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Freud, S. “Além do princípio do prazer” (1920). “Além do princípio do prazer” (alemão: Jenseits des Lustprinzips ) é um ensaio de 1920 por Sigmund Freud que marca uma importante virada em sua abordagem teórica. Anteriormente, Freud atribuía a maior parte do comportamento humano ao instinto sexual (Eros ou libido). Com este ensaio, Freud foi "além" do simples princípio do prazer, desenvolvendo sua teoria das pulsões com o acréscimo da pulsão de morte (o que alguns chamam de " Thanatos ", a personificação grega da morte). No texto, Freud descreve a luta do homem entre dois impulsos opostos: Eros, que produz criatividade, harmonia, conexão sexual, reprodução e autopreservação; e a pulsão de morte, que traz destruição, repetição, agressão, compulsão e autodestruição. Freud começa, nas seções I – III, partindo do que ele chama de evidências clínicas para questionar um lugar-comum então incontestado na teoria psicanalítica, isto é, de que “o curso dos processos mentais é regulado automaticamente pelo princípio do prazer” (p.121). Freud escreve que: “Mas devemos assinalar que, a rigor, não é correto dizer que o princípio do prazer domina o curso dos processos psíquicos. Se assim fosse, a grande maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada de prazer ou conduzir ao prazer, quando a experiência geral contradiz energeticamente essa ilação.” (p.123) Depois de reconhecer a presença inevitável de experiências desagradáveis na vida mental, ele conclui a primeira seção do ensaio no sentido de que a presença de tais experiências desagradáveis não contradiz o domínio do princípio do prazer e não parece necessitar de qualquer limitação de longo alcance do princípio do prazer. Freud passa então a procurar por evidências da existência de forças até então insuspeitadas “além” do princípio do prazer. Ele relata exceções ao poder universal do princípio do prazer – ou seja, situações com as quais o princípio do prazer não pode lidar adequadamente – em quatro áreas principais: jogos infantis, como exemplificado no famoso jogo fort-da de seu neto; os sonhos recorrentes de neuróticos de guerra; o padrão de comportamento autodestrutivo que pode ser rastreado ao longo da vida de certas pessoas ("neurose do destino"); e a tendência de muitos pacientes em psicanálise de apresentar repetidamente experiências desagradáveis de sua infância. A partir desses casos, Freud infere a existência de motivações além do princípio do prazer. Freud já sentia que poderia postular com segurança o princípio de uma compulsão à repetição na mente inconsciente, com base na atividade instintiva e provavelmente inerente à própria natureza dos instintos – um princípio poderoso o suficiente para sobrepor o princípio do prazer. Com base em seu artigo de 1914 "Recordar, repetir e elaborar", Freud destaca como o paciente não consegue se lembrar de tudo o que está reprimido nele, e é obrigado a repetir o material reprimido como uma experiência contemporânea em vez de lembrando-o como algo pertencente ao passado: uma “compulsão para repetir." Freud ainda queria examinar a relação entre a compulsão à repetição e o princípio do prazer. Embora comportamentos compulsivos evidentemente satisfaçam algum tipo de impulso, eles formam uma fonte de desagrado direto. De alguma forma, nenhuma lição é aprendida com a velha experiência de que essas atividades levaram apenas ao desprazer. Apesar disso, elas se repetem, sob a pressão de uma compulsão. Também observando repetições na vida de pessoas “normais” – que pareciam ser perseguidas por um destino maligno ou possuídas por algum poder demoníaco, provavelmente fazendo alusão ao lema latino errare humanum est, perseverare autem diabolicum ("errar é humano , persistir é do diabo") – Freud conclui que a psique humana inclui uma compulsão para repetir que é independente do princípio do prazer. Nas seções IV – VII, Freud realiza uma série de especulações argumentando que os sonhos em que se revive o trauma têm uma função vinculante na mente, ligada à compulsão à repetição. Freud admite que tais sonhos são uma exceção à regra de que o sonho é a realização de um desejo, afirmando que a primeira tarefa da mente é ligar as excitações para prevenir o trauma (de modo que o princípio do prazer não comece a dominar as atividades mentais até que as excitações sejam limitadas), ele reitera o fato clínico de que para uma pessoa em análise a compulsão de repetir os eventos de sua infância na transferência evidentemente desconsidera o princípio do prazer em todos os sentidos. Freud começa a procurar analogias da compulsão à repetição na característica essencialmente conservadora da vida instintiva, de que quanto mais baixo vamos na escala animal, mais estereotipado o comportamento instintivo parece. Depois disso, um salto no texto pode ser notado quando Freud coloca a compulsão de repetir em pé de igualdade com um desejo de restaurar um estado anterior das coisas – em última análise, o da condição inorgânica original. Declarando que o objetivo da vida é a morte e que “coisas inanimadas” existiam antes dos vivos, Freud interpreta o impulso de um organismo para evitar o perigo apenas como uma forma de evitar um curto-circuito à morte: os organismos procuram morrer em seu próprio caminho. Ele, assim, encontrou seu caminho para seu famoso conceito da pulsão de morte, uma explicação que se aproximaria de uma "biologia metafísica". Nas seções IV e V, Freud postula que o processo de criação de células vivas prende a energia e resulta em um desequilíbrio. É a pressão da matéria para retornar ao seu estado original que dá às células sua qualidade de vida. O processo é análogo à criação e esgotamento de uma bateria. Essa pressão por difusão molecular pode ser chamada de "desejo de morte". A compulsão da matéria nas células para retornar a um estado difuso e inanimado se estende a todo o organismo vivo. Assim, o desejo psicológico de morte é uma manifestação de uma compulsão física subjacente,presente em cada célula. Com isso, Freud mergulhou na biologia moderna especulativa, até mesmo na filosofia, em busca de evidências corroborativas – procurando argumentos de todo tipo, frequentemente emprestados de campos fora da prática psicanalítica, pedindo o resgate da biologia, filosofia e mitologia. Ele se voltou para experimentos pré-guerra com protozoários – de relevância talvez questionável. O máximo que pode ser dito é que Freud não encontrou nenhum argumento biológico que contradiga sua concepção dualista da vida instintiva, mas, ao mesmo tempo, nenhuma observação biológica pode ser encontrada para apoiar a ideia de um instinto de morte, que contradiz todos os princípios biológicos também. Freud finalmente decidiu que poderia encontrar uma manifestação clínica do instinto de morte no fenômeno do masoquismo, até então considerado secundário ao sadismo e sugeriu que poderia haver um masoquismo primário, uma tendência autolesiva que seria uma indicação do instinto de morte. “Além do princípio do prazer” é um texto polêmico. Apesar de apresentar uma linha de pensamento fácil de seguir, os pontos expostos por Freud sobre o assunto são muitas vezes mal compreendidos. Em suma, estes fatos levam Freud a objetivar, e a passar à afirmação de que há outra coisa além do princípio do prazer, que há uma tendência irresistível à repetição que transcenderia o princípio do prazer e o princípio de realidade, que, apesar de ser, de certa maneira, oposto ao princípio de prazer, o completaria no seio do princípio de constância. Tudo se passa como se, ao lado da repetições das precisões, houvesse um “precisar” de repetição que Freud mais constata do que introduz. Referências Bibliográficas Freud, S. (2010). Introdução ao narcisismo. In Freud, S. [Autor], Obras completas. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos, v. 12. São Paulo: Companhia das Letras. (Original publicado em 1914). Edição digital. Freud, S. (1914). Recordar, repetir e elaborar. Obras completas, 12, 145-157.
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