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@resumosdamed_ 1 CIRROSE HEPÁTICA FISIOPATOLOGIA REVER A FISIOLOPATOLOGIA DA ICTERÍCIA, COM RELAÇÃO À PRODUÇÃO DAS BILIRRUBINAS, E COMPREENDER AS SUAS ALTERAÇÕES RELACIONADAS ÀS HEPATOPATIAS. Icterícia é uma coloração amarelada dos tecidos do corpo resultante da deposição de bilirrubina. A deposição de bilirrubina nos tecidos ocorre apenas quando há hiperbilirrubinemia sérica e é um sinal de doença hepática ou, o que é menos comum, de um distúrbio hemolítico ou do metabolismo da bilirrubina. A bilirrubina – um pigmento tetrapirrólico – é um produto da degradação do heme (ferroprotoporfirina IX). Cerca de 80 a 85% da quantidade total de 4 mg/kg de peso corporal de bilirrubina produzida diariamente são derivados da decomposição da hemoglobina das hemácias senescentes. O restante provém de células eritroides destruídas prematuramente na medula óssea e do turnover das hemoproteínas, como a mioglobina e os citocromos, encontradas nos tecidos corporais. A formação da bilirrubina ocorre nas células reticuloendoteliais, principalmente no baço e fígado. o 1ª reação: Catalisada pela enzima microssômica hemeoxigenase, cliva por reação oxidativa a ponte alfa do grupo porfirina e abre o anel do heme. Os produtos dessa reação são biliverdina, monóxido de carbono e ferro. o 2ª reação: Catalisada pela enzima citosólica biliverdina-redutase, reduz a ponte de metileno central da biliverdina e a converte em bilirrubina. A bilirrubina formada nas células reticulo endoteliais é praticamente insolúvel em água em razão de uma ligação de hidrogênio interna firme entre a fração hidrossolúvel da bilirrubina – isto é, a ligação dos grupos carboxila de ácido propiônico na metade dipirrólica da molécula com os grupos imino e lactâmico da metade oposta. Essa configuração bloqueia o acesso de solventes aos resíduos polares da bilirrubina e coloca os resíduos hidrofóbicos voltados para fora. Para ser transportada no sangue, a bilirrubina deve estar solubilizada. A solubilização é obtida pela ligação não covalente reversível da bilirrubina à albumina. A bilirrubina não conjugada ligada a albumina é transportada ao fígado. Nesse órgão, a bilirrubina – mas não a albumina – é captada pelos hepatócitos por meio de um processo que, ao menos em parte, envolve transporte pela membrana mediado por carreador. Depois de entrar no hepatócito, a bilirrubina não conjugada é ligada no citosol a diversas proteínas, incluindo a superfamília da glutationa S- transferase. Essas proteínas atuam tanto para reduzir o efluxo de bilirrubina para o soro quanto para disponibilizá-la para conjugação. No retículo endoplasmático, a bilirrubina é tornada solúvel em água por conjugação com o ácido glicurônico – um processo que quebra as ligações internas de hidrogênio hidrofóbicas e forma monoglicuronídeo e diglicuronídeo de bilirrubina. A conjugação do ácido glicurônico com a bilirrubina é catalisada pela bilirrubina uridina-difosfato-glicuronosiltransferase (UDPGT). Os conjugados de bilirrubina, agora hidrofílicos, difundem-se do retículo endotelial para a membrana canalicular, onde o monoglicuronídeo e o diglicuronídeo de bilirrubina são ativamente transportados para dentro da bile canalicular por um mecanismo dependente de energia, que envolve a proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2). Uma parte dos glicuronídeos de bilirrubina é transportada para dentro dos sinusoides e para a circulação portal por meio da MRP3 e está sujeita à receptação pelo hepatócito por ação das proteínas 1B1 e 1B3 de transporte de ânions orgânicos sinusoidal (OATP1B1 e OATP1B3). @resumosdamed_ 2 A bilirrubina conjugada excretada dentro da bile drena para o duodeno e atravessa inalterada a parte proximal do intestino delgado. A bilirrubina conjugada não é reabsorvida pela mucosa intestinal em razão de sua hidrofobicidade e do seu peso molecular alto. Quando atinge a parte distal do íleo e o intestino grosso, a bilirrubina conjugada é hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas β-glicuronidases bacterianas. A bilirrubina não conjugada é reduzida pelas bactérias do intestino normal para formar um grupo de tetrapirrois incolores conhecidos como urobilinogênios e outros produtos, cuja composição e quantidades relativas dependem da flora bacteriana existente. Cerca de 80 a 90% desses produtos são excretados nas fezes, quer na forma inalterada, quer oxidados em derivados alaranjados denominados urobilinas. Os 10 a 20% restantes dos urobilinogênios entram no ciclo entero-hepático. Uma pequena fração (geralmente < 3 mg/dL) escapa da captação hepática e é filtrada pelos glomérulos renais, sendo excretada na urina. A excreção urinária aumentada de urobilinogênios pode ser causada pelo aumento da produção de bilirrubina, aumento da reabsorção hepática de urobilinogênio originado do cólon, ou eliminação hepática reduzida de urobilinogênio. A bilirrubina presente no soro representa um equilíbrio entre o estímulo decorrente da produção de bilirrubina e a remoção hepática/biliar do pigmento. A hiperbilirrubinemia pode resultar: 1. de produção excessiva de bilirrubina; 2. de deficiência na captação, conjugação ou excreção de bilirrubina; 3. de regurgitação da bilirrubina não conjugada ou conjugada a partir de hepatócitos ou ductos biliares danificados. O aumento na bilirrubina não conjugada no soro resulta de produção excessiva, da captação reduzida ou da conjugação da bilirrubina. O aumento na bilirrubina conjugada é causado por redução da excreção para dentro dos dúctulos biliares ou por extravasamento retrógrado do pigmento. CAUSAS DE ELEVAÇÃO ISOLADA DA BILIRRUBINA SÉRICA Hiperbilirrubinemia indireta (ou não conjugada): A. Distúrbios hemolíticos B. Eritropoiese ineficaz C. Produção aumentada de bilirrubina 1. Transfusão sanguínea maciça 2. Reabsorção de hematoma D. Fármacos 1. Rifampicina 2. Probenecida 3. Ribavirina 4. Inibidores da protease (atazanavir, indinavir) E. Doenças hereditárias 1. Sindrome de Crigler-Najjar tipos I e II 2. Síndrome de Gilbert Hiperbilirrubinemia direta (ou conjugada): A. Síndrome de Dubin-Johnson B. Síndrome de Rotor @resumosdamed_ 3 ELEVAÇÃO DA BILIRRUBINA SÉRICA COM OUTRAS ANORMALIDADES DOS EXAMES HEPÁTICOS DISTÚRBIOS HEPATOCELULARES QUE PODEM CAUSAR ICTER ÍCIA A. Hepatite viral 1. Hepatites A, B, C, D e E 2. Vírus Epstein-Barr 3. Infecção por citomegalovírus 4. Herpes-vírus simples B. Hepatite alcoólica C. Hepatopatia crônica e cirrose D. Toxicidade de fármacos 1. Previsível, dependente da dose (p. ex., paracetamol) 2. Imprevisível, idiossincrásica (p. ex., isoniazida) E. Toxinas ambientais 1. Cloreto de vinil 2. Chá da Jamaica – alcaloides pirrolizidínicos 3. Cava-cava 4. Cogumelos silvestres – Amanita phalloides, A. verna F. Doença de Wilson G. Hepatite autoimune DISTÚRBIOS COLESTÁTICOS QUE PODEM CAUSAR ICTER ÍCIA Intra-hepáticos A. Hepatite viral 1. Hepatite colestática fibrosante – hepatites B e C 2. Hepatite A, infecção pelo vírus Epstein-Barr, infecção por citomegalovírus A. Hepatite alcoólica B. Toxicidade de fármacos 1. Colestase pura – esteroides anabólicos e contraceptivos 2. Hepatite colestática – clorpromazina, estolato de eritromicina 3. Colestase crônica – clorpromazina e proclorperazina C. Colangite biliar primária D. Colangite esclerosante primária E. Síndrome dos ductos biliares evanescentes 1. Rejeição crônica de transplantes hepáticos 2. Sarcoidose 3. Fármacos F. Hepatopatia congestiva e hepatite isquêmica G. Doenças hereditárias 1. Colestase intra-hepática familiar progressiva 2. Colestase intra-hepática recorrente benigna H. Colestase da gravidez I. Nutrição parenteral total J. Sepse não hepatobiliar K. Colestase pós-operatóriabenigna L. Síndrome paraneoplásica M. Doença venoclusiva N. Doença do enxerto contra o hospedeiro O. Doença infiltrativa 1. Tuberculose 2. Linfoma 3. Amiloidose P. Infeccções 1. Malária 2. Leptospirose Extra-hepáticos A. Malignos 1. Colangiocarcinoma 2. Câncer pancreático 3. Câncer de vesícula biliar 4. Câncer ampular 5. Invasão neoplásica maligna dos linfonodos da porta hepática B. Benigno 1. Coledocolitíase 2. Estenoses biliares pós-operatórias 3. Colangite esclerosante primária @resumosdamed_ 4 4. Pancreatite crônica 5. Colangiopatia da Aids 6. Síndrome de Mirizzi 7. Doença parasitária (ascaridíase) COMPREENDER A FISIOPATOLOGIA DA CIRROSE HEPÁTICA E SUAS COMPLICAÇÕES (ENCEFALOPATIA HEPÁTICA, ASCITE, ICTERÍCIA E HEPATOCARCINOMA) DEFININDO QUADRO CLÍNICO, CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE CADA UMA DELAS: A cirrose, que pode ser o estágio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso caracterizado por fibrose e pela conversão do parênquima normal em nódulos estruturalmente anormais. Esses nódulos “regenerativos” perdem a organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo envolve o fígado e, de uma forma geral, é considerado irreversível. Embora a cirrose seja histopatologicamente um diagnóstico de “tudo ou nada”, ironicamente ela pode ser classificada como compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pela presença de ascite, sangramento/hemorragia varicosa, encefalopatia hepática ou icterícia, que são complicações resultantes das principais consequências da cirrose: hipertensão portal e insuficiência hepática. FISIOPATOLOGIA: A característica patogênica-chave subjacente à fibrose hepática e à cirrose é a ativação das células estreladas hepáticas. As células estreladas hepáticas, conhecidas como células de Ito ou células perissinusoidais, estão localizadas no espaço de Disse, entre os hepatócitos e as células endoteliais sinusoidais. A cirrose hepática está associada à inflamação e necrose do parênquima, levando a um total desarranjo de sua arquitetura, ou seja, as características patológicas consistem no desenvolvimento de fibrose até o ponto em que se observa distorção arquitetônica com formação de nódulos regenerativos. Isso resulta na diminuição da massa hepatocelular e, portanto, em sua função, assim como em uma alteração do fluxo sanguíneo. A indução da fibrose ocorre com a ativação de células estreladas hepáticas, resultando na formação de maior quantidade de colágeno e outros componentes da matriz extracelular, gerando distorção, compressão e oclusão tanto da vascularização hepática quanto do sistema de drenagem biliar. A fibrose no sítio das veias centrais, sinusoides e vasos portais interfere na hemodinâmica hepática, resultando em hipertensão portal, shunts porto- sistêmicos e diminuição do parênquima funcionante. Além disso, o acúmulo de tecido conectivo no espaço de Disse, impede a troca metabólica entre sangue e hepatócitos, resultando em disfunção celular. COMPLICAÇÕES: As duas consequências principais da cirrose são a hipertensão portal, acompanhada de um estado circulatório hiperdinâmico, e a insuficiência hepática. O desenvolvimento de varizes e ascite é uma decorrência direta da hipertensão portal e do estado circulatório hiperdinâmico, enquanto a icterícia resulta da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina (p. ex., insuficiência hepática). A encefalopatia se origina tanto da hipertensão portal como da insuficiência hepática. @resumosdamed_ 5 ASCITE: • Patogênese: a presença de hipertensão portal contribui para o desenvolvimento de ascite nos pacientes que sofrem de cirrose. Ocorre um aumento da resistência intra-hepática que é responsável por uma pressão portal aumentada, mas há também vasodilatação do sistema arterial esplâncnico que, por sua vez, resulta em um aumento do influxo venoso portal. Essas duas anormalidades resultam em maior produção de linfa esplâncnica. Fatores vasodilatadores, como o óxido nítrico, são responsáveis pelo efeito vasodilatador. As alterações hemodinâmicas resultam em retenção de sódio pelo fato de acarretarem a ativação do sistema renina-angiotensinaaldosterona, com o surgimento de hiperaldosteronismo. Os efeitos renais das quantidades maiores de aldosterona que acarretam retenção de sódio também contribuem para o surgimento de ascite. A retenção de sódio causa um acúmulo de líquido e a expansão do volume líquido extracelular, que resulta na formação de edema periférico e ascite. A retenção de sódio representa a consequência de uma resposta homeostática causada pelo enchimento insuficiente da circulação arterial devido à vasodilatação arterial no leito vascular esplâncnico. Como o líquido retido vasa constantemente e sai do compartimento intravascular para a cavidade peritoneal, a sensação de enchimento vascular não é alcançada e o processo continua. A hipoalbuminemia e a pressão oncótica reduzida do plasma também contribuem para a perda de líquido pelo compartimento vascular e para sua penetração na cavidade peritoneal. A hipoalbuminemia se deve a uma função sintética diminuída no fígado cirrótico. • Quadro clínico: os pacientes observam um aumento da circunferência abdominal, acompanhado com frequência pelo desenvolvimento de edema periférico. Os pacientes em geral têm pelo menos 1 a 2 L de líquido no abdome antes de ficarem cientes de que houve um aumento. Se o líquido ascítico for maciço, a função respiratória poderá ser comprometida e os pacientes se queixarão de falta de ar. Nessas circunstâncias, poderá ocorrer também um hidrotórax hepático, que contribui para os sintomas respiratórios. Com grande frequência, os pacientes com ascite maciça estão desnutridos e exibem atrofia muscular, assim como fadiga e fraqueza excessivas. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA: • Patogênese: a encefalopatia hepática é uma disfunção cerebral causada por insuficiência hepática, shunt portossistêmico ou ambos. A amônia, uma toxina normalmente removida pelo fígado, desempenha um papel essencial na patogenia. Na cirrose, a amônia acumula-se na circulação sistêmica por causa do desvio de sangue realizado pelos colaterais portossistêmicos e do metabolismo hepático diminuído (p. ex., insuficiência hepática). A presença de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica as células cerebrais de suporte ou astrócitos e desencadeia alterações estruturais características da encefalopatia hepática (astrocitose tipo II de Alzheimer). A amônia resulta na suprarregulação de receptores benzodiazepínicos do tipo astrocíticos periféricos, os estimulantes mais potentes da produção de neuroesteroides. Os neuroesteroides são os principais moduladores do ácido γ-aminobutírico, o que resulta na depressão cortical e encefalopatia hepática. Outras toxinas, como o manganês, também se acumulam no cérebro, particularmente no globo pálido, onde podem levar à perda da função motora. Outras toxinas ainda a serem elucidadas também podem estar envolvidas na patogenia da encefalopatia. • Quadro clínico: manifesta-se com um largo espectro de anomalias neurológicas e psiquiátricas, desde alterações subclínicas a coma. Clinicamente, ela é caracterizada por: ➢ Grau 1: alterações na consciência com variação comportamental de inversão do padrão de sono-vigília e transtornos de memória; ➢ Grau 2: confusão, comportamento bizarro e desorientação; ➢ Grau 3: letargia e desorientação profunda (grau 3); ➢ Grau 4: coma. No exame físico, os estágios iniciais podem demonstrar somente um tremor distal, mas a marca registrada da encefalopatia hepática é a presença de asterixe. Além disso, os pacientes com encefalopatia hepática podem @resumosdamed_ 6 apresentar hálito com odor adocicado, uma característica denominada fetor hepaticus. ICTERÍCIA: •Patogênese: a icterícia na cirrose é um reflexo da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina e é, portanto, o resultado da insuficiência hepática. No entanto, nas doenças colestáticas que levam à cirrose, a icterícia deve-se mais provavelmente à lesão biliar do que à insuficiência hepática. Outros indicadores de insuficiência hepática, como a presença de encefalopatia ou prolongamento da razão normalizada internacional (INR), ajudam a determinar o contribuinte mais provável para hiperbilirrubinemia. CARCINOMA HEPATOCELULAR: O carcinoma hepatocelular é uma neoplasia epitelial que surge da transformação maligna de hepatócitos. Acredita-se que a patogênese do carcinoma hepatocelular seja um processo de múltiplos passos desencadeado, na maioria dos casos, por uma lesão hepática subjacente (como de hepatite viral, álcool, sobrecarga de ferro ou exposição a aflatoxinas). A inflamação subsequente, necrose, regeneração, rturnover celular e proliferação resultam no acúmulo progressivo de alterações genéticas e somáticas (adquiridas). Pode então surgir a ativação de oncogenes ou inativação de genes supressores de tumores, displasia e, posteriormente, carcinoma. As mais bem descritas mutações no carcinoma hepatocelular são mutações pontuais ou deleções que resultam na inativação do gene supressor do tumor TP53, em mais de 50% dos casos, e mutações da β-catenina (CTNNB1), em aproximadamente 30% dos casos. DEFINIR AS ETIOLOGIAS DA CIRROSE E SUAS FISIOPATOLOGIAS: ALCOOLICA, MEDICAMENTOSA, VIRAIS, DGHNA, PARASITÁRIAS, AUTOIMUNES, DOENC ̧A DE WILSON, SD DE GILBERT E SD BUDD-CHIARI VIRAIS As hepatites virais crônicas, principalmente as hepatites B e C, são causas comuns de lesão do fígado, que podem levar à cirrose após anos de doença ativa. Muitas vezes, o paciente nem sequer desconfia ser portador de um desses vírus, só vindo a descobrindo muitos anos depois, quando os sintomas da cirrose começam a se manifestar. HEPATITE VIRAL CRÔNICA Ambas as formas de hepatite viral transmitidas por via entérica (hepatites A e aracnídeos) são autolimitadas e não causam hepatite crônica (não obstante alguns raros relatos nos quais a hepatite A aguda funciona como um desencadeante para o início da hepatite autoimune em pacientes geneticamente suscetíveis ou nos quais a hepatite E pode causar doença hepática crônica em hospedeiros imunossuprimidos, p. ex., após transplante hepático). Em contrapartida, todo o espectro clínico-patológico da hepatite crônica é observado nos pacientes com hepatites B e C virais crônicas assim como naqueles com hepatite D crônica sobreposta a hepatite B crônica. Na hepatite B crônica HBeAg-reativa, foram reconhecidas duas fases com base no nível relativo de replicação do HBV. A fase de replicação reativa caracteriza-se pela presença no soro de HBeAg e de níveis de DNA do HBV bem acima de 103 a 104 UI/mL, presença no fígado de antígenos identificáveis de nucleocapsídeos intra-hepatocíticos, alta infectividade e lesão hepática subsequente. Em contrapartida, a fase não replicativa relativa caracteriza-se por ausência do marcador sérico convencional de replicação do HBV (HBeAg), aparecimento de anti-HBe, níveis de DNA do HBV abaixo de um limiar de cerca de 103 UI/mL, ausência de HBcAg intra- hepatocítico, infectividade limitada e lesão hepática mínima. Os pacientes em fase replicativa costumam apresentar hepatite crônica mais grave, enquanto aqueles na fase não replicativa costumam apresentar hepatite crônica mínima ou leve ou tendem a ser portadores inativos da hepatite B. Em um paciente com hepatite B crônica HBeAg reativa, a probabilidade de conversão espontânea de uma infecção relativamente replicativa em outra não replicativa é de cerca de 10 a 15% por ano. As distinções na replicação do HBV e na categoria histológica, @resumosdamed_ 7 porém, nem sempre coincidem. Nos pacientes com infecção HBV crônica HBeAg-reativa, sobretudo quando contraída por ocasião do nascimento ou no início da segunda infância, conforme geralmente observado em países asiáticos, é comum uma dicotomia entre os níveis muito altos de replicação do HBV durante as primeiras décadas de vida (quando o nível de tolerância do hospedeiro ao HBV é relativamente alto) e os níveis negligenciáveis de lesão hepática. Apesar da natureza relativamente imediata e aparentemente benigna da doença hepática por muitas décadas nessa população, nas décadas intermediárias, a ativação da lesão hepática surge à medida que a tolerância relativa do hospedeiro ao HBV diminui e esses pacientes com infecção pelo HBV adquirida na infância têm risco aumentado mais tarde de cirrose, carcinoma hepatocelular (CHC) e morte relacionada ao fígado. A fadiga é um sintoma comum, e a icterícia persistente ou intermitente