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1 LITERATURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR Ana Maria Bulhões e Nanci Egert MÓDULO 1 – NOÇÕES DE LITERATURA I: A POESIA Aula 3 – Poesia clássica: as formas fixas. Poesia Moderna e poesia Contemporânea 3.1. POESIA CLÁSSICA (NO BRASIL) A poesia da Antiguidade grega e romana é a matriz da nossa poesia ocidental. As formas clássicas foram retomadas no Brasil em dois momentos: no Arcadismo e no Parnasianismo. O Arcadismo desenvolveu-se em nosso país na segunda metade do século XVII, sobretudo no Estado de Minas Gerais, tornado centro econômico, político e cultural da colônia portuguesa, em função da descoberta do ouro. No auge desta produção aurífera, entre 1740 e 1760, Vila Rica – hoje Ouro Preto - teve grande desenvolvimento, comparável ao Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Ideias europeias de liberdade conduzem à Inconfidência Mineira. Os intelectuais participantes deste movimento foram chamados “inconfidentes”, dentre os quais se ressaltam os poetas do movimento arcadista: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, além de Basílio da Gama e Santa Rita Durão. O Arcadismo corresponde ao Neoclassicismo brasileiro e terminou quando o Brasil abriu as portas para o Romantismo, no início do século XIX. a. Claudio Manuel da Costa Nascido no Brasil, em Minas Gerais, em 1729, estudou no Rio de Janeiro, mas vai para Lisboa e daí para Coimbra, onde ingressa na Universidade dos Cânones. Ao concluí-la, volta a Minas e, em Vila Rica, estabelece banca de advogado. Durante toda sua vida escreveu poesia lírica e bucólica. Sua carreira de advogado corre paralela à atividade de poeta com obra publicada. Envolve-se na Inconfidência Mineira, sendo acusado de traição à coroa. Se oficialmente dizem ter-se matado na cadeia, as condições em que foi encontrado contradizem essa possibilidade: foi morto pela polícia do reino. Exímio sonetista, escreve poemas em outras formas clássicas, como éclogas, cantatas, cançonetas, odes. Vejamos um soneto de Claudio Manuel da Costa: Soneto XXXVII Continuamente estou imaginando, Se esta vida que logre, tão pesada, Há de ser sempre aflita, e magoada, 1 2 Se como o tempo enfim se há de ir mudando: Em golfos de esperança flutuando Mil vezes busco a praia desejada; E a tormenta outra vez não esperada Ao pélago infeliz me vai levando. [pélago: mar alto] Tenho já o meu mal tão descoberto, Que eu mesmo busco a minha desventura; Pois não pode ser mais meu desconcerto. Que me pode fazer a sorte dura, Se para não sentir seu golpe incerto, Tudo o que foi paixão, é já loucura! b. Tomás Antônio Gonzaga Outro grande arcadista, português de nascimento, brasileiro de coração desde rapazola. Sua obra mais famosa é a coleção de “Liras”, à Marília de Dirceu, a frustrada paixão do poeta, da qual leremos o início da Lira I: Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, de expressões grosseiro, Dos frios gelos e dos sóis queimado. Tenho próprio casal e nele assisto; [casal: sítio; assisto: moro] Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! No século seguinte, entre o final do XVII e o XIX, surge um movimento literário que, pela valorização da carga subjetiva, pelo interesse no colorido do que é local, pela busca da identidade nacional e dos temas relativos ao amor foi conhecido como Romantismo. Há um fato relevante na importância da estética romântica para o momento histórico em que essa arte está inserida no Brasil: com a chegada da Família Real, houve uma influência mais direta de artistas europeus, das ideias iluministas e início de um movimento de conscientização do fato de sermos colônia, rumo à reclassificação do território nacional, para deixarmos de ser dependentes de Portugal. Aos poucos fomos galgando novos estágios e deixando de ser uma colônia de exploração, passando a nos intitularmos Reino Unido a Portugal. Alguns dos principais autores do Romantismo brasileiro são José de Alencar, na prosa e Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Castro Alves, na poesia. https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumos-de-livros/jose-alencar.htm https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumos-de-livros/jose-alencar.htm https://brasilescola.uol.com.br/literatura/goncalves-dias.htm https://brasilescola.uol.com.br/biografia/alvares-azevedo.htm https://brasilescola.uol.com.br/literatura/casimiro-abreu-1.htm https://brasilescola.uol.com.br/literatura/casimiro-abreu-1.htm https://brasilescola.uol.com.br/literatura/castroalves.htm 3 Logo que o movimento Romântico deu sinais de cansaço, o Parnasianismo dominou a poesia até o advento do Modernismo, em 1922. A importância deste movimento no país deve-se não só ao elevado número de poetas, mas também à extensão de sua influência, uma vez que seus princípios estéticos dominaram por muito tempo a vida literária do Brasil. A década de 1880 abriu-se para a poesia científica, a socialista e a realista, primeiras manifestações da reforma que acabou por se canalizar para o Parnasianismo. As influências iniciais foram Gonçalves Crespo e Artur de Oliveira, este o principal propagandista do movimento a partir de 1877, quando chegou de uma estada em Paris. Outros representantes do Parnasianismo: a. Alberto de Oliveira O poeta publicou "Canções Românticas" em 1878. Apesar do nome “canções românticas”, o livro contém sonetos escritos à moda clássica, como no exemplo: O ÍDOLO (Canções românticas, 1878.) Sobre um trono de mármore sombrio, Em templo escuro, há muito abandonado, Em seu grande silêncio, austero e frio Um ídolo de gesso está sentado. E como à estranha mão, a paz silente Quebrando em torno às funerárias urnas, Ressoa um órgão compassadamente Pelas amplas abóbadas soturnas. Cai fora a noite - mar que se retrata Em outro mar - dois pélagos azuis; Num as ondas - alcíones de prata, No outro os astros - alcíones de luz. E de seu negro mármore no trono O ídolo de gesso está sentado. Assim um coração repousa em sono... Assim meu coração vive fechado. b. Teófilo Dias Outro marco inicial da nova Escola, Teófilo Dias publicou "Cantos Tropicais" em 1878. Como exemplo, vejamos o poema “Olhos azuis”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gonçalves_Crespo https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_de_Oliveira https://pt.wikipedia.org/wiki/1877 https://pt.wikipedia.org/wiki/Paris https://pt.wikipedia.org/wiki/Teófilo_Dias https://pt.wikipedia.org/wiki/Teófilo_Dias 4 Na luz que o teu olhar azul transpira Há sons espirituais, inebriantes, Orvalhados de lágrimas – vibrantes Como as notas da gusla que suspira. [gusla: instrumento de corda da Croácia] A harpa, o bandolim, a flauta, a lira, As vibrações suaves, cintilantes, Facetadas, floridas, provocantes, Do piano que ri, chora e delira, Não traduzem o ritmo silencioso, O perfume prismático, a magia, Do teu olhar inquieto, voluptuoso, Que me levanta em ondas de harmonia Como suspenso manto vaporoso À flor dos mares ao romper do dia! Cantos Tropicais, 1878. O Parnasianismo brasileiro, a despeito da grande influência que recebeu do Parnasianismo francês, não é uma exata reprodução dele, pois não obedece à mesma preocupação de objetividade, de cientificismo e de descrições realistas. Foge do sentimentalismo romântico, mas não exclui o subjetivismo. Sua preferência dominante é pelo verso alexandrino (de tipo francês) ou pelo decassílabo (português), com rimas ricas e pelas formas fixas, em especial o soneto. Quanto ao assunto, caracteriza-se pela objetividade, o universalismo e o esteticismo. Este último exige uma forma perfeita (formalismo) quanto à construção e à sintaxe. Os poetas parnasianos veemo homem preso à matéria, sem possibilidade de libertar-se do determinismo, e tendem então para o pessimismo ou para o sensualismo. Além de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, que configuraram a chamada tríade parnasiana, o movimento teve outros grandes poetas no Brasil, como