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História da Língua Portuguesa 1ª edição 2019 História da Língua Portuguesa Presidente do Grupo Splice Reitor Diretor Administrativo Financeiro Diretora da Educação a Distância Gestor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Gestora do Instituto da Área da Saúde Gestora do Instituto de Ciências Exatas Autoria Parecerista Validador Antônio Roberto Beldi João Paulo Barros Beldi Claudio Geraldo Amorim de Souza Jucimara Roesler Henry Julio Kupty Marcela Unes Pereira Renno Regiane Burger Mariza Gabriela de Lacerda Gleides Ander Nonato *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. 44 Sumário Unidade 1 História da Língua Portuguesa .....................................6 Unidade 2 Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético ...............................................22 Unidade 3 Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico ........................................40 Unidade 4 Aspectos socioculturais da língua portuguesa - o português brasileiro .................................................59 5 Palavras do professor Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à disciplina História da Língua Por- tuguesa. Vamos refletir sobre a importância dessa disciplina na sua vida acadêmica e profissional? Primeiramente, o campo de estudo da área de Letras é rico em sua diver- sidade. Dessa forma, o seu percurso formativo contemplará os estudos da língua e da linguagem sob perspectivas diversas, as quais permitirão que a sua formação seja consistente e completa. Em segundo lugar, como futuro profissional e/ou pesquisador desse ramo do conhecimento, você precisará dos seus conhecimentos para lidar com as demandas que encontrará no decorrer da sua jornada. Para tanto, ini- cialmente, partiremos da dimensão histórica da língua portuguesa, no intuito de promover conhecimentos e reflexões relacionados à sua histo- ricidade e aos seus processos formativos e evolutivos. A importância desses aspectos reside no fato de que a língua, por ser um objeto de estudo vivo, passa por muitas mudanças ao longo do tempo. Muitas vezes, você precisará investigar o passado do nosso idioma, como em uma espécie de aventura arqueológica, para poder compreendê-lo e ensiná-lo. Como mediador do processo de aprendizagem, você também precisará desses conhecimentos para guiar os seus alunos na construção de diferentes saberes. Esta disciplina está dividida em quatro unidades de aprendizagem. Na pri- meira, você conhecerá aspectos da história externa da língua portuguesa relacionados à sua origem e evolução; na segunda e na terceira você estudará aspectos relacionados à história interna da língua portuguesa, respectivamente a sua fonologia e a sua morfologia e, na quarta, você concluirá a unidade refletindo sobre a dimensão sociocultural da nossa variante brasileira do português. Esperamos que os conhecimentos desta unidade sejam significativos para você. Seja bem-vindo(a) e bons estudos! 6 1Unidade 1 História da Língua Portuguesa Para iniciar seus estudos Você está dando início ao estudo da Unidade 1: História da Língua Portu- guesa, que foi criada com o intuito de que você possa desenvolver conhe- cimentos, reflexões e questionamentos sobre a origem, formação e difu- são da nossa língua. Que tal visitar o período de expansão do imponente Império Romano e da língua latina? Vamos percorrer a era das grandes navegações portuguesas? A história do nosso idioma está repleta de importantes acontecimentos históricos e todos eles são importantes na sua formação. Vamos começar? Objetivos de Aprendizagem • Refletir sobre a origem da língua portuguesa. • Relacionar fases evolutivas da língua portuguesa. • Reconhecer o processo de expansão da língua portuguesa no mundo. 7 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa 1.1 A Linguística Histórica e a mutabilidade das línguas Para iniciarmos os nossos estudos da disciplina História da Língua Portuguesa, vamos contextualizar, brevemente, a sua área de conhecimento, a Linguística Histórica. Para Faraco (2012), o foco central dessa disciplina é o fato de que as línguas humanas sofrem mudanças ao longo do tempo. Nesse sentido, podemos ressaltar dois aspectos importantes relacionados à evolução linguística: 1º - As línguas não constituem realidades estáticas e imutáveis. 2º - A configuração estrutural das línguas se altera continuamente com o passar do tempo. O aspecto mutável da língua é um ponto central para o seu estudo e pode ser útil no desenvolvimento do fórum desafio. Ainda de acordo com Faraco (2012), é preciso considerar que, apesar de as línguas estarem em constante movi- mento, elas nunca perdem o seu caráter sistêmico e continuam a oferecer aos seus falantes recursos fundamen- tais para o fluxo de significados. Você já parou para pensar que usamos verbos para expressar ações, substantivos para nomear as coisas visíveis e invisíveis e adjetivos para atribuir qualidades a essas coisas? Essas classes grama- ticais fazem parte do sistema linguístico da língua portuguesa. Portanto, é o caráter sistêmico do nosso idioma que nos permite organizar e expressar os nossos dizeres. Também é ele que permite a produção de diferentes significações nos processos comunicativos da nossa sociedade. Figura 1.1: A comunicação. Legenda: A imagem apresenta o desenho de diversas pessoas e os balões de comunicação, no qual a uti- lização da linguagem não verbal representa o processo comunicativo na ilustração. Porém, a ausên- cia de símbolos verbais não nos permite identificar nenhum tópico conversacional específico. Fonte: Plataforma Deduca (2017). 8 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa Por outro lado, também é preciso ressaltar que as mudanças atingem partes da língua e não todo o seu sistema. Assim, a história dos idiomas apresenta um complexo jogo de mutação e permanência, o qual também influencia as imagens que os falantes têm das línguas que utilizam. Quando se estuda a evolução das línguas, é possível adotar duas perspectivas: a sincrônica (que estuda a língua em um período específico do tempo) e a diacrônica (que estuda a língua através de diversos períodos no decorrer do tempo). Ambos os conceitos estão presentes na obra de Ferdinand de Saussure, a qual está inserida no período estruturalista dos estudos linguísticos. Assista ao vídeo a seguir para aprofundar o seu conhecimento: <https://www. youtube.com/watch?v=PpnhT4JhwiE&t=76s> Diante dos aspectos apresentados nesta seção, podemos concluir que a evolução das línguas é o eixo propulsor dos estudos da Linguística Histórica. Sendo assim, esse processo também será relevante para o estudo e compre- ensão da história da língua portuguesa, uma vez que a compreensão dos seus elementos constitutivos pode ser feita tanto em sua origem histórica como em seu uso nos dias atuais. 1.2 A história interna e a história externa das línguas A metodologia de estudo da Linguística Histórica costuma separar a historicidade das línguas em dois pontos: a sua história interna e a sua história externa. É importante considerarmos que ambas as histórias terão a sua relevância na formação da língua portuguesa e, apesar de constituírem diferentes eixos de estudo, relacionam- -se entre si. As histórias internas e externas serão pontos importantes no fórum desafio. Ao caracterizar essas duas dimensões, Faraco (2012) afirma que a primeira é composta pelo conjunto de mudan- ças na organização estrutural da língua ao longo do tempo, ou seja, relaciona-se com a formação da língua como um sistema.Já a segunda consiste na historicidade da língua no contexto da história social, política, econômica e cultural da sociedade na qual a língua está inserida, isto é, diz respeito a aspectos extralinguísticos que, mesmo não fazendo parte do seu sistema linguístico e suas normas, podem estar associados a eles. Para ilustrar essa distinção, Faraco (2012) apresenta, como exemplo, as consoantes surdas latinas /p, t, k, f/, as quais, ao serem empregadas em posições intervocálicas de um determinado contexto estrutural, transforma- ram-se, respectivamente, nas consoantes sonoras /b, d, g, v/ na nossa língua. Essa mudança estrutural está rela- cionada à história interna da língua portuguesa. De outro modo, ao mencionar o estudo entre a ocupação da https://www.youtube.com/watch?v=PpnhT4JhwiE&t=76s https://www.youtube.com/watch?v=PpnhT4JhwiE&t=76s 9 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa Península Ibérica e a formação das línguas românicas faladas nessa região, o autor se refere à história externa da língua portuguesa. Apesar de serem separadas para fins metodológicos, é possível concluirmos que as histórias interna e externa da língua portuguesa contribuem, da mesma forma, para o seu estudo, pois permitem que a sua historicidade seja investigada sob perspectivas complementares. Portanto, ambas serão levadas em conta no decorrer da nossa disciplina, com intuito de ampliar os conhecimentos desenvolvidos em relação ao estudo da Língua Portuguesa. Da mesma forma, as duas também são importantes na sua formação, pois, para ensinarmos e/ou pesquisarmos um sistema mutável, precisamos conhecer e entender os pormenores que o constituem. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2016, padroniza o idioma nos países que o adotam como língua nacional. O acordo foi feito visando à unificação da língua no âmbito internacional. Sendo assim, podemos considerar que ele diz respeito à história externa da língua portuguesa, à história interna da língua portuguesa ou a ambas? 