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Universidade Estadual de Montes Claros Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social Dissertação intitulada “O mercado de trabalho formal em Montes Claros – 1985- 2006”, de autoria do mestrando Gilson Cássio de Oliveira Santos, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Gilmar Ribeiro dos Santos – Orientador Profa. Dra. Luciene Rodrigues Profa. Dra. Maria da Luz Alves Ferreira Montes Claros/MG, 23 de abril de 2009. 1 Agradecimentos: O trabalho posto nas páginas que seguirão, não teria concluído sem as manifestações e a presença de importantes pessoas que de algum modo, interessaram, preocuparam e trabalharam em um longo percurso de materialização de esforços físicos e intelectuais. Dentre essas pessoas devo destacar: meus pais, Carmem e Gilson, que através dos incentivos verbais e materiais sempre impulsionaram a continuidade da minha jornada acadêmica. Minha esposa Silvia, que estando sempre ao meu lado, em muitos momentos optou por cuidar de minhas coisas a despeito das suas próprias, tendo com tal desprendimento evidenciado verdadeira prova de carinho e amor sincero. Em todo o percurso de minha formação, em especial da acadêmica passaram pessoas que deixaram suas marcas, e muitas delas estão impressas nestas páginas. Então a todos os meus colegas e professores devo registrar os meus eternos agradecimentos com destaque a Célia Rosana Freitas que através de seus conselhos percebi a minha vocação pelas Ciências Sociais; Marcos Fábio Martins de Oliveira que aguçou minha atenção para a sociologia econômica; Lúcio Flávio Ferreira Costa que me oportunizou a ter contato com as práticas de investigação sobre a sociologia do trabalho; Maria da Luz Alves Ferreira, sua amizade, atenção possibilitaram não somente a materialização deste trabalho como também a minha formação profissional e acadêmica de forma geral; Luciene Rodrigues além da perspicácia e sabedoria, sua sensibilidade quanto à articulação da teoria com os processos foi fundamental para a realização das análises que se apresentam aqui. Mente e mãos indispensáveis na difícil gênesis, no trabalhoso desenvolvimento e na ansiosa conclusão dessa pesquisa foram a do eterno Mestre, professor Gilmar Ribeiro dos Santos, sem o seu vasto conhecimento teórico, sua larga experiência analítica e seu olhar minucioso na percepção dos detalhes imperceptíveis, este trabalho não teria se quer iniciado, no entanto, tendo aqui a sua conclusão final, sou eternamente grato. 2 Resumo: A partir de 1973 se observou uma série de transformações ocorridas no âmbito do sistema produtivo nos diversos países capitalistas. Essas mudanças dizem respeito à transição de modelos de produção rígidos e padronizados, fundados em bases tayloristas para regimes um tanto flexíveis. A partir desse momento histórico, que muitos autores denominaram de reestruturação produtiva, tanto os países desenvolvidos quanto os países tidos como periféricos perceberam as transformações ligadas à flexibilização dos seus sistemas produtivos. A fabricação de mercadorias marcada pela produção em massa, pela padronização dos processos fabris e segmentação da produção, explicitada no taylorismo e fordismo entra em falência, cedendo lugar a processos mais dinâmicos, rápidos, ágeis e flexíveis. Isto é explicitado nos modelos como Toyotismo, Volvoísmo, Just in time, acumulação flexível ou especialização flexível, que trazem consequências diretas no mercado de trabalho. A partir da segunda metade da década de 1970, nota-se uma substancial diminuição das contratações na indústria em detrimento aos serviços; crescimento da rotatividade de mão-de-obra; aumento dos contratos temporários; relevância das terceirizações e participação nos lucros; evolução da ocupação feminina e diminuição da renda do trabalhador de forma geral; em suma, evidencia- se a precarização do trabalho. Com algumas variações, isso se deu na maior parte dos países capitalistas do globo. Então, a reestruturação produtiva e os regimes flexíveis de produção fizeram surgir inúmeros trabalhos investigativos a respeito de sua atuação e consequências nas diversas sociedades. Um fator que atrai a atenção investigativa no trabalho que ora se apresenta, entretanto, são as formas de articulação da flexibilização com as especificidades eminentemente locais. Aqui se tenta explicitar que as atuações da flexibilidade da produção e do trabalho se apresentam, na localidade, ainda mais precárias do que em dimensões nacionais ou globais. Um exemplo capaz de demonstrar esta afirmação está posto no crescimento do estoque do pessoal formalmente ocupado em um contexto de informalidade do trabalho, articulado com as características de flexibilização. Fato que ocorre em âmbito local. Palavras-Chave: mercado de trabalho; regimes de produção; acumulação flexível; precarização do trabalho; relações locais. 3 Abstract: In several capitalist countries, from the 70´s on, a lot of transformation carried out in the extend of the productive system. Those changes were from rigid and standard models of production, based on Taylorism forms to flexible ones. This flexibilization occurred in developed and non-developed countries. The production process become more dynamic, quicker, and with a lot of flexibility, such changes, designated as productive restructuration had a hard and direct influence on the world work market. From the second half of the 70´s, there were hard contract reductions at industries , but the temporary ones grew up, and there was a great rotativity of employees, also there was an evolution of the female workers occupation, and an income reduction, that took place in most of capitalism countries, with some exceptions. Then the productive restruturation and the flexible production regimes made appear several investigations works about their consequences in some countries and regions. So, this paper follows the line investigation of the repercussion that those changes had on the work market, however the main focus in on the local ways of management of the flexibilization and its to show how the flexibility of work and productions here, in this region, seems to be much more precarious than in nationwide and worldwide dimensions. An example that demonstrates this statement is the growing number of people who work at an informal context articulated with the flexibilization characteristics. Keywords: labor market, production systems, flexible accumulation, employment instability, location relations. 4 LISTA DE TABELAS TABELA 1 ...............................................................................................................................30 TABELA 2 ...............................................................................................................................39 TABELA 3 ...............................................................................................................................40 TABELA 4 ...............................................................................................................................41 TABELA 5 ...............................................................................................................................42 TABELA 6 ...............................................................................................................................42 TABELA 7 ...............................................................................................................................43 TABELA 8 ...............................................................................................................................44 TABELA 9 ...............................................................................................................................47TABELA 10 .............................................................................................................................48 TABELA 11 .............................................................................................................................49 TABELA 12 .............................................................................................................................50 TABELA 13 .............................................................................................................................51 TABELA 14 .............................................................................................................................51 TABELA 15 .............................................................................................................................52 TABELA 16 .............................................................................................................................53 TABELA 17 .............................................................................................................................59 TABELA 18 .............................................................................................................................59 TABELA 19 .............................................................................................................................61 