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Arteriosclerose e Aterosclerose SUMÁRIO 1. Introdução ..........................................................................................................3 2. Células da parede vascular e a resposta vascular estereotipada a lesões ...........3 3. Arteriosclerose ...................................................................................................7 4. Aterosclerose .....................................................................................................9 Referências bibliográficas ............................................................................................... 19 Arteriosclerose e aterosclerose 3 1. INTRODUÇÃO O sistema de vasos sanguíneos garante a boa circulação sanguínea pelo orga- nismo, fornecendo oxigênio e nutrientes para os tecidos. Por isso, sua integridade é fundamental. A lesão da parede dos vasos afeta principalmente as células endote- liais, ou seja, aquelas que revestem os vasos internamente. Tais lesões podem ser causadas por fatores bioquímicos, imunológicos e hemodinâmicos. Além das célu- las endoteliais, as células musculares dos vasos sanguíneos também desempenham importante papel na instalação de patologias vasculares. A integridade funcional dessas células é vital para que a resposta vascular aos estímulos ocorra, podendo ser adaptativa ou mesmo gerar a lesão celular. A lesão endotelial favorece diversos processos patológicos, como trombose, ate- rosclerose e lesões vasculares hipertensivas. A proliferação de células musculares lisas e a síntese da matriz extracelular podem ajudar no reparo dos dados causados na parede vascular, mas também podem evoluir para a oclusão luminal. Esses pro- cessos induzem a arteriosclerose, que consiste no endurecimento do vaso, que pode se apresentar em diferentes padrões, sendo um deles a aterosclerose. ARTERIOSCLEROSE E ATEROSCLEROSE CÉLULAS ENDOTELIAIS LESÃO ENDOTELIAL CÉLULAS MUSCULARES LISAS FATORES IMUNOLÓGICOSFATORES BIOQUÍMICOS FATORES HEMODINÂMICOS 2. CÉLULAS DA PAREDE VASCULAR E A RESPOSTA VASCULAR ESTEREOTIPADA A LESÕES Os principais componentes dos vasos sanguíneos são as células endoteliais e as células musculares lisas. O endotélio vascular é fundamental para a manutenção da hemostasia do vaso e a função circulatória. As células endoteliais possuem os corpúsculos de Weibel-Palade, organelas de armazenamento intracelulares ligados à membrana para o fator de won Willebrand (FvW). Anticorpos contra este fator e/ Arteriosclerose e aterosclerose 4 ou moléculas de adesão celular endotelial às plaquetas-1 (PECAM-1 ou CD31 – pro- teína localizada nas junções interendoteliais) podem ser usados para identificar as células endoteliais de modo imuno-histoquímico. Por suas propriedades sintéticas e metabólicas, o endotélio vascular garante a hemostasia e mantém uma interface sangue-tecido não trombogênica (exceto quando sofre lesões), modula a resistência vascular, metaboliza hormônios, regula reações inflamatórias e afeta o crescimento de outros tipos celulares, principalmente do músculo liso. Na maior parte das regiões, as junções interendoteliais são impermeáveis, mas elas podem se afrouxar em resposta a fatores hemodinâmicos, como aumento da pressão, ou a agentes vasoativos, como a histamina em reações inflamatórias, favorecendo a inundação dos tecidos por eletrólitos, proteínas e leucócitos, nos estados inflamatórios. As células endoteliais intactas respondem aos estímulos ajustando suas funções e expressando propriedades adquiridas, processo chamado de ativação endotelial. Se liga! A disfunção endotelial é um fenótipo alterado que com- promete a vasorreatividade ou induz uma superfície trombogênica ou anor- malmente adesiva às células inflamatórias. Ela é responsável, em parte, pelo início da formação de trombo, aterosclerose e lesões vasculares da hiperten- são e outros transtornos. Alguns tipos de disfunção endotelial têm início rápi- do (minutos), são reversíveis e independentes