Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1. Qual o conceito, epidemiologia, etiologia (fatores de riscos), classificação, fisiopatologia, quadro clinico, diagnóstico e tratamento da hepatite crônica? Classicamente, a hepatite crônica é definida como a persistência de reação inflamatória que se mantém sem melhora pelo prazo mínimo de seis meses. Apesar de envolver um conceito histopatológico. na maioria das vezes o reconhecimento pode ser feito pela análise simultânea de características clinicas e laboratoriais. É o caso das hepatites por vírus, em que há antígenos virais no soro (etiologia) e níveis elevados de aminotransferases (atividade inflamatória), podendo estar associados aos sinais e sintomas clinicos sugestivos de hepatopatia e confirmados pela histologia (grau de atividade inflamatória e grau de fibrose hepática). Dessa maneira, o diagnóstico final de hepatite crónica deve basear-se em três aspectos: etiologia, grau de atividade inflamatória e estadiamento da lesão estrutural hepática (fibrose) No Brasil, na maior parte dos pacientes que apresenta alguma forma de hepatite, com grande destaque para as formas crônicas, predominando a etiologia virais, com cerca de 60% dos casos. Em relação a sua etiologia as hepatites podem ser virais, auto-imune ou relacionadas a ação de drogas. A Hepatite crônica, ainda seja muito menos frequente do que a hepatite viral aguda, pode persistir por anos e mesmo décadas. Em muitas das pessoas, a hepatite crônica é bastante leve e não provoca lesões hepáticas significativas. No entanto, em algumas pessoas, a inflamação contínua deteriora lentamente o fígado e acaba levando à cirrose (cicatrização grave do fígado), insuficiência hepática e, por vezes, câncer hepático O vírus da hepatite C causa cerca de 60% a 70% dos casos, e pelo menos 75% dos casos de hepatite C aguda se tornam crônicos. Cerca de 5% a 10% dos casos de hepatite B em adultos, às vezes com coinfecção por hepatite D, se tornam crônicos. (A hepatite D não ocorre isoladamente. Ela ocorre apenas como uma coinfecção da hepatite B.) A hepatite B aguda se torna crônica em até 90% dos recém-nascidos infectados e em 25% a 50% das crianças pequenas. Raramente o vírus da hepatite E causa hepatite crônica e, geralmente, se dá em pessoas com um sistema imunológico enfraquecido. Os sintomas de hepatite crônica frequentemente incluem uma sensação vaga de mal-estar, falta de apetite e fadiga. Por vezes, a pessoa afetada apresenta também febre baixa e um leve desconforto na parte superior do abdômen. Icterícia (coloração amarela da pele e da parte branca dos olhos causada por depósitos de excesso de bilirrubina) é rara, a menos que se desenvolva insuficiência hepática. Os principais vírus hepatotrópicos atualmente conhecidos são os vírus da hepatite A (VHA), B (VHB), C (VHC), Delta (VHD) e E (VHE). Porém, entre estes vírus, apenas os vírus das hepatites B, C e Delta são os que podem apresentar evolução para a cronificação. HEPATITE B: Cronificação da infecção pelo vírus B é definida por um HBsAg (o antígeno de superfície da hepatite B ) positivo por mais de 6 meses, que se associa ao anti-HBc IgG (anticorpo IgG para hepatite B de núcleo) positivo e VHB-DNA quantitativo O principal determinante responsável pela evolução da infecção crônica pelo VHB é a idade de aquisição do vírus. Quando adquirida no período perinatal ou na infância precoce, a infecção tem mais chance de evoluir para a hepatite crônica. A hepatite crônica pelo VHB geralmente é assintomática até o aparecimento de sinais e sintomas de doença hepática avançada. Muitos pacientes descobrem a hepatite por meio de sorologias positivas ou elevações de aminotransferases ao realizar uma doação de sangue, durante a realização de exames de sangue de rotina ou na investigação de outras doenças. Quando questionados, a astenia é um dos sintomas mais relatados. Outras manifestações relatadas incluem artralgias, anorexia, dor vaga e persistente em hipocôndrio direito. Icterícia, aparecimento de hematomas e sangramento fácil, edema e ascite indicam desenvolvimento de doença hepática avançada, como a evolução para a cirrose hepática e/ou desenvolvimento do carcinoma hepatocelular. Portadores do VHB apresentam maior risco de desenvolver cirrose, descompensação hepática, carcinoma hepatocelular (CHC) e doenças extra-hepáticas, como poliarterite nodosa, glomerulonefrite e vasculite leucocitoclástica. Após inecção aguda, 3 a 5% dos adultos e mais de 95% das crianças falham em produzir resposta imune, tornando-se portadores crônicos do VHB. Embora muitos não desenvolvam complicações hepáticas da hepatite B crônica, 15 a 40% podem vir a desenvolver sérias complicações durante suas vidas. Aproximadamente 25% dos casos de crianças infectadas no período neonatal evoluem prematuramente para cirrose ou CHC. As manifestações extra-hepáticas da hepatite B são típicas da hepatite B crônica. Nesse contexto, a principal é a síndrome nefrótica pela glomerulopatia por imunocomplexos. Esta complicação é bem mais comum em crianças, sendo quase sempre uma nefropatia membranosa; Outra manifestação extra-hepática típica da hepatite B crônica é a Poliarterite Nodosa; HEPATITE C: A infecção crônica pelo VHC afeta aproximadamente 200 milhões de indivíduos no mundo, sendo a principal causa de cirrose, de falência hepática e de carcinoma hepatocelular (CHC) nos países ocidentais. A evolução para a infecção crônica é muito frequente (de 55% a 80% dos casos). E fatores associados à maior taxa de cura são: idade menor que 40 anos, sexo feminino e fase aguda sintomática. A via parenteral é a principal via de transmissão viral. O uso de drogas intravenosas tem ganhado importância como forma de infecção: até 90% dos usuários dessas substâncias contraem o vírus. Outros fatores de risco são: exposição ocupacional, hemodiálise, reutilização de equipamentos médicos contaminados e tatuagens. As transmissões