TABELA 20 .............................................................................................................................72 TABELA 21 .............................................................................................................................75 TABELA 22 .............................................................................................................................76 TABELA 23 .............................................................................................................................77 TABELA 24 .............................................................................................................................77 TABELA 25 .............................................................................................................................83 TABELA 26 .............................................................................................................................84 5 LISTA DE QUASROS QUADRO 1 .............................................................................................................................28 QUADRO 2 .............................................................................................................................54 QUADRO 3 .............................................................................................................................70 6 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Ocupação formal no Norte de Minas nos setores da indústria, comércio e serviços.....................................................................................................................................60 GRÁFICO 2 - Percentual de homens formalmente ocupados nos setores da indústria, comércio e serviços no Norte de Minas – 1985-2006...............................................................62 GRÁFICO 3 - Percentual de mulheres formalmente ocupadas nos setores da indústria, comércio e serviços no Norte de Minas – 1985-2006...............................................................63 GRÁFICO 4 - Ocupação formal nos setores: indústria, construção civil, comércio e serviços em Montes Claros – 1985 a 2006.............................................................................................71 GRÁFICO 5 – Contratos segundo tempo de duração no setor da indústria em Montes Claros – 1985 a 2006...............................................................................................................................73 GRÁFICO 6 – Total de contratos temporários nos setores da indústria, comércio e serviços em Montes Claros – 1985-2006................................................................................................74 GRÁFICO 7 – Estabelecimentos nos setores da indústria, comércio e serviços em Montes Claros – 1985-2006 ..................................................................................................................75 GRÁFICO 8 - Ocupação formal segundo sexo em Montes Claros - 1985 a 2006...................81 GRÁFICO 9 - Ocupação formal segundo sexo no setor da indústria em Montes Claros - 1985 a 2006........................................................................................................................................81 GRÁFICO 10 - Ocupação formal segundo sexo no setor de serviços em Montes Claros - 1985 a 2006........................................................................................................................................82 GRÁFICO 11 - Ocupação formal segundo sexo no setor da construção civil em montes claros - 1985 a 2006............................................................................................................................83 GRÁFICO 12 - Percentual de homens e mulheres formalmente ocupados na indústria segundo escolaridade em Montes Claros – 2006....................................................................................86 GRÁFICO 13 - Percentual de homens e mulheres formalmente ocupados em montes claros segundo escolaridade – 2006....................................................................................................86 GRÁFICO 14 - Percentual de homens e mulheres formalmente ocupados na indústria segundo rendimento médio em Montes Claros – 2006...........................................................................87 GRÁFICO 15 - Percentual de homens e mulheres com curso superior formalmente ocupados na indústria segundo renda em Montes Claros – 2006.............................................................88 GRÁFICO 16 – Total de contratos temporários de homens em mulheres nos setores da indústria, comércio e serviços em Montes Claros – 1985-2006...............................................89 7 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Crescimento médio anual do emprego formal segundo microrregiões do Estado – Minas Gerais – 2000-2006.....................................................................................................56 Figura 2 – Crescimento médio anual do emprego formal na indústria segundo microrregiões do Estado – Minas Gerais 2003-2006.......................................................................................57 FIGURA 3 - Crescimento médio anual do emprego formal no setor de serviços segundo microrregiões do Estado – Minas Gerais 2003-2006................................................................58 FIGURA 4 - Índice de Gini Estado de Minas Gerais segundo municípios – 2000..................67 8 SIGLAS E ABREVIATURAS CAGED Cadastro Geral de Emprego e Desemprego FIBGE Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FJP Fundação João Pinheiro IBGE Instituto de Geografia e Estatística INDI Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MTE Ministério do Trabalho e Emprego OCDE Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico PNAD Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios RAIS Relação Anual de Informações Sociais SUDENE Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11 CAPÍTULO I - O DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO: DOS MODELOS TAYLORISTA- FORDISTA A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL .........................................................................20 O Taylorismo-fordismo ......................................................................................................... 21 1.2. Pós-1973: a reestruturação produtiva ............................................................................. 24 1.3. Modelos rígidos versus modelos flexíveis ..................................................................... 27 1.4. O mercado de trabalho flexível ...................................................................................... 32 CAPÍTULO II - REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO ..... 37 2.1. Mercado de trabalho nos países desenvolvidos ............................................................. 38 2.2. Mercado de trabalho no Brasil ....................................................................................... 46 2.3. A situação regional: o Norte de Minas ........................................................................... 54 CAPÍTULO III - AS ESPECIFICIDADES DO MERCADO DE TRABALHO LOCAL: O CASO DE MONTES CLAROS .............................................................................................. 64 3.1. O mercado de trabalho flexível em Montes Claros ...................................................... 68 CAPÍTULO IV - MERCADO DE TRABALHO LOCAL E ESTRATIFICAÇÃO POR SEXO ................................................................................................................................................... 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS: ....................................................................................................................... 