da síntese de novas proteínas (contração de células endoteliais induzida pela histamina e outros mediadores vasoativos que causem solução de continuidade do endotélio venular); mas outras mudanças incluem alterações da expressão genética e da síntese de proteínas, e pode demorar horas ou dias para se desenvolverem. Já as células musculares lisas têm a capacidade de proliferar, quando estimula- das, e sintetizar colágeno da MEC, elastina e proteoglicanos, bem como fatores de crescimento e citocinas. Essas células também são responsáveis pela vasoconstri- ção ou dilatação que ocorre em resposta a estímulos fisiológicos ou farmacológicos. As atividades migratórias e proliferativas dessas células são reguladas por promo- tores e inibidores do crescimento. Os promotores incluem PDGF, endotelina-1, trom- bina, fator de crescimento de fibroblastos (FGF), IFN-γ e IL-1. Os inibidores incluem heparan-sulfatos, NO e TGF-β. Além disso, há outros reguladores, como o sistema renina-angiotensina, catecolaminas, receptor de estrogênio e osteopontina (compo- nente da MEC). Por consistirem em um sistema dinâmico, os vasos sanguíneos apresentam ca- pacidade de responder aos insultos recebidos através de mecanismos do endotélio e das células musculares. O endotélio responde aos insultos por meio da aquisição Arteriosclerose e aterosclerose 5 de fenótipo ativado, enquanto as células musculares passam por processos de proliferação e produção de componentes da MEC (matriz extracelular) e fatores de crescimento. Em condições normais, o endotélio é exposto a uma normotensão, ao fluxo la- minar sanguíneo e à circulação de fatores de crescimento, como VEGF (fator de crescimento endotelial vascular). Isso promove um estado basal com superfície não adesiva do endotélio e, com isso, não trombogênica. Porém, quando exposto a con- dições lesivas, como fluxo sanguíneo turbulento, hipertensão, citocinas, infecções, tabagismo, fatores do sistema complemento, produtos bacterianos, produtos lipídi- cos, hipóxia, acidose e produtos finais da glicação avançada, o endotélio é ativado. Com isso, há um aumento na expressão de proteínas pró-coagulantes, moléculas de adesão e fatores pró-inflamatórios, bem como expressão alterada de quimioci- nas, citocinas e fatores de crescimento. Figura 1: Fluxo laminar e fluxo turbulento. Fonte: FisBioFacil/Shutterstock.com Após a lesão endotelial, a parede vascular também reage. Isso ocorre com o recru- tamento de células musculares lisas ou precursores para a íntima lesada, os quais se proliferam. Ou seja, as células endoteliais também influenciam na vasorreativi- dade das células musculares lisas adjacentes, a partir da produção de fatores rela- xantes, como o óxido nítrico (NO), e fatores de contração, como a endotelina. Essas células musculares lisas possuem características diferentes das células musculares da camada média do vaso: não apresentam capacidade contrátil, porém, são capa- zes de produzir componentes da MEC, que, em conjunto com a proliferação celular, deflagram um processo semelhante ao da cicatrização de feridas pelos fibroblastos. Com isso, há a formação de uma nova camada íntima (neoíntima) e consequente espessamento da parede vascular. Quando essa resposta vascular a insultos é dis- funcional ou inadequada, são estabelecidas patologias como a aterosclerose. Acreditava-se que as células da neoíntima eram originadas a partir da desdi- ferenciação das células musculares lisas da túnica média, porém, atualmente há evidências de que pelo menos um subconjunto é derivado das células precurso- ras circulantes. As atividades migratórias, proliferativas e sintéticas das células Arteriosclerose e aterosclerose 6 musculares lisas são reguladas pelos fatores de crescimento e pelas citocinas pro- duzidas pelas plaquetas, macrófagos e pelo próprio endotélio, além do estímulo ge- rado pela ativação dos fatores de coagulação e do sistema complemento. Após restauração e/ou normalização da camada endotelial,as células muscula- res lisas da íntima