vertical e sexual são menos comuns. Em aproximadamente 70% dos pacientes a doença é leve e progride em várias décadas, enquanto nos 30% restantes pode progredir rapidamente. Os mecanismos responsáveis pela persistência do VHC e pelo seu curso clínico variável são desconhecidos, mas cogita- se que se deva a uma interação complexa entre a alta diversidade viral e imunidade do hospedeiro. A hepatite crônica C, a progressão para a fibrose é o que determina o prognóstico da doença e desta forma a necessidade e urgência de tratamento. A fibrogênese é um processo dinâmico, onde é mediado pela atividade necroinflamatória e ativação das células estreladas. A velocidade da progressão da fibrose parece variar entre os pacientes e os principais fatores associados com a progressão para a fibrose parecem ser a idade na qual foi adquirida a infecção, sexo masculino e consumo de álcool excessivo. A carga viral e o genótipo parecem não influenciar significativamente a progressão para a fibrose. Também parecem contribuir para a progressão da fibrose a imunossupressão, esteatose, obesidade e diabetes. Níveis de ALT elevados são associados a um maior risco de progressão da fibrose, e piora da fibrose parece ser incomum em pacientes com níveis de aminotransferases normais. A biópsia hepática é um dos métodos mais precisos para o estadiamento da fibrose e grau de atividade necroinflamatória. No momento, o acompanhamento histológico a cada 3 a 5 anos parece ser o método mais adequado para avaliar a progressão da fibrose. A infecção pelo VHC também é um importante fator de risco para o desenvolvimento do carcinoma hepatocelular (CHC). Geralmente, o CHC se desenvolve somente após duas ou mais décadas de infecção pelo VHC e o risco está aumentado nos pacientes portadores de cirrose ou fibrose avançada. Tem sido uma das complicações freqüentes nos países orientais, mas já se observa uma tendência no aumento de sua freqüência nos países ocidentais. A hepatite crônica C é caracterizada pela persistênciado RNA do VHC por pelo menos 6 meses após a infecção. A freqüência de cronicidade varia de 75 a 85%. A fase inicial da doença é semelhante à da hepatite aguda, o RNA do VHC surge no soro 1 a 2 semanas e aumenta a titulação. A elevação da ALT inicia em poucas semanas e os sintomas, se ocorrerem, iniciam com a elevação da ALT. Pacientes que desenvolvem infecção crônica parecem ter menos sintomas e icterícia do que aqueles com hepatite aguda em resolução. O anti-VHC aparece com os sintomas ou logo após. Tipicamente, os níveis de antiVHC aumentam a níveis mais elevados e parecem persistir durante a infecção crônica. A maioria dos pacientes apresenta poucos sintomas, se apresentarem sintomas. O sintoma mais comum costuma ser astenia, que é tipicamente intermitente. Os níveis de ALT são continuamente ou intermitentemente elevados, e a elevação correlacionase a baixa atividade da doença e em um terço dos casos a ALT pode estar normal. A histologia hepática na infecção crônica pelo VHC mostra uma infiltração mononuclear no parênquima e áreas portais, necrose hepatocitária focal e graus variados de fibrose. Quase todos os pacientes apresentam algum grau de atividade necroinflamatória, mas a gravidade da doença e a quantidade de lesão estrutural (fibrose) podem variar consideravelmente. Desta forma, a biópsia hepática tem um papel importante no estadiamento da atividade inflamatória e grau de fibrose na hepatite crônica C. As complicações a longo prazo da infecção pelo VHC incluem a evolução para cirrose, insuficiência hepática e o carcinoma hepatocelular, que pode se desenvolver em um grupo de pacientes após muitos anos ou décadas de infecção. A evolução clínica silenciosa e o alto percentual de cronicidade explicam o grande reservatório de infectados e o grande número de pacientes com diagnóstico fortuito ou incidental, em geral na fase tardia da doença. A fadiga é o principal sintoma clínico. O alcoolismo e a coinfecção com o HBV ou o HIV são importantes fatores que agravam a lesão hepática. O carcinoma hepatocelular é uma complicação grave nos pacientes com cirrose decorrente da hepatite C crônica, com risco anual estimado entre 1 e 4%. O teste sorológico inicial para a detecção de anticorpos contra o HCV, o anti-HCV, é o imunoenzimático (ELISA), de terceira geração e de alta sensibilidade e a detecção da viremia do HCV pela reação em cadeia da polimerase (HCVRNA pela técnica da RT-PCR) > ou igual a 6 meses após infecção inicial. De acordo com o PCDT, o estadiamento da hepatopatia pode ser estimado pelos índices aspartato aminotransferase/plaquetas (APRI) e Fibrosis-4 (FIB4), da biópsia ou da elastografia hepática. Esses índices têm sido muito utilizados na prática clínica e podem facilmente ser obtidos em aplicativos por cálculos matemáticos. Ambos são validados e recomendados pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2014) e dependem apenas de resultados de exames laboratoriais realizados na rotina de seguimento dos pacientes com hepatopatias crônica. O grau de inflamação e o estádio da fibrose hepática podem ser obtidos pela escala METAVIR (Tabela 2) em biopsias hepáticas. De acordo com o PCDT atual em vigor no país, o tratamento da hepatite C crônica está indicado para pacientes monoinfectados pelo HCV com APRI> 1,5 ou FIB 4 > 3,25, que caracterizam a fibrose hepática em estádios F3 ou F4. DOENÇA HEPÁTICA ALCOOLICA: Desses, o fígado é o mais afetado no organismo, sendo a doença hepática alcoólica (DHA) uma das doenças hepáticas mais comuns do mundo ocidental. Usualmente, a doença hepática alcoólica é dividida em três formas que podem sobrepor-se: esteatose, hepatite alcoólica e cirrose, as quais serão comentadas neste capítulo. Outras lesões hepáticas associadas ao consumo excessivo de álcool têm sido descritas, como fibrose perivenular, hepatite crônica ativa e hepatocarcinoma. O álcool pode causar três tipos de lesão no fígado: (1) esteatose