96 10 INTRODUÇÃO Em tempos atuais, a sociedade civil e o Estado discutem com preocupação os processos de trabalho. As discussões geralmente estão focadas nos modos de produção; na inserção e na permanência do indivíduo no emprego e na forma de atuação deste indivíduo no mercado de trabalho. Por mais que alguns autores insistam em argumentar sobre a perda da centralidade do trabalho como categoria de estudo das relações sociais, apresenta-se aqui uma observação contrária. O aumento do número de contratos formais em Montes Claros refuta, por si só, esta possibilidade ao evidenciar de forma dicotômica um crescimento contratual pautado na precariedade das formas de execução do trabalho, através dos baixos salários, dos contratos curtos e rotativos, do acentuado número de trabalhadores informais, dentre outros pontos. Se de acordo com Hannah Arendt “laborar significa ser escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente às condições humanas” (Arendt, 2007, p. 94), na localidade o labor se torna mais evidente, porque as necessidades são mais aguçadas. Não há possibilidade para se acreditar no fim da centralidade do trabalho como categoria fundamental para se entender o comportamento das relações do homem em sociedade. Pelo contrário, o que se observa é um elevado anseio pelo ingresso ao trabalho, tendo nele a esperança da continuidade da vida. Nas palavras de Hirata: na consciência individual, a centralidade do trabalho se mantém mais do que nunca, e mais por falta de alternativa que pelas suas características próprias. A relevância dessa questão pode ser medida pela importância do trabalho na própria estruturação da vida dos trabalhadores e na estruturação da vida dos desempregados (HIRATA, 1997, 22). Ademais, defende-se aqui que o trabalho interliga não somente o trabalhador a outras categorias analíticas, mas os indivíduos que de forma geral estão juntos, envolvidos em processos sociais dinâmicos, estes estreitamente vinculados ao 11 trabalho, nesse sentido, as palavras de Friedmann, grafadas no prefácio do seu clássico “Tratado de Sociologia do Trabalho (1973)” ainda são bem evidentes. Não tivemos a pretensão de imprimir a Sociologia do trabalho uma unidade teórica que, a nosso ver, ela não possui. Podemos, sem dúvida, defini-la como o estudo das coletividades humanas, diversíssimas pelo tamanho, pelas funções, que se constituem a mercê do trabalho, das reações que exercem sobre elas, nos diversos escalões, as atividades do trabalho constantemente remodeladas pelo progresso técnico, das relações externas, entre elas, e internas, entre os indivíduos que a compõem (FRIEDMANN, 1973, p.13). No contexto nacional, o desemprego é acentuado no Brasil, tendo seu ápice nos tempos de recessão econômica dos anos 1980, além de, na década seguinte, notar um aumento da subcontratação, do emprego por conta própria e do mercado informal de trabalho, tornando a ocupação mais instável e extremamente flexível (OLIVEIRA; MATTOSO: 1996). As preocupações sociológicas sobre o mercado de trabalho, a escassez de estudos científicos tanto em âmbito regional quanto local a respeito do mesmo tema, as mudanças acentuadas inerentes ao contexto do trabalho da contemporaneidade e as especificidades regionais em relação ao processo produtivo justificam o desenvolvimento de um estudo específico sobre o mercado de trabalho em Montes Claros, cidade pólo regional do Norte de Minas. Não se negligencia aqui o fato de o processo de reestruturação produtiva ter sido amplamente discutido nos anos 1980 e 1990. Entretanto, o entendimento acerca das variáveis inerentes à acumulação flexível, avaliadas em diversos países capitalistas, talvez não sejam suficientes para explicar a realidade do mercado de trabalho em Montes Claros. De outro modo, existem algumas especificidades locais quanto a este processo, como características da economia local e regional, além de fatores culturais, sociais e políticos, específicos da região, que devem ser evidenciados. O problema que norteia este trabalho trata-se do seguinte: como o mercado de trabalho local se configura no contexto da acumulação flexível? A partir desta pergunta central, outras questões vêm à tona: o mercado de trabalho local é completamente influenciado pelas articulações dos processos de produção globais 12 seguindo uma tendência apontada pelos países capitalistas? Ou as especificidades locais apresentam formas peculiares de execução do mercado do trabalho? Ou, mais que isto, os processos globais e as especificidades locais se articulam no mercado de trabalho em Montes Claros? Os capítulos que se seguem explanarão sobre o mercado formal de trabalho em Montes Claros, através do recorte temporal de 1985 a 2006, com enfoque nos grandes setores de atividade econômica (indústria, comércio e serviços) do IBGE – Instituto Brasileirode Geografia e Estatística -, analisando variáveis de remuneração, tipo de contrato, duração de tempo de contrato, tamanho do estabelecimento (em número de empregos), diferenças entre sexo, estoque de trabalhadores nos setores mencionados e outras. O espaço de tempo de vinte e um anos (1985 a 2006) se justifica pelo fato de acreditar que este período compõe articulações no contexto do mercado de trabalho local que melhor se farão entender sobre o que aqui se propõe, além dos dados inerentes ao mercado de trabalho, disponibilizados pela RAIS – Relação Anual de Informações Sociais -, existirem até então, somente para este período. As discussões postas neste trabalho são referenciadas nos trabalhos de David Harvey, Manuel Castells, Ricardo Antunes, José Paulo Zeetano Chahad, Carlos A. B. de Oliveira, Helena Hirata, Jorge Eduardo Levi Mattoso, Toledo Henrique de la Garza, Tersa Rendón, Carlos Salas, e, ainda, Gilmar Ribeiro dos Santos, este último é importante por sua observação específica em relação ao mercado de trabalho do Norte de Minas. Harvey representa, neste trabalho, tanto uma base teórica como uma medida de comparação. Este autor aponta uma tendência mundial nos processos de acumulação flexível. O cenário montado por ele é o seguinte: O mercado de trabalho (...) passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para 13 impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis (HARVEY, 2002, p. 305). As características flexíveis do mercado de trabalho pós-fordista, tornam-se, segundo abordagem de Harvey (2002), uma tendência inevitável dos países capitalistas, incluídos as economias em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. De acordo com Oliveira e Mattoso (1997), no caso do Brasil, estas transformações têm ocasionado crescimento do desemprego (especificamente na década de 1980), aumento do emprego por conta própria e do trabalho informal, expansão da rotatividade da mão-de-obra e grande flexibilização nos contratos. Estas observações apontam que o Brasil não foge, de nenhum modo, à tendência apontada por Harvey (2002). Outra característica da acumulação flexível, e que ocorre também no Brasil, é o crescimento aguçado do setor de serviços e, de outra forma, a redução do setor industrial. Observa-se, no universo do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo, uma múltipla processualidade: de um lado verificou- se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado, com maior ou menor repercussão em áreas industrializadas do terceiro mundo. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir de enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços: verificou-se uma significativa heterogeinezação do trabalho (...); vivencia também uma subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado (ANTUNES, 2003, p.36). Corroborando a explanação anterior, Santos (1997) argumenta que o processo de reestruturação produtiva, ocorrido em Montes Claros, afeta diretamente o número de emprego na indústria, levando deste modo a uma elevada redução de contratos neste setor. Nas palavras de Santos: É consenso, no momento atual, que algumas indústrias vêm implementando modificações significativas na estrutura produtiva clássica, de feições tayloristas. Dentre outras, destacam-se: grandes 14 investimentos em tecnologia, diminuição de níveis hierárquicos, terceirização, e redução do quadro de pessoal (SANTOS, 1997, p.173). Três motivos primordiais justificam a realização deste trabalho. O primeiro é a devida importância da localidade na investigação científica, corroborando o entendimento de Dulci (1999). O segundo diz respeito às especificidades encontradas na localidade quanto ao processo de reestruturação produtiva em relação ao mercado de trabalho. O terceiro, diretamente ligado ao segundo, explicita-se pelo fato de a localidade, no caso de cidades menos abastadas economicamente, sentir diretamente o peso da precarização do trabalho sem nem mesmo ter usufruído, no percurso da história, da estabilidade e da segurança no emprego. É possível explicitar os objetivos principais da construção deste trabalho. Em primeiro lugar, pretendemos estudar o mercado de trabalho em Montes Claros com atenção ao fenômeno da acumulação flexível. Para tanto faz-se importante realizar um diagnóstico do comportamento do mercado de trabalho local em relação aos setores da indústria, comércio e serviços. E, por consequência, identificar as especificidades locais e regionais no processo da acumulação flexível. Esperamos encontrar respostas para as seguintes hipóteses: 1 - o mercado de trabalho local acompanha as características de flexibilidade de acordo com a tendência mundial ou as especificidades regionais e locais fazem emergir uma nova forma de organização do mercado de trabalho que se apresenta de forma ainda mais precária. 2 - tanto os fatores eminentemente regionais quanto a importante articulação do sistema capitalista mundial sobre as questões locais modificaram concomitantemente o comportamento do mercado de trabalho em Montes Claros. 3 – as mulheres percebem ainda mais agudamente as formas precárias apresentadas pelo mercado de trabalho local. Para tanto, o desenvolvimento deste trabalho se configura basicamente em análises quantitativas. A princípio, para avaliar algumas especificidades em relação à localidade, foi necessário realizar uma pesquisa exploratória de dados a partir da observação de indicadores inerentes à demografia, à economia e à avaliação social. 