e pulso > 100 bpm. Ressangramento. Exames complementares o Exames laboratoriais: hemograma (altera em aproximadamente 6 horas – o ideal é que esse pacientes mantenham a hemoglobina acima de 8 e o hematócrito acima de 30, principalmente os paciente idosos), plaquetas, uréia, creatinina, proteínas, aminotransferases (ALT e AST), bilirrubinas, eletrólitos, gasometria, estudo da coagulação. o Radiografia de tórax / Abdome simples: casos suspeitos de perfuração visceral concomitante, obstrução intestinal ou aspiração pulmonar. o Endoscopia digestiva alta (principal) Acurácia de 95%. 1980 – Endoscopia terapêutica na HDA. Objetivos: confirmar o diagnóstico, definir a etiologia (úlcera gastroduodenal, varizes esofagogástricas, síndrome de Mallory-Weiss), orientar a terapêutica, fornecer prognóstico/identificar estigmas endoscópicos de ressangramento, realização de procedimentos hemostáticos. o Angiografia seletiva: conclusivo quando sangra acima de 0,5 ml /min → não é usado na rotina. o Cintilografia: casos não elucidados ou com perdas acima de 0,5 ml/min → não é muito utilizado. o Exames radiológicos com contraste baritado do trato digestivo → radiografia esôfago-estômago-duodeno → não é feito no momento da hemorragia, podendo ser complementar à endoscopia em situações especiais → não define diagnóstico. o Cápsula Endoscópica → usada em situações em que não se consegue definir a causa do sangramento. Tratamento Objetivos: estabilização hemodinâmica e interromper o sangramento. Medidas gerais /Tratamento Clínico Inicial: o Acesso venoso calibroso – cateter 14G ou 16G. o Monitorar a diurese. o Reposição volêmica – Cristalóides inicialmente. Hemoderivados podem ser usados na cardiopatia isquêmica, choque hipovolêmico. o Sondagem gástrica – Controverso. o Dieta zero de 48 a 72 horas. Medidas específicas Úlcera péptica gastroduodenal o Uma das principais causas de hemorragia digestiva alta. o Terapêutica endoscópica → Hemostasia: injetam-se substâncias ao redor e no ponto de sangramento (álcool absoluto, solução de adrenalina a 1:10.000). o Antagonistas dos receptores H2 e Bloqueadores da Bomba de Prótons → Omeprazol, Pantoprazol, Ranitidina (usada quando não pode usar os outros dois) → drogas de primeira linha. o Erradicação do Helicobacter pylori → após o tratamento da úlcera gastroduodenal deve ser solicitada a pesquisa para a H. pylori. o Somatostatina ou Octreotídio: hemorragia digestiva de vulto, antes da endoscopia; fracasso ou impossibilidade do tratamento endoscópico; impossibilidade de cirurgia → utilizado em situações em que há a possibilidade de varizes do esôfago, preparando para uma possível endoscopia ou preparando para uma reposição sanguínea → estabiliza o paciente. o Tratamento Cirúrgico → Indicações: sangramento incontrolável com repercussões hemodinâmicas graves; hemorragia digestiva maciça, necessitando de mais de 4U de concentrado de hemácias/24h; ressangramento em curto período de tempo. Lesões Agudas da Mucosa Gastroduodenal (LAMGD) o Profilaxia: elevação do pH intragástrico acima de 4. o Tratamento Clínico: restabelecimento e estabilização das condições hemodinâmicas e elevação do pH intragástrico (antagonistas dos receptores H2; bloqueadores da bomba de prótons; Somatostatina ou Octreotídio; hemostasia endoscópica). o Tratamento Cirúrgico: HDA persistente ou recorrente → vagotomia seletiva com piloroplastia e sutura das lesões sangrantes. Gastrite hemorrágica o Lesão e o sangramento difusos. o Pouca chance para um tratamento endoscópico. o Casos graves – cirurgia com ressecção de todo ou parte do estômago. o Uma hemorragia digestiva causada por gastrite hemorrágica pode ser mais grave do que o causada por uma úlcera, porque ele sangra por todo o estômago, podendo ser necessária uma gastrectomia → o paciente pode não tem condição para uma cirurgia desse porte. Lesão de Mallory-Weiss o 50% a 80% cessam o sangramento espontaneamente o Terapia endoscópica pode ser utilizada. o Terapêutica medicamentosa com IBP em doses altas → inicialmente EV e depois VO. o Gestantes, etilista crônico. Varizes esofagogástricas o Tratamento com Somatostatina ou Octreotídio e a Glipressina tem eficácia comparável à escleroterapia na hemostasia inicial → drogas de primeira linha. o Betabloqueadores também são utilizados. Servem como profilaxia primária (BB não seletivos – propranolol, caverdilol – pacientes com varizes de esôfago, por exemplo) e secundária (evitar ressangramento). Não indicados no tratamento do episódio agudo. o Tamponamento com balão de Sengstaken-Blackmore – não constitui a opção de primeira escolha pelo risco de desenvolvimento de esofagite e ressangramento quando vai retirar o balão. Só é usado em situações em que não é possível realizar a endoscopia. o Escleroterapia endoscópica – método de escolha (90% a 100% de eficácia) → injeção de substâncias esclerosantes: etanolamina (2,5 a 5%); polidoconol (0,5 a 1%); cianoacrilato. o Ligadura endoscópica (elástica) de varizes de esôfago → escolha entre ela e a escleroterapia depende do médico. o Shunt portacava intrahepático transjugular – TIPS (transjugular intrahepatic portacaval shunt) →quando não os outros tratamentos não dão o resultado esperado → deve ser feita avaliação da atividade hepática antes. o Tratamento cirúrgico: menos indicado. Classificação de Child-Turcotte, modificada por Pugh → fator preditivo razoavelmente confiável de sobrevida de várias doenças hepáticas e antecipa a probabilidade de complicações importantes da cirrose, como sangramento por varizes e peritonite bacteriana espontânea → Child A = mais compensado. Mais usado na urgência é a Somatostatina. Terlipressina é mais usada como dose de ataque. Prognóstico/fatores indicativos de ressangramento Fatores clínicos o Idade e patologias associadas→ a morbidade e a mortalidade aumentam de 3 a 4 vezes nos pacientes com mais de 60 anos e acidentes com doenças associadas têm mortalidade aumentada. o Sangramento após internação o Hematêmese → escala decrescente de morbidade: vômito de sangue escuro, associado à melena e esta isolada. Hematêmese rutilante (em jato e com grande volume), pior prognóstico. o Sinais vitais → os sinais vitais na admissão são indicadores mais importantes no prognóstico da HDA. o Volume e precocidade de transfusões sanguíneas → quanto mais precoce e maior o volume das transfusões sanguíneas, maiores são a morbidade e a mortalidade dos pacientes. Fatores endoscópicos o Características da lesão ulcerada → úlceras volumosas e profundas (>1cm) são associadas a maior ressangramento e mortalidade e o aspecto da base da úlcera é importante na previsão do ressangramento. o Fases evolutivas da lesão arterial na base da úlcera o Classificação de Forrest modificada – Estadiamento da lesão – Tratamento o O risco do coágulo sentinela é de ter um vaso embaixo dele, que volta a sangrar quando esse coágulo se mover → paciente sangrar após receber alta. o Frequência dos estigmas endoscópicos e incidência de ressangramento. o Estigmas endoscópicos de ressangramento (maior facilidade de ressangramento): sangramento em jato, vaso visível vermelho, úlceras volumosas, localização (parede bulbar posterior/inferior, pequena curvatura do corpo gástrico), Doppler endoscópico positivo. Fatores de risco na hemorragia digestiva alta o Gravidade clínica da hemorragia: Hematêmese, instabilidade hemodinâmica, hemoglobina < 8 g%, transfusões de sangue precoces/volumosas. o Fatores que afetam a coagulação e a cicatrização: úlcera de estresse, estado catabólico, idade avançada, doença grave associada, coagulopatia. o Estigmas endoscópicos. o Score de Rockall → baixo risco = escore < 2; alto risco = score > 5. Considerações finais A HDA é ocorrência grave e motivo de preocupação para o paciente e a equipe médica. Somente com treinamento de uma equipe voltada ao atendimento específico, infra-estrutura adequada, pode diminuir a taxa de mortalidade. http://revistafronteras.com.ar/art/imagenes/75/t4.gif
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