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1 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA/INTERNATO Rodízio Cirurgia QUEIMADURAS Podemos definir as queimaduras como lesão tecidual decorrente de trauma térmico, elétrico, químico ou radioativo, que destrói parcialmente ou totalmente a pele e seus anexos, podendo alcançar camadas mais profundas como o tecido subcutâneo, músculos, tendões e ossos. As lesões por queimaduras estão entre as mais devastadoras de todas as lesões e são responsáveis por uma crise global de saúde pública. Os grupos mais vulneráveis a lesões por queimaduras são crianças, mulheres e adultos mais velhos. A falta de supervisão de crianças, a fragilidade e as doenças comórbidas dos idosos são fatores de risco importantes para as lesões por queimaduras. O prognóstico de uma vítima de queimadura vai depender da extensão da superfície corporal queimada (SCQ), da profundidade e localização da lesão, da presença ou não de doenças crônicas associadas e da idade do paciente. As queimaduras de primeiro grau e algumas queimaduras de segundo grau curam-se em dias ou semanas sem deixarem cicatrizes. As queimaduras profundas de segundo grau e pequenas de terceiro grau demoram semanas para se curarem e normalmente causam cicatrizes. A maior parte requer enxertos de pele. As queimaduras que afetam mais de 90% da superfície corporal ou mais de 60% numa pessoa idosa, geralmente são mortais. • Fisiopatologia A fisiopatologia se dá pela destruição da integridade capilar e vascular, em razão de seus efeitos serem locais e sistêmicos. O comprometimento do tecido vai depender da intensidade da exposição térmica, das características da área queimada e das reações locais e sistêmicas. Assim, a queimadura vai comprometer a integridade funcional da pele, responsável pela homeostase hidroeletrolítica, controle da temperatura interna, flexibilidade e lubrificação da superfície corporal. A injúria térmica provoca no organismo uma resposta local, traduzida por necrose de coagulação tecidual e progressiva trombose dos vasos adjacentes num período de 12-48hrs. A ferida da queimadura a princípio é estéril, porém o tecido necrótico torna-se rapidamente colonizado por bactérias produtoras de proteases, que levam a liquefação e separação da escara, dando lugar ao tecido de granulação responsável pela cicatrização da ferida. Nas grandes queimaduras, além da resposta local, o dano térmico desencadeia ainda uma reação sistêmica do organismo, em consequência da liberação de mediadores pelo tecido lesado. Ocorre extenso dano à integridade capilar, com perda acelerada de fluidos, seja pela evaporação através da ferida ou pela sequestração nos interstícios, que é agravada por subprodutos da colonização bacteriana. Nas queimaduras extensas, superiores a 40% da área corporal, o sistema imune é incapaz de delimitar a infecção. Essa resposta sistêmica manifesta-se por febre, circulação sanguínea hiperdinâmica e ritmo metabólico acelerado, com aumento do catabolismo muscular, decorrente de alteração da função hipotalâmica, da deficiência da barreira GI, da contaminação bacteriana, da perda de calor e da perda de fluidos. Um ponto importante são as zonas de lesão. Sendo a pele responsável por fornecer uma forte barreira a transferência de energia para os tecidos mais profundos, mesmo com a remoção do foco desencadeador, a resposta dos tecidos locais pode levar a lesão nas camadas mais profundas. A área de lesão cutânea ou superficial é assim dividida em 3 zonas: zona de coagulação, zona de estase e zona de hiperemia. A área necrótica da queimadura onde as células foram destruídas é denominada zona de coagulação. Esse tecido é danificado irreversivelmente no momento em que ocorre a lesão. Na área imediatamente adjacente á zona necrótica tem um grau de lesão moderada, com perfusão tissular reduzida. Essa área é chamada de zona de estase e dependendo das condições da ferida, pode sobreviver ou evoluir para necrose coagulativa. Tratamento direcionado para o controle da inflamação local, imediatamente após a queimadura pode preservar a zona de estase. A zona de hiperemia é caracterizada pela vasodilatação em razão da inflamação circunjacente a queimadura, contendo tecido claramente viável do qual se inicia o processo de cicatrização e geralmente não tem risco de necrose. • Mecanismo de cura Por acometer apenas a epiderme resultando de uma simples resposta inflamatória, as queimaduras de primeiro grau apresentam sua 2 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA/INTERNATO Rodízio Cirurgia reversão em até 1 semana, sem mudança na coloração, espessura ou textura da pele a partir da multiplicação celular, com a descamação da subcamada acometida e normalmente não apresenta repercussão sistêmica. Assim como as queimaduras superficiais, as queimaduras de segundo grau podem ter cicatrização