Vicente de Carvalho, Machado de Assis, Bernardino Lopes, Francisca Júlia, Guimarães Passos, Carlos Magalhães de Azeredo, Goulart de Andrade, Artur Azevedo, Adelino Fontoura, Emílio de Meneses, Antônio Augusto de Lima, Luis Murat e Mário de Lima. A partir de 1890, o Parnasianismo foi superado pelo Simbolismo. Apesar disso, os parnasianos mantiveram sua produção poética paralelamente ao Simbolismo e até mesmo ao Modernismo, em sua primeira fase. O próprio nome remete a “Parnasos”, o lar das musas na mitologia grega, e o estilo retomou conceitos da Antiguidade Clássica, como a https://pt.wikipedia.org/wiki/Vicente_de_Carvalho https://pt.wikipedia.org/wiki/Bernardino_Lopes https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisca_Júlia_da_Silva https://pt.wikipedia.org/wiki/Guimarães_Passos https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magalhães_de_Azeredo https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magalhães_de_Azeredo https://pt.wikipedia.org/wiki/José_Maria_Goulart_de_Andrade https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_Azevedo https://pt.wikipedia.org/wiki/Adelino_Fontoura https://pt.wikipedia.org/wiki/Emílio_de_Meneses https://pt.wikipedia.org/wiki/Emílio_de_Meneses https://pt.wikipedia.org/wiki/Antônio_Augusto_de_Lima https://pt.wikipedia.org/wiki/Mário_de_Lima https://pt.wikipedia.org/wiki/1890 5 elaboração de uma lógica racional que tornava os poemas complexos e de difícil entendimento. A perfeição da escrita e a inspiração da arte, principais características parnasianas, aparecem na valorização do soneto, da métrica, da rima. Voltemos a Alberto de Oliveira, com “A alma dos meus vinte anos” A alma dos meus vinte anos noutro dia Senti volver-me ao peito, e pondo fora A outra, a enferma, que lá dentro mora, Ria em meus lábios, em meus olhos ria. Achava-me ao teu lado então, Luzia, E da idade que tens na mesma aurora; A tudo o que já fui, tornava agora, Tudo o que ora não sou, me renascia. Ressenti da paixão primeira e ardente A febre, ressurgiu-me o amor antigo Com os seus desvarios e com os seus enganos... Mas ah! quando te foste, novamente A alma de hoje tornou a ser comigo, E foi contigo a alma dos meus vinte anos. Poesias, 4ª série, 1928, de Alberto de Oliveira 3.2. AS FORMAS FIXAS Dos elementos singularizantes desses períodos, herdamos as formas poéticas, algumas muito exploradas mesmo na era moderna. Muitas dessas formas se conservaram com a mesma estrutura característica, por isso delas se diz que são formas fixas. O mais conhecido dentre esses poemas é o soneto: formado por dois quartetos e dois tercetos (lembram-se? Estrofes de quatro versos e estrofes de três versos). O mais popular é a quadrinha, poema todo formado de quartetos. Mas há também a balada, feita para ser cantada, e que oferece muitos exemplos de repetição. O girino é o peixinho do sapo O silêncio é o começo do papo O bigode é a antena do gato O cavalo é pasto do carrapato 6 O cabrito é o cordeiro da cabra O pescoço é a barriga da cobra O leitão é um porquinho mais novo A galinha é um pouquinho do ovo O desejo é o começo do corpo Engordar é a tarefa do porco A cegonha é a girafa do ganso O cachorro é um lobo mais manso O escuro é a metade da zebra As raízes são as veias da seiva O camelo é um cavalo sem sede Tartaruga por dentro é parede O potrinho é o bezerro da égua A batalha é o começo da trégua Papagaio é um dragão miniatura Bactérias num meio é cultura. “Cultura”, Arnaldo Antunes Assim também é a canção, composição que pode ser curta e que permite todos os temas, mas em geral é melancólica ou satírica. Pode apresentar uma estrofe que se repete, chamada estribilho. Há canções populares que são chamadas folclóricas, porque identificam regiões, culturas. Há canções nacionais. Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada. “Motivo”, Cecília Meireles. http://pensador.uol.com.br/autor/cecilia_meireles/ 7 OBSERVAÇÃO: Este poema de Cecília foi musicado por Fagner (veja no youbube!). Como se percebe, a proximidade da poesia com a música se evidencia nas formas fixas. Entre os contemporâneos, muitos compositores, como Caetano Veloso, Chico Buarque, bem como anteriormente Vinícius de Moraes, só para falar dos mais conhecidos internacionalmente, publicaram as letras de suas músicas em livros de poemas. Chamamos “letra” o que os americanos chamam “lyrics”, guardando para as letras o termo que caracteriza a poesia – lírica. Vejamos também esta “Canção de outono”, de Cecília Meireles: Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti. Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi. De que serviu tecer flores pelas areias do chão, se havia gente dormindo sobre o próprio coração? E não pude levantá-la! Choro pelo que não fiz. E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz. Perdoa-me, folha seca! Meus olhos sem força estão velando e rogando àqueles que não se levantarão... Tu és a folha de outono voante pelo jardim. Deixo-te a minha saudade – a melhor parte de mim. Certa de que tudo é vão. Que tudo é menos que o vento, menos que as folhas do chão... Em Meireles se nota a melancolia reforçada pela repetição, pela seleção das palavras sombrias. Ainda que a canção seja um gênero meloso, longo, bem musical, poetas mais brincalhões, como Mário Quintana, usaram livremente esta forma para criar poemas curtos e sugestivos. (Pesquise na internet!). 8 Há ainda algumas formas fixas que são usadas por poetas modernos, como o rondó (quadras ou estrofes maiores, em versos de sete sílabas, em que há a retomada dos dois primeiros versos em estrofes sucessivas). Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Tua beleza, Esmeralda, Acabou me enlouquecendo. Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O sol tão claro lá fora E em minh’alma — anoitecendo! Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Alfonso Reys partindo, E tanta gente ficando... Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... A Itália falando grosso, A Europa se avacalhando... Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O Brasil politicando, Nossa! A poesia morrendo... O sol tão claro lá fora, O sol tão claro, Esmeralda, E em minh’alma — anoitecendo! “Rondó dos Cavalinhos”, Manuel Bandeira Consta que o poema acima, feito durante a "II Grande Guerra", foi escrito enquanto o autor almoçava no Jóquei-Clube do Rio de Janeiro, assistindo às corridas. Extraído do livro "Manuel Bandeira - Antologia Poética", Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2001, p. 104. Ver http://www.releituras.com/mbandeira_rondo.asp Outra forma que instigou os poetas modernos foi o Haikai (Haicai), tipo de poema japonês composto de 17 sílabas distribuídas em três versos apenas: o primeiro de cinco sílabas, o segundo de sete, o 9 terceiro de cinco. No Brasil recebe um tratamento de rima, que não existe no original: Um gosto de amora comida com sol. A vida chamava-se “Agora” “Infância”, Guilherme de Almeida) * Voltamos agora ao Soneto, que merece atenção pelo fato de continuar a ser uma forma muito apreciada pelos poetas. Soneto Além de apresentardois quartetos e dois tercetos, em geral é composto por versos de dez sílabas (decassílabos), ou de doze sílabas (alexandrinos), com rimas de um tipo nos quartetos (A B) e de outro nos tercetos (C D). Em geral os temas são ligados à vida humana, às emoções. Vinícius de Moraes é um bom exemplo de poeta que usou o soneto para falar de vários aspectos do amor. Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade… Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestante. E te amo além, presente na saudade. Amo-te enfim com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho simplesmente. De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. “Soneto de amor total”, Vinícius de Moraes Poema construído numa métrica regular de decassílabos, com rimas ABAB (alternada); ABBA (interpolada e emparelhada); CDC; DCD (alternada), a circularidade do som condiz com os ciclos do amor, do calmo ao intenso, e 10 com a ideia de frequência que se repete até se esgotar. Os versos mantém um impulso, e mostram muita sonoridade em função das assonâncias de sons anasalados e das aliterações das vogais abertas e, sobretudo, pela repetição do amo-te e do amar/amor. Obs. Procure na internet o poema “Eu sei que vou te amar”(cantado por Maria Cleuza e musicado por Tom Jobim). Como brinde, o “poetinha” recita ainda uma de suas mais belas e conhecidas obras, o “Soneto de fidelidade”. Vale a pena! O nome desta forma poética- soneto- é originário do italiano sonetto, que significa “pequena canção”, ou, de forma literal, “pequeno som”. A criação do soneto é controversa: geralmente é atribuída ao humanista Francesco Petrarca, do século XIV; porém, atualmente sabe-se que esta forma lírica já era praticada um século antes por Giacomo de Lentino, tendo sido elaborada a partir da poesia popular da Sicília. Este gênero lírico foi introduzido em Portugal por Sá de Miranda, no ano de 1527, e Luís de Camões foi o responsável por torná-lo popular e pelo seu sucesso. OBS.:No soneto italiano, às vezes no português e no inglês, os 14 versos se mantém unidos numa só estrofe (monostrófico). Vejam este exemplo, de Camões, todo construído em paradoxos (ou oxímoros): Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? OBS.: O poema ficou bastante conhecido ao ser musicado por Renato Russo, da famosa banda Legião Urbana. 11 3.3. POESIA MODERNA O que chamamos de poesia moderna é não só a poesia produzida desde o final do século XIX até o início do século XX, mas, sobretudo, a poesia que se liberta das normas poéticas e que guarda, para se expressar, apenas a economia de linguagem, o poder de síntese que a palavra poética apresenta. Especialmente a partir do estilo de época conhecido por Modernismo, os autores utilizaram amplamente um verso que não obedece a uma regularidade métrica: um “verso livre”. Livre de quê? Livre das amarras das regras da poética, livre para usar essas regras do modo que o poeta achar mais conveniente à sua expressão. Ainda que alguns poetas modernos apreciem formas clássicas para falar de amor, por exemplo, fazem isso porque gostam de experimentar, porque apreciam a musicalidade que aquelas formas apresentam. Na literatura brasileira, foi a partir do Modernismo, sobretudo com os paulistas Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que a poesia ganhou mais irreverência, voltada para temas do cotidiano, incentivando uma tendência que perdura na poesia contemporânea. Se o poeta, desde o Romantismo, passou a valorizar a pesquisa de linguagem - de visualidade e sonoridade simultaneamente -, essa herança repercutiu de modo exacerbado no movimento dos anos cinquenta, que ficou conhecido como Concretismo. Para os poetas concretos a palavra não é um signo arbitrário cuja forma material em nada tenha equivalência com o conteúdo que expresse. A palavra pode sim ser explorada na página de modo a sugerir graficamente o que quer exprimir. Expressas em grande parte no seu manifesto paulista de 1958 (Plano- piloto para poesia concreta:), o movimento levou à grande adesão de outros poetas do mundo inteiro. Aparentemente, a poesia concreta opera por duas distinções básicas: a paranomásia e a disposição espacial dos vocábulos, frases ou caracteres. (LINK: http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/plano-piloto-para- poesia-concreta) Paronomásia: figura de linguagem que tira partido da semelhança fônica ou mórfica entre as palavras, mas não semelhança semântica. Operando por paranomásia e não abandonando o uso da palavra, a poesia concreta não será definida exclusivamente como uma poesia visual. Em tom radical, o manifesto declara o fim do verso como unidade rítmico-formal do poema, que passa a reconhecer o espaço como agente estrutural, deixando de se desenvolver de maneira meramente temporal e linear, intentando a simultaneidade da comunicação não verbal. Como https://pt.wikipedia.org/wiki/Paranomásia 