15 A partir disso, e com enfoque maior, foi utilizada a análise de dados secundários a partir das bases RAIS – Relação Anual de Informações Sociais e CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do trabalho - e Emprego, que possibilitou a observação de variáveis como tipo de contrato, tempo de duração de contrato, estoque de pessoal ocupado e tamanho do estabelecimento. Como a maior parte das análises de resultados deste trabalho se deu a partir da Fonte RAIS-CAGED/MTE, é importante informar sobre sua forma de funcionamento. Iniciaremos falando da RAIS. Os dados da RAIS são disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE através do SGT – Sistema Gerador de Tabelas. Estes dados apresentam um caráter censitário que permite uma diversidade de cruzamento de informações quanto à ocupação setorial. Entretanto, eles apresentam algumas limitações no sentido de não haver observações prévias nem correção dos dados, sendo tais divulgados tal qual declarados. Outro pormenor é inerente à própria forma de declaração que pode gerar erros, sendo que esta declaração é realizada em via direta com a RAIS, não havendo acompanhamento informativo de forma pessoal. Os dados da RAIS, divulgados através do SGT, são classificados em RAIS trabalhador e RAIS estabelecimento. A RAIS foi criada pelo decreto nº 76.900/75 e, por abranger registros de trabalhadores em todo o país, é considerada, pelo Ministério do Trabalho como um censo do mercado formal de trabalho brasileiro. A RAIS foi criada com intuito de: - servir de base de cálculo das cotas do PIS e do PASEP; - subsidiar o controle relativo ao FGTS e à PrevidênciaSocial; - controlar a nacionalização do trabalho, substituindo a chamada lei dos 2/3; - fornecer informações sobre o mercado de trabalho brasileiro; - viabilizar o pagamento do abono salarial a que se refere o artigo 239 da Constituição Federal. 16 Às pessoas jurídicas, independentemente de ter a organização empresarial estabelecido vínculo de contrato com algum trabalhador, devem declarar a RAIS. As empresas que em 31 de dezembro do ano-base não apresentaram nenhum contrato declaram como RAIS negativa. O formulário próprio deve ser respondido entre janeiro e abril de cada ano, com informações relativas a todas as movimentações de emprego ocorridas ao longo do ano-base. As categorias mais importantes e mais utilizadas pelos usuários da RAIS são: as relativas aos estabelecimentos (localização, atividade econômica, tamanho, número de empregados, dentre outras) e as relativas a cada um dos empregados que tenham tido vínculo empregatício com esses estabelecimentos durante o ano-base (idade, ocupação, remuneração, grau de instrução, classificação profissional CBO – Código Brasileiro de Ocupações e outras); estas informações recebem tratamento estatístico e são postas à disposição dos usuários por meio de publicações impressas e eletrônicas. As principais tabelas divulgadas pela RAIS abrangem informações relativas a: - número de empregados existentes em 31 de dezembro do ano- base, segundo as características que possam qualificá-los quanto à faixa etária, grau de instrução, tamanho do estabelecimento, natureza do vínculo, tempo de serviço, remuneração, nacionalidade e ocupação; - flutuação do emprego, discriminando admissões e desligamentos ocorridos durante o ano, assim como as características que permitam a análise dessa flutuação e suas oscilações ao longo do ano; - remuneração, com informações que propiciem a análise da estrutura e do comportamento dessa variável; e - estabelecimento, com informações sobre a distribuição geográfica e setorial dos estabelecimentos declarantes, conforme o tamanho em 31 de dezembro do ano-base. 17 O número de estabelecimentos que apresentam declarações à RAIS difere ano a ano, o que dificulta discriminar se a variação do emprego se deve a um real aumento ou redução decorrente da situação do mercado de trabalho e/ou a um melhor desempenho na declaração. A definição de um painel fixo, referido à quase totalidade dos estabelecimentos, visa superar tal dificuldade, possibilitando a comparação dos totais de vínculos empregatícios existentes nos estabelecimentos que responderam a pelo menos duas RAIS consecutivas. Mesmo com algumas limitações, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a RAIS apresenta uma segurança em torno de 98% nos dados informados pelo SGT. O CAGED trata-se de um grande cadastro de emprego formal dos registros em carteira de trabalho. Os seus dados são divulgados pelo Módulo CAGED. Esta base de dados possui periodicidade mensal e suas informações destinam-se a acompanhar e fiscalizar o processo de admissão e dispensa dos trabalhadores, bem como subsidiar a adoção de medidas contra o desemprego e a implementação de mecanismos de assistência aos desempregados. Os dados do CAGED são coletados por meio de formulário próprio, apresentado em dois módulos distintos de informações: - Módulo I: permite calcular o índice mensal de emprego, a taxa de rotatividade mensal e a flutuação do emprego em cada mês, desagregados em nível de subatividades econômicas e municípios. - Módulo II: informa atributos dos empregados, como: vínculo; tempo de permanência no emprego; horas contratuais de trabalho semanal; remuneração mensal, tipo de movimentação, sexo, idade, grau de instrução e ocupação. Tendo então, até aqui, informado sobre o referencial teórico em que este trabalho foi fundamentado, os objetivos e hipóteses, bem como ter explicitado o método utilizado no desenvolvimento da pesquisa e as Fontes de dados, inclusive seu funcionamento e limitações, é importante destacar o modo como este trabalho está posto. 18 No primeiro capítulo estará pontuada, de forma delimitada, a fundamentação teórica inerente aos processos produtivos e ao mercado de trabalho, de acordo com a contribuição de Harvey (2002), Castells (2006), Antunes (2003), Oliveira e Mattoso (1997), Hirata (1997), Santos (1997) e outros. No segundo capítulo serão abordadas as teorias inerentes ao mercado de trabalho nos países avançados, no Brasil e no Norte de Minas. Na sequência, o terceiro capítulo deste texto fará uma observação a respeito das especificidades sociais e econômicas apresentas pela localidade. O quarto capítulo irá abordar sobre o mercado de trabalho local, a flexibilidade explicitada nos contratos, no tempo de duração destes, os salários pagos ao trabalhador da localidade e outras questões neste sentido. Consequentemente, ainda sobre o mercado de trabalho, o quinto capítulo irá discutir especificamente sobre a diferenciação de sexo no contexto do mercado de trabalho flexível em dimensão local. Por último, nas considerações finais, faremos um esforço para explicitar as observações gerais a respeito da flexibilidade do mercado de trabalho local, em observação ao caso de Montes Claros. 19 CAPÍTULO I - O DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO: DOS MODELOS TAYLORISTA-FORDISTA A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL Até a Revolução Industrial o sistema de troca de mercadorias era fundamentado nas trocas sociais. As relações entre pessoas ou grupos se posicionavam de forma superior às trocas de mercado. Uma mercadoria não se acabava em seu valor de compra ou de venda, esta possuía um significado abrangente que extrapolava as questões meramente capitalistas. No entanto, a partir do aprimoramento produtivo derivado das máquinas, as relações de troca se modificaram profundamente. Não apenas em seu caráter eminentemente mercadológico, mas também no que diz respeito às trocas sociais: costumes, valores, modos, condutas. Como coloca Polanyi (2000), a economia de mercado, trazida pelo desenvolvimento capitalista acentuado, trouxe transformações rápidas e irreversíveis para as práticas sociais. Para este autor, mesmo havendo, em todas as comunidades do mundo, sistemas de trocas bem definidos, estes não possuíam prevalência sobre as relações sociais. As mercadorias eram trocadas observando práticas sociais rígidas e bem estabelecidas. No entanto, após o acentuado desenvolvimento capitalista, trazido pela implementação da indústria, surgiu um tipo específico de economia, chamada economia de mercado, e a partir de então as relações sociais tornaram-se submissas às trocas em massa. A inserção da máquina na produção fez surgir novas formas de mercado, de sociedade e de troca. As relações, tanto mercadológicas quanto sociais, tornaram-se mais complexas. Os problemas sociais e econômicos também se evidenciaram, como é o caso do surgimento da pobreza e dos desempregados pós-revolução industrial. Sem aprofundar nas discussões pertinentes à revolução industrial, cabe destacar o desenvolvimento capitalista no que diz respeito a seus modelos de produção pós-revolução industrial. Neste sentido, enfocando o taylorismo-fordismo e acumulação flexível. É importante entender que o sistema capitalista é um modelo de organização econômica e social extremamente dinâmico. E seu dinamismo aumentou 20 substancialmente a partir do regime industrial de produção e continua aumentando posterior ao que alguns autores