espontânea se não houver complicações pelo processo de reepitelização e naquelas mais profundas pelo mecanismo de contração associado, a partir dos bordos da ferida, pela metaplasia de fibroblastos e a consequente retração dos bordos. Já as queimaduras de terceiro grau ou de espessura total, aquelas em que há lesão de todos os elementos da pele, incluindo epiderme, derme, tecido subcutâneo, com destruição dos folículos pilosos, glândulas sudoríparas e sebáceas receptoras para dor e coagulação do plexo vascular são incapazes de se regenerarem pois os anexos dérmicos e sua reserva epitelial estão destruídos e portanto necessitam de cobertura. • Classificação Podem apresentar duas principais classificações, seja em função de sua causa ou de sua profundidade. 1. Causas - Calor: as queimaduras térmicas mais comuns estão associadas a chamas, líquidos quentes, objetos sólidos quentes e vapor. A profundidade da lesão está relacionada a temperatura do contato, duração do contato da fonte de calor externa e espessura da pele. Como a condutividade da pele é baixa, a maioria das queimaduras térmicas envolve epiderme e parte da derme. - Descarga elétrica: a energia elétrica é transformada em calor à medida que a corrente passa pelos tecidos do corpo com má condução. A eletroporação interrompe o potencial e a função da membrana. A magnitude da lesão depende da trajetória da corrente, da resistência ao fluxo de corrente através dos tecidos e da força e duração do fluxo e corrente. - Fricção: lesões por fricção podem ocorrer devido a uma combinação de ruptura mecânica dos tecidos, bem como o calor gerado pela fricção. - Produtos químicos: a lesão é causada por uma ampla gama de reações cáusticas, incluindo alteração do pH, rompimento das membranas celulares e efeitos tóxicos diretos nos processos metabólicos. Além da duração da exposição, a natureza do agente determinará a gravidade da lesão. O contato com ácido causa necrose da coagulação do tecido, enquanto queimaduras alcalinas geram necrose de liquefação. -Radiação: a energia de radiofrequência ou radiação ionizante podem causar danos à pele e aos tecidos. O tipo mais comum de queimadura por radiação é a queimadura solar. 2. Profundidade As lesões cutâneas também podem ser classificadas de acordo com a profundidade da lesão tecidual. Sendo essa característica responsável por determinar o potencial de cicatrização e a necessidade de enxerto cirúrgico. As feridas por queimaduras geralmente não são uniformes em profundidade e muitas apresentam uma mistura de componentes profundos e superficiais. Uma avaliação precisa da profundidade pode ser difícil inicialmente, pois as feridas são dinâmicas e podem progredir e converter-se em férias mais profundas e portanto podem levar vários dias para a determinação final. - Primeiro grau: queimaduras superficiais ou epidérmicas envolvem apenasa camada epidérmica da pele. Eles não causam bolhas, mas são dolorosos, secos, vermelhos e empalidecem com a pressão. Nos próximos dois a três dias, a dor e o eritema diminuem e, aproximadamente, no dia 4, o epitélio lesionado se afasta da epiderme recém-cicatrizada. Este processo é comumente visto em queimaduras solares. - Segundo grau: queimaduras de espessura parcial envolvem a epiderme e porções da derme. Eles são caracterizados como superficiais ou profundos: → Superficial: formam bolhas dentro de 24 horas entre a derme e a epiderme. São dolorosas, vermelhas e empalidecem com a pressão. Queimaduras que inicialmente parecem ser apenas epidérmicas em profundidade podem se determinadas como espessura parcial 12-24 horas depois. s. Essas queimaduras geralmente curam em 7 a 21 dias; cicatrizes são incomuns, embora possam ocorrer alterações de pigmento. Uma camada de exsudato fibrinoso e detritos necróticos pode se acumular na superfície, o que pode predispor a ferida de queimadura à colonização bacteriana pesada e à cicatrização retardada. Essas queimaduras geralmente curam sem comprometimento funcional ou cicatrizes hipertróficas. 3 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA/INTERNATO Rodízio Cirurgia →Profunda: se estendem até a derme mais profundamente e são diferentes das queimaduras de espessura parcial. Queimaduras profundas danificam os folículos capilares e o tecido glandular. Elas são dolorosas apenas por pressão, quase sempre com bolhas (facilmente abertas), são úmidas ou secas por cera e apresentam coloração manchada variável, de branco irregular a branco. Eles não empalidecem com a pressão. Se a infecção for evitada e as feridas puderem cicatrizar espontaneamente sem enxertia, elas serão curadas em duas a nove semanas. Essas queimaduras invariavelmente causam cicatrizes hipertróficas. Se envolverem uma articulação, espera-se uma disfunção articular mesmo com fisioterapia agressiva. - Terceiro grau: se estende através e destroem todas as camadas