retornam a um estado não proliferativo, mas, antes, a resposta cicatricial causa espessamento irreversível da íntima. Por isso, agressões recorren- tes geram o espessamento excessivo, causando complicações como estenose de pequenos e médios vasos (como ocorre na aterosclerose). Porém, vale pontuar que o espessamento da íntima também faz parte do envelhecimento fisiológico, embora as alterações geradas pela idade normalmente não causem consequências pato- lógicas, uma vez que a remodelação compensatória exterior dos vasos resulta em pequenas modificações no diâmetro luminal. Figura 2: Resposta vascular à lesão. Fonte: Autoria própria Arteriosclerose e aterosclerose 7 PAREDE VASCULAR E RESPOSTA À LESÃO CÉLULAS ENDOTELIAIS CÉLULAS MUSCULARES LISAS FATOR DE WON WILLENBRAND SÍNTESE DE COLÁGENO DA MEC DISJUNÇÃO ENDOTELIAL SÍNTESE DE CITOCINAS JUNÇÕES INTERENDOTELIAIS IMPERMEÁVEIS SÍNTESE DE ELASTINA RECRUTAMENTO DE PROTEÍNAS E LEUCÓCITOS PROLIFERAÇÃO DAS CÉLULAS MUSCULARES LESÃO ENDOTELIAL 3. ARTERIOSCLEROSE O termo arteriosclerose significa, literalmente, “endurecimento das artérias”. Assim, a arteriosclerose é uma condição caracterizada pelo endurecimento da pare- de vascular, gerada pelo espessamento e pela perda da elasticidade da parede arte- rial. Existem três padrões de arteriosclerose: arterioloesclerose, esclerose medial de Monckeberg e aterosclerose. Na arterioloesclerose, pequenas artérias e arteríolas são afetadas e pode ocor- rer lesão isquêmica distal. Esse padrão tem duas variantes, hialina ou hiperplásica, que se associam à hipertensão arterial e afetam pequenos vasos, com capacidade de causar isquemia à jusante do ponto de obstrução. Na arterioloesclerose hialina, ocorre uma hialinização (transformação de proteínas intra e extracelulares em mate- rial homogêneo vítreo ou róseo) homogênea da parede vascular. A hipertensão acelera a aterogênese e provoca alterações degenerativas nas paredes arteriais de médio e grande calibre, o que pode gerar dissecção da aorta e hemorragia cerebrovascular. A arteriosclerose hialina está associada à hiper- tensão benigna, que consiste na pressão elevada. Nesse padrão, há um espessa- mento hialino homogêneo da parede arteriolar, com perda de detalhes estruturais subjacentes e estreitamento luminal associado. Essas alterações são geradas pelo extravasamento dos componentes do plasma pelas células endoteliais lesadas e Arteriosclerose e aterosclerose 8 pelo aumento da produção da MEC pelas células musculares lisas em resposta ao estresse hemodinâmico. Figura 3: Em A, arteriosclerose hialina. Em B, arteriosclerose hiperplásica. Fonte: Autoria própria A arteriosclerose de Monckeberg, é caracterizada pela calcificação na camada mé- dia vascular em artérias musculares, mas em geral não é clinicamente significante, pois normalmente as lesões não invadem a luz dos vasos. Esse padrão ocorre com maior frequência em indivíduos maiores de 50 anos. Já a aterosclerose, padrão mais frequente e clinicamente mais importante, será descrita adiante. Há ainda a hiperplasia fibromuscular intimal, outro tipo de arteriosclerose mais raro que ocorre quando a lesão é rica em células musculares lisas e MEC, mas não inclui o componente lipídico presente na aterosclerose. Acomete normalmente arté- rias musculares e está associada a algumas condições específicas de inflamação ou trauma, como pós-arterite, arteriopatia associada a transplantes e re-estenose pós-stent. Arteriosclerose e aterosclerose 9 ARTERIOSCLEROSE CALCIFICAÇÃO DA CAMADA MÉDIA DE ARTÉRIAS MUSCULARES INFLAMAÇÃO/TRAUMA HIALINAHIPERPLÁSICA HIALINIZAÇAO DA PAREDE VASCULARHAS LESÃO RICA EM CÉLULAS MUSCULARES LISAS E MEC HIPERTENSÃO BENIGNAPEQUENOS VASOS ATEROSCLEROSE HIPERPLASIA FIBROMUSCULAR INTIMAL ESCLEROSE MEDIAL DE MONCKEBERG ARTERIOLOSCLEROSE 4. ATEROSCLEROSE A aterosclerose é caracterizada pela presença das placas ateroscleróticas, tam- bém chamadas de ateromas, lesões intimais elevadas compostas por centro mole e grumoso de lipídios, principalmente