denominam regime de serviços, ou acumulação flexível, iniciado na segunda metade da década de 1970. Assim como a economia de mercado,posterior ao surgimento da indústria ocasionou grandes transformações na vida social, a acumulação flexível traz uma série de tantas outras transformações, ainda mais rápidas, para a vida em sociedade. De modo que é pertinente realizar algumas observações sobre os mais importantes modelos produtivos assistidos pela humanidade, bem como suas transformações e seus impactos no mercado de trabalho. Propõe-se, aqui, uma rápida revisão a respeito das articulações inerentes ao Taylosrismo-fordismo, modelos rígidos de produção e a acumulação flexível. Posteriormente será possível discutir o mercado de trabalho com base nestes regimes produtivos. O Taylorismo-fordismo Em 1892 o engenheiro do trabalho Frederick Winslow Taylor (1990) preocupou-se com um fator demasiadamente dispendioso financeiramente para as fábricas: a porosidade de tempo no processo produtivo. Ou seja, pequenos intervalos temporais em que o trabalhador ficava ocioso no seu posto de trabalho. Para solucionar tal problema, Taylor pensou em um método rígido que pudesse atender aos seguintes princípios: aumentar o interesse do operário pelo trabalho, visando ao aumento da produção; monitorar o tempo de produção e a produção em si, através da instituição de fiscais e monitores de chão de fábrica; dividir a fábrica em setores e postos de trabalho para facilitar a monitoração da produção e dos lucros; criar as figuras gerenciais e administrativas do diretor, gerente, administrador e encarregados. Em 1911, Taylor publicou estas contribuições como Princípios da Administração Científica, que modificaram as estruturas não só da produção como também do comportamento da sociedade. O Taylorismo constituiu-se, então, como uma “estratégia patronal de gestão/organização do processo de trabalho” (CATTANI, 1997, p.247), em que se 21 pagava mais para quem produzisse mais, partindo de um pressuposto que se assemelhava com uma “compensação pelo trabalho desenvolvido”. Tal processo de trabalho fez de fato aumentar as taxas de lucro nas fábricas, da mesma forma que expandiu a produção e o número de postos de trabalho na indústria. Embora a humanidade tivesse passado por muitas transformações no âmbito da produção, sendo que veremos algumas no decorrer deste trabalho, o Taylorismo “(...) permanece como uma das principais estratégias patronais sob a alegação do caráter necessário e inevitável da divisão do trabalho e da superação entre dirigentes e executantes” (Idem: p. 249). Seguindo a linha histórica dos processos de produção, o Fordismo passou por um plano produtivo não desigual ao Taylorismo, mas, sem dúvida, aperfeiçoado. Tal foi colocado em ação em 1914 pelo então industrial Henry Ford, que desenvolveu seu próprio método de produção de veículos na fábrica Ford Motors de sua propriedade. Deste modo, um ponto de especificidade do Fordismo diz respeito a um avanço tecnológico, à utilização da esteira mecânica na produção. De fato, tal especificidade garante, por si só, pontos fundamentais de desenvolvimento da produção e ampliação de margem de lucros. Isto ocorre porque o instrumental mecânico materializado por Ford possibilita a diminuição do tempo ocioso no trabalho e implica funções bem específicas e delimitadas no chão de fábrica. Mas esta especificidade não teria gerado resultados efetivos se não fosse vinculada a uma série de transformações no mercado e na vida social. Transformações estas sempre lincadas ao processo rígido e altamente controlado da produção de bens. O Fordismo, então, apresenta-se como modo de produção em massa, padronizado e rígido, tanto no que diz respeito às questões de produção quanto às de contrato e salários. Nas palavras de Laranjeira: (...) o Fordismo caracterizar-se-ia como prática de gestão na qual se observa a radical separação entre concepção e execução, baseando- se esta no trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos operários muito curtos, requerendo pouco tempo para formação e treinamento dos trabalhadores (1997, p. 89). 22 O Fordismo não se desvincula do Taylorismo em relação às características inerentes à: divisão no processo de trabalho, fragmentação em níveis hierárquicos, rigidez na produção. Entretanto, Henry Ford acrescenta em seu modelo a produção massificada. Para Ford, produzir em massa significa induzir ao consumo também em massa. Ford tinha plena consciência de que esta forma de produção de bens ocasionaria a diminuição nos custos da produção, possibilitando o aumento de suas vendas. Está devidamente claro que a produção em massa não teria êxito se não existisse uma massa de consumidores. Pensando nisso, Ford modificou o sistema administrativo para fazer com que os operários se tornassem consumidores do que eles, nas fábricas, produziam. Uma vez modificado o sistema produtivo, algumas medidas inovadoras foram tomadas para alterar o sistema de consumo no regime fordista. A jornada de trabalho foi definida em oito horas-dia; os salários tornaram-se rígidos e estáveis; foi instituída uma forma rígida de controle dos trabalhadores em âmbito social, para evitar gastos desnecessários aos olhos do modelo produtivo vigente. Como foi dito, a rigidez da produção não se faria viável sem os consumidores artificialmente criados pelo próprio regime produtivo. Entretanto, a harmonia do regime fordista dependia do comportamento destes consumidores. Os gastos abundantes com álcool impediam o consumo dos bens industrializados, por exemplo. Ford, no entanto, institui uma forma de controle social, a fim de garantir um modo de vida padronizado e rígido. Assim o fordismo, como forma aperfeiçoada do Taylorismo, consegue aumentar incomensuravelmente a produção e consequentemente suas margens de lucro, fazendo-se solidificar não somente como sistema de produção, mas como modelo de conduta social. Na década de 1970, especificamente a partir de 1973, com a crise do petróleo, o mundo se viu em plenas transformações econômicas. O consumo diminuiu, impedindo a continuação da produção em massa; os recursos tornaram-se 23 escassos; o fluxo de capital se modificou drasticamente. Deste modo, a produção de mercadorias sofreu diretamente o impacto da crise e a mudança de comportamento do consumidor emanada desta. A partir de então, o sistema de produção se flexibilizou, dando início a novas e diversas formas produtivas em todo o mundo. Formas produtivas estas que, embora diversas, se equiparam em pelo menos uma característica marcante: a flexibilidade. 1.2. Pós-1973: a reestruturação produtiva O Fordismo se fundamenta não como modelo complementar ao Taylorismo, uma vez que explicita características próprias e autônomas e possui em sua configuração características outras fundamentais de racionalidade, intrínsecas ao regime taylorista. A Reestruturação produtiva, no entanto, diferencia-se do Fordismo pela inclusão de novas tecnologias informatizadas, pelas transformações constantes e rápidas no âmbito da produção e pela diversificação das formas de vendas através dos mecanismos do marketing e da publicidade. De forma geral, tal modelo de produção ocasiona “(...) mudanças institucionais e organizacionais nas relações de produção e de trabalho, bem como redefinição dos papéis dos estados nacionais e das instituições financeiras” (LARANJEIRA, 1997, p.77). Após a crise da década de 1970 muitos trabalhadores se encontraram excluídos do processo de produção, principalmente pela diminuição do número de contratos formais das indústrias, o que levou tais despojados do trabalho a usarem como alternativa de sobrevivência a tentativade produção familiar, em pequenos lotes ou de forma artesanal. Esta observação remete a um modelo produtivo denominado, principalmente por Piore e Sabel (1997), de Especialização flexível e por Harvey, de Acumulação flexível. Neste estágio a produção é marcada pela desarticulação da produção em larga escala, sendo esta substituída pela produção diversificada e estritamente fragmentada. Em suma, a “especialização flexível inverte agudamente os princípios tecnológicos estabelecidos e conduz de volta àqueles métodos artesanais de produção” (PIORE; SABEL. apud XAVIER SO. 1997, p.83:). 