12 chamaram os irmãos Campos, comunicação verbivocovisual, que participa das vantagens da comunicação não verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra. beba coca cola babe cola beba coca babe cola caco caco cola cloaca “Coca cola”, Décio Pignatari Vejam os exercícios de Poesia concreta na página: página:http://exercicios.mundoeducacao.bol.uol.com.br/exercicios- literatura/exercicios-sobre-poesia-concreta.htm Abra o link e verá o universo do que criaram Millôr Fernandes, Décio Pignatari, Arnaldo Antunes, os irmãos Campos entre outros. Neste exemplo se vê claramente o jogo gráfico que faz contraponto ao jogo semântico, no sentido da ampliação para diversos significados, apenas sugeridos pela forma sintética, aquela que apresenta uma extrema economia vocabular. O Concretismo e o Modernismo gostam de jogar com o humor, com a brincadeira, tornando a poesia apreensível também pela criança. SUGESTÃO: Procurem poemas para crianças na obra de Sylvia Orthof e de José Paulo Paes, ou mesmo no livro Ou isto ou aquilo de Cecília Meireles. As ideias transmitidas pelos poetas são bastante instigantes e diferentes porque trazem conceitos que nos falam à imaginação. Experimente a leitura de Se você juntar todas as pulgas terá a maior pulga do mundo. Se você juntar todos os cachorros terá o maior cachorro do mundo. Agora, se essa pulga picar esse cachorro e ele se coçar Vai cu o do do! sa dir mun to “Terremoto”, José Paulo Paes Repare, por exemplo, na ideia de terremoto, de abalo, do último verso, entrecortado em duas linhas, lembrando visualmente o efeito provocado pela reação do cachorro imaginário... 3.4. POESIA CONTEMPORÂNEA 13 A poesia Contemporânea, depois de passar pelas inovações das vanguardas modernistas, sente-se livre para compor versos usando diferentes correntes estéticas antigas ou modernas como fonte de inspiração. Considera-se que seja a expressão artística que começou a se destacar a partir na segunda metade do século XX num mundo que se despedia dos efeitos imediatos do pós-Segunda Guerra Mundial. Pode-se dizer, modo simples, que a Poesia Contemporânea é o texto que o escritor chama de poesia, independente da sua forma.Essa poesia não só usa como temas, mas também explora as diferentes expressões de fenômenos de massa, como os quadrinhos, o cinema, a música pop, e outros. Portanto, o Contemporâneo apresenta uma abertura para a mistura de tendências estéticas, estabelecendo o ecletismo, suas contradições e características. Sendo assim, suas produções podem apresentar: União da arte erudita e da arte popular; Aspecto histórico, social e urbano; Poesia intimista, visual e marginal; Temas cotidianos e regionalistas; Engajamento social e literatura marginal; Experimentalismo formal; Técnicas inovadoras (recursos gráficos, montagens, colagens, etc.); Formas reduzidas (haikais, poemas-piada, etc.); Intertextualidade e metalinguagem. Vejamos exemplos: a. Torquato Neto, paraibano, nascido em 1944 que se uniu aos Tropicalistas e se suicidou no Rio de Janeiro aos 28 anos, deixando obra intensa: eu sou como eu sou pronome pessoal intransferível do homem que iniciei na medida do impossível eu sou como eu sou agora sem grandes segredos dantes sem novos secretos dentes nesta hora 14 eu sou como eu sou presente desferrolhado indecente feito um pedaço de mim eu sou como eu sou vidente e vivo tranquilamente todas as horas do fim. Poema “Cogito”, Torquato Neto. b. Millôr Fernandes, carioca, humorista, tradutor e poeta: O amor é assim O que eu vejo nela? O que ela vê em mim. “Poeminha ego-elucidativo”, Millôr Fernandes c. Mário Quintana, gaúcho, tradutor e poeta muito fofo. Um desconhecido Me pergunta as horas Faltam dez minutos “Dez minutos”, Mário Quintana Há muitos sites de poesia na internet. Faça sua pesquisa. Busque este e explore as sugestões: http://www.algumapoesia.com.br/poesia4/poesianet428.htm http://www.algumapoesia.com.br/poesia4/poesianet428.htm
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