1.3 A expansão do Império Romano e do latim A língua portuguesa é classificada como uma língua neolatina ou indo-europeia, pois deriva do latim introduzido na Península Ibérica, região situada no sudoeste do continente europeu, durante a expansão e dominação do Império Romano. Assim sendo, o contexto histórico em que se criou e desenvolveu a língua portuguesa está intrinsecamente ligado aos acontecimentos da história geral da Península, a qual, antes dos romanos, já era habitada por vários povos, cada qual com a sua cultura (COUTINHO, 1976). Ao tratar da expansão do latim e da romanização peninsular, Ilari (2008) afirma que, após a submissão dos povos, os romanos adotavam uma política bastante aberta para a época, pois, apesar de explorarem economicamente a região conquistada, eles respeitavam as tradições religiosas dos vencidos e permitiam que eles utilizassem a língua materna no contato entre si. Para os romanos, o uso do latim, pelos vencidos, era motivo de honra. Por causa disso, a língua latina acabou entrando em contato com línguas de famílias linguísticas bastante diferentes. Coutinho (1976), por sua vez, afirma que os povos peninsulares viam nos conquistadores um povo mais forte, civilizado, e sua resistência ficou em segundo plano diante da bravura dos soldados romanos. O latim, que foi levado por legionários, colonos, comerciantes e funcionários públicos romanos, acabou impondo-se pelas pró- prias circunstâncias, pois apresentava o prestígio de uma língua oficial, veiculava uma cultura considerada supe- rior e era o idioma escolar. Além disso, outros fatores também convergiram para a romanização das populações nativas, como o recruta- mento dos jovens provincianos que, após prestarem serviço ao exército, retornavam ao seio da família; o exce- lente sistema rodoviário romano, que facilitava o intercâmbio com a metrópole; o direito de cidadania concedido pelos imperadores às urbes hispânicas e o cristianismo, pregado em um latim acessível pelos padres, unindo 10 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa aristocratas, plebeus, romanos e estrangeiros no mesmo ideal e contribuindo para o desaparecimento das dife- renças sociais. O termo “família linguística” surgiu no contexto dos estudos biológicos do século XIX. Porém, atualmente, entende-se que a história das línguas não é de caráter genético, mas, sim, um processo complexo de diferenciação resultante da história, social e cultural, das sociedades. A família designada como indo-europeia diz respeito a uma variedade de línguas faladas na Ásia e na Europa, do norte da Índia até a Península Ibérica (FARACO, 2012). Glossário De acordo com Faraco (2012), foi o latim do povo considerado inculto, o sermo vulgaris, plebeius ou rusticus, conhe- cido como latim vulgar, que se expandiu pelo território ibérico e tornou-se instrumento diário de comunicação entre indivíduos que se encontravam em um vasto território. Consequentemente, pelo fato de ser utilizado por diferentes povos e culturas, o latim vulgar acabou passando por mudanças. Paralelamente, o latim, urbanus, eru- ditus ou perpolitus, considerado o latim clássico, restringiu-se à produção literária por ser a variante de prestígio do idioma. Atualmente, o latim clássico é representado pelos escritos de autores consagrados como Cícero, Vir- gílio e Horácio, os quais são considerados autores fundadores da literatura ocidental. Figura 1.2: A Península Ibérica. Legenda: A figura ilustra o território peninsular em 1906. Fonte: Coutinho (1976, p. 53). 11 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa Para conhecer com mais detalhes os povos que habitavam a Península Ibérica e os diversos conflitos que ocorreram nesse território, leia o Capítulo 1 da obra “Gramática Histórica”, de Ismael de Lima Coutinho, 7. ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1976, 357 p. 1.4 Aspectos sociolinguísticos da língua latina As variações que são naturalmente apresentadas pelas línguas podem ser de dois tipos: vertical e horizontal. A pri- meira está relacionada à estratificação da sociedade em classes e a segunda diz respeito às diferenças geográficas (ILARI, 2008). Por exemplo, podemos observar essas variações nos diversos sotaques das regiões que constituem o vasto território brasileiro e também nos diferentes modos de fala apresentados por classes que, por serem divididas socialmente, não recebem uma educação homogênea. Por isso, tais aspectos também serão importantes na sua formação como educador(a), posto que a educação também está inserida em um contexto sociocultural. Em relação às variações relacionadas ao idioma latino peninsular, ao passo que a sociedade romana se organi- zava, o idioma também se modificava, o que era natural em uma sociedade estratificada em patrícios, plebeus e escravos. Também precisamos levar em conta as diferentes situações de uso da língua, já que um homem público do final do período republicano não usaria a mesma linguagem para discursar no fórum, escrever cartas aos ami- gos e familiares e comandar os seus serviçais (ILARI, 2008). Figura 1.3: A variedade do latim e das línguas romanas. + + ++ Culto Escrito Lat. Cláss. Falado Sermo Urbanus Pronto- romance VII d.C. V d.C. XVI VI a.C. III a.C. VIII-XV d.C. Latim Popular (só falado) Latim Arcáico (só falado) Línguas Românticas Legenda: A figura ilustra uma cronologia das principais variedades do latim escrito e falado e suas relações com as línguas romanas. Fonte: Ilari (2008, p. 64). 12 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa De outro modo, o latim também sofreria a influência de outros povos que invadiram a Península e contribuíram para o fim do Império Romano. Ilari (2008) ressalta que, mesmo após a sua derrocada, a civilização romana conti- nuou a ser vista, ao longo dos séculos, como exemplo de ordem universal, passívelde imitações e restaurações. O cristianismo, por exemplo, acabou herdando esse ideal de universalidade e a igreja aproveitou, em grande parte, as divisões administrativas do Império. Os próprios estados bárbaros se autodenominaram romanos e nasceram com o propósito de restaurar o Império. Autores como Dante e Maquiavel também estavam inseridos nesse contexto e restaurar o Império tornou-se o propósito dos pensadores da época, para que o mundo reencontrasse uma ordem política estável. Ainda, pelo fato de o Império estar vivo como um ideal de ordem política na Idade Média, as suas unidades linguística e cul- tural também permaneceram. Com a finalidade de denominá-las, empregou-se o termo Romania, que deriva de romanus, termo ao qual recorreram os povos latinizados para se distinguirem da cultura dos bárbaros. Nesse con- texto histórico, a partir de romanus, formou-se o advérbio romanice, que significa “a maneira romana”; “segundo o costume romano�. Outra expressão que podemos citar aqui é romanice loqui, que se estabeleceu para indicar as falas vulgares de origem latina como oposição à barbarice loqui, que indicava as línguas não românicas dos bár- baros. Também vale citar a expressão latine loqui, que era aplicada ao latim da escola. Assim, destacamos que o advérbio romanice deu origem ao substantivo romance que, originalmente, aplicava-se a qualquer composição escrita em uma das línguas vulgares. Atualmente, o termo “România” designa a área ocupada por línguas latinas. Coutinho (1976), por sua vez, também aponta algumas influências conflitantes sofridas pelo latim após a Penín- sula começar a ser invadida por outros povos: • A Península, no século V, foi invadida pelos bárbaros, os quais compreendiam várias nações: a dos vân- dalos, a dos suevos e a dos visigodos (ou godos), cada qual com o seu dialeto. Dentre essas nações, os visigodos, de natureza rude, erigiram o mais forte e duradouro reino bárbaro e admitiram a civilização romana. O latim, que já estava alterado, também começou a perder os seus primores com a diminuição das escolas e da nobreza. • Os árabes surgiram no solo peninsular no século VIII e o território tornou-se o primeiro ponto europeu atin- gido pelos invasores muçulmanos. Após a invasão, muitos hispano-godos são seduzidos pela civilização árabe, adotando os seus costumes e a sua língua. Pelo fato de a civilização árabe ser superior à da Península, durante o seu domínio, a agricultura, o comércio e a indústria desenvolveram-se. Elementos exóticos como plantas, tapeçarias e objetos de adorno invadiram a alta sociedade. Em decorrência, o árabe tornou-se a língua oficial, enquanto o povo subjugado continuou a falar o latim vulgar modificado, o romance. • Durante a dominação muçulmana, os cristãos começaram a organizar cruzadas a fim de libertarem o território peninsular. Para incentivá-los, os papas começaram a agraciar os combatentes pela conquista ou defesa dos “santos lugares” com indulgências. As cruzadas começaram a ser eficientes e constituí- rem os reinos de Leão, Castela e Aragão. Os fidalgos também começaram a combater na Península, e os serviços de D. Henrique, conde de Borgonha, foram reconhecidos por D. Afonso VI, rei de Leão e Castela. Este concedeu a aquele sua filha, D. Tareja, em casamento, e lhe outorgou o Condado Portucalense. A nacionalidade portuguesa surgiria, então, com o seu filho. D. Afonso Henriques, que se fez proclamar rei de Portugal em 1.143. Instaurou-se, assim, a nacionalidade portuguesa. Diante disso, é possível percebermos que a variante predominante no período de romanização da Península Ibérica, o latim vulgar, também sofreu influências de outros povos, dando origem, por exemplo, ao romance. Dessa forma, é inegável que a dimensão sócio-histórica da língua latina constitui um fator importante para o seu estudo e compreensão, posto que as suas alterações sempre estavam inseridas em situações de dominação e expansão territoriais de diferentes sociedades. 