24 No sistema de especialização flexível o mercado de trabalho se destaca pela diversidade de profissionais que estão inseridos em formas de produção completamente mutáveis e adaptáveis às demandas do mercado. Deste modo os contratos, quando existentes, tendem a ser curtos. Além disso, é aparente a expansão dos índices de desemprego e instabilidade em relação aos números de empregos formais. Em contrapartida desponta-se de forma crescente a quantidade de empregos informais, de profissionais autônomos e pequenas empresas. Imersos no contexto da especialização estão outros modelos de produção que não ocorreram de forma homogênea nos diversos países capitalistas do mundo, entretanto se instalaram pontualmente segundo as formas de articulações do trabalho em uma composição local. Tais modelos revelam mais uma vez as características fragmentárias, diversificadas e mutáveis da acumulação flexível, uma vez que não se trata de modelos distintos, mas sim de modelos específicos, no entanto inseridos no mesmo regime produtivo. Aqui será abordado sumariamente sobre o Toyotismo (japonês) e o Volvoísmo (sueco). Através dos abalos provocados pela guerra, o Japão formula as técnicas de produção existentes de forma genérica que modificaria a “organização da produção e do trabalho industrial, práticas administrativas, relações de trabalho e princípio de gestão da empresa” (XAVIER SO. 1997, p.156). Tais modificações no âmbito da produção foram demasiadamente proveitosas para a economia até então decadente daquele país. Devido ao sucesso manifesto do modelo, tal foi profundamente estudado por sociólogos e economistas do trabalho e copiado por países desenvolvidos do ocidente, segundo argumentos de Xavier So. O modelo Japonês promove um maior contato entre os membros da instituição entre si, modificando também as relações com o consumidor e relações interempresas. Existe interesse por parte do capital em que os operários participem ativamente do processo de planejamento. Deste modo, o mercado de trabalho se torna além de mais diversificado, mais excludente. Na medida aumenta a participação do trabalhador nas decisões relativas, aumenta a flexibilidade produtiva e o controle 25 entre os operários. O pertencimento do funcionário à empresa, através da concessão de participação nos lucros e na propriedade; além da disponibilização de benefícios materiais e simbólicos flexibiliza tanto a participação do trabalhador na empresa como sua permanência nela (XAVIER SO., 1997, p.156). A Suécia também prestou suas contribuições para com as mudanças ocorridas na produção através da participação das técnicas implementadas por seu modelo produtivo, conhecido como Volvoísmo, que se instalou através de uma tentativa de diferenciação das formas produtivas do modelo Japonês. O Volvoísmo, apresenta-se com a pretensão de transformar a produção em larga escala em um tipo de produção segmentada, compelindo a participação de trabalhadores em equipe e remunerando-os não individualmente pelos cargos, mas sim segundo os minutos trabalhados pela equipe. Este modelo de produção apresenta-se como técnico, dando importância à realização de pesquisas e estudos relacionados às organizações de trabalho, ergonomia e arquitetura dos prédios de produção. Fato explicado pela necessidade de adaptação de um sistema produtivo que substituísse a esteira mecânica ao mesmo tempo em que diminuísse a ociosidade de tempo na produção. O Toyotismo e o Volvoísmo explicitam a diversidade do regime de acumulação flexível. Este não se configura com uma formatação rígida, bem definida – como ocorreu no Fordismo; pelo contrário, se fosse possível abordar sobre uma forma básica de funcionamento dos modelos da acumulação flexível, esta seria descrita como versátil, mutável, instável e flexível. A reestruturação produtiva não trouxe um modelo específico de produção, mas várias formas e possibilidades diferentes de se produzir e gerenciar. Deste modo, a especialização flexível não se trata de um modelo específico, mas sim da abrangência de vários modelos diferentes intrínsecos ao contexto de variabilidade da produção. Quais seriam, então, as principais diferenças apresentadas entre os regimes taylorista-fordista e os pós-fordistas, postos na acumulação flexível? 26 1.3. Modelos rígidos versus modelos flexíveis A mudança da forma de produção não ocorreu repentinamente. O percurso econômico é marcado por ciclos de inflação e deflação de recursos financeiros. E as observações sobre a história econômica mundial mostram que o sistema capitalista tem encontrado estratégias para sanar ou amenizar suas crises (HARVEY, 2002). A transição do fordismo para a acumulação flexível ocorreu como estratégia do capitalismo em tentar remediar uma intensa crise econômica iniciada em 1965, segundo David Harvey, porque, de acordo com ele, a crise de 1973 pontuava a inviabilidade da rigidez dos processos de administração seguidos pelas estruturas fordistas, compelindo assim a instituição de modelos flexíveis, mutáveis e adaptáveis. De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do Keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercado de consumo invariantes. Havia problema de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho. E toda tentativa de superar estes problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora (...) (HARVEY, 2006, p.135). As crises econômicas nascentes e, principalmente, o seu auge em 1973, fez com que o capitalismo tomasse medidas imediatas de solução do problema, flexibilizando a produção, os contratos de trabalho, os salários e principalmente os setores produtivos. Deste modo, em resposta a uma rigidez falida, nasce dicotomicamente a flexibilidade produtiva, como forma de prevalência da supremacia capitalista. No QUADRO 1 estão postas as principais diferenças entre o taylorismo-fordismo e os modelos pós-reestruturação produtiva, de acordo com Swyngedouw, citado por Harvey (2002). 27 QUADRO 1 Caracterização dos modelos produtivos Fonte: Swyngedouw, 1986, apud Harvey, 2002, p.168-169. Pontos de análise Modelos Rígidos (Fordismo e Taylorismo) Modelos Flexíveis (Especialização Flexível) O processo de Produção Produção em massa de bens homogêneos Produção em pequenos lotes Uniformidade e padronização Produção flexível e em pequenos lotes de uma variedade de tipos de produto Grandes estoques de inventários Sem estoques Testes de qualidade ex-post (detecção tardia de erros e produtos defeituosos) Controle de qualidade integrado ao processo (detectação imediatade erros) Produtos defeituosos ficam ocultos nos estoques Rejeição imediata de peças com defeito O processo de Produção Perda de tempo de produção por causa de longos tempos de preparo, peças com defeito, pontos de estrangulamento nos estoques, etc. Redução do tempo perdido, diminuição da porosidade do tempo no trabalho. Voltada para os recursos Voltada para a demanda Integração vertical e (em alguns casos) horizontal Integração (quase) vertical, sub-contratação. Redução dos custos através do controle dos salários Aprendizagem na prática integrada ao planejamento a longo prazo Relação de trabalho Realização de uma única tarefa pelo trabalhador Múltiplas tarefas Pagamento baseado em critérios da definição do emprego Pagamento baseado em sistema detalhado de bonificação Alto grau de especialização de tarefas Eliminação da demarcação de tarefas (polivalência) Pouco ou nenhum treinamento do trabalho Longo treinamento no trabalho Organização vertical do trabalho Organização mais horizontal do trabalho Nenhuma experiência de aprendizagem Aprendizagem no trabalho Ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador (disciplinamento da força de trabalho) Ênfase na co- responsabilidade do trabalhador Nenhuma segurança no trabalho Grande segurança no emprego para trabalhadores centrais (emprego perpétuo). Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários 28 Como mostrado anteriormente, o período do taylorismo-fordismo é marcado pela inflexibilidade das formas tanto de produção quanto de contrato, e isto se explica, principalmente, através da produção em larga escala que condicionava uma invariabilidade produtiva estendendo para os contratos em si, tempo de trabalho e salários. Aqui o mercado de trabalho é pontuado pelo emprego formal, contratos longos e estáveis e ausência de negociações múltiplas entre empregado e empregador, embora os sindicatos fossem fortes e organizados. Após uma sequência de crises ocorridas nos diversos países capitalistas, ocasionadas pela produção em massa, o mercado de trabalho passa a sofrer grandes transformações em todo o mundo. O setor da indústria que ostentava os mais altos percentuais de ocupação formal passa a crescer de forma mais lenta quanto aos números de emprego formal. Em contrapartida, o setor de serviços começa a absorver um número cada vez maior de pessoas ocupadas, como pode ser observado na TAB. 1. TABELA 1 Estrutura do emprego em países capitalistas avançados - 1960-1981 Porcentagem da População Empregada em: Agricultura Indústria Serviços 1960 1973 1981 1960 1973 1981 1960 1973 1981 Austrália 10,3 7,4 6,5 39,9 35,5 30,6 49,8 57,1 62,8 Canadá 13,3 6,5 5,5 33,2 30,6 28,3 53,5 62,8 66,2 França 22,4 11,4 8,6 37,8 39,7 35,2 39,8 48,9 56,2 Alemanha Ocidental 14,0 7,5 5,9 48,8 47,5 44,1 37,3 45,0 49,9 Itália 32,8 18,3 13,4 36,9 39,2 37,5 30,2 42,5 49,2 Japão 30,2 13,4 10,0 28,5 37,2 35,3 41,3 49,3 54,7 Espanha 42,3 24,3 18,2 32,0 36,7 35,2 25,7 39,0 46,6 Suécia 13,1 7,1 5,6 42,0 36,8 31,3 45,0 56,0 63,1 Reino Unido 4,1 2,9 2,8 48,8 42,6 36,3 47,0 54,5 60,9 EUA 8,3 4,2 3,5 33,6 33,2 30,1 58,1 62,6 66,4 Fonte: OCDE Elaboração: HARVEY, David, 2006. A contemporaneidade está pautada em um grande emaranhado de transformações ocorridas no mundo dos negócios que perpassa por outras esferas como o mercado de trabalho, os contratos, os salários, o perfil do trabalhador formal, além do lazer, da vida familiar, da religião e da cultura. Se, anteriormente à crise do