assintomática (“fígado gorduroso”), (2) esteatohepatite aguda (“hepatite alcoólica”), (3) cirrose alcoólica (cirrose de Laennec). A maioria dos alcoolistas “inveterados” desenvolve esteatose, mas somente uma pequena fração evolui com hepatite alcoólica que, quando persistente ou recorrente, pode levar à cirrose hepática. O carcinoma hepatocelular também pode se desenvolver em pacientes com cirrose, principalmente se houver coexistência de acúmulo de ferro. Vários fatores influenciam na gênese das doenças alcoólicas, em geral, e, especialmente, nas doenças do fígado. A dose ingerida é o fator mais importante. No homem, sabe-se que doses de 40 a 80 g/dia podem levar à cirrose. As mulheres, apesar de consumirem menos álcool do que os homens, têm um limiar menor de risco para o desenvolvimento de cirrose, de apenas 20 a 60 g/dia. Além disso, a DHA desenvolve-se e progride mais rapidamente na mulher. Entre diversos outros fatores para a maior suscetibilidade feminina à lesão hepática, estão aumento na permeabilidade do tubo digestivo para o álcool, menor atividade da álcool desidrogenase gástrica (ADH) e diminuição na taxa de eliminação do álcool. O tempo total de duração do alcoolismo também é diretamente proporcional ao risco de doença hepática, sendo fator agravante a ingestão regular, eventualmente diária. O desenvolvimento de doença hepática não está relacionado necessariamente à embriaguez, pois a ingestão alcoólica pode ser distribuída ao longo do dia sem que as concentrações sanguíneas atinjam níveis de embriaguez, escapando até mesmo à detecção por bafômetros. O tipo de bebida não parece ser importante, mas sim a quantidade equivalente de álcool puro ingerida. Diversos cofatores modulam o risco de DHA. As hepatites virais crônicas (B e C), bem como a presença de obesidade e outras hepatopatias (ex.: hemocromatose), representam os principais amplificadores do risco. A desnutrição (com deficiência de calorias e múltiplas vitaminas) é outra comorbidade que potencializa o dano hepático alcoólico por mecanismos pouco compreendidos. Fatores genéticos como polimorfismos nos genes do PNPLA-3 (palatin-like phospholipase domain- containing protein 3), TNF-alfa, citocromo P450 e glutation S-transferase também parecem exacerbar o risco, facilitando a ocorrência de DHA em faixas de consumo etílico inferiores às que citamos anteriormente. De um modo geral, a influência de fatores adicionais de agressão hepática é necessária para que o paciente passe do estágio de “esteatose alcoólica” assintomática para a “esteato-hepatite” e, posteriormente, para a “cirrose”. Na ausência de tais fatores a probabilidade de surgir DHA avançada é muito baixa, em torno de 5% apenas. Em resumo, o que acontece é o seguinte: o excesso de etanol absorvido pela circulação porta é metabolizado predominantemente na região centrolobular do lóbulo hepático, local onde existe a maior concentração da enzima álcool-desidrogenase. Durante tal processo o oxigênio acaba sendo intensamente consumido, o que gera hipóxia centrolobular. A hipóxia prejudica o funcionamento das mitocôndrias, bloqueando a oxidação dos ácidos graxos que, desse modo, se acumulam no interior da célula na forma de gotículas de gordura (esteatose). O principal metabólito do etanol é o acetaldeído, molécula que logo após ser formada se liga covalentemente a diversas proteínas teciduais, criando “neoantígenos”. Estes induzem uma resposta autoimune que compõe o processo necroinflamatório do parênquima hepático (hepatite). O acetaldeído também é diretamente tóxico, promovendo peroxidação das membranas celulares e necrose hepatocitária. Outro fator contribuinte é o aumento de permeabilidade da mucosa intestinal induzido diretamente pelo álcool, o que faz aumentar a absorção de toxinas bacterianas como o lipopolissacarídeo (LPS ou “endotoxina”). A translocação de LPS para o fígado através da veia porta estimula as células de Kupffer (macrófagos hepáticos) a produzircitocinas como o TNF-alfa, que amplifica todos os processos já descritos! A persistência ou recorrência desses insultos pode culminar em fibrose e desestruturação do parênquima hepático (cirrose), caso as células estreladas sejam ativadas e comecem a produzir colágeno. O álcool (etanol) é rapidamente absorvido pelo estômago, mas a maior parte é absorvida pelo intestino delgado. O álcool não pode ser armazenado. Uma pequena quantidade é degradada durante o trânsito pela mucosa gástrica, mas a maior parte é catabolizada no fígado, primeiramente pela álcool desidrogenase (ADH), mas também pelo citocromo P450 2E1 (CYP2E1) e pelo sistema de enzima de oxidação microssomal (MEOS). Álcool desidrogenase, enzima citoplasmática, realiza oxidação do álcool em acetaldeído. Os polimorfismos genéticos na álcool desidrogenase são responsáveis por diferenças individuais no nível sanguíneo de álcool após o mesmo consumo, mas não na suscetibilidade à doença hepática alcóolica. A acetaldeído desidrogenase (ALDH), uma enzima mitocondrial, realiza a oxidação do acetaldeído no acetato. Consumo crônico de álcool aumenta a formação de acetato. Asiáticos que têm baixos níveis de ALDH são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos do acetaldeído (p. ex., rubor); os efeitos são os mesmos do dissulfiram, o qual inibe a ALDH. Essas reações de oxidação geram hidrogênio, que converte o dinucleotídeos de nicotinamida-adenina (NAD, nicotinamide-adenine dinucleotide) à sua forma reduzida (NADH), o que por sua vez aumenta o potencial redox (NADH/NAD) no fígado. O aumento do potencial redox inibe a oxidação de ácidos graxos e a gliconeogênese, promovendo o acúmulo de gordura no fígado. Etilismo crônico induz o MEOS (principalmente no retículo endoplasmático) a aumentar sua atividade. A principal enzima envolvida é CYP2E1. Quando induzida, a via MEOS é responsável por 20% do metabolismo alcoólico. Essa via gera espécies reativas de oxigênio, aumentando