13 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa 1.5 A formação da língua portuguesa Após a leitura das seções anteriores, vimos que a romanização da Península Ibérica fez com que a língua latina se tornasse o idioma de vários povos nesse território. Também vimos que o latim possuía como variantes o latim clássico e o vulgar, este que se tornou a variante utilizada por esses povos e sofreu mudanças ao longo do tempo, seguidas de mais alterações após as invasões dos bárbaros e árabes na Península. Por fim, após as cruzadas cris- tãs e a instauração dos portugueses no território peninsular, o latim evoluiu ainda mais, gerando novas línguas, dentre elas a nossa língua portuguesa. De acordo com Coutinho (1976), a faixa ocidental da península apresentava um falar diferente das outras regi- ões por causa do tratamento que o latim recebeu nessa localidade, ao menos na parte setentrional e central, provavelmente por ter sido um território ocupado por celtas e suevos, além de ter constituído um feudo que se tornaria independente. A partir do romance falado nessa localidade, surgiu, ao Norte, o dialeto galeziano ou galaico-português. Ao Sul, provavelmente originou-se outro, repleto de palavras árabes, contudo não existem documentos que comprovem. Para Coutinho (1976), no contexto das conquistas, o galeziano ou galaico-português foi se estendendo sobre a parte meridional da península, absorvendo o romance que existia na região até penetrar em Algarve, onde reinava Afonso III (1250). A diferenciação entre o português e o galego resultaria da independência política de Portugal até que os idiomas se tornaram completamente autônomos. Há, ainda, os seguintes pontos: • Alguns documentos do latim bárbaro do século IX já apresentavam formas vulgares vernáculas, o que permite considerar que o galego-português já existia nesse tempo. Porém, apenas no século XII aparece- ram textos nele redigidos. • O século XVI apresentou-se como o século de ouro da literatura portuguesa e nele apareceram os maio- res escritos que Portugal possui. Surgiu também a gramática para disciplinar a língua. Desse período, já é possível citar autores como Jorge de Vasconcelos, Gil Vicente e o imortal Camões. • Ao adentrar no período da Renascença, Portugal abriu caminhos gloriosos não só na sua literatura, mas também em suas navegações. A partir do exposto, podemos concluir que a língua portuguesa, em seu estado embrionário, surgiu a partir de um dialeto, o galego-português, que, por sua vez, também era uma variação do latim. Após tornar-se autônomo, o português, já dotado de sua literatura e gramática, ficaria cada vez mais consistente. 14 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa Figura 1.4: Luís de Camões. Legenda: A imagem ilustra o escritor português Luís de Camões reprodu- zido em uma nota de 500 escudos angolana de 1973. Fonte: Plataforma Deduca (2017). 1.6 Períodos históricos da língua portuguesa Quando nos voltamos para a historicidade da língua portuguesa, encontramos fases distintas, as quais são divididas por Leite de Vasconcelos (apud COUTINHO, 1976) em três grandes épocas: pré-histórica, proto-histórica e histórica: • A pré-histórica tem começo na origem da língua, estendendo-se até o século IX. Nesse período, sur- giram os primeiros documentos latino-portugueses. Pelo fato de o material linguístico dessa época ser modesto, só é possível formular hipóteses sobre como o romance da época era falado. • A proto-histórica compreende o período do século IX ao XII. Os textos desse período são todos redigidos em latim bárbaro. Porém, era possível encontrar neles palavras portuguesas, o que se torna indício da existência do galaico-português nesse período. • A histórica teve início no século XII, época em que os textos e/ou documentos já apareciam integral- mente redigidos em português, uma vez que, anteriormente, o idioma era somente falado. Além disso, a época histórica divide-se em duas partes:a arcaica (do século XII ao XVI) e a moderna (do século XVI em diante). Praticamente no limiar da época moderna está a publicação dos Lusíadas (1572) por Luís de Camões, obra que constitui a verdadeira epopeia nacional portuguesa. Nessa obra, foram retratados o espírito de aventura, a resistência no sofrimento, as qualidades guerreiras, o heroísmo e todas as gran- diosas virtudes da nação portuguesa. Dessa forma, o herói do poema não seria Vasco da Gama e nem a descoberta do caminho marítimo para a Índia, mas, sim, a própria história de Portugal, com toda a sua riqueza de episódios e lances dramáticos. O seu herói era o próprio povo português. Após conhecermos as épocas da história da língua portuguesa e termos noção da importância desse idioma para a identidade nacional do país, partiremos para o estudo do seu domínio para além da nação portuguesa. 15 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa 1.7 A expansão da língua portuguesa Foi na Era das Grandes Navegações que a língua portuguesa se expandiu pelo mundo. O idioma se espalhou pelas Ilhas do Atlântico, atingiu as costas da Ásia e da África e chegou, por meio das naus veleiras de Cabral, à Terra de Santa Cruz, nome dado ao nosso país pelos portugueses. De acordo com Coutinho, no século XVI, as expedições marítimas concederam a Portugal um papel significativo na história dos descobrimentos e das conquistas territoriais. Por isso, a língua portuguesa, que já servia como um instrumento de uma culta e rica literatura, difundiu-se, com rapidez, pelas novas terras recém descobertas. Nenhum povo foi jamais tão longe através dos mares, como o lusitano, cujas naus percorriam os oceanos em todos os sentidos e cuja bandeira tremulava em todas cinco partes do mundo, por- que em todas elas Portugal possuía colônias. (COUTINHO, 1976, p. 58). Em relação às transformações sofridas pela língua portuguesa, no contexto das colonizações, o estudioso afirma que, ao ser transportado para terras tão distantes, o português não pôde continuar uniforme e se fragmentou em dialetos. Aspectos como a topografia, os costumes, as crenças, as instituições sociais e os hábitos linguísticos contribuíram para que isso ocorresse. Para ilustrar essa diversidade, Coutinho (1976) apresenta a classificação dialetal feita por Leite de Vasconcelos em três grandes grupos, os quais são resumidos no quadro a seguir: Quadro 1.1: Grupos dialetais da língua portuguesa. Continentais (continente europeu) Insulanos (ilhas europeias) Ultramarinos (ultramar) 1) interamnense (Entre- Douro-e-Minho); 2) trasmontano (Trás-os- Montes); 3) beirão (Beira-Alta e Beira-Baixa); 4) meridional (Sul de Portugal). 1) açoriano (Açores); 2) madeirense (Madeira). 1) dialeto brasileiro; 2) indo-português: dialeto crioulo de Diu; dialeto crioulo de Damão; dialeto norteiro (Bombaim, Baçaim, Caul etc.), português de Goa; dialeto crioulo de Mangalor; dialeto crioulo de Cananor; dialeto crioulo de Maé; dialeto crioulo de Cochim; português da costa de Coromandel; 3) dialeto crioulo de Ceilão; 4) dialeto crioulo macaísta ou de Macau; 5) malaio-português: dialeto crioulo de Java; dialeto crioulo de Malaca e Singapura; 6) português de Timor; 7) dialeto crioulo caboverdeano ou de Cabo Verde; 8) dialeto crioulo guineense ou da Guiné; 9) dialetos crioulos do golfo da Guiné (ilha de S. Tomé, Príncipe e Ano Bom); 10) português das Costas d�África (Angola, Moçambique, Zanzibar, Mombaça, Melinde, Quíloa). Fonte: Coutinho (1976, p. 59-61). 16 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa A diversidade geográfica do processo de expansão da nossa língua está intimamente relacionada à sua varia- bilidade. Cunha e Cintra (2008) afirmam que as características assumidas por uma língua, de acordo com as diferentes regiões em que ela se encontra, são chamadas de dialetos. O Quadro 1.1 apresenta bem essa relação, pois sintetiza dezenas de dialetos relacionados aos usos da língua portuguesa. Essa noção não diz respeito ape- nas ao contexto da língua utilizada longe do seu país de origem, mas também a regiões distintas de um mesmo território. Você pode observar, por exemplo, que na região peninsular onde os portugueses se instalaram já havia o seu próprio dialeto, o romance. Além disso, com a divisão feita pelo autor, torna-se notável a expansão da língua portuguesa pelo mundo e a variedade de dialetos que surgiram a partir da sua influência, resultado da dominação exercida pela nação portu- guesa. Também podemos reconhecer que o grupo ultramarino, quando comparado com os demais, ilustra como as navegações tiveram um papel central na difusão da língua portuguesa por todos os continentes. Nem todas as nações alcançadas pela língua portuguesa a utilizam como língua oficial dos seus países. Para ter uma visão atualizada sobre o uso oficial da língua portuguesa no mundo, visite o site da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma organização inter- nacional composta por países lusófonos: <https://www.cplp.org/>. 