constitui também uma característica comum nos casos graves ou avançados. A piora intermitente da icterícia e a recidiva de mal-estar e anorexia, assim como o agravamento da fadiga, são elementos reminiscentes da hepatite aguda; essas exacerbações podem ocorrer espontaneamente, na maioria das vezes coincidindo com a evidência de reativação virológica; podem resultar em lesão hepática progressiva; e, quando se sobrepõem a uma cirrose bem-estabelecida, podem causar descompensação hepática. As complicações da cirrose ocorrem na hepatite crônica em estágio terminal e incluem ascite, edema, varizes gastresofágicas sangrantes, encefalopatia hepática, coagulopatia ou hiperesplenismo. Ocasionalmente, essas complicações são a causa da busca por atenção médica pelo paciente. As complicações extra- hepáticas da hepatite B crônica, semelhantes àquelas vistas durante a fase prodrômica da hepatite B aguda, estão associadas com a deposição de complexos imunes de antígenos-anticorpos da hepatite B circulantes. Isso inclui artralgias e artrite, as quais são comuns, e as mais raras lesões cutâneas purpúricas (vasculite leucocitoclástica), glomerulonefrite por imunocomplexos e vasculite generalizada (poliarterite nodosa). DOENC ̧A HEPÁTICA ALCOÓLICA O consumo crônico e excessivo de álcool constitui uma das principais causas de doença hepática. A patologia da doença hepática alcoólica consiste em três lesões principais, raramente existindo lesão em uma forma única: (1) esteatose hepática, (2) hepatite alcoólica e (3) cirrose. A esteatose hepática está presente em >90% dos etilistas crônicos e compulsivos. ETIOLOGIA E PATOGÊNESE A quantidade e a duração da ingestão de álcool são os fatores de risco mais importantes envolvidos no surgimento da hepatopatia alcoólica. Os papéis do(s) tipo(s) de bebida, isto é, vinho, cerveja ou bebidas com concentrações alcoólicas muito mais altas, assim como o padrão de consumo (ingestão diária versus ingestão compulsiva) são menos claros. A progressão para além do estágio de esteatose hepática parece exigir a @resumosdamed_ 8 presença de fatores de risco adicionais que ainda não estão totalmente definidos. Embora existam predisposições genéticas para o alcoolismo, o gênero é um forte determinante para a doença hepática alcoólica. As mulheres são mais suscetíveis à lesão hepática alcoólica quando comparadas aos homens. Elas desenvolvem uma hepatopatia em fase avançada com ingestão alcoólica substancialmente menor. Em geral, o tempo que deve transcorrer para o desenvolvimento da doença hepática está diretamente relacionado com a quantidade de álcool consumida. Para estimar o consumo de álcool, é útil saber que uma cerveja, 113 mL de vinho ou 28 mL de uma bebida com teor alcoólico de 80% contêm cerca de 12 g de álcool. O limiar para desenvolver hepatopatia alcoólica é maior nos homens, enquanto as mulheres correm maior risco de vir a desenvolver graus semelhantes de lesão hepática ao consumirem significativamente menos. As diferenças que dependem do sexo resultam deefeitos pouco compreendidos do estrogênio, proporção de gordura corporal e metabolismo gástrico do álcool. A obesidade, uma dieta rica em gorduras e o efeito protetor do café foram postulados como importantes no desenvolvimento do processo patogênico. A infecção crônica pelo vírus da hepatite C (HCV) é uma importante comorbidade na progressão da hepatopatia alcoólica para a cirrose nos etilistas crônicos e excessivos. Mesmo uma ingestão moderada de álcool de 20 a 50 g/dia eleva o risco de cirrose e câncer hepatocelular nos indivíduos HCV-infectados. Os pacientes tanto com lesão hepática alcoólica quanto com infecção pelo HCV desenvolvem uma doença hepática descompensada em uma idade mais jovem e têm uma sobrevida global mais precária. Os depósitos de ferro aumentados no fígado e, raramente, a porfiria cutânea tardia podem ocorrer como consequências dos processos lesivos superpostos secundários ao abuso de álcool e à infecção pelo HCV. Além disso, uma ingestão de álcool >50 g/dia pelos pacientes infectados com HCV reduz a eficácia da terapia antiviral baseada no interferon. A patogênese da lesão hepática alcoólica não está clara. O conceito atual é de que o álcool age como hepatotoxina direta e de que a desnutrição não é um fator importante. A ingestão de álcool inicia uma cascata inflamatória por sua metabolização em acetaldeído, resultando em uma variedade de respostas metabólicas. A esteatose causada por lipogênese, síntese de ácidos graxos e redução da oxidação de ácidos graxos parece secundária em relação aos efeitos sobre o fator de transcrição regulador do esterol e o receptor ativado do proliferador dos peroxissomos tipo α (PPAR-α). A endotoxina derivada do intestino começa um processo patogênico por meio do receptor tipo toll 4 e do fator de necrose tumoral α (TNF-α), facilitando a apoptose de hepatócitos e a necrose. A lesão celular e a liberação de endotoxina iniciadas pelo etanol e seus metabólitos também ativam vias de imunidade inata e adaptativa liberando citocinas pró-inflamatórias (p. ex., TNF-α), quimiocinas e proliferação de células T e B. A produção de adutos tóxicos de proteína-aldeído, a geração de equivalentes redutores e o estresse oxidativo também contribuem para a lesão hepática. A lesão dos hepatócitos e o defeito na regeneração após a ingestão alcoólica crônica estão associados com ativação de células estreladas e produção de colágeno, os quais são eventos fundamentais na fibrogênese. A fibrose resultante do uso continuado de álcool determina o desarranjo da arquitetura hepática e a fisiopatologia associada. PATOGÊNESE O fígado possui um repertório limitado em resposta a lesão. A esteatose hepática é a resposta histológica inicial e mais comum aos estímulos hepatotóxicos, incluindo a ingestão excessiva de álcool. O acúmulo de gordura dentro dos hepatócitos perivenulares coincide com a localização da desidrogenase alcoólica, a principal enzima responsável pelo metabolismo do álcool. A ingestão contínua de álcool resulta em acúmulo @resumosdamed_ 9 de gordura ao longo de todo o lóbulo hepático. Não obstante a extensa degeneração gordurosa e distorção dos hepatócitos com gordura macrovesicular, a interrupção da bebida resulta em normalização da arquitetura hepática e do conteúdo de gordura. A esteatose alcoólica tem sido tradicionalmente considerada como totalmente benigna, mas, da mesma forma que o espectro da esteatose não alcoólica, o aparecimento de esteato-hepatite e determinadas características patológicas, como mitocôndrias gigantes, fibrose perivenular e gordura macrovesicular, pode estar associado com lesão hepática progressiva. A transição entre a esteatose hepática e o surgimento de hepatite alcoólica é