da derme e geralmente danificam o tecido subcutâneo subjacente. A presença de escaras, a derme morta e desnaturada, geralmente está intacta. A escara pode comprometer a viabilidade de um membro ou tronco, se circunferencial. As queimaduras de espessura total são geralmente anestésicas ou hipoestéticas. Os cabelos podem ser facilmente retirados dos folículos capilares. Vesículas e bolhas não se desenvolvem. Sem cirurgia, essas feridas cicatrizam por contratura da ferida com reepitalização em torno das bordas da ferida. A cicatrização é grave com contraturas; a cura espontânea completa não é possível. - Quarto grau: são lesões profundas e potencialmente fatais que se estendem através da pele até os tecidos moles subjacentes e podem envolver músculos e/ou ossos. • Cálculo de superfície corpórea Uma estimativa completa e precisa do tamanho da queimadura é essencial para orientar a terapia e determinar quando transferir um paciente para o centro de queimadura. Os locais das áreas queimadas de segundo e de terceiro grau são registrados em um diagrama de queima. Presume-se que queimaduras com aparência compatível com segundo grau profunda ou terceiro grau sejam de terceiro grau até que seja possível uma diferenciação precisa. • Métodos de estimativa Os dois métodos mais usados para avaliar a porcentagem de SCQ em adultos são o gráfico de Lund-Browder e a regra dos noves. - O método de Lund-Browder é utilizado para estimar a SCQ para adultos e crianças. As crianças tem cabeças proporcionalmente maiores e extremidades inferiores menores, portanto a porcentagem de SCQ é estimada com mais precisão usando o gráfico de Lund- Browder. Se liga! Queimaduras superficiais ou seja de primeiro grau não estão incluídas na avaliação percentual de queima de SCQ. 4 Larissa Maria Miranda Santana MEDICINA/INTERNATO Rodízio Cirurgia - Regra dos Nove: para avaliação de adultos, o método mais utilizado para estimar a SCQ é a regra dos 9: A cabeça representa 9%, cada braço representa 9%, cada perna representa 18%, o tronco anterior e posterior representa 18%, genitália representa 1% • Tratamento É preciso ter em mente que o tratamento de pacientes queimados é complexo e longo. Se inicia com o primeiro atendimento, que será baseado na estabilização do paciente e na correção dos distúrbios hidroeletrolíticos decorrentes das perdas volêmicas após a quebra da barreira da pele e exposição de capilares; até a correção das complicações geradas como infecções e contraturas. 1. Estabilização É preciso realizar um exame físico minucioso para que possamos identificar a gravidade das lesões e calcular a SCQ queimada, o que irá orientar na correção hídrica do paciente, já que a reposição volêmica adequada é crucial no tratamento. Recomenda-se uma reposição inicial de volume nas primeiras 24 hrs de 2ml de ringer x peso do paciente (kg) x SCQ. Metade do peso infundido nas primeiras 8 hrs, a contar do momento do acidente e a outra metade nas 16 hrs subsequentes. Um volume insuficiente resulta em hipoperfusão e lesão orgânica, por outro lado, uma infusão excessiva de líquidos pode agravar o edema, fenômeno que tem como consequências a progressão da queimadura para planos mais profundos ou a síndrome compartimental de abdome ou extremidades. 2. Cicatrização Pacientes que apresentem queimadura de primeiro grau irão apenas precisar de hidratação da pele, já que a lesão se restringe a epiderme. No caso de pacientes com queimaduras de segundo grau superficial, onde existe um acometimento até a derme papilar, é preferível a realização de enxertos de pele parciais após o desbridamento de toda a região acometida, assim, o paciente irá apresentar uma menor contratura e alterações estéticas da região acometida. Quando existe acometimento da derme total, chegando ao subcutâneo, o organismo não será mais capaz de realizar uma cicatrização eficiente, já que os anexos dérmicos e sua reserva epitelial estão destruídos. Nessas situações, é preferível a utilização de retalhos cutâneos para prevenir o surgimento de contraturas e deformidades na pele do paciente. • Complicações A depender do tipo, do local e da forma que foi realizado o tratamento da queimadura, ele pode evoluir com algumas complicações como contraturas e infecções. Em regiões de grande mobilidade, como articulações e pescoço é preciso ficar atendo para o surgimento de contraturas, o cirurgião deve fazer enxertos e retalhos para impedir a reepitelização. Após a queimadura a barreira de proteção que a pele confere é perdida, permitindo o extravasamento de nutrientes para o meio externo, criando um local propício para colonização bacteriana e posterior surgimento de infecções. Os organismos predominantes são S. aureus, Enterococus, Pseudomonas aeruginosa e E.coli. Tratamento com Sulfadiazina de prata tópica em 1% nas feridas.
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