1.7.1 A criação de uma língua nacional Quando um Estado se organiza politicamente como uma nação, a língua, ao constituir-se como o idioma nacio- nal, contribui para a identidade e solidificação de uma cultura. De acordo com Ilari (2008), é possível atribuir a condição de língua nacional, no mundo românico atual, a seis idiomas: o português, o espanhol, o catalão, o francês, o italiano e o romeno. Ao esclarecer o conceito, este autor afirma que as línguas nacionais não podem ser resumidas a dialetos que constituíram uma literatura, posto que os dialetos não se elevam automaticamente à condição de língua nacio- nal apenas pelo fato de terem produzido uma literatura de prestígio. A “literatura dialetal”, de natureza proven- çal, é um exemplo disso, pois a mais antiga escola de poesia lírica, no domínio românico, foi o trovadorismo, que produziu, entre os séculos XI e XIII, obras que são traduzidas e editadas até hoje, além de terem exercido grande influência literária na época. Desse modo, para o autor, se a literatura não é critério suficiente para definir uma língua nacional, as condições políticas ou jurídicas também não são, uma vez que não basta o fato de um idioma ser falado em um Estado ou região para ser definido como uma língua oficial. São as funções que o idioma desempenha na comunidade de falantes que impulsionam o estabelecimento de um idioma nacional. Por exemplo, é a riqueza de publicações em todas as áreas de conhecimento que confere ao catalão o status de língua nacional. https://www.cplp.org/ 17 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa 1.7.2 A dimensão cultural das línguas nacionais As línguas nacionais têm a ver com as aplicabilidades que desempenham em uma sociedade que possui suas próprias necessidades, as quais variam de acordo com a época. Nesse sentido, a importância dada ao discurso técnico, estético, religioso, legal, dentre outros, varia conforme a conveniência da época. Para Ilari (2008, p. 215- 216), é correto afirmar que: [...] o provençal foi uma língua nacional entre os séculos XI e XIII, época em que forneceu um padrão respeitado em toda a Europa para a produção de composições lírico-poéticas, e serviu para a pro- dução dos tipos de texto então mais importantes: vidas de santos, crônicas de viagens e poemas que cantavam a concepção cortesã do amor. Evidentemente, nas sociedades modernas, as neces- sidades que uma língua nacional satisfaz são bem mais complexas: não se manifestam apenas no domínio da arte, mas referem-se também aos mais variados campos do conhecimento (científicos, filosóficos, religiosos etc.) e da atividade prática (técnica, burocracia, imprensa, direito etc.). Por consequência, na formação das línguas nacionais, o contato com essas diversas esferas da produção humana se reflete, primeiramente, na fixação de convenções ortográficas e também repercute fortemente na estruturadas línguas em questão, proporcionada pelo enriquecimento e estabilização da sintaxe e do léxico. Considerando o pressuposto de que a produção literária não é o único fator necessário para o reconhecimento de uma língua nacional, é possível afirmar que ela seria irrelevante nesse processo? 1.7.3 O surgimento das línguas nacionais românicas: o português Para Ilari (2008), as seis línguas nacionais reconhecidas na România partiram de dialetos com alcance original- mente regional. Vejamos, especificamente, as circunstâncias que levaram à transformação de um dialeto na nossa língua portuguesa. Ao estudar sobre os aspectos sociolinguísticos da língua latina, a criação do Condado Portucalense permitiu que os portugueses se fixassem no território peninsular. A partir disso, durante todo o século XIII, propagou-se em Portugal a poesia lírica, escrita em uma linguagem próxima ao galego e representada pelo gênero das can- tigas, que possuíam inspiração provençal. Consequentemente, o sucesso dessa poesia e do galaico-português enquanto língua literária foram internacionais, como exemplifica Ilari (2008, p. 207): Afonso X de Castela, monarca e protetor das letras, escreveu em português grande parte de sua produção lírica, conformando-se aparentemente a uma opinião corrente segundo a qual, das línguas ibéricas, o português era particularmente apropriado para a expressão dos sentimentos ao passo que o castelhano deveria ser preferido para a épica e a história. 18 História da Língua Portuguesa | Unidade 1 - História da Língua Portuguesa Paralelamente, o galaico-português afirmou-se como língua da poesia trovadoresca e propiciou a criação de uma norma galaico-portuguesa para ser usada em documentos notariais no século XII. Contudo, a norma não vingou nos primeiros séculos, forçando os portugueses a deslocarem a capital e a corte para o Sul, as quais tive- ram como sede, sucessivamente, Porto, Coimbra e Sintra-Lisboa, regiões que se tornariam centros políticos com influência sobre os hábitos linguísticos. Nessa conjuntura, o português culto, que em sua origem apresentava acentuadíssimas semelhanças com o galego, foi modelando-se de acordo com a fala culta da região que se encontrava entre as cidades de Coimbra, sede da antiga capital e de uma célebre e antiga universidade, e de Lisboa, a capital atual. Esse deslocamento geográfico somou-se aos efeitos de três séculos de evolução que incluíram a experiência acumulada na elaboração de uma prosa hagiográfica, doutrinária e histórica, com influências do Humanismo e da Renascença. Foi esse novo padrão literário que se consolidou no período quinhentista, época em que se situava o nosso conhecido Camões. A riqueza literária portuguesa quinhentista e seiscentista também foi um fator determinante para libertar o português da influência castelhana no período em que Portugal esteve sujeito politicamente à Espanha (1580-1640). Após estudarmos os aspectos que envolvem a criação de uma língua nacional, portuguesa torna-se relevante retomar às noções de variação vertical e horizontal que conhecemos ao estudar os aspectos sociolinguísticos da língua latina. A língua, em seus processos de evolução ao longo do tempo, é atravessada pela divisão da socie- dade e pelos lugares para os quais é transportada. Assim, torna-se claro o caráter dinâmico das línguas, o qual, desde tempos remotos, sempre manteve viva a sua essência: a mutabilidade. Hagiográfico é o que diz respeito à hagiografia, ciência que estuda a biografia dos santos venerados pelos fiéis. Essa prática surgiu na igreja primitiva, porém, atualmente, também pode ser encontrada em outras práticas religiosas, como o budismo e islamismo. Glossário 19 Considerações finais Nesta unidade, você teve acesso a diversos conhecimentos e reflexões sobre a história da língua portuguesa, tais como: • A mutabilidade das línguas como o ponto central de estudo da Linguística Histórica. • As histórias interna (mudanças sistêmicas e estruturais nas lín- guas) e externa (relacionada à organização social, cultural e eco- nômica que envolve as línguas) das línguas. • O papel central da expansão do Império Romano na propagação da língua latina. • Os aspectos sociais que influenciaram o surgimento de variantes da língua latina. • O processo formativo da língua portuguesa no contexto das domi- nações no território peninsular e as fases históricas do idioma. • A expansão da língua portuguesa no contexto de conquistas ter- ritoriais das grandes navegações portuguesas. • Os aspectos relacionados ao status de língua nacional conferido aos idiomas e o estabelecimento do português como uma língua nacional românica. Referências bibliográficas 20 COUTINHO, I. de L. Gramática histórica. 7. ed. Rio de Janeiro: Livro Téc- nico, 1976. CUNHA, C; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâ- neo. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. ILARI, R. Linguística românica. São Paulo: Ática, 2008. FARACO, C. A. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da histó- ria das línguas. São Paulo: Parábola, 2012. 22 2Unidade 2 Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Para iniciar seus estudos Você iniciará os estudos da Unidade 2: Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético, a qual desenvolverá conhe- cimentos relacionados às transformações fonéticas apresentadas pelo nosso idioma ao longo do tempo. Você sabe o que é um metaplasmo? Conhece o significado de uma epêntese? Já ouviu falar do hiperbibasmo? Você está prestes a conhecer essas palavras e muitas outras, além de desenvolver conhecimentos acerca dos sons da nossa fala: os fonemas. Vamos iniciar os nossos estudos? Objetivos de Aprendizagem • Reconhecer as leis fonéticas. • Identificar transformações fonéticas na língua portuguesa. • Relacionar a língua falada e a língua escrita. 23 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético 1.1 O campo de estudo da fonética Ao estudar a história da língua portuguesa, temos a oportunidade de conhecer diferentes aspectos que envol- vem a temática. Nesta unidade, você estudará aspectos relacionados à história interna do nosso idioma, voltada para o seu sistema linguístico, a partir do seu componente fonético. De acordo com Coutinho (1976), a fonética é um campo de estudo que trata dos sons ou fonemas. Essa ciência pode ser dividida em três vertentes: • Descritiva: trata da formação e descrição dos fonemas (também é conhecida como estática e sincrônica). • Histórica: estuda a evolução dos fonemas no tempo e no espaço (também é designada como dinâmica e diacrônica). • Experimental: utiliza instrumentos especiais para estudar os sons da linguagem (também é nomeada como instrumental). Ainda, ressaltamos o fato de que os fonemas sofreram modificações e quedas ao passarem do latim para o por- tuguês, e o estudo da fonética histórica, especificamente, consiste em dizer em que casos essas mudanças e quedas ocorrem, conforme Coutinho (1976) nos apresenta. Sendo assim, sob a perspectiva da fonética histórica, vamos estudar essas alterações ao longo desta unidade. 