colesterol e ésteres de colesterol, com restos necróticos. Essas lesões geram redução do lúmen vascular e têm risco de ruptura, evoluindo para trombose catastrófica dos vasos; além disso, enfraquecem a camada média vascular e provocam a formação de aneurismas. A aterosclerose é a base da doença cardiovascular, da doença cerebrovascular e da doença vascular periférica, e cerca da metade de todas as mortes é atribuída a essa patologia. Entre as doenças cardiovasculares, destaca-se ainda a doença isquêmica do coração. A aterosclerose é uma doença praticamente onipresente entre todas as nações mais desenvolvidas, sendo menos prevalente nas Américas Central e do Sul, África e partes da Ásia. A prevalência e a severidade da aterosclerose e da doença isquêmica do coração foram correlacionadas com muitos fatores de risco em várias análises prospectivas, alguns fatores constitucionais e outros adquiridos ou relacionados a comportamentos modificáveis. Esses fatores de risco têm efeitos multiplicativos sig- nificativos; assim, a presença de dois fatores de risco aumenta a chance de infarto do miocárdio em quatro vezes, por exemplo, e a presença de três fatores aumenta a chance em sete vezes. Arteriosclerose e aterosclerose 10 Figura 4: Formação da placa de ateroma ao longo dos anos. Fonte: logika600/Shutterstock.com Existem diversos fatores de risco para a aterosclerose, que podem ser não mo- dificáveis ou modificáveis. Entre os não modificáveis estão anormalidades genéti- cas, histórico familiar, idade avançada e sexo masculino, quando comparado com mulheres em menopausa. Os antecedentes familiares são o principal fator de risco independente para a aterosclerose, sendo que alguns distúrbios mendelianos são intensamente associados à aterosclerose, como a hipercolesterolemia familiar. Porém, o maior risco associado aos antecedentes familiares tem relação com ca- racterísticas poligênicas, como hipertensão e diabetes. Em relação à idade, as le- sões da aterosclerose permanecem, em sua maioria, silenciosas até que o indivíduo chegue à meia-idade ou mais tarde, por isso, a incidência de infarto do miocárdio aumenta cinco vezes entre as idades de 40 e 60 anos. Por fim, sobre o fator gênero, as mulheres no período pré-menopausa são relativamente protegidas contra a ate- rosclerose quando comparadas a homens da mesma faixa etária, portanto, infarto do miocárdio e outras complicações da aterosclerose são incomuns em mulheres em pré-menopausa sem outros fatores associados, como diabetes, hiperlipidemia ou hipertensão severa. Porém, com o avanço da idade, após a menopausa, os riscos para IAM aumentam, mas ainda é maior entre homens. Além da aterosclerose, o gê- nero também interfere em alguns fatores que podem influenciar as consequências das doenças isquêmicas do coração, como hemostasia, cura do infarto e remodela- ção do miocárdio. Arteriosclerose e aterosclerose 11 Se liga! Sabe-se que o estrógeno na fase pré-menopausa é o fator protetor que explica as diferenças sexuais para os riscos de doenças as- sociadas à aterosclerose. Porém, os estudos clínicos não conseguiram com- provar benefício da terapia hormonal para prevenção da doença vascular. Ao contrário, a reposição do estrógeno pós-menopausa aparentemente aumenta o risco de doença cardiovascular. Já os fatores de risco modificáveis incluem hiperlipidemia, tabagismo, hiperten- são, diabetes e condições inflamatórias. A hiperlipidemia e, mais especificamente, a hipercolesterolemia, é o fator de risco fundamental para o desenvolvimento da aterosclerose, sendo suficiente para gerar lesões sem outros fatores de risco. O principal componente do colesterol associado a esse risco é o LDL (colesterol com lipoproteína de baixa densidade), popularmente conhecido como “mau colesterol”. O LDL é a forma de colesterol distribuída nos tecidos periféricos, diferentementedo HDL (lipoproteína de alta densidade), que mobiliza as placas de colesterol em desen- volvimento e as transporta para o fígado para que sejam excretadas