obscura. O elemento mais característico da hepatite alcoólica é uma lesão dos hepatócitos que se caracteriza por degeneração em balão, necrose salpicada (irregular), infiltrado de polimorfonucleares e fibrose dos espaços perivenular e perissinusoidal de Disse. Os corpúsculos de Mallory- Denk estão presentes com frequência nos casos mais exuberantes, porém não são específicos nem necessários para que se possa estabelecer um diagnóstico. Admite-se que a hepatite alcoólica seja um precursor para o desenvolvimento da cirrose. Entretanto, à semelhança da esteatose hepática, é potencialmente reversível com a cessação do consumo de álcool. A cirrose está presente em até 50% dos pacientes com hepatite alcoólica comprovada por biópsia, e sua regressão é duvidosa mesmo após a abstenção. DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA E ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA A DHGNA é fortemente associada com sobrepeso/obesidade e resistência à insulina. Contudo, ela também pode ocorrer em indivíduos magros e é particularmente comum naqueles com escassez de depósitos adiposos (i.e., @resumosdamed_ 10 lipodistrofia). Fatores étnicos/raciais também parecem influenciar o acúmulo de gordura A DHGNA engloba um espectro de patologias hepáticas com prognósticos clínicos diferentes. O simples acúmulo de triglicerídeos dentro dos hepatócitos (esteatose hepática) está no extremo mais clinicamente benigno do espectro. No lado oposto, o extremo mais clinicamente nefasto, estão a cirrose e o câncer hepático primário. O risco de desenvolver cirrose é extremamente baixo em indivíduos com esteatose hepática crônica, mas aumenta à medida que a esteatose se torna complicada pela morte e inflamação clinicamente evidentes dos hepatócitos (i.e., esteato- hepatite não alcoólica [EHNA]). Os mecanismos subjacentes da patogênese e da progressão da DHGNA não são totalmente claros. Os mecanismos mais bem compreendidos pertencem à esteatose hepática. Essa condição resulta de quando mecanismos do hepatócito para síntese de triglicerídeos (p. ex., captação de lipídeos e nova lipogênese) superam os mecanismos para eliminação de triglicerídeos (p. ex., metabolismo de degradação e exportação de lipoproteínas), levando ao acúmulo de gorduras (i.e., triglicerídeos) dentro dos hepatócitos. A obesidade estimula o acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos por alterar a microbiota intestinal para melhorar a recuperação de energia de fontes dietéticas e a permeabilidade intestinal. A redução da função de barreira intestinal aumenta a exposição hepática aos produtos derivados do intestino, que estimulam as células hepáticas a gerar mediadores inflamatórios que inibem as ações da insulina. Os depósitos adiposos de obesos também produzem fatores solúveis em excesso (adipocinas) que inibem a sensibilidade tissular à insulina. A resistência à insulina promove hiperglicemia. Isso estimula o pâncreas a produzir mais insulina para manter a homeostase da glicose. Contudo, a hiperinsulinemia também promove a captação de lipídeos, a síntese de gorduras e o depósito de gorduras. O resultado líquido é o acúmulo de triglicerídeos hepáticos (i.e., esteatose). Os triglicerídeos em si não são hepatotóxicos. Contudo, seus precursores (p. ex., os ácidos graxos e diacilgliceróis) e os subprodutos metabólicos (p. ex., espécies reativas do oxigênio) podem danificar os hepatócitos, levando à lipotoxicidade dos hepatócitos. A lipotoxicidade também desencadeia a geração de outros fatores (p. ex., citocinas inflamatórias, mediadores hormonais) que desregulam os sistemas que normalmente mantêm a viabilidade dos hepatócitos. Os hepatócitos que estão morrendo, por sua vez, liberam vários fatores que deflagram respostas de cicatrização que pretendem substituir (regenerar) os hepatócitos perdidos. Esse reparo envolve a expansão transitória de outros tipos de células, como os miofibroblastos e células progenitoras, que produzem e degradam a matriz, remodelam a vasculatura e geram hepatócitos de substituição, bem como o recrutamento de células imunes que liberam fatores que modulam a lesão e o reparo do fígado.A EHNA é a manifestação morfológica de lipotoxicidade e respostas resultantes de cicatrização de ferimentos. Como a gravidade e a duração da lesão hepática lipotóxica ditam a intensidade e a duração do reparo, as características histológicas e o desfecho de EHNA são variáveis. Cirrose e câncer hepático são desfechos potenciais de EHNA crônica. A cirrose resulta de reparo inútil, isto é, acúmulo progressivo de células cicatriciais, matriz fibrosa e vasculatura anormal (cicatriciais) em vez de reconstrução/regeneração eficiente de parênquima hepático saudável. Os cânceres hepáticos primários se desenvolvem quando as células hepáticas transformadas em células malignas escapam dos mecanismos que normalmente controlam o crescimento regenerativo. Os mecanismos responsáveis pelo reparo insuficiente (cirrose) e carcinogênese hepática não são bem compreendidos. Como a regeneração hepática normal é um processo muito complexo, há múltiplas oportunidades para desregulação e, assim, heterogeneidade patogênica. Até agora, essa heterogeneidade tem confundido o desenvolvimento dos testes diagnósticos e tratamentos para reparo hepático defeituoso/desregulado (i.e., cirrose e câncer). Por conseguinte, as estratégias atuais se concentram em evitar os reparos errados e prevenir e/ou reduzir a lesão lipotóxica do fígado. HEPATITES VIRAIS @resumosdamed_ 11 As hepatites virais crônicas, principalmente as hepatites B e C, são causas comuns de lesão do fígado, que podem levar à cirrose após anos de doença ativa. Muitas vezes, o paciente nem sequer desconfia ser portador de um desses vírus, só vindo a descobrindo muitos anos depois, quando os sintomas da cirrose começam a se manifestar. A hepatite viral aguda é uma infecção sistêmica que afeta predominantemente o fígado. Quase todos os casos de hepatite viral aguda são causados por um destes cinco agentes virais: vírus da hepatite A (HAV), vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV), o agente delta associado ao HBV ou vírus da hepatite D (HDV) e vírus da hepatite E (HEV). Todos os vírus das hepatites humanas são vírus de RNA, exceto o da hepatite B, um vírus de DNA, mas que se replica como um retrovírus. Esses agentes podem ser diferenciados por suas propriedades moleculares e antigênicas, porém todos os tipos de hepatite viral produzem doenças clinicamente semelhantes. Variam, por um lado, desde infecções assintomáticas e inaparentes até infecções agudas fulminantes e fatais comuns a todos os tipos, e, por outro lado, desde infecções subclínicas persistentes até doença hepática crônica rapidamente progressiva com cirrose