1.2 Os sons da fala e o aparelho fonador Os sons da fala são produzidos por nós, falantes de uma língua. Para Cunha e Cintra (2001), a maior parte deles resulta da ação de certos órgãos sobre a corrente de ar vinda dos pulmões, sendo três as condições necessárias para a sua produção: • a corrente de ar; • um obstáculo encontrado por essa corrente de ar; • uma caixa de ressonância. Os órgãos da fala são os responsáveis pela criação dessas condições e são denominados, em seu conjunto, de aparelho fonador, que é constituído pelas seguintes partes: a. Os pulmões, os brônquios e a traqueia: órgãos respiratórios responsáveis pelo fornecimento da cor- rente de ar, matéria-prima da fonação. b. A laringe: local em que se encontram as cordas vocais, que produzem a energiasonora do processo de fala. c. As cavidades supralaríngeas (faringe, boca e fossas nasais): funcionam como uma espécie de caixa de ressonância, sendo que a cavidade bucal pode variar profundamente, em forma e volume, por causa dos movimentos de órgãos ativos, principalmente a língua que, por ser tão importante na fonação, tornou-se sinônimo de idioma. Na nossa vida cotidiana, podemos observar a importância do aparelho fonador para que possamos emitir os sons da fala. Você já reparou que, quando ficamos sem fôlego, temos dificuldade em emitir sons? Já observou que algumas pessoas têm dificuldade em articular determinados sons? Tudo isso demonstra que a fala, apesar de ser natural para nós, também requer o bom funcionamento de uma “aparelhagem”. 24 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético 1.2.1 O funcionamento do aparelho fonador O processo fonador acontece com o ar sendo expelido dos pulmões, por meio dos brônquios, penetrando na tra- queia e atingindo a laringe, na qual, ao atravessar a glote, encontra seu primeiro obstáculo durante a sua passagem. A glote, por sua vez, é uma abertura que se encontra entre duas cordas vocais. Durante a sua passagem, o fluxo de ar pode encontrá-la fechada ou aberta, por causa do afastamento ou aproximação das bordas das pregas vocais. Quando elas estão cerradas, o ar força a sua passagem entre elas, que ficam esticadas, produzindo o som musical que caracteriza as articulações classificadas como sonoras. Já quando elas estão relaxadas, o ar conse- gue passar com mais facilidade, dando origem às articulações designadas como surdas. Como exemplo prático, pronuncie a consoante /d/ [sonora] e, em seguida, a consoante /t/ [surda], mantendo uma das mãos sobre o gogó da sua garganta. Você observou que, na pronúncia da primeira, houve vibração e, na segunda, não? Essa é a distinção entre o som surdo e o som sonoro. No que diz respeito à saída do ar, esse processo passa, primeiramente, pela laringe, para depois adentrar na cavidade faríngea. Nesse local, o ar encontra dois caminhos de saída: o canal bucal e o canal nasal. Entre essas duas cavidades, fica o véu palatino, órgão responsável pela mobilidade necessária para que o ar chegue até a cavidade nasal. Se abaixado, ele libera ambos os canais, gerando a divisão da corrente expiratória e fazendo com que parte dela saia pelas fossas nasais, o que dá origem às articulações designadas como nasais. Se levantado, o véu palatino junta-se à parede posterior da faringe, deixando livre apenas o canal bucal, o que resulta nas articu- lações denominadas orais. Como mais um exemplo prático, pronuncie, agora, as vogais /a/ [oral] e /ã/ [nasal]. Você observou que, na pro- núncia da primeira, o som saiu pela sua boca e, na segunda pronúncia, ele saiu pelo seu nariz? É essa diferença que caracteriza os sons orais e nasais. Porém, como sinalizam Cunha e Cintra (2001), é na cavidade bucal que se produzem os movimentos fonadores mais variados, por causa da maior ou menor separação dos maxilares, das bochechas e, especialmente, da mobilidade da língua e dos lábios. Figura 2.1: O aparelho fonador. 25 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Legenda: A imagem ilustra o aparelho fonador diante da produção dos sons da fala, desde a respiração até as ressonâncias nasais. Fonte: Cunha e Cintra (2001, p. 25). O conhecimento em torno do funcionamento do aparelho fonador é muito importante, pois complementa nosso estudo sobre a fonética. Agora que já conhecemos o funcionamento do aparelho fonador e os tipos de sons e articulações, vamos dar continuidade ao nosso estudo, dessa vez com ênfase no som e no fonema. 1.2.2 O som e o fonema No funcionamento da língua portuguesa, nem todos os sons que são pronunciados têm o mesmo valor. Assim sendo, alguns servem para diferenciar palavras que se identificam. Por exemplo, na palavra erro, é a diversidade de timbre (fechado ou aberto) da vogal tônica que nos permite diferenciar o substantivo da conjugação verbal do verbo errar (CUNHA; CINTRA, 2001). Observe, de modo semelhante, na série: 26 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético dia via mia tia fia pia No exemplo, temos seis palavras do nosso idioma que se distinguem apenas pelas consoantes iniciais. Por isso, toda distinção significativa que for estabelecida entre duas palavras de um idioma, pela oposição e contraste entre dois sons, revela que cada um deles representa uma unidade mental sonora diferente. É essa unidade, da qual o som é representação física, que recebe o nome de fonema. Dessa maneira, os sons vocálicos dos exemplos que apresentamos correspondem a fonemas diversos. Assim, o estudo minucioso dos sons da fala e das variadas realizações dos fonemas será feito pela fonética. É sobre a fonética que vamos estudar no tópico a seguir. 1.3 As leis fonéticas Ao conceituar o fonema, Coutinho (1976) nos apresenta a definição de Saussure, na qual tal termo é caracte- rizado como a soma das impressões e dos movimentos articulatórios da escuta e da fala, que se condicionam mutuamente. Desse modo, o fonema constitui-se como uma unidade complexa, por estar relacionado tanto ao processo de articulação quanto ao de escuta. Esse aspecto é relevante quando pensamos nos processos comu- nicativos entre os falantes, pois tanto a percepção quanto a articulação dos sons variam de pessoa para pessoa, daí a complexidade do componente fonético. Câmara Júnior (1988), por sua vez, adverte que o fonema é um conceito da língua oral e não deve ser confundido com a letra, que é um conceito da linguagem escrita. Por exemplo, o mesmo fonema pode ser representado com letras diferentes, como nas palavras aço e asso e nos sufixos -esa (ex: portuguesa) e -eza (ex: tristeza). Você pode observar que, quando escutamos essas palavras, ouvimos os mesmos sons, ou seja, os mesmos fonemas. A dis- tinção das letras, nesses casos, diz respeito à ortografia e significação. O exemplo do autor é um fator importante quando trabalhamos a produção escrita na escola, pois, muitas vezes, os erros de grafia apresentados pelos alu- nos podem estar relacionados às imagens sonoras que eles possuem de determinados sons. Quando a pronúncia de um som ou fonema é representada de forma escrita, a sua transcri- ção é feita por meio do Alfabeto Fonético Internacional, um sistema de notação fonética que padroniza os sons da língua oral. No que diz respeito às leis fonéticas, Câmara Junior (1988) afirma que elas são princípios contínuos que presidem a evolução das palavras. Nesse sentido, quando observamos as modificações dos vocábulos, é possível verificar que os fonemas se alteram do mesmo modo, e reside nessas circunstâncias o caráter de constância e inflexibili- dade das leis fonéticas. O autor esclarece que as modificações que ocorrem nas palavras se originam dos meios precários que levam os falantes ao conhecimento de um idioma: a imperfeição das imagens auditivas que são formadas e a incapaci- dade de reproduzir os sons ouvidos com fidelidade. Assim, 27 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Não se pode representar a transmissão da linguagem por um todo contínuo, uma reta por exemplo, em que o indivíduo que fala e o que ouve ocupem extremidades. Antes, o que se observa é uma completa descontinuidade nessa transmissão, devendo, por isso, cada geração que surge, fazer as mesmas tentativas que as anteriores, para a posse da linguagem. (COUTINHO, 1976, p. 135). Diante disso, é possível notarmos que o caráter mutável da língua, aspecto que discutimos na seção anterior, não somente se aplica ao componente fonético da língua portuguesa como também é essencial para o estudo das suas modificações. Ainda paraCoutinho (1976), as transformações fonéticas apresentam um tríplice caráter, sendo: • Inconscientes: as modificações observadas nas palavras de uma língua são alheias às vontades dos falan- tes, uma vez que falamos seguindo as tendências da época em que vivemos. Essas tendências variam, o que ilustra a diversidade com a qual a língua é tratada no curso de sua história. • Graduais: a evolução das palavras dá-se segundo a lei natural; natura non facit saltus (a natureza não dá saltos) e não é difícil que surjam equívocos em relação à evolução dos vocábulos quando investigamos formas latinas que deram origem às palavras portuguesas atuais. Assim, é preciso que, primordialmente, todos os elos da cadeia evolutiva sejam restabelecidos, incluindo as formas intermediárias, para que seja possível observar como a evolução aconteceu de forma gradativa. • Constantes: a generalização das leis tornou-se possível por causa da regularidade das transformações, pois sempre que um fonema se encontra em determinada circunstância, ele deve modificar-se da mesma forma. Figura 2.2: Conversa ao pé do ouvido. Legenda: A diversidade de cores e formas nos balões de fala, inseridos em segundo plano, ilustra a variedade e incons- tância das transformações fonéticas. O balão de cor branca, representado de forma centralizada, representa a confluên- cia entre os fatores fonéticos e a o sistema linguístico, cujas nuances serão matizadas de acordo com essas mudanças. Fonte: Plataforma Deduca (2017). 