o estresse oxidativo e a formação de radicais livres de oxigênio. O acúmulo de gordura nos hepatócitos é causado pelas seguintes razões: A exportação de gorduras do fígado está diminuída em razão da oxidação de ácidos graxos e da diminuição da produção de lipoproteínas / A entrada de gorduras está maior em razão da diminuição da exportação de gorduras no fígado, do aumento da lipólise periférica e da síntese de triglicerídios, resultando em hiperlipidemia. O acúmulo hepático de gorduras pode predispor a um subsequente dano oxidativo. O álcool modifica a permeabilidade intestinal, aumentando a absorção de endotoxinas liberadas pelas bactérias intestinais. Em resposta às endotoxinas (as quais um fígado já comprometido não consegue desentoxicar), os macrófagos hepáticos (células de Kupffer) liberam radicais livres, aumentando o dano oxidativo Como vimos, existem três “estágios” na evolução da DHA: esteatose, esteato-hepatite e cirrose. Histologicamente, os três predominam na região central (perivenular) do lóbulo hepático (zona 3), o que ajuda a diferenciar a DHA de outras hepatopatias crônicas, como as hepatites virais, que predominam na região periportal (zona 1). CIRROSE HEPÁTICA: Assim como acontece em outras formas de cirrose, na etiologia alcoólica a deposição de colágeno no parênquima hepático é mediada pelas células estreladas perissinusoidais, ou células de Ito, que fisiologicamente servem como armazenadoras de vitamina A, mas, quando o fígado é exposto a insultos necroinflamatórios persistentes ou repetitivos, podem ser ativadas e conduzir à cirrotização. Na DHA a fibrose se inicia na região centrolobular, tornandose panlobular num segundo momento. No começo o processo é potencialmente reversível, porém, nos indivíduos que mantém uma ingesta etílica elevada a evolução para fibrose panlobular é normalmente definitiva. É a doença hepática avançada caracterizada por fibrose extensa, que altera a arquitetura hepática normal. O acúmulo de gordura presente varia. A hepatite alcoólica pode coexistir. A fraca tentativa de regeneração hepática compensatória provoca a formação de nódulos hepáticos relativamente pequenos (cirrose micronodular). Como resultado, o fígado frequentemente encolhe. Com o tempo, mesmo após a abstinência, a fibrose forma bandas largas, separando o tecido hepático em grandes nódulos. A esteatose hepática “pura” costuma ser assintomática, com o paciente apresentando apenas hepatomegalia ao exame físico. Alguns portadores de esteatose muito intensa referem desconforto no quadrante superior direito do abdome, além de náuseas e discreta icterícia. Já a esteato-hepatite alcoólica geralmente se manifesta com uma ampla gama de sinais e sintomas! Anorexia, hepatomegalia dolorosa, febre e icterícia acentuada constituem a síndrome clássica de apresentação. Cumpre ressaltar que a hepatite alcoólica também pode ser assintomática, sendo reconhecida apenas por alterações laboratoriais sugestivas num paciente com história de etilismo importante. Ascite e hemorragia digestiva por rotura de varizes esofagogástricas complicam até 30% dos casos de hepatite alcoólica aguda, mesmo na ausência de cirrose pré-estabelecida. Tal fato é explicado por uma hipertensão porta “transitória”, decorrente do edema hepatocelular difuso. Casos graves de hepatite alcoólica aguda são mais propensos a desenvolver infecções bacterianas intercorrentes (ex.: pneumonia, ITU, bacteremia), e a falência hepática fulminante pode ser a primeira manifestação em alguns doentes. Varia entre um quadro leve e reversível até uma doença com risco de morte. Em sua maioria, os pacientes com doença moderada estão desnutridos e apresentam fadiga, febre, icterícia, dor no hipocôndrio direito, tendência a hepatomegalia e, algumas vezes, sopro hepático. Cerca de 40% da exteriorização clínica ocorre após hospitalização, com consequências que variam desde leves (p. ex., piora da icterícia) até graves (p. ex., ascite, encefalopatia portossistêmica, sangramento varicoso, falência hepática com hipoglicemia e coagulopatia). Outras manifestações da cirrose podem estar presentes. Na cirrose alcoólica o paciente cursa com manifestações clínicas inerentes a qualquer quadro de cirrose, isto é, sinais e sintomas das síndromes de falência hepatocelular (icterícia, encefalopatia, hipoalbuminemia, coagulopatia, ginecomastia, aranhas vasculares) e hipertensão porta (esplenomegalia, ascite, varizes esofagogástricas). Uma lesão independente do dano hepático, porém clássica do alcoolismo (e, por conseguinte, altamente sugestiva de etiologia alcoólica para a cirrose), é a contratura palmar de Dupuytren. Se compensada, pode ser assintomática. O fígado geralmente está pequeno; quando aumentado de tamanho, esteatose hepática ou hepatoma devem ser considerados. Os sintomas variam desde os relacionados com hepatite alcoólica até os da doença hepática terminal, como hipertensão portal (geralmente com varizes esofágicas e sangramento do trato gastrintestinal superior, esplenomegalia, ascite e encefalopatia portossistêmica). A hipertensão portal pode provocar shunting arteriovenoso intrapulmonar com hipoxemia (síndrome hepatopulmonar), que causa cianose e baqueteamento digital. Pode-se desenvolver insuficiência renal aguda secundária à progressiva queda do fluxo sanguíneo renal (síndrome hepatorrenal). Há desenvolvimento de carcinoma hepatocelular em cerca de 10 a 15% dos pacientes com cirrose alcoólica. O alcoolismo crônico, em vez da doença hepática, causa a contratura da fáscia palmar de Dupuytren, aranhas vasculares, miopatia e neuropatia periférica. Em homens, o alcoolismo crônico causa sinais de hipogonadismo e feminização (p. ex., pele macia, ausência de calvície, ginecomastia, atrofia testicular e alterações nos pelos pubianos). Desnutrição pode provocar múltiplas deficiências vitamínicas (p. ex., de folato e tiamina), aumento das glândulas parótidas e unhas esbranquiçadas. Em alcoólatras, encefalopatia de Wernickee psicose de Korsakoff são resultantes da deficiência de tiamina. Pancreatite é comum. A hepatite C ocorre em > 25% dos alcoólatras; esta combinação piora significativamente a progressão da doença hepática. 