petróleo, os 29 processos de ocupação no trabalho eram mais estáveis devido ao rigor e invariabilidade da sequência produtiva, pós-1973 as transformações no âmbito da produção, decorrentes das insistentes crises do capitalismo, fazem nascer, processualmente, novas relações de produção e de trocas; mais instáveis, mutáveis, flexíveis e diversificadas. Na atualidade o emprego formal perde espaço para uma enorme lista de possibilidade de aquisição de renda. A indústria, que antes era o setor mais abrangente diversifica-se e fragmenta-se, abrindo janelas para as terceirizações e consecutivamente para as médias e pequenas empresas. E assim firma a pós- modernidade: não se evidencia o fim do emprego, mas este é apresentado como instável, flexível, temporário e, para muitos autores, precário. Os processos produtivos estão inseridos nos mecanismos de racionalidade do sistema capitalista. Não se trata, no entanto, de estruturas autônomas e independentes. No bojo do desenvolvimento econômico, os ciclos de apogeu e crise fazem consolidar, reformular ou dizimar regimes produtivos. Aqui se observou o declínio de um dos mais importantes modelos de produção capitalista em lugar ao crescimento de modelos ainda instáveis e incertos. De forma comparada, a reestruturação produtiva, através de sua flexibilidade, nasce como possibilidade de sanar problemas econômicos provocados pela rigidez do fordismo. A dicotomia dos modelos traz a possibilidade racional de permanência do todo econômico. No entanto, o preço que se paga está na elevada rotatividade de mão- de-obra; no declínio constante dos salários; diminuição dos contratos formais, em contradição ao aumento da informalidade; e principalmente na incerteza da prevalência ou dos resultados futuros de um regime flexível. De qualquer modo, a comparação inerente aos regimes fordista-taylorista e acumulação flexível mostra que o desenvolvimento do capitalismo é marcado por contradições distintas, a ponto de apresentar como possibilidade de permanência do sistema a emergência de dicotomias claras, instaladas não apenas no sistema 30 produtivo, como também nas relações de mercado, do mercado de trabalho e até mesmo nas próprias relações sociais. 1.4. O mercado de trabalho flexível Dentre as diversas transformações inerentes ao processo produtivo que afetaram diretamente as formas de emprego nos diversos países do mundo, a tecnologia, a automação e a informática sobressaem como fatores preponderantes em relação às grandes transformações ligadas à flexibilidade da produção e do mercado de trabalho. Os mecanismos de produção automáticos voltados para as tecnologias da informação propiciam a flexibilização de toda cadeia produtiva. Com base na volatilidade da demanda, e através dos sistemas integrados e flexíveis da produção automatizada, é possível programar e re-programar toda a linha de produção, a ponto de atender as mais variadas exigências de mercado. Esta flexibilidade da linha de produção condiciona, concomitantemente, uma flexibilidade no trabalho. O trabalho flexível pode ser facilmente observado pela variabilidade das profissões, principalmente aquelas ligadas ao setor de serviços, e pela relevância temporária de algumas profissões específicas: ora o administrador, ora o técnico, ora o engenheiro e etc.. De acordo com Coriat (1988), Em muitos casos, a adoção de novas tecnologias significa que tarefas que antes eram assumidas por indivíduos altamente qualificados, no nível da fábrica, agora podem ser executadas por um número menor de trabalhadores menos qualificados. Em outros casos, tarefas que já haviam sido qualificadas foram inteiramente abolidas pela automação. Estas mudanças são acompanhadas por um crescimento no número de qualificações em duas áreas em particular: programação e manutenção eletrônica (CORIAT, 1988, 162). Castells (2006) defende a inexistência de uma relação direta entre desenvolvimento da informática e desemprego. Para ele, por mais que os contratos sejam rápidos e rotativos, que o período de permanência dos trabalhadores em um posto específico de trabalho seja curto, e que a tendência aponte paraa diminuição cada vez mais 31 acentuada da duração dos contratos, o número de empregos não diminui por conta da produção informacional. Nas palavras deste pesquisador: (...) a tecnologia da informação em si não causa desemprego, mesmo que, obviamente, reduza o tempo de trabalho por unidade de produção. Mas, sob o paradigma informacional, os tipos de emprego mudam em quantidade, qualidade e na natureza do trabalho executado (CASTELLS, 2006, p. 328). No entanto, Castells não negligencia a forma precária (embora não utilize este termo) de execução do trabalho no período informacional, que coincide com a reestruturação produtiva, pós-1973. Sobre isto, o autor explicita: (...) o processo de transição histórica para uma sociedade informacional e uma economia global é caracterizado pela deterioração das condições de trabalho e de vida para uma quantidade significativa de trabalhadores. Essa deterioração assume formas diferentes nos diversos contextos: aumento do desemprego na Europa; queda dos salários reais (pelo menos até 1996), aumentando a desigualdade, e instabilidade no emprego nos Estados Unidos; subemprego e maior segmentação da força do trabalho no Japão; “informalização” e desvalorização da mão-de-obra urbana recém incorporada nos países em desenvolvimento; e crescente marginalização da força de trabalho rural nas economias subdesenvolvidas e estagnadas. (...) essas tendências não originam da lógica estrutural do paradigma informacional, mas são o resultado da reestruturação atual das relações capital-trabalho, com a ajuda de poderosas ferramentas oferecidas pelas novas tecnologias de informação e facilitadas por uma nova forma organizacional, a empresa em rede (Idem, p. 345). É evidente que a inserção da tecnologia informacional e da automação não é a única característica da acumulação flexível capaz de interagir com o mercado de trabalho. Como antes foi dito, a informática e a automação se configuram em um ponto importante na observação a respeito do trabalho flexível, mas não são certamente o único fator. Castells (2006) neste sentido defende que a precarização dos empregos está muito mais ligada às questões de articulações econômicas, de estratégia de marketing do que às tecnologias informacionais da produção e da administração, como pôde ser observado na citação anterior. Neste sentido a informática, como parte de um processo inerente às articulações de mercado, não faz emergir, de acordo com esse 32 autor, o decréscimo do número de empregos e nem é responsável diretamente por outras formas de precarização do trabalho. Analisando o mercado de trabalho historicamente percebe-se que as grandes transformações estão muito mais relacionadas às estruturas macro emanadas dos regimes de produção. No percurso da história é possível separar o mercado de trabalho dicotomicamente e perceber esta estreita relação. A separação se daria então entre modelos rígidos e flexíveis de acordo com a definição de Harvey; industriais e pós-industriais, segundo denominação de Castells; ou modernos e pós- modernos, ainda de acordo com Harvey. Esta separação dicotômica pode ser melhor entendida pela verbalização de Pochmann (1996) quando argumenta: “tivemos um período em que os empregos foram regulares, de jornada plena e de salários adequados. Estamos diante de um outro período em que o que mais se expande são os empregos parciais, com jornada reduzida e salários comprimidos” (POCHMANN, 1999, p. 23). Por mais que existam algumas divergências nas teorias quanto às causas da flexibilidade, ou sobre a forma como esta se dá nos diversos países, é consenso, que a partir da década de 1970, as relações de trabalho e as formas de execução do trabalho no âmbito da produção têm-se flexibilizado ao extremo. De forma geral o que se percebe é o seguinte: - diminuição da ocupação no setor industrial; - expansão dos contratos no setor de serviços, mesmo os serviços ligados à produção industrial; - diminuição dos salários; - aumento da rotatividade no emprego; - diversidade de profissões, principalmente no setor de serviços, que é o que mais cresce em número de empregos; - crescimento das terceirizações, principalmente no setor da indústria, fato que ajuda a explicar a perda dos contratos neste setor; - aumento expressivo do número de empregos por conta própria e de pequenas empresas; 33 - aumento de benefícios como participação nos lucros e pagamento de salários em ações; - subcontratações. Para muitos autores, este processo de flexibilização configura uma crise do trabalho e principalmente a precarização deste. De acordo com Singer (1996) “a crise no mundo do trabalho é exatamente a destruição da relação padrão de emprego. Este processo tem sido chamado por muitos e por mim também de precarização do trabalho” (SINGER, 1996, p. 32). Não diferente é a abordagem de Rendón e Sales (2001), que através de seus estudos sobre o mercado de trabalho na América Latina expressam a seguinte observação: El crecimiento del empleo asalariado se ha