28 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Assim sendo, no que diz respeito às transformações fonéticas, são três as leis que se referem à evolução das palavras portuguesas: • Lei do menor esforço (ou da economia fisiológica): pode ser considerada um preceito universal, uma vez que o seu domínio se estende a todas as esferas da atividade humana, e consiste na simplificação dos processos que os seres humanos realizam. A sua aplicação como lei fonética resume-se na ação de tornar a articulação das palavras mais fácil para os órgãos fonadores. • Lei da permanência da consoante inicial: na perspectiva da fonética histórica, as mudanças sofridas pelas consoantes dependem da posição que elas ocupam nos vocábulos. Por exemplo, à medida que as consoantes em posição média ou em posição final estão sujeitas às frequentes sonorizações ou quedas, as consoantes em posição inicial tendem a permanecer nas palavras da língua portuguesa, excetuando- -se poucos casos. Para que essa permanência acontecesse, o acento de intensidade do antigo latim deve ter contribuído, já que ele conferia proeminência à sílaba inicial da palavra. • Lei da persistência da sílaba tônica: as palavras do português apresentam a mesma tonicidade do latim. O acento tônico, em meio aos processos de queda dos fonemas, ainda assim conseguiu guardar a unidade da palavra, que poderia ter sido prejudicada em seu processo evolutivo. Assim, a pausa demo- rada recebida pela sílaba tornou-se não somente um processo, mas, também, uma regularidade na lín- gua portuguesa. As leis fonéticas serão um aspecto importante no desenvolvimento do fórum desafio. A partir dessas circunstâncias, veremos, a seguir, algumas modificações fonéticas relacionadas à nossa língua portuguesa. 1.4 Os metaplasmos De acordo com Coutinho (1976), os fonemas constituem o material sonoro da língua e, assim como tudo o que a constitui, estão sujeitos a transformações. As modificações fonéticas que as palavras da língua portuguesa sofrem em seus processos evolutivos recebem o nome de metaplasmos. É possível identificar essas mudanças quando comparamos o português com o latim e vozes de épocas distintas, pois “(...) cada geração altera inconscientemente, segundo as suas tendências, as palavras da língua, alterações essas que se tornam perfeitamente sensíveis, só depois de decorrido muito tempo”. (COUTINHO, 1976, p. 143). Para o autor, as modificações sofridas pelos fonemas serão de quatro naturezas, uma vez que elas são modifica- das pela troca, pelo acréscimo, pela supressão de um fonema e pela transposição de um fonema/acento tônico. Sendo assim, Coutinho (1976) apresenta que os metaplasmos se dividem em quatro tipos: 1. Metaplasmos por permuta: consistem na substituição ou troca de um fonema por outro. São subdividi- dos nos seguintes processos: • Sonorização: permuta de um fonema surdo por um sonoro que tenha o mesmo modo de articulação. Os fonemas p, t, c, f, quando mediais intervocálicos, sonorizam, na língua portuguesa, em b, d, g, v. Exemplos: lupu – lobo, cito – cedo, acutu – agudo, profectu – proveito. 29 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético • Vocalização: é a conversão de uma consoante em um fonema vocálico. Vocaliza-se em i ou u a primeira consoante dos grupos ct, lt, pt, lc, lp, bs, gn. Exemplos: factu – feito, alteru – outro, cap(i)tale – caudal, falce – fouce, palpare – poupar, absentia – ausência, regnu – reino. • Consonantização: é a transformação de um som vocálico em consonantal. Ocorrem casos de consonan- tização com as semivogais i e u, que se transformam em j e v. Exemplos: iam – já, ieiunu – jejum, hierarchia – jerarquia, Hieronymu – Jerônimo, uagare – vagar, uiuere – viver. • Assimilação: é a aproximação ou perfeita identidade de dois fonemas, por causa da influência que um exerce sobre o outro. Pode ser vocálica e consonantal, total e parcial, progressiva e regressiva: » É vocálica quando o fonema que se assimila é uma vogal. Exemplos: novac(u)la – navalha, paomba (arc.), paomba – palumba – poomba – pomba, caente – calente – queente – quente. » É consonantal quando o fonema assimilado é uma consoante. Exemplos: persona – pessõa – pessoa, verlo – vello – vê-lo, ipse – isse – esse. » É total quando é possível identificar o fonema assimilado com o assimilador. Exemplos: per+lo – pello (pelo), avessu – avesso, persicu – pessicu (pêssego). » É parcial quando os fonemas são similares e não existe completa identidade. Exemplos: lim(i)te – linde, com(i)te – conde, faito – factu – feito, auru – ouro. » É progressiva quando um fonema assimilador está em primeiro lugar. Exemplos: amaramlo – ama- ram-no, mol(i)nariu – mollairo – moleiro, salnitre – sallitre – salitre, esmol(y)na – eleemosyna – esmola – esmola. » É regressiva quando o fonema assimilador está depois. Exemplos: pedir (petire pro petere) – pidir, cap- seu – casseu – queixo, ersa – essa, reversu – revesso. » A assimilação também pode acontecer por influência de uma consoante sobre a vogal. Exemplos: fame – fome, cognatu – cunhado, resecare – rasgar, regina – rainha, vipera – víbora. • Dissimilação: é a diversificação ou queda de um fonema pelo motivo de já existir um fonema igual ou semelhante na palavra. Exemplos: calamellu – caramelo, formosu – fermoso, aratru – arado. A dissimila- ção pode ser: » Vocálica: quando o fonema que se dissimila é uma vogal. Exemplos: poçonha – potionea – peçonha, tosoira – tonsoria – tesoira, temoroso – temeroso. » Consonantal: quando o fonema que se dissimila é uma consoante. Exemplos: an(i)ma – alma, raru – ralo, animalia – alimalia, taratru – trado. » Progressiva: quando o fonema que se dissimila está depois do dissimilador. Exemplos: cribu – crivo, prora – proa, rutru – rodo, rostru – rosto. » Regressiva: quando o fonema que se dissimila está antes do dissimilador. Exemplos: mel(i)mellu – marmelo, quinque – cinque – cinco, paravra – parábola – palavra. • Nasalação (ou nasalização): é a conversão de um fonema oral em nasal. Exemplos: muccu – monco, monger – mungir, mac(u)la – mancha, mae – matre – mãe. Em todos os exemplos acima, a nasalação se explica pela nasal anterior. • Desnasalação (ou desnasalização): é a conversão do fonema nasal em oral. Exemplos: lũa – luna – lua, corõa – corona – coroa, bõa – bona – boa, pessõa – persona – pessoa, sõar – sonare– soar. 30 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético • Apofonia (ou deflexão): é a modificação que sofre a vogal da sílaba inicial de uma palavra por causa do acréscimo de um prefixo. Exemplos: ad-cantu – accentu – acento, sub+jactu – subjectu – sujeito, per+factu – perfectu – perfectu – perfeito. • Metafonia: é a modificação do timbre de uma vogal, resultante da influência que a vogal ou semivogal seguinte exerce sobre ela. Exemplos: feci – fiz, debita – dívida, dormio – durmo, compleo – cumpro. A modificação do timbre também pode acontecer no singular, no masculino e na 1ª pessoa do mesmo modo, conservando o timbre originário latino: jocu – jogo, focu – fogo. Figura 2.3: Letras ou fonemas? Legenda: As letras alfabéticas, na imagem, representam a fala, porém não podem ser chamadas de fonemas. Fonte: Plataforma Deduca (2017). 2. Metaplasmos por aumento: são aqueles que adicionam fonemas às palavras. Eles podem ser subdividi- dos em: • Prótese ou próstese: é o aumento de som no começo da palavra. Exemplos: stare – estar, nanu – anão, vult(u)re – abuiltre – abutre, pruneu – abrunho. Na língua portuguesa, muitas vezes a prótese provém da aglutinação do artigo. Exemplos: phantasma – abantesma, minacia – ameaça, mora – amora. • Epêntese: é o acréscimo de fonema no interior da palavra. Exemplos: pign(o)ra – pendra – prenda, um(e) ru – ombro, sim(u)lante – semblante – sembrante – semblante, ingen(e)rare – engendrar, stella – estrela. A posposição do “r” é no grupo “st” é fato comum no português: listra, lastro, mastro, estralar, celestrial (arc.). • Anaptixe (ou suarabácti): é um tipo de epêntese especial e ocorre quando um grupo de consoantes é desfeito pela intercalação de uma vogal. Exemplos: grupa – kruppa (germ.) – garupa, bratta – blatta – barata, fevrairo – febrariu por februariu – fevereiro. • Paragoge ou epítese: é a adição de fonema no fim da palavra. Exemplos: ante – antes, cujo “s” se aplica por analogia ao de depois. Nos empréstimos modernos, acrescenta-se o fonema “e” quando as palavras terminam em consoantes que não são comumente usadas no português: chique (chic), clube (club), bife (beef), filme (film), restaurante (restautant), zinco (zink), lanche (lunch). 31 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético 3. Metaplasmos por subtração: são aqueles que tiram ou diminuem fonemas da palavra. Podem ser sub- divididos em: • Aférese: é a queda de fonema em início de palavra. Exemplos: attonitu – tonto, episcopu – bispo, inamo- rare – namorar. Os casos de aférese eram muito comuns no português antigo: geriza (ojeriza), lambique (alambique), laúde (alaúde), bondar (abundar), menagem (homenagem). • Síncope: é a subtração de fonema no interior da palavra. Exemplos: malu – mau, mediu – meio, lepore – lebre, veritale – verdade. • Haplologia: é uma espécie de síncope, que consiste na queda de uma sílaba medial, pelo fato de haver uma idêntica ou quase idêntica na mesma palavra. Exemplos: rodador – rotatore – rodor – redor, perdeda – perdida – perda, vendeda – vendita – venda. Também são exemplos de haplologia: bondoso, idoso, pie- doso, maldoso, saudoso. • Apócope: é a queda de fonema no fim da palavra. Exemplos: amat – ama – amare – amar, atroce – atroz, legale – legal, regale – real, mense – mês. • Crase: é a fusão de dois sons vocálicos contíguos. No latim, houve a fusão de vogais iguais em uma só. Veja as evoluções: pede > pee > pé (pé formou-se pelo processo da crase) nudu > nuu > nu (nu formou-se pelo processo da crase) colore > color > coor > cor (o mesmo se deu aqui, no último processo. Antes, houve uma síncope, a queda do ‘L’.) • Sinalefa (ou elisão): é a queda da vogal final de uma palavra e ocorre quando a seguinte começa com uma vogal. Exemplos: de+intro – dentro, de+ex+de – desde, de+este – deste, de+aquele – daquele. 