2. Quais as complicações da hepatite crônica? Peritonite bacteriana espotanea: A peritonite bacteriana espontânea ocorre na ausência de perfuração de um órgão oco ou foco inflamatório abdominal, como pancreatite aguda ou colecistite. O mecanismo envolvido na PBE é a translocação bacteriana, com migração de bactérias do intestino para os linfonodos mesentéricos e outros locais no abdome, devido as defesas imunes baixas pela ascite, além do desvio dos vasos sanguíneos que impede a ação das células de Kupffer. Outro fator que favorece a translocação bacteriana é o crescimento bacteriano excessivo atribuído principalmente à diminuição da motilidade intestinal e tempo de trânsito intestinal que ocorre na cirrose. Síndrome hepatorrenal: é secundária à retenção de sódio, que ocorre devido à ativação do sistema RAA, um reflexo da vasodilatação gerada pela hiperprodução de NO. Com a progressão da hipertensão portal, a vasodilatação se torna mais grave, e com isso há ativação adicional do sistema RAA, resultando em maior retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água e vasoconstrição renal, caracterizando a síndrome hepatorrenal Encefalopatia: A encefalopatia é uma disfunção cerebral, normalmente causada por insuficiência hepática, mas no contexto de hipertensão portal, o mecanismo envolvido são os shunts portossistêmicos. Na cirrose, a amônia se acumula na circulação sistêmica por conta do desvio de sangue gerado pelos vasos colaterais, ou seja, não é metabolizada pelo fígado para ser excretada. A presença de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica os astrócitos, células cerebrais de suporte, levando a alterações características da encefalopatia hepática. Além da amônia, outras toxinas podem se acumular no cérebro, gerando disfunções motoras, confusão mental, perda de memória, mau humor e outras alterações neurológicas. Shunts portossistêmicos: Os shunts portossistêmicos são formados a partir do aumento da pressão portal, que gera um fluxo invertido da circulação portal. Com isso, o sangue passa a ser direcionado para a circulação sistêmica através do desenvolvimento de novos vasos e dilatação dos vasos colaterais. Esses circuitos venosos secundários podem se desenvolver em qualquer ponto onde as circulações sistêmica e portal compartilhem de leitos capilares comuns, sendo os principais pontos as veias retais, gerando hemorroidas; a junção gastroesofágica, gerando as varizes gastroesofágicas; o retroperitônio e o ligamento falciforme do fígado, gerando turgência das colaterais periumbilicais e da parede abdominal, quadro conhecido como cabeça de medusa, típico da hipertensão portal. Essa circulação colateral abdominal pode ser do tipo cava inferior, quando a congestão se concentra na veia cava inferior ou veias ilíacas; ou do tipo porta, quando há congestão das veias supra- hepáticas (síndrome de Budd-Chiari), da veia porta (tumores abdominais) e intra-hepática (cirrose). Há ainda a congestão da veia renal, principalmente da veia renal esquerda (síndrome hepatorrenal). As varizes gastroesofágicas aparecem em grande parte dos pacientes com cirrose hepática avançada e cursam com hematêmese maciça, levando a óbito em metade dos casos. O surgimento de varizes normalmente ocorre quando a pressão no sistema porta é acima de 10 mmHg, o que leva à hemorragia digestiva alta (HDA) quando esta pressão se eleva acima de 12 mmHg. Esplenomegalia: Aparece nos pacientes com hipertensão portal de longa duração, em 80% dos casos. Isso ocorre graças à congestão crônica, associada aos shunts portossistêmicos. A esplenomegalia maciça pode induzir anormalidades hematológicas, como trombocitopenia ou pancitopenia, visto que o baço é responsável pela degradação das hemácias velhas e defeituosas, além do armazenamento de linfócitos. Normalmente é indolor e não há relação entre o tamanho do baço e gravidade da doença. Se houver dor, é importante investigar trombose ou infarto da veia esplênica. Vale lembrar que o baço cresce em direção ao umbigo. 3. Qual a fisiopatologia e possíveis causas da ascite? Como se faz a análise do líquido ascitico? A ascite pode ser definida como o acúmulo insidioso de líquido na cavidade peritoneal tendo como causa principal, indubitavelmente, a hipertensão portal relacionada com a cirrose hepática. Se a quantidade de líquido ascítico for elevada, poderá haver comprometimento da função respiratória, ocasionando dispneia. Pode ocorrer também contaminação do fluido ascítico, denominada peritonite bacteriana espontânea, que ocorre na ausência de perfuração de órgão oco ou de um foco inflamatório intra-abdominal. A infeção pode precipitar quadros de encefalopatia hepática e de insuficiência renal. Em cirróticos, o aumento da pressão hidrostática nos vasos esplâncnicos associado à diminuição da pressão oncótica, secundária à hipoalbuminemia, resulta em extravasamento do fluido para a cavidade peritoneal. Uma vez ultrapassada a capacidade de reabsorção do fluido pelos vasos linfáticos forma-se a ascite. Dos mecanismos fsiopatológicos para a formação da ascite, a hipótese mais aceita é a da vasodilatação arterial periférica. Nessa hipótese, a hipertensão portal resultaria em liberação de substâncias capazes de provocar vasodilatação arteriolar em região esplâncnica, que, por sua vez, induziria à redução do volume arterial efetivo e consequente ativação dos sistemas vasoconstritores, renina-angiotensina--aldosterona (SRAA) e sistema nervoso simpático (SNS) e, mais tardiamente, o hormônio antidiurético (ADH). Esses mecanismos seriam induzidos na tentativa de o organismo obter resposta compensatória, com maior retenção de sódio e de água e restabelecimento da