pela via biliar – por isso os maiores níveis de HDL são associados a menores riscos de ateroscle- rose. Além do LDL e HDL, os níveis da lipoproteína (a), partícula semelhante ao LDL que contém a apolipoproteína B-100 ligada à apolipoproteína A, estão relacionados com o risco de doenças coronarianas e cerebrovasculares, independentemente dos níveis de colesterol total ou LDL. A hipertensão, por si só, aumenta cerca de 60% o risco de doença isquêmica do coração. Além de provocar diretamente a lesão endotelial, também é a principal cau- sa de hipertrofia ventricular esquerda, que contribui para a isquemia do miocárdio. O diabetes melitus, por sua vez, está relacionado com a elevação dos níveis circulantes de colesterol e, por isso, aumenta de forma significativa o risco de aterosclerose. Permanecendo outros fatores constantes, a incidência de infarto é duas vezes maior entre diabéticos e, além disso, essa doença está relacionada com o maior risco para acidente vascular cerebral e com o aumento de 100 vezes da probabilidade de os membros inferiores sofrerem gangrena induzida por aterosclerose. O tabagismo é um fator de risco muito estudado entre homens, mas provavelmen- te também contribui para o aumento da incidência e da severidade da aterosclerose em mulheres. O tabagismo prolongado, ou seja, o consumo por anos, de um maço ou mais de cigarros por dia duplica a taxa de mortalidade relacionada com a doença isquêmica do coração, enquanto a interrupção do hábito reduz este risco. Arteriosclerose e aterosclerose 12 Saiba mais! O conhecimento sobre os fatores positivos e ne- gativos do HDL e do LDL, respectivamente, estimulou o desenvolvimento de abordagens dietéticas e farmacológicas, que incluem a adoção de dieta com baixo teor de colesterol e/ou com maiores proporções de gorduras poli-insatu- radas, para reduzir o nível plasmático de colesterol; maior consumo de ácidos graxos ômega-3 (presentes em óleos de peixe), que agem contrariamente às gorduras trans (insaturadas) produzidas por hidrogenação artificial de óle- os poli-insaturados, os quais afetam adversamente os perfis de colesterol. Também se mostrou importante a prática de exercício físico e o consumo moderado de etanol, que elevam os níveis de HDL, enquanto a obesidade e o tabagismo os reduzem. Em relação aos fármacos, as estatinas são uma classe de medicamentos amplamente utilizados para redução dos níveis de colesterol circulantes, pois inibem a hidroximetilglutaril coenzima A (HMG-CoA) redutase, que é a enzima limitante da biossíntese hepática do colesterol. Além dos fatores de risco já apresentados, há alguns fatores de risco adicionais. Cerca de 20% dos eventos vasculares ocorrem sem nenhum fator de risco identifi- cável; por exemplo, entre mulheres saudáveis, cerca de 75% dos eventos cardiovas- culares ocorrem naquelas com níveis de LDL inferior a 160 mg/dl (nível considerado de baixo risco). Outros fatores de risco incluem a inflamação, visto que as células inflamatórias estão presentes em todas as etapas da formação e progressão da placa de ateroma, sendo que a proteína C reativa (PCR) se destacou como um dos mais simples e mais sensíveis marcadores da inflamação sistêmica. A PCR é sin- tetizada na fase aguda da inflamação, principalmente pelo fígado, em resposta a diversas citocinas inflamatórias. Localmente, a PCR é sintetizada por células dentro das placas de ateroma, podendo ativar células endoteliais, aumentando sua adesi- vidade e induzindo um estado pró-trombótico. Assim, os níveis séricos de PCR pre- dizem forte e independentemente o risco de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, doença arterial oclusiva periférica, morte cardíaca súbita, mesmo entre indivíduos aparentemente saudáveis. Além disso, apesar de não existirem evidên- cias de que a diminuição da PCR diminui o risco de doença cardiovascular, a PCR é reduzida com o abandono do tabagismo, perda de peso e exercício físico. Ainda, as estatinas reduzem os níveis de PCR independentemente dos seus