e até mesmo carcinoma hepatocelular, comuns a todos os tipos hematogênicos (HBV, HCV e HDV). MEDICAMENTOSA A lesão hepática é uma possível consequência da ingestão de qualquer xenobiótico, incluindo toxinas industriais, agentes farmacológicos e medicamentos complementares e alternativos (MCAs). Entre os pacientes com insuficiência hepática aguda, a lesão hepática induzida por medicamentos é a causa mais comum, e evidências de hepatotoxicidade detectadas durante ensaios clínicos para o desenvolvimento de fármacos são a razão mais comum para que compostos não sejam aprovados. A lesão hepática induzida por medicamentos necessita de anamnese cuidadosa para identificar exposição não reconhecida a substâncias químicas usadas no trabalho ou em casa, fármacos usados com ou sem prescrição médica e suplementos homeopáticos ou dietéticos. Os medicamentos hepatotóxicos podem causar dano diretamente ao hepatócito, como, por exemplo, por meio de um radical livre ou intermediário metabólico que produz a peroxidação dos lipídeos da membrana e que resulta em lesão das células hepáticas. De modo alternativo, um fármaco ou seu metabólito pode ativar componentes do sistema imune inato ou adaptativo, estimular vias de apoptose ou iniciar o dano às vias excretoras de bile. A interferência com bombas canaliculares de bile pode permitir que ácidos biliares endógenos, os quais podem danificar o fígado, se acumulem. Essa lesão secundária, por sua vez, pode resultar em necrose dos hepatócitos; lesões dos ductos biliares, produzindo colestase; ou bloquear as vias do movimento dos lipídeos, inibir a síntese proteica ou prejudicar a oxidação mitocondrial de ácidos graxos, resultando em acidose láctica e acúmulo intracelular de triglicerídeos (que se expressa histologicamente como esteatose microvesicular). Em outras situações, metabólitos de fármacos sensibilizam os hepatócitos a citocinas tóxicas. As diferenças observadas entre receptores de fármacos suscetíveis e não suscetíveis pode ser atribuída a haplótipos HLA que determinam a ligação de haptenos relacionados aos fármacos na superfície celular bem como a polimorfismos na elaboração de citocinas protetoras que competem, conforme sugerido para a toxicidade pelo paracetamol (ver adiante). Os mecanismos imunes podem incluir linfócitos citotóxicos ou a citotoxicidade celular mediada por anticorpos. Além disso, foi demonstrada uma função para a ativação dos transportadores nucleares, como o receptor de androstano constitutivo (RAC) ou, mais recentemente, o receptor de pregnano X (PXR), na indução da hepatotoxicidade medicamentosa. Mecanismos potenciais de lesão hepática induzida por medicamentos. O hepatócito normal pode ser afetado de modo adverso por fármacos em decorrência de (A) ruptura da homeostase intracelular do cálcio, que leva à desorganização das fibrilas de actina na superfície do hepatócito, @resumosdamed_ 12 resultando na formação de uma vesícula da membrana celular, ruptura e lise da célula; (B) ruptura dos filamentos de actina próximo ao canalículo (a porção especializada da célula responsável pela expressão da bile), com consequente perda dos processos vilosos e interrupção das bombas de transporte, como a proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 3 (MRP3), o que, por sua vez, impede a excreção de bilirrubina e de outros compostos orgânicos; (C) ligação covalente da enzima do citocromo P450 contendo heme ao fármaco, criando, assim, produtos de adição não funcionais; (D) migração desses produtos de adição enzima-fármaco dentro de vesículas até a superfície celular, atuando como imunógenos- alvo para ataque citolítico pelas células T, com consequente estimulação de uma resposta imune que envolve as células T citolíticas e citocinas; (E) ativação das vias apoptóticas pelo receptor do fator de necrose tumoral α (TNF-α) ou Fas (DD indica domínio de morte), deflagrando a cascata de caspases intercelulares com consequente morte celular programada; ou (F) inibição da função mitocondrial por um duplo efeito sobre a β-oxidação e as enzimas da cadeia respiratória, levando à falência do metabolismo dos ácidos graxos livres, ausência de respiração aeróbia e acúmulo de lactato e espécies de oxigênio reativas (que podem causar ruptura do DNA mitocondrial). Os metabólitos tóxicos excretados na bile podem causar lesão do epitélio dos ductos biliares. LESÃO HEPÁTICA CAUSADA POR MEDICAMENTOS Em geral, foram reconhecidos dois tipos principais de hepatotoxicidade química: (1) o tipo tóxico direto e (2) o tipo idiossincrásico. A hepatite tóxica direta ocorre com previsível regularidade nos indivíduos expostos ao agente agressor e depende da dose. O período latente entre a exposição e a lesão hepática costuma ser curto (em geral algumas horas), embora as manifestações clínicas possam demorar 24 a 48 horas. Agentes que produzem hepatite tóxica costumam ser venenos sistêmicos ou são convertidos no fígado em metabólitos tóxicos. As hepatotoxinas diretas resultam em anormalidades morfológicas razoavelmente características e reprodutíveis para cada toxina. Por exemplo, o tetracloreto de carbono e o tricloroetileno produzem caracteristicamente uma necrose zonal centrolobular,enquanto o envenenamento pelo fósforo amarelo resulta em lesão periportal. Os octapeptídeos hepatotóxicos de amanita phalloides costumam produzir uma necrose hepática maciça; a dose letal da toxina é de cerca de 10 mg, a quantidade encontrada em um único cogumelo agárico (espécie de cogumelo venenoso). A lesão hepática, que representa com frequência apenas uma faceta da toxicidade produzida pelas hepatotoxinas diretas, pode passar despercebida até o aparecimento da icterícia. A lesão imunológica primária e a hepatotoxicidade direta relacionada a diferenças idiossincrásicas na geração de metabólitos tóxicos têm sido citadas para explicar as reações medicamentosas idiossincrásicas. Os dados mais atuais parecem implicar o sistema imune adaptativo que responde pela formação de compostos de estimulação imune a partir da ativação metabólica de fase I do fármaco agressor. AUTOIMUNE A hepatite autoimune é um distúrbio crônico caracterizado por necrose hepatocelular contínua e inflamação, habitualmente com fibrose, que podeprogredir para cirrose e insuficiência hepática. Quando satisfaz os critérios de gravidade, esse tipo de hepatite crônica, se não tratado, pode apresentar mortalidade em 6 meses de até 40%. Com base nas estimativas contemporâneas da história natural da hepatite autoimune, a sobrevida em 10 anos é de 80 a 98% para os casos tratados e 67% para os pacientes não @resumosdamed_ 13 tratados. A proeminência de características extra-hepáticas da autoimunidade assim como das anormalidades soroimunológicas nesse distúrbio