4. Metaplasmos por transposição: são aqueles que consistem na deslocação de fonema ou de acento tônico da palavra. São divididos em: • Metátese: é a transposição de fonema na mesma sílaba ou entre sílabas. Exemplos: inter – intre – entre, capiam – cabia (arc.) – caiba, pigritia – preguiça. Hiperbibasmo: é a transposição de acento tônico na palavra. É subdividida em: • Sístole: transposição de acento tônico de uma sílaba para a anterior. Exemplos: amassémus - amavissé- mus – amássemus, erámus – éramos, saíva – seíva – seiva. • Diástole: deslocação de acento tônico de uma sílaba para a posterior. Exemplos: océanu – oceano, júdice – juiz, gémitu – gemido, mulíere – mulher. Também houve deslocação de acento tônico em palavras como fígado, nível, míope, regime, amido, farmácia, ídolo. A mudança de tonicidade é atribuída ao processo de analogia à prosódia grega ou aos finais de palavras portuguesas. Ainda, é atribuída aos poetas a facul- dade de tornar tônicas as sílabas átonas e vice-versa, principalmente quando eles empregam palavras pouco conhecidas. Por exemplo, em Camões encontramos: Próteu, Anibál e Téseu. 32 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético A prosódia envolve aspectos relacionados à emissão dos sons durante o processo da fala, como, por exemplo, a acentuação, o ritmo e a entonação. Glossário Na sequência, apresentamos o Quadro 2.1, que traz de forma resumida os metaplasmos. Quadro 2.1: Síntese dos metaplasmos. TIPOS DE METAPLASMOS Por permuta Por aumento Por subtração Por transposição Sonorização Prótese ou próstese Aférese Metátese Vocalização Epêntese Síncope Hiperbibasmo Consonantização Anaptixe (ou suarabácti) Haplologia Assimilação Paragoge ou epítese Apócope Dissimilação Crase Nasalação (ou nasalização) Sinalefa (ou elisão) Desnasalação (ou desnasalização) Apofonia (ou deflexão) Metafonia Legenda: O quadro sintetiza os quatro tipos de metaplasmos existentes na língua portuguesa. Fonte: Adaptado de Coutinho (1976). Diante dos diferentes tipos de metaplasmos, pudemos observar como os fonemas influenciam as mudanças que as palavras sofrem ao longo do tempo. Essa categoria, por constituir a unidade mínima da palavra, se inter- -relaciona, ou seja, pequenas partes influenciam na segmentação da palavra como um todo e na imagem que os falantes criam das palavras. 33 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético 1.5 A analogia fonética Para Coutinho (1796), entende-se, por analogia, o princípio pelo qual a linguagem tende a uniformizar-se, redu- zindo, assim, suas formas irregulares e menos frequentes. Ao citar Niedermann, Coutinho (1796) adverte que a mutação analógica difere da fonética, pois aquela se produz sempre em função do sentido ou do papel gramatical, já esta só atinge a imagem acústica da palavra, que não diz respeito ao valor inerente da palavra em seus processos de significação. Coutinho também afirma que não devemos confundir analogia com assimilação, pois a analogia resulta da influ- ência de um vocábulo sobre outro, determinando igualdade ou aproximação, já a assimilação diz respeito à iden- tidade ou semelhança de fonemas de uma mesma palavra. Ainda, para o autor, a ação da analogia afeta diferentes domínios de uma língua e suas consequências podem ser vistas na fonética, na morfologia, na sintaxe e na semântica. Vejamos, por ora, como se dá a sua ocorrência no domínio da fonética. Na perspectiva de Coutinho (1976), a palavra, quando tomada isoladamente, constitui-se como um conjunto material de fonemas ou sílabas aos quais atribuímos sentido. Quando a ação da analogia atinge essas unidades da palavra, sem que haja alteração nas formas do sistema linguístico, trata-se de analogia fonética. O autor afirma que [...] o nosso espírito associa não raro palavras que na origem são distintas. Para isso basta que uma possa de algum modo evocara outra, o que acontece quando ela descobre certas relações entre elas, principalmente de afinidade ou oposição semântica. O resultado é que a menos familiar ou menos radicada na língua sofre a influência da outra, que lhe determina modificações materiais, inexplicáveis pelas leis fonéticas conhecidas. (COUTINHO, 1796, p. 154). Nesse sentido, o “r” de estrela provém da analogia com astro; o “t” de cafeteira resulta da influência de leiteira; o “l” aparece em floresta por causa da influência da palavra flor; o “a” de chaminé se explica por interferência de chama; o “f” de ferrolho remete a ferro; o “au” de saudade está relacionado à intervenção de saúde; o “ou” de far- roupilha relaciona-se com o de roupa, o “g” de golfinho provém de golfo; o “d” de estalajadeiro tem influência de pousadeiro, hospedeiro e o “nh” de caminhão revela o influxo de caminhar. O autor afirma que os exemplos apresentados não se distanciam de outras palavras que os linguistas enquadram sob a denominação genérica de “etimologia popular”, as quais, em sua essência, não diferem de outras palavras tidas como cultas. Vejamos exemplos de etimologia popular no quadro a seguir. 34 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Quadro 2.2: A etimologia popular. Exemplos de etimologia popular braguilha barriga braguilha camapé cama canapé esgatalhar gato esgadanhar altomóvel alto automóvel entrolhos entre antolhos forçura força fressura ourina ouro urina ouvisto visto ouvido praiamar praia preamar palmeirão palmeira Paul Neyron sancristão santo sacristão semprenoiva sempre noiva centinódia vagamundo mundo vagabundo Legenda: As palavras no quadro apresentam analogia e, por serem consideradas ver- náculos populares, são classificadas pelo termo “etimologia popular”. Fonte: Coutinho (1976). Para Coutinho, também não são poucas as expressões ou frases cujas palavras foram alteradas pela etimologia popular. Provavelmente você já deve conhecer alguns dos exemplos a seguir: • “Quem tem boca vai a Roma.” no lugar de “Quem tem boca vaia Roma.”; • “Cor de burro fugido.” no lugar de “Corro de burro fugido.”; • “Quem não tem cão caça com gato.” no lugar de “Quem não tem cão caça como gato”; • “Cuspido e escarrado” no lugar de “Esculpido em carrara”. O termo etimologia diz respeito ao estudo da origem e evolução das palavras, a partir da investigação da sua origem desde diferentes estados apresentados em língua anteriores. Glossário 35 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético Ainda de acordo com o autor, as palavras e/ou frases estrangeiras estão mais sujeitas às alterações populares, pois basta uma homonímia ou semelhança qualquer entre os vocábulos estrangeiro e português para que os falantes procurem identificá-los. Podemos encontrar traduções como: • a par e passo (pari passu); • no tempo do Nilo (in illo tempore); • já não há céu (janua caeli); • contradança (country-dance); • João das Armas (gendarmes); • Tadeu (Te Deun). Até na grafia das palavras é possível perceber os efeitos da analogia, uma vez que as pessoas aproximam grafica- mente palavras de origens diferentes. Assim, a simplificação ortográfica contribui grandemente para evitar tais confusões, já que ainda é possível vermos grafias como as que apresentamos no quadro a seguir. Quadro 2.3: Analogia e ortografia. Relação analógica entre palavras ascenção (ascensão) por analogia com assunção excessão (exceção) por analogia com excesso foçar (fossar) por analogia com focinho serração (cerração) por analogia com serrar setim (cetim) por analogia com seda vasa (vaza) por analogia com vaso ância (ânsia) por analogia com -ânsia lisongeiro (lisonjeiro) por analogia com -geiro Legenda: Relação de analogia entre palavras que, de acordo com a norma padrão da lín- gua portuguesa, acabam sendo escritas de forma incorreta. Fonte: Coutinho (1976, p. 156). De acordo com Coutinho (1976), os homônimos mais conhecidos servem como modelo às pessoas com mais difi- culdade em relação à ortografia das palavras. Do mesmo modo, são exemplos de analogia: cozer por coser (preparar o alimento ao fogo), massa por maça (clava), chácara por xácara (narrativa popular em verso), concerto por conserto (reparo), russo por ruço (esbranquiçado), caçar por cassar (tornar sem efeito), taxar por tachar (censurar). Para você, o processo de analogia é relevante para o ensino da ortografia do português? 36 História da Língua Portuguesa | Unidade 2- Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente fonético O cruzamento de palavras também pode ser considerado um caso de analogia, já que os falantes associam, às vezes, duas palavras semelhantes na significação ou pronúncia. Dessa associação, surge um terceiro vocábulo com características fonéticas de ambos. Como exemplo, Coutinho (1976) cita o verbo alcançar; do latim calce, formou-se incalceare e accalceare, que deram, no português, respectivamente, em encalçar e acalçar, dando ori- gem, por metátese (transposição fonética, como visto na seção anterior), à palavra alcançar. A etimologia popular é um aspecto importante quando estudamos as mudanças linguísticas, pois nos permitem analisá-las levando em conta a dimensão do uso da língua. Conheça mais sobre o tema lendo o artigo de Pereira (2014), De Saussure, de outras contribuições, de ocorrên- cias linguísticas: a relevância da etimologia popular. Disponível em: <http://www.e-publicacoes. uerj.br/index.php/matraga/article/view/17511>. Acesso em: 7 nov. 2017. Diante do que apresentamos nesta unidade, observamos que o componente fonético é um aspecto importante na comunicação e no estudo das transformações das palavras ao longo do tempo. Também aprendemos que essas transformações são variadas e multifacetadas, o que ilustra a complexidade e a relevância desse compo- nente quando analisamos a história interna da língua portuguesa. http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/17511 http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/17511 37 Considerações finais Nesta unidade, você desenvolveu conhecimentos acerca da história interna da língua portuguesa, especificamente o seu componente foné- tico. Você desenvolveu conhecimentos sobre: • o campo de estudo da fonética histórica; • o aparelho fonador e os sons da fala; • a articulação dos sons; • as diferenças entre sons e fonemas na língua oral e escrita; • as leis fonéticas; • os metaplasmos e seus tipos; • a analogia na fonética; • a importância do componente fonético nas transformações das palavras da língua portuguesa. Referências bibliográficas 38 CÂMARA JUNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 18. ed. Petrópo- lis: Vozes, 1988. COUTINHO, I. de L. Gramática histórica. 