efeitos redutores sobre o LDL-colesterol, sugerindo a ação anti-inflamatória desse agente. Arteriosclerose e aterosclerose 13 Saiba mais! Níveis de homocisteína foram correlacionados com aterosclerose coronariana, doença vascular periférica, acidente vascular cere- bral e trombose venosa. A homocisteinúria causada por erros inatos raros do metabolismo eleva a circulação da homocisteína (superior a 100 µmol/L) e es- tá relacionada com o aparecimento precoce de doença vascular. Os níveis ele- vados desse aminoácido podem ser causados pelo baixo consumo de folato e vitamina B12, porém a ingestão suplementar dessas vitaminas não influencia na incidência de doença cardiovascular. A síndrome metabólica, associada à obesidade central, é caracterizada pela re- sistência à insulina, hipertensão, dislipidemia (LDL elevado e HDL reduzido), hiper- coagulabilidade e estado inflamatório, que pode ser desencadeado por liberação de citocinas pelos adipócitos. A dislipidemia, a hiperglicemia e a hipertensão são fatores de risco para doenças cardíacas; por outro lado, a hipercoagulabilidade sistê- mica e o estado pró-inflamatório podem contribuir para a disfunção endotelial e/ou trombose. Os níveis elevados de pró-coagulantes são importantes fatores de risco para os principais eventos cardiovasculares. A ativação excessiva da trombina, que deflagra o processo inflamatório através da clivagem dos receptores ativados por protease (PARs) em leucócitos, endotélio e outras células, pode ser particularmente aterogênica. As placas de ateroma são compostas por um centro necrótico, no qual estão presentes debris celulares, cristais de colesterol, células xantomizadas e cristais de cálcio. Esse centro necrótico é revestido por uma capa fibrosa, formada por células musculares lisas, colágeno, elastina, proteoglicanos, além de uma neovascularização na periferia. A formação da placa de ateroma, que consiste em uma resposta inflamatória crônica, ocorre através dos seguintes eventos patogênicos: lesão endotelial, acú- mulo de lipoproteínas, adesão plaquetária, adesão de monócitos ao endotélio (os quais se diferenciam em células espumosas), acúmulo de lipídios, recrutamento de células musculares lisas, proliferação de células musculares lisas e produção da MEC. Assim, a aterogênese se inicia com a lesão endotelial crônica, pelas injúrias já descritas como a hiperlipidemia, hipertensão, tabagismo, homocisteína, fatores hemodinâmicos, toxinas, infecções e reações imunes. Essas lesões geram uma dis- função endotelial, com preferência por locais de fluxo sanguíneo turbulento, como óstios, bifurcações e aorta abdominal. Arteriosclerose e aterosclerose 14 Figura 5. Etapas da formação da placa de ateroma. Fonte: Autoria própria Arteriosclerose e aterosclerose 15 Após a lesão endotelial, ocorre o acúmulo de lipoproteínas, principalmente LDL oxidado e cristais de colesterol na parede dos vasos. Segue a adesão plaquetária, a partir da ativação do fator de won Willebrand (vWF) e da glicoproteína plaquetária Gp1b, aumentando a adesividade das plaquetas. Os monócitos se convertem em macrófagos teciduais xantomizados (células espumosas), pois fagocitam as partí- culas de gordura na parede vascular. Além disso, há o recrutamento e a proliferação de células musculares lisas e a produção da matriz extracelular, formando um ate- roma fibrogorduroso. Figura 6: Placa ateromatosa. Fonte: Blamb/Shutterstock.com A aterosclerose possui um espectro de alterações, mais e menos graves. Um de- les são as estrias gordurosas, máculas amareladas, alongadas e coalescentes forma- das pelo acúmulo de macrófagos xantomizados subintimais, e seu início é precoce, podendo ser identificadas em crianças com menos de um ano de idade. Outro espectro são as placas ateroscleróticas, lesõeselevadas esbranquiçadas ou amareladas que podem apresentar ulceração ou trombose. Microscopicamente, é observada uma capa fibrosa e core necrótico com lipídios, macrófagos xantomi- zados, células musculares lisas e células musculares