apontam para um processo autoimune em sua patogênese; tal conceito se reflete nos rótulos anteriores de hepatite lupoide e de plasmócitos. Entretanto, os autoanticorpos e outras características típicas da autoimunidade não ocorrem em todos os casos; entre as categorias mais amplas de hepatite crônica “idiopática” ou criptogenética, muitos são talvez de origem autoimune. Os casos em que os vírus hepatotrópicos, desarranjos metabólicos/genéticos (incluindo a doença hepática gordurosa não alcoólica) e drogas hepatotóxicas foram excluídos representam um espectro de distúrbios hepáticos heterogêneos de causa desconhecida, sendo uma alta proporção deles constituída provavelmente por hepatite autoimune. PATOGÊNESE A maior parte da evidência sugere que a lesão hepática progressiva nos pacientes com hepatite autoimune resulta de um ataque imunológico de mediação celular dirigido contra os hepatócitos. Muito provavelmente, a predisposição à autoimunidade é hereditária, enquanto a especificidade do fígado para essa lesão é desencadeada por fatores ambientais (p. ex., químicos, farmacológicos [p. ex., minociclina] ou virais). Por exemplo, já foram descritos pacientes nos quais casos aparentemente autolimitados de hepatites A, B ou C ainda evoluíram para uma hepatite autoimune presumivelmente por causa da suscetibilidade ou predisposição genética. A evidência a favor de uma patogênese autoimune nesse tipo de hepatite consiste no seguinte: (1) no fígado, as lesões histopatológicas são constituídas predominantemente por células T citotóxicas e plasmócitos; (2) autoanticorpos circulantes (nucleares, do músculo liso, tireóideos, etc.; ver adiante), fator reumatoide e hiperglobulinemia são comuns; (3) outros distúrbios autoimunes – como tireoidite, artrite reumatoide, anemia hemolítica autoimune, retocolite ulcerativa, glomerulonefrite membranoproliferativa, diabetes melito juvenil, doença celíaca e síndrome de Sjögren – ocorrem com maior frequência nos pacientes e seus parentes que sofrem de hepatite autoimune; (4) os haplótipos de histocompatibilidade associados a doenças autoimunes, como HLA-B1,-B8,- DR3 eDR4 assim como os alelos DRB1*0301 e DRB1*0401 de haplótipos mais extensos, são comuns nos pacientes com hepatite autoimune; e (5) esse tipo de hepatite crônica responde à terapia com glicocorticoides/imunossupressivos, eficaz em ampla variedade de distúrbios autoimunes. Os mecanismos imunes celulares parecem importantes na patogênese da hepatite autoimune. Estudos in vitro sugerem que, nos pacientes com esse distúrbio, os linfócitos T CD4+ são capazes de se tornar sensibilizados para as proteínas das membranas dos hepatócitos e de destruir as células hepáticas. O mimetismo molecular por antígenos de reação cruzada contendo epítopos semelhantes a antígenos hepáticos é postulado como ativador dessas células T, as quais infiltram e resultam em lesão no fígado. As anormalidades do controle imunorregulador sobre os linfócitos citotóxicos (influências reguladoras deterioradas das células T CD4+ CD25+) também podem desempenhar algum papel. Estudos de predisposição genética para a hepatite autoimune demonstram que determinados haplótipos estão associados com o distúrbio, conforme citado antes, da mesma forma que polimorfismos em antígenos de linfócitos T citotóxicos (CTLA-4) e fator de necrose tumoral α (TNFA*2). Os fatores desencadeantes precisos, as influências genéticas bem como os mecanismos citotóxicos e imunorreguladores envolvidos nesse tipo de lesão hepática continuam sendo incompletamente definidos. Indícios curiosos acerca da patogênese da hepatite autoimune são proporcionados pela observação de que os autoanticorpos circulantes se mostram prevalentes nos pacientes com tal distúrbio. Entre os autoanticorpos descritos nesses pacientes, estão os anticorpos dirigidos contra os núcleos [os denominados fatores antinucleares (FAN), principalmente em um padrão homogêneo] e o músculo liso (denominados anticorpos antimúsculo liso, dirigidos contra a actina, a vimentina e a esqueletina), anticorpos contra a F-actina, anticorpos contra microssomo fígado-rim (anti-LKM, ver adiante), anticorpos contra o “antígeno hepático solúvel” (dirigidos contra uma proteína supressora do RNA de transferência para a uracila-guanina-adenina), anticorpos contra a α-actinina e anticorpos contra o receptor da assialoglicoproteína fígado-específico (ou “lectina hepática”) e outras proteínas das membranas dos hepatócitos. Apesar de alguns deles representarem marcadores diagnósticos úteis, sua participação na patogênese da hepatite autoimune ainda não foi estabelecida. Foi @resumosdamed_ 14 mostrado que mecanismos imunes humorais desempenham algum papel nas manifestações extra-hepáticas das hepatites autoimune e idiopática. Artralgia, artrite, vasculite cutânea e glomerulonefrite que ocorrem em pacientes com hepatite autoimune parecem ser mediadas pela deposição de imunocomplexos circulantes nos vasos dos tecidos afetados, seguida pela ativação do complemento e inflamação de lesão tecidual. Os complexos antígeno-anticorpos virais específicos podem ser identificados na hepatite viral aguda e crônica, porém a natureza dos imunocomplexos na hepatite autoimune ainda não foi definida. DOENC ̧A DE WILSON A doença de Wilson é um distúrbio do metabolismo de cobre que afeta homens e mulheres; cerca de 1 pessoa em 30.000 tem essa doença. Os afetados são homozigotos para o gene recessivo mutante, localizado no cromossomo 13. Os portadores heterozigotos, que constituem cerca de 1,1% da população, são assintomáticos. O defeito genético na doença de Wilson prejudica o transporte de cobre. O transporte de cobre prejudicado diminui a secreção de cobre na bile, gerando sobrecarga de cobre e acúmulo no fígado, iniciado ao nascimento. O transporte prejudicado também interfere na incorporação do cobre na ceruloplasmina, diminuindo assim seus níveis. A fibrose hepática se desenvolve, produzindo finalmente a cirrose. O cobre se difunde do fígado para o sangue e então para os outros tecidos. Na maioria das vezes, é destrutivo para o cérebro, mas também afeta rins e órgãos reprodutivos e causa anemia hemolítica. Parte do cobre é depositada em tornoda borda da córnea e da borda da íris, causando os anéis de Kayser- Fleischer. Os anéis parecem circundar a íris. Os sintomas da doença de Wilson geralmente se desenvolvem dos 5 aos 35 anos, mas podem se desenvolver dos 2 aos 72 anos. Em quase metade dos pacientes, em particular adolescentes, o primeiro sintoma: • Hepatite → aguda, crônica ativa ou fulminante. A hepatite pode, porém, desenvolver-se em qualquer momento. Em cerca de 40% dos pacientes, principalmente adultos jovens, os primeiros sintomas refletem • Envolvimento do SNC: Déficits motores são comuns, incluindo qualquer combinação de tremores, distonia, disartria, disfagia, coreia, tontura e falta de coordenação. Às vezes, os sintomas do SNC são anormalidades cognitivas ou psiquiátricas. Em 5 a 10% dos pacientes, o primeiro sintoma é incidentalmente notado como anéis ou crescentes dourados ou dourado- esverdeados de Kayser-Fleischer (decorrentes de depósitos de cobre na córnea), hematúria, amenorreia ou abortos repetidos. SÍNDROME DE GILBERT É um distúrbio genético do fígado, caracterizado por aumento nos níveis de bilirrubina indireta ou não conjugada, que pode causar sintomas como icterícia (cor amarelada na pele e nos olhos). Ocorre em 5% a 7% da população geral, mais frequentemente em homens e geralmente se manifesta durante a adolescência ou idade adulta (20 a 30 anos). É uma condição herdada, ou seja, que pode ser transmitida de pais para filhos. A bilirrubina é um subproduto químico da hemoglobina (pigmento vermelho dos glóbulos vermelhos do sangue), que para ser eliminada pelo organismo precisa ser metabolizada no fígado. Há dois tipos principais de bilirrubina: a bilirrubina indireta (BI) e a direta (BD). A BI se forma no momento da destruição dos glóbulos vermelhos no sangue, é transportada até o fígado, onde por ação de uma enzima (UDP-glicuronosil transferase) se transforma em BD, que será eliminada nas fezes e na urina. Os pacientes com Síndrome de Gilbert apresentam deficiência da enzima do fígado, UDP-glucuronosil-transferase. Por esta razão apresentam aumento de BI no sangue. Sendo a bilirrubina, uma substância de coloração amarelada, o seu acúmulo na pele e nos olhos conferem ao paciente acometido, icterícia de pele e conjuntiva, como anteriormente comentado. Vale ressaltar que a icterícia na Síndrome de Gilbert nem sempre está presente: independentemente da idade, ela costuma aparecer em algumas situações relacionadas ao estresse ou fatores hormonais. O diagnóstico é feito através de exames de sangue quando é solicitada a dosagem de bilirrubina. O paciente apresenta um aumento de bilirrubina @resumosdamed_ 15 indireta, que em geral não ultrapassa 5mg/dl. Outros exames como hemograma completo e testes de função hepática, para descartar doenças do fígado e hemólise (destruição das hemácias), devem ser sempre solicitados. O exame definitivo envolve avaliação do DNA para pesquisar a mutação responsável pela doença. Os episódios de icterícia resolvem-se espontaneamente e não necessitam de nenhum tratamento específico. S ÍNDROME DE BUDD-CHIARI A síndrome de Budd-Chiari é a obstrução de efluxo hepático venoso que se origina em qualquer lugar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado até a veia cava inferior e o átrio direito. Suas manifestações variam entre ausência de sintomas e hepatite fulminante. O diagnóstico baseia-se em ultrassonografia. O tratamento é feito com medidas de suporte e medidas para estabelecer e manter a veia pérvia, como trombólise, descompressão com derivações e anticoagulação prolongada. No mundo ocidental, a causa mais comum é um coágulo que obstrui a junção entre a veia hepática e a veia cava inferior. Coágulos geralmente resultam das seguintes causas: • Condições trombóticas (p. ex., deficiência de proteína C ou S, síndrome antifosfolipídio, deficiência de antitrombina III, mutação do fator V de Leiden, gestação, uso de contraceptivos orais) • Doenças hematológicas (p. ex., doenças mieloproliferativas como policitemia e hemoglobinopatia paroxística noturna) • Doença inflamatória intestinal • Doenças do tecido conjuntivo • Trauma • Infecções (p. ex., cisto hidático, amebíase) • Invasão tumoral da veia hepática (p. ex., carcinoma hepatocelular ou carcinoma de células renais) Síndrome de Budd-Chiari algumas vezes inicia-se durante a gestação e desmascara um distúrbio de hipercoagulabilidade previamente assintomático. A causa da obstrução é geralmente desconhecida. Na Ásia e na África do Sul, o defeito básico é geralmente uma obstruça ̃o membranosa (teias) na veia cava inferior acima do fígado, representando provavelmente a recanalização de um trombo prévio em adultos ou a falha no desenvolvimento (p. ex., estenose venosa) em crianças. Esse tipo de obstrução é chamado de hepatocavopatia obliterativa. Ela geralmente desenvolve-se em semanas ou meses. Quando se desenvolve ao longo de um período de tempo, cirrose e hipertensão portal tendem a se desenvolver. Manifestações variam de nenhuma (assintomático) até falência hepática fulminante ou cirrose. Sintomas dependem de a obstrução ter ocorrido de forma aguda ou crônica. Obstrução aguda (em cerca de 20%) causa fadiga, dor no hipocôndrio direito, náuseas, vômitos, icterícia, hepatomegalia dolorosa e ascite. Acontece tipicamente em gestantes. Falência hepática fulminante com encefalopatia é rara. Níveis de aminotransferases são bastante elevados. Obstrução crônica do fluxo de saída (desenvolvendo-se em semanas a meses) pode causar alguns ou nenhum sintoma até que ela progride, ou causar fadiga, dor abdominal e hepatomegalia. Edema de membros inferiores e ascite podem ser resultado de obstrução venosa, mesmo na ausência de cirrose. Cirrose pode se desenvolver, provocando sangramento varicoso, ascite maciça, esplenomegalia, síndrome hepatopulmonar ou uma combinação entre eles. Obstrução completa da veia cava inferior causa edema de parede abdominal e membros inferiores, além da visualização de veias tortuosas superficiais abdominais desde a pelve até a margem costal. Suspeita-se da síndrome de Budd-Chiari em pacientes com hepatomegalia, ascite, falência hepática ou cirrose sem causa aparente (p. ex., abuso de álcool, hepatites) ou quando a causa é inexplicável. @resumosdamed_ 16 Testes de função hepática são geralmente anormais; o padrão é variável e não específico. A presença de fatores de risco de a trombose aumenta a consideração desse diagnóstico. Imagens geralmente começam com ultrassonografia abdominal com Doppler, que pode mostrar a direção do fluxo sanguíneo e o local de obstrução. Angiografia por ressonância magnética e tomografia são úteis se a ultrassonografia não for diagnóstica. Angiografia convencional (venografia com medida de pressão e arteriografia) é necessária se intervenções terapêuticas ou cirúrgicas forem planejadas. Biópsia hepática é realizada ocasionalmente para o diagnóstico de estágios agudos e determina se a cirrose se desenvolveu. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Medicina Interna de Harrison - [Dennis L.] Kasper... [et al.] 19ª edição - Porto Alegre - AMGH, 2017 - Volume 2. 2. Goldman - Cecil Medicina, editado por Lee Goldman, Andrew I. Schafer [et al.] 25ª edição - Rio de Janeiro - Elsevier, 2018.
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