homeostase. Entretanto, à medida que a doença avança, a vasodilatação arteriolar se torna mais acentuada, assim como a ativação dos sistemas de vasoconstrição, havendo retenção de sódio e água e formação de ascite e edemas. Esse mesmo mecanismo fsiopatológico ganha ainda maiores proporções nas fases mais tardias da doença, com a ativação extrema desses hormônios e difculdade de excreção de água livre, surgindo a hiponatremia dilucional. Posteriormente, se a ativação do sistema neuro-humoral resultar em desequilíbrio, em nível renal, de substâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras, poderá ocorrer desencadeamento da síndrome hepatorrenal. A avaliação inicial do paciente com ascite deve incluir história clínica, exame físico, exames laboratoriais de sangue, urina, líquido ascítico (LA) e ultrassonografa abdominal, esta última para diagnóstico de pequenos volumes de ascite não detectados ao exame físico, assim como para estadiamento da doença e rastreamento de carcinoma hepatocelular. Analise do liquido ascético: Fornece importantes informações sobre causa da ascite, presença de infecção e hipertensão portal. Embora a cirrose seja a causa da formação da ascite na maioria dos pacientes, aproximadamente 15% dos casos têm outras causas, e cerca de 5% apresentam causa mista. No diagnóstico da ascite decorrente da cirrose hepática, devem-se analisar os exames bioquímicos do sangue e os realizados no LA, obtido por punção. Considera-se ideal a obtenção do material sérico e do LA ao mesmo tempo e dentro das primeiras 24 horas da internação do paciente. Na análise bioquímica do sangue, devem-se solicitar exames que considerem o diagnóstico diferencial das ascites e que avaliem além da função hepática, a função renal, pancreática, tireoidiana e marcadores tumorais, no caso de essa hipótese ser também considerada. Assim, costumam- se solicitar nessa avaliação: hemograma, ureia, creatinina, sódio, potássio, AST, ALT, fosfatase alcalina, gamaglutamil- transferase, proteína totale frações, tempo de protrombina e INR, amilase, glicose, colesterol, triglicérides, desidrogenase lática (DHL), TSH, T4L e outros, se necessário, por exemplo, a dosagem do BNP sérico, na suspeita de ascite por insufciência cardíaca congestiva,e dos marcadores tumorais, alfafetoproteína, CA-19-9, CEA, na suspeita de carcinoma hepatocelular e carcinomatose peritoneal. Analise do liquido ascítico: GASA (gradiente de albumina soro-ascite): Esse gradiente é muito eficiente na avaliação do líquido quanto à sua etiologia ser hipertensão portal. É facilmente calculado pela subtração da concentração de albumina sérica pela concentração de albumina do líquido ascítico (ou seja, albumina sérica – albumina ascítica). Um gradiente maior ou igual 1,1 g/dL sugere como causa a hipertensão portal (acurácia de aproximadamente 97%). Por outro lado, um gradiente menor que 1,1 indica outras possíveis causas, sem hipertensão portal envolvida. Um GASA maior ou igual a 1,1 não é específico para cirrose, podendo existir em qualquer outra causa de hipertensão portal (hepatite alcóolica, insuficiência cardíaca, síndrome de Budd-Chiari, trombose de veia porta, fibrose portal idiopática). Um GASA mais baixo pode ser encontrado em situações como: carcinomatose peritoneal, tuberculose peritoneal, pancreatite, serosite, síndrome nefrótica. CELULARIDADE: A contagem de polimorfonucleares define a conduta quanto a tratamento da peritonite bacteriana espontânea (PBE) no paciente cirrótico, independentemente da cultura. O uso de antibiótico deve ser considerado em qualquer paciente em que a contagem de neutrófilos é maior ou igual a 250/mm3. • Contagem >250 PMN = ascite neutrocítica = PBE na prática Em pacientes em que a contagem de neutrófilos no líquidos ascítico seja maior ou igual 250 células/mm3, em associação com dois dos próximos três critérios, a hipótese de perfuração de alça deve ser cogitada: • Proteína total > 1 g/dL; • Glicose < 50 mg/dL; • LDH acima do limite superior do LDH sérico 4. Qual a fisiopatologia e possíveis causas da icterícia? A bilirrubina é o principal produto de degradação do heme cujas fontes no organismo, são a hemoglobina, a mioglobina e as hemoproteínas. A principal fonte de bilirrubina é a hemoglobina proveniente da quebra de eritrócitos maduros, a qual contribui com cerca de 80-85% da produção total. Dos restantes 15-20%, uma pequena proporção é proveniente da destruição prematura, na medula óssea ou no baço, de eritrócitos recém-formados e o maior componente é formado no fígado, derivado do heme não eritroide e de hemoproteínas hepáticas tais como mioglobina, citocromo e catalases. Em adultos, são quebrados diariamente cerca de 35g de hemoglobina, resultando na produção de 300mg de bilirrubina. Na periferia, a heme é convertido em biliverdina pela enzima heme-oxigenase, posteriormente, transforma-se em bilirrubina sob atuação da biliverdina-redutase. Nessa etapa, a bilirrubina está na forma não conjugada, também denominada forma indireta. Cerca de 96% da bilirrubina plasmática está na forma indireta, que, não sendo hidrossolúvel, liga-se à albumina para chegar ao fígado. No fígado, a bilirrubina indireta é captada por um processo de transporte facilitado e também por difusão. No interior do hepatócito, sofre o processo de conjugação com ácido glicurônico pela ação da enzima UGT1A1, que é uma UDP- glicuronosil-transferase, e converte-se em mono e diglicuronato de bilirrubina, também denominadas bilirrubina direta. A conjugação torna-a hidrossolúvel e, portanto, incapaz de se difundir através de membranas celulares. Na bile, a fração direta representa 95% das bilirrubinas, 90% constituída por diglicuronato. A bilirrubina é conduzida pelos ductos biliar e cístico, atingindo a vesícula, onde pode permanecer armazenada. Pode, também, prosseguir através da ampola de Vater e atingir a luz do duodeno. A bilirrubina conjugada ou direta é polar e não