inflamatórias. Na periferia Arteriosclerose e aterosclerose 16 dessas lesões, também são observadas áreas de revascularização e calcificações basofílicas distróficas. As placas ateroscleróticas podem ser vulneráveis ou estáveis, o que determina seu risco maior ou menor de ruptura. A placa vulnerável possui uma capa fibrosa fina e um core lipídico espesso, além de bastante inflamação associada. Já a capa está- vel apresenta uma capa fibrosa espessa e um core lipídico menor proeminente, além de menos inflamação associada. Saiba mais! A doença isquêmica do coração é causada, nor- malmente, por obstrução ou estenose de uma ou mais artérias coronárias por placas ateromatosas. Essa obstrução pode gerar isquemia ou infarto do mio- cárdio, com sintomas associados de angina, isquemia, remodelação miocárdi- ca, insuficiência cardíaca, arritmias, e até morte. A angina pectoris, na maioria dos casos, é consequência de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda, resultando em aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e da con- tratilidade. Porém, como as artérias estenóticas não conseguem atender esse aumento de demanda, é gerado um desconforto torácico, a angina, que pode ser, basicamente, estável ou instável. A aterosclerose gera como consequências, com seu crescimento progressivo e promoção da estenose, a isquemia crônica em determinados tecidos, além de gerar a angina estável no coração. No caso de ruptura, ulceração ou erosão da placa, ocor- re a exposição de superfície trombogênica e consequente trombose, ou ocorre uma hemorragia intraplaca, aumentando o volume da placa. Esse aumento de volume também pode causar obstrução vascular, com isquemia súbita. Em relação à evolução dessa condição, a aterosclerose, na fase pré-clínica, leva uma artéria normal a desenvolver uma estria gordurosa, que eventualmente se torna a placa ateromatosa. Se os fatores de risco não forem controlados, essa placa pode avançar para uma placa vulnerável. Na fase clínica, essa placa vulnerável (ou avança- da) pode gerar oclusão por trombose, estenose crítica ou aneurisma e ruptura. Isso é outra consequência da aterosclerose: aneurismas da aorta abdominal e das artérias ilíacas comuns. Esses aneurismas são causados pelo enfraquecimento da parede vascular, graças à degradação de tecido conjuntivo da parede vascular adjacente às placas por causa da inflamação e da restrição ao fluxo de nutrientes por difusão para a musculatura lisa. Isso gera obstrução de ramos vasculares, tromboembolismo e ruptura. Arteriosclerose e aterosclerose 17 Figura 7: Evolução da placa ateromatosa Fonte: Blamb/Shutterstock.com ATEROSCLEROSE 1. LESÃO ENDOTELIAL 3. ATIVAÇÃO DE MACRÓFAGOS TROMBOSE ESTATINAS 2. ACÚMULO DE LIPOPROTEÍNAS 4. RECRUTAMENTO DE CÉLULAS MUSCULARES LISAS DISSECÇÃO AÓRTICA CONTROLE DA INFLAMAÇÃO 5. PROLIFERAÇÃO DE C. MUSCULARES LISAS E SÍNTESE DE MEC OBSTRUÇÃO VASCULAR MAIS HDL E MENOS LDL NA DIETA ETAPAS DA FORMAÇÃO DO ATEROMA MODIFICÁVEISNÃO MODIFICÁVEIS ADICIONAIS IDADE AVANÇADA HOMOCISTEÍNAHAS TABAGISMO HERANÇA GENÉTICA SÍNDROME METABÓLICADM CONDIÇÕES INFLAMATÓRIAS SEXO MASCULINO PCRHIPERLIPIDEMIA TRATAMENTOFATORES DE RISCOEVOLUÇÃO ESPECTRO DE ALTERAÇÕES ESTRIAS GORDUROSAS PLACAS ATEROSCLERÓTICAS Arteriosclerose e aterosclerose 18 ARTERIOSCLEROSE ATEROSCLEROSE HIALINA/HIPERPLASIA IDADE AVANÇADA HAS HERANÇA GENÉTICA SEXO MASCULINO TABAGISMO ESCLEROSE MEDIAL DE MONCKEBERG ESTRIAS GORDUROSAS PLACAS ATEROSCLERÓTICAS ENDURECIMENTO VASCULARARTERIOSCLEROSE FATORES DE RISCO PROLIFERAÇÃO DE C. MUSCULARES LISAS E SÍNTESE DE MEC ACÚMULO DE LIPOPROTEÍNASATIVAÇÃO DE MACRÓFAGOS HIPERPLASIA FIBROMUSCULAR INTIMAL Arteriosclerose e aterosclerose 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Kumar V, et. al. Bases patológicas das doenças. 9. ed. Elsevier; 2013. Brasileiro Filho G. Bogliolo: Patologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2006. sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770
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