7. ed. Rio de Janeiro: Livro Téc- nico, 1976. CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâ- neo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. PEREIRA, M. T. G. De Saussure, de outras contribuições, de ocorrên- cias linguísticas: a relevância da etimologia popular. Matraga, Rio de Janeiro, v. 21, n. 34, p. 133-147, jan./jun. 2014. 1 http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/17511 40 3Unidade 3 Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico Para iniciar seus estudos Você já parou para pensar em como as palavras da língua portuguesa foram formadas? Você sabia que o nosso vocabulário possui palavras que vão do celta ao alemão? Nesta unidade, além das influências estrangei- ras que nossa língua apresenta, aprenderemos os diversos processos de estruturação, formação e constituição do nosso léxico. Vamos começar? Objetivos de Aprendizagem • Refletir sobre a construção do léxico da língua portuguesa. • Identificar transformações morfológicas na língua portuguesa. • Reconhecer processos de formação de palavras na língua portu-guesa. 41 História da Língua Portuguesa | Unidade 3 - Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico 3.1 A formação de palavras na língua portuguesa A evolução da língua portuguesa, sob o ponto de vista da sua história interna, também se relaciona com o seu componente morfológico, que, basicamente, pode ser concebido como o processo no qual se formam e se trans- formam as palavras que constituem o seu léxico. O estudo dos processos constitutivos das palavras de uma lín- gua é o foco de estudo da morfologia. O processo de formação e evolução de palavras também diz respeito aos usos da língua como instrumento de comunicação, em épocas distintas, os quais, como sinaliza Coutinho (1976), apresentam progressos por meio das artes, das indústrias e das ciências. Assim, para o autor, são três as fontes das palavras da língua portuguesa: a derivação latina, a criação ou formação vernácula do português e a importação estrangeira. Os aspectos de formação e evolução das palavras mencionados por Coutinho serão importantes durante a feitura do fórum desafio. Desse modo, a formação do léxico, aspecto relevante no estudo do nosso idioma, passou por processos distintos, os quais vamos estudar a seguir para que possamos, assim, compreender como se deu a construção do léxico da língua portuguesa. 3.2 A raiz das palavras e a formação de vocábulos Para Coutinho (1976), o elemento primário e significativo de uma palavra recebe o nome de raiz, e é em torno desse constituinte que se agrupam os outros elementos que formarão a palavra. O vocábulo, portanto, será composto pela raiz, que é o componente que exprime a sua ideia central, e por ele- mentos secundários que, ao se juntarem a ele, expandem o seu sentido. Essas partículas acrescidas à raiz das palavras recebem o nome de afixos e dividem-se em dois grupos: os prefixos e os sufixos. Cada um deles ocu- pará uma determinada posição na palavra: os primeiros aparecem antes da raiz (antepostos), e os segundos, depois da raiz (pospostos). Coutinho (1976) adverte que é preciso distinguir o sufixo da desinência, pois esta é o elemento final da palavra cuja finalidade é indicar a sua flexão. Contudo, o próprio sufixo pode conter em si a desinência. Por exemplo, o sufixo nominal ico, na palavra histórico, encerra a desinência �o do masculino. O afixo e as desinências recebem o nome de morfemas, os quais podem ser definidos como as unidades mínimas da palavra dotadas de significado. Por conseguinte, quando eliminados os sufixos das palavras, a parte restante é denominada de radical, que pode ser composto pela própria raiz ou pela raiz acrescida de outro elemento de formação. Este, por sua vez, é deno- minado tema. 42 História da Língua Portuguesa | Unidade 3 - Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico MAIS Para saber mais sobre a estrutura das palavras, leia o capítulo “Classe, estrutura e for- mação de palavras”, do livro Nova Gramática do Português Contemporâneo (2001), de Celso Cunha e Lindley Cintra. Ainda de acordo com Coutinho (1976), a formação de palavras novas no português seguiu os mesmos processos do latim, os quais são divididos em quatro: derivação, composição, parassintetismo e onomatopeia. Figura 3.1: Letras. Legenda: A imagem apresenta letras aleatórias saindo de um livro. Pelo fato de elas não estarem seg- mentadas, nós não reconhecemos nenhuma sequência que possa ser definida como palavra. Fonte: Plataforma Deduca (2017). ID: hobbitfoot150800001. Nesta seção, estudamos as partes que compõem as palavras e as formas, desde a sua origem primária até os elementos que se agrupam no processo de construção do léxico. Essas partículas são de extrema relevância no estudo da língua portuguesa, pois nos permitem reconhecer os pormenores que caracterizam as palavras como um todo significativo. 43 História da Língua Portuguesa | Unidade 3 - Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico 3.2.1 Formação de palavras por derivação O processo de formação de palavras por derivação é um meio comum para aumentar o léxico de uma língua e consiste na formação de uma palavra a partir de outra já existente, acrescentando-lhe um sufixo ou suprimindo- -o. Além disso, também é possível ocorrer a transferência de uma palavra de determinada classe para outra classe (COUTINHO, 1976). Na derivação, a palavra nova recebe o nome de derivada e a palavra antiga recebe o nome de primitiva. O autor divide a formação por derivação em quatro tipos, os quais apresentamos a seguir: Própria ou progressiva Consiste na formação de uma palavra nova a partir da associação de um sufixo a uma palavra já existente, agre- gando sentido a ela. Os sufixos podem ser nominais e verbais, sendo que os primeiros formam adjetivos e subs- tantivos, e os segundos, verbos. O único sufixo que forma advérbios no português é �mente. Ainda, a variação do radical depende, em sua maioria, do fonema inicial do sufixo ou do final do próprio radical. Quando o fonema inicial do sufixo é uma consoante, faz-se a junção dele com o radical sem alterações, com exceção das terminações em e ou –o, que se modificam em –i; ou –e. Porém, os fonemas são mantidos quando recai sobre eles a acentuação tônica: anda-dura; pada-dor; cometi-mento; perdi-ção; nascen-te. De outro modo, quando o sufixo começa por vogal, ocorre a queda da vogal anterior final do radical, se ela for átona, ou permanece, se for tônica. No último caso, aparece entre o radical e o sufixo uma consoante interme- diária, com o intuito de desfazer o hiato. Ela é geralmente representada por z: livr-aria; bel-eza; branc-ura; relv-oso; cafe-z-al. O mesmo fonema também é intercalado quando o radical termina em ditongo: pai-z-inho; mãe-z-inha. Terminando o radical em –z, muda-se esse para –g quando é seguido por a, o, u: narig-udo; rapag-ão; perdig-oto. Dá-se o nome de hiato ao processo em que duas vogais que se encontram são separadas em sílabas diferentes (exemplo: sa-ú-de). O processo diferencia-se do ditongo e do tritongo, uma vez que as vogais são pronunciadas separadamente, o que não ocorre nesses casos. Glossário Ainda, as palavras terminadas em vogal ou ditongo nasal podem manter ou perder a nasalidade: algodo-al; carvo- -eiro; sensacion-al; grân-ulo. O quadro a seguir apresenta alguns exemplos de sufixos diminutivos. 44 História da Língua Portuguesa | Unidade 3 - Aspectos da história interna da língua portuguesa - o componente morfológico Quadro 3.1: Exemplos de sufixos diminutivos. Sufixo Exemplificação -inho, -a toquinho, vozinha -zinho, -a cãozinho, ruazinha -ino, -a pequenino, cravina -im espadim, fortim -elho, -a folhelho, rapazelho -ejo animalejo, lugarejo -ilho, -a pecadilho, tropilha -acho, -a fogacho, riacho -icho, -a governicho, barbicha -ucho, -a papelucho, casucha -ebre casebre -eco, -a livreco, soneca -ico, -a burrico, marica(s) -ela ruela, viela -ete artiguete, lembrete -éto, -a esboceto, saleta -ito, -a rapazito, casita -zito, -a jardinzito, florzita -ote, -a velhote, velhota -isco, -a chuvisco, talisca -usco, -a chamusco, velhusco -ola fazendola, rapazola Legenda: o quadro apresenta os principais sufixos diminutivos empregados na língua portuguesa. Fonte: Cunha e Cintra (2001, p. 90-91). Agora que conhecemos a formação por derivação própria ou progressiva, na sequência, vamos conhecer a for- mação por derivação imprópria. Imprópria Esta derivação resume-se na mudança de classe gramatical das palavras, sem a necessidade de sufixo. Nesse sentido, palavras de uma determinada classe gramatical passam a ser utilizadas em outras. A derivação impró- pria pode ser encontrada em substantivos, adjetivos, advérbios, preposições, conjunções e interjeições, como nos exemplos a seguir: • substantivos comuns passam a ser próprios: Coelho, Leite, Leão, Leitão, Raposo, Carneiro; • os substantivos próprios tornam-se comuns: carrasco, belchior, camélia, champanhe, anfitrião, hortência;
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