absorvida pelo intestino delgado. Uma vez no íleo terminal e cólon, a bilirrubina é hidrolisada por enzimas bacterianas (betaglicuronidases) formando-se o urobilinogênio. Este é apolar e somente uma mínima parcela é absorvida no cólon. Em condições normais essa parcela é reexcretada pelo fígado na bile (90% do total) e pelos rins (10% do total). Em situação de disfunção hepática, a reexcreção biliar do urobilinogênio pode diminuir, aumentando a parcela eliminada na urina. Em condições em que há diminuição da excreção de bilirrubina ao intestino ou diminuição da flora intestinal (uso de antibióticos, por exemplo) pode haver diminuição da produção de urobilinogênio. Ao contrário, em situações de aumento da produção da bilirrubina, pode haver aumento da síntese de urobilinogênio e de seus níveis na urina. As fezes normais de indivíduo adulto contêm uma mistura de urobilinogênio e seu produto de oxidação, a urobilina. A diminuição ou ausência de excreção de bilirrubina na luz intestinal provoca alterações na cor das fezes tornando-as mais claras (hipocolia fecal) ou esbranquiçadas (acolia fecal) A bilirrubina conjugada, por ser solúvel em água, penetra mais facilmente em fluidos corpóreos e é capaz de provocar graus mais acentuados de icterícia que a bilirrubina não conjugada. A pele pode tornar-se esverdeada, nos casos de hiperbilirrubinemia conjugada, prolongada, possivelmente pelo aumento da biliverdina. Em condições normais, a urina contém somente traços de bilirrubina. A bilirrubina não conjugada, como é firmemente ligada á albumina, não é filtrada pelos glomérulos renais e, não sendo também secretada pelos túbulos renais, não é excretada na urina. Uma fração da bilirrubina conjugada liga-se à albumina, enquanto uma pequena fração permanece não ligada, sendo filtrada pelos rins e eliminada na urina. Tal fração é responsável pela mudança da cor da urina, a qual pode ser cor de chá forte ou mesmo cor de cocacola (colúria), na dependência da quantidade de bilirrubina presente. Se a produção de bilirrubina, estiver aumentada, se houver prejuízo em um ou mais passos do processo de metabolização ou excreção hepática, como anormalidades na captação e transporte da bilirrubina do plasma para o hepatócito, déficit na sua conjugação com o ácido glicurônico, ou na sua excreção para o canalículo biliar ou ainda se houver obstáculo ao fluxo de bile na ·árvore biliar no seu trajeto até o duodeno, poder· haver elevação dos níveis séricos de bilirrubina. Dependendo da causa de hiperbilirrubinemia podemos observar predomínio de uma das duas frações da bilirrubina, da não conjugada ou da conjugada. • Nos casos de hiperbilirrubinemia não conjugada as causas são divididas em doenças que cursam com aumento da destruição de eritrócitos, prejuízo na captação hepática e defeitos na conjugação. Há icterícia, mas não colúria ou hipocolia/acolia fecal. • Hiperbilirrubinemia direta, também denominada icterícia colestática, resulta da deficiência no transporte da bilirrubina conjugada para fora do hepatócito e/ou prejuízo no efluxo da bile do sistema biliar. Nos casos de hiperbilirrubinemia conjugada há icterícia e colúria, a hipocolia/acolia fecal pode estar presente ou não. O aumento da bilirrubina conjugada sugere lesão hepatocelular ou lesão colestática. Os testes de funcionalidade do hepatócito incluem TGO e TGP. A TGO é mais específica do fígado, enquanto a TGP pode ser encontrada no fígado e em outros tecidos como o miocárdio, musculoesquelético, rins e cérebro. O aumento das transaminases (TGO e TGP) indica lesão hepática. Entretanto pode não aumentar na doença hepática crônica. Na lesão hepatocelular ocorre aumento de 8- 10x do valor normal das transaminases. Nos casos de TGO duas vezes superior a TGP pode estar associado a doença hepática alcoólica, nesses casos normalmente GTT também se encontra elevada. Já na lesão colestáticaacorre aumento de FA (fosfatase alcalina) e GTT. Nos casos duvidosos sobre a etiologia da hiperbilirrubinemia direta, deve-se calcular quantas vezes TGO e FA encontram-se acima do valor na normalidade. Assim será mais sugestivo de lesão hepatocelular se a relação de TGO/FA for superior a 5; da mesma forma se a relação for inferior a 2 será mais provável haver alteração colestática. A solicitação de exames de imagem mostra- se importante na suspeita de doenças obstrutivas, como na coledocolitíase e neoplasias periampulares. O exame de escolha inicial é a ultra-sonografia. A tomografica computadorizada com contraste intravenoso fornece melhor resolução, permitindo a avaliação da anatomia e visualiza adequadamente o pâncreas, o fígado e dos vasos hepáticos, porém tem baixa acurácia para visualização de cálculos. A colangiopancreatografia endoscópica retógrada (CPER) permite a visualização direta da árvore biliar e ductos pancreáticos e a extração terapêutica de cálculos, com desvantagem de risco de pancreatite após o procedimento. A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) e o USG endoscópico permitem a visualização anatômica do sistema ductal biliar, sem necessitar o uso de contraste e sem riscos de complicações como a CPER. 5. Qual a fisiopatologia e diagnostico diferencial da hipertensão portal? A veia porta é a principal responsável pela irrigação do fígado, tendo origem através da união da veia mesentérica superior com a veia esplênica, que se une à veia mesentérica inferior antes de formar a veia porta. Assim, a veia porta se comunica com vasos que recebem sangue dos intestinos, do baço, do estômago e do esófago. Por isso, patologias em qualquer um destes órgãos pode gerar a hipertensão portal. Dentro do fígado, a veia porta se ramifica em vênulas portais que, por sua vez, se dividem em vênulas distribuidoras, que seguem ao redor da periferia do lóbulo hepático e desembocam nos capilares sinusoides. Os sinusoides são os espaços entre os lóbulos, onde se localizam os capilares sinusoides, separados dos capilares endoteliais pelo espaço do Disse, onde ficam as células de Ito (células estreladas) e onde ocorrem as trocas entre os hepatócitos e os sinusoides, ou seja, entrada das substâncias presentes no sangue que precisam ser excretadas e saída das proteínas produzidas pelo fígado para a circulação sistêmica. O encontro de dois hepatócitos forma um canalículo biliar, que termina no espaço porta e constitui a primeira porção dos ductos biliares, por onde a bile é transportada até a vesícula biliar para ser excretada nas fezes. Os sinusoides formam as veias centrolobulares, que se fundem às veias sublobulares, as quais convergem formando as veias hepáticas. As veias hepáticas desembocam na veia cava inferior. A hipertensão portal é uma síndrome definida pelo aumento da resistência ou obstrução do fluxo sanguíneo no sistema porta, associada principalmente a disfunções hepáticas e a alterações nos vasos associados ao sistema porta. Teoricamente, a hipertensão portal é definida por uma pressão na veia porta maior ou igual a 6 mmHg, porém a hipertensão portal se torna clinicamente significativa apenas quando este valor está maior ou igual a 10 mmHg. Porém, como a mensuração direta da pressão nesta veia é de difícil obtenção, a definição usada habitualmente é feita pelo gradiente de pressão venosa hepática (HVPG), que quando maior que 5 mmHg, identifica a existência da hipertensão portal. Este gradiente é aferido pela cateterização da veia hepática por punção da veia jugular interna. A classificação da hipertensão portal é feita de acordo com o local da etiologia dessa síndrome, assim, pode ser pré- hepática, intra-hepática (hepática) ou pós-hepática. A hipertensão portal pré-hepática é gerada por todas as condições que aumentam a resistência ao fluxo sanguíneo até chegar à veia porta, como trombose da veia esplênica; a intra-hepática é gerada pelas condições que aumentam a congestão dentro do sistema porta, como a cirrose hepática; e a pós-hepática está relacionada com a congestão no sistema da veia cava inferior, principalmente a insuficiência cardíaca direita. As principais condições pré-hepáticas são a trombose obstrutiva, o estreitamento da veia porta antes de sua ramificação no interior do fígado ou a esplenomegalia maciça, com aumento do fluxo sanguíneo venoso esplênico. A esplenomegalia pode ser consequência da hipertensão portal, porém também pode ser sua causa, quando gerada primariamente por condições como leucemia mieloide crônica, linfomas, doença de Gaucher, e outras situações que geram hiperesplenismo. As principais causas pós-hepáticas são a insuficiência cardíaca direita, a pericardite constritiva, a obstrução da veia cava inferior e a síndrome de Budd-Chiari. Por último, a principal causa intra-hepática é a cirrose, que representa a maioria dos casos de hipertensão portal. Além disso, entre as causas intra-hepáticas estão a esquistossomose, a alteração gordurosa maciça, doenças granulomatosas fibrosantes difusas, como a sarcoidose, e doenças que acometem a microcirculação portal, como hiperplasia nodular regenerativa, sendo que todas essas condições geram cirrose. A classificação da hipertensão portal intra-hepática depende do local de acometimento em relação ao espaço porta: • Hipertensão portal pré-sinusoidal: doenças que geram fibrose da veia porta hepática geram, cuja principal causa é a esquistossomose; • Sinusoidais (hipertensão portal intra-hepática sinusoidal): doenças que geram fibrose nos hepatócitos, ou seja, após o espaço porta, restringindo o fluxo aos sinusoides, sendo a principal delas a cirrose alcoólica; • Pós-sinusoidais: doenças que geram fibrose na veia centrolobular e suas ramificações antes de chegarem à veia hepática, sendo a causa mais comum dessa forma de hipertensão portal, a doença veno-oclusiva. O aumento da resistência ao fluxo portal ao nível dos sinusoides é gerado pela obstrução ao fluxo sanguíneo por deposição de tecido fibroso e consequentecompressão dos nódulos parenquimatosos. Além disso, ocorre vasoconstrição ativa, com diminuição da produção de óxido nítrico (vasodilatador) pelas células endoteliais sinusoides, e liberação de mediadores vasoconstritores, como angiotensinogênio. Com isso, ocorre contração das células musculares lisas dos vasos hepáticos. Além disso, os vasos que normalmente drenam para o sistema portal, como a veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo para vias colaterais, e como essas vias colaterais são insuficientes para receber esse fluxo sanguíneo, é gerada uma resistência adicional ao sistema portal. Essa circulação hiperdinâmica é causada pela vasodilatação arterial, primariamente na circulação esplâncnica, gerada por vários mediadores vasodilatadores, especialmente o óxido nítrico, cuja produção parece ser estimulada pela diminuição da eliminação de DNA bacteriano absorvido dos intestinos, provocada pela redução da função do sistema mononuclear fagocítico e desvio do sangue da circulação portal para a sistêmica, que faz com que a circulação esplâncnica evite as células de Kupffer no fígado (auxilia na eliminação bacteriana). Assim, o paradoxo na hipertensão portal é que a deficiência de óxido nítrico (NO) na vasculatura intra-hepática leva à vasoconstrição e resistência aumentada dos vasos hepáticos, enquanto a superprodução de NO na circulação extra- hepática leva à vasodilatação esplâncnica e consequente fluxo portal aumentado. Essa vasodilatação esplâncnica tende a reduzir a pressão arterial, e seu agravamento leva a um quadro em que a frequência cardíaca e o débito cardíaco não conseguem manter a pressão sanguínea, causando a ativação compensatória de vasoconstritores, especialmente do sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a secreção de hormônio antidiurético, o que leva à ascite, ouseja, aumenta-se a congestão (vasodilatação sistêmica) e gera as varizes características da hipertensão portal.
Compartilhar