concentrado principalmente en el comércio y los servicios. Este hecho, junto con la proliferación de pequeños negocios donde predomino el trabajo no asalariado, dieron como resultado que se profundizara la tendencia a la terciarización del empleo y que se frenara el proceso de asalariamiento de la fuerza de trabajo que tuvo lugar entre 1950 y 1980. Estos cambios en la estructura del empleo implican un deterioro de la calidad de los empleo, ya que el salario medio en las actividades terciarias es menor que en la industria y también es menor en las empresas pequeñas que en las grandes, además de que las condiciones laborales en las microempresas son muy inferiores a las que caracterizan a las empresas de mayor tamaño1 (RENDÓN; SALES 2001, p. 559). De forma parecida seguem as interpretações de Ricardo Antunes, Helena Hirata, Chahad e tantos outros autores. Não se negligencia aqui que os apontamentos até agora explicitados não são novos. No entanto não poderiam passar despercebidos uma vez que representam a base teórica fundamental para o entendimento acerca 1 O crescimento do emprego assalariado tem-se concentrado principalmente no comércio e serviços. Isto, juntamente com a proliferação de empresas de pequeno porte, predominantemente de trabalho não assalariado, o que resultou na tendência para a terceirização de empregos e para o impasse do processo de empregos formais no mercado de trabalho que ocorreu entre 1950 e 1980 . Essas mudanças na estrutura do emprego envolve uma deterioração da qualidade de emprego, uma vez que o salário médio em atividades terciárias é menor do que na indústria e também é menor nas pequenas empresas do que nas grandes, além disso as condições trabalhando nas micro-empresas são muito inferiores do que aquelas que caracterizam as empresas de maior dimensão 34 do mercado de trabalho local, que é o foco desta pesquisa e que posteriormente será abordado. Julga-se pertinente a realização de uma descrição a respeito do mercado de trabalho em uma dimensão geopolítica. Neste sentido é relevante observar as discussões teóricas relativas à dimensão global do mercado de trabalho bem como às dimensões nacional e regional (condizente ao norte de Minas). As observações posteriores darão subsídio para análises comparativas, além de propiciarem a contextualização do mercado de trabalho pós-1973. Fato que possibilitará interpretações a respeito das diversidades, variabilidades e especificidades do mercado de trabalho segundo as dimensões geográficas. 35CAPÍTULO II - REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO Em qualquer processo de transição histórica, uma das expressões de mudança sistêmica mais direta é a transformação da estrutura ocupacional, ou seja, da composição das categorias profissionais e do emprego. Na verdade, as teorias do pós-industrialismo e informacionalismo utilizam como maior prova empírica da mudança do curso histórico o aparecimento de uma nova estrutura social caracterizada pela mudança de produtos para serviços, pelo surgimento de profissões administrativas e especializadas, pelo fim do emprego rural e industrial e pelo crescente conteúdo de informação no trabalho das economias mais avançadas. Implícita na maior parte dessas formulações, há uma espécie de lei natural das economias e sociedades que devem seguir um único caminho na trajetória da modernidade, lideradas pela sociedade norte-americana. (CASTELLS, 2006, p. 266). Castells discorda das afirmações postas na citação acima. Em primeiro lugar, critica o conceito de pós-industrialismo, argumentando que a existência e a importância da indústria na dinâmica da economia e da sociedade atual, nos diversos países descaracteriza o período “pós-industrial”. No entanto, mesmo com as críticas, utiliza este conceito em seus esboços teóricos. Em segundo lugar, não concorda que haja uma nova estrutura social baseada nos serviços, no fim do emprego rural e da fundamentação informacional no trabalho de países desenvolvidos. Segundo ele, o que existe é uma interação diversa entre as especificidades geográficas, históricas e culturais de cada país, com a adaptação do uso da tecnologia e informações no âmbito da produção. Em terceiro lugar e por último, Castells contesta o fato de toda esta inovação produtiva partir de bases norte-americanas. Defende, entretanto, que as mudanças produtivas ocorrem de forma diferente em cada país, segundo as suas especificidades. Não queremos discutir aqui a existência ou não de um estágio pós-industrial, nem a evidência de uma nova ordem pragmática fundamentada unicamente nos serviços, em que se destitui o trabalho agrícola. O que está em evidência neste trabalho são as mudanças relativas ao mercado de trabalho em que diversificam, fragmentam, especializam e flexibilizam o processo produtivo trazendo agudas consequências para os trabalhadores inseridos neste processo. 36 As consequências, como serão mostradas, dizem respeito a uma ordem cada vez mais precária e imprevisível das relações entre empresa e trabalhador. E sejam estas consequências, advindas ou não dos processos informacionais, elas certamente são prejudiciais a uma numerosa e importante população de pessoas que vive unicamente do seu trabalho, aplicado nesta ordem flexível e inconstante. Embora os dados apresentados por Castells sejam controversos em sua forma de cálculo, por não haver, segundo ele, um entendimento claro a respeito do setor de serviços, eles são relevantes para entendermos tanto o processo de mudança do mercado de trabalho nos países mais desenvolvidos do mundo, como também nos ajudam a entender variações existentes no percurso histórico destes países. Ademais, embora Catells não aborde sobre a precariedade do mercado de trabalho nos países desenvolvidos, os dados por ele mesmo apresentados explicitam isto. Deste modo, iremos atentar para tais indicadores a partir daqui. 2.1. Mercado de trabalho nos países desenvolvidos É evidente que, como aponta Castells, as especificidades culturais, sociais, políticas, econômicas de cada país norteiam os rumos do mercado de trabalho das diferentes nações. De outro modo, é também evidente que uma tendência geral, vivenciada pela maioria dos países, possui relevante probabilidade de influenciar as diversas formas de articulação do mercado de trabalho. Tendência esta, como mencionado, marcada pelo crescimento do setor de serviços, diminuição do setor industrial, redução da jornada de trabalho, declínio dos salários, aumento da rotatividade, e, além de outros fatores, ampliação dos contratos femininos. Por mais que os indicadores dos distintos países apresentem algum tipo de divergência em relação ao comportamento do mercado de trabalho, eles acompanham inequivocamente a tendência que alguns autores denominam como sendo da precariedade do trabalho. 37 Uma das mais importantes evidências de precariedade do mercado de trabalho em todo o mundo nas últimas décadas é o crescimento do desemprego, principalmente a partir da década de 1980. De acordo com dados da OCDE – Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico -, apresentados por Casttels (2006), o crescimento do emprego nos países desenvolvidos foi ínfimo e ao contrário disso, o desemprego nesses países fixou-se de forma surpreendentemente alta no ano de 1995. Neste ano Bélgica, Finlândia, França, Irlanda, Itália e Espanha apresentaram índice de desemprego superior a 10%, enquanto explicitaram crescimento do emprego inferior a 1% entre os anos 1987 a 1994, com ênfase à Finlândia e à Suécia que obtiveram crescimento negativo do emprego de 1,6% e 0,6% respectivamente. TABELA 2 Aumento do índice de emprego (1987-1994), e índice de desemprego (1995) por país País Crescimento do emprego 1987-94 Índice de desemprego 1995 Austrália 1,9 8,5 Áustria 0,8 5,6 Bélgica 0,5 13,0 Canadá 1,6 9,5 Dinamarca 0,2 10,0 Finlândia -1,6 17,2 França 0,1 11,6 Alemanha 0,7 9,4 Grécia 0,5 10,0 Irlanda 0,4 12,9 Itália 0,0 12,0 Japão 1,2 3,1 Holanda 1,8 7,1 Nova Zelândia 0,3 6,3 Noruega 0,3 4,9 Portugal 0,3 7,2 Espanha 0,6 22,9 Suécia -0,6 7,7 Suíça 1,5 4,2 Reino Unido 0,6 8,2 Estados Unidos 1,8 5,6 Fonte: OCDE Elaboração: CASTELLS, (2006). 38 Outra característica marcante da precarização do trabalho está focada no crescimento aguçado do setor de serviços e no decrescimento do setor industrial, como antes pontuamos. O crescimento do setor de serviços em detrimento da indústria ilustra a precariedade do trabalho fundamentalmente pelo comportamento do mercado de trabalho inerente a cada setor. Enquanto a indústria, símbolo da estabilidade Fordista, diminui acentuadamente seus postos de trabalho, o setor de serviços notavelmente flexível, dinâmico, ao extremo fragmentado, rotativo e instável, eleva expressivamente suas contratações. Contratos estes marcados pelo trabalho temporário de jornada reduzida e remunerações decrescentes em sua maior parte. De acordo com os dados apresentados por Castells, mostrados nas tabelas que se seguem, o século XX é marcado por essa reestruturação notória dos setores econômicos. Em 1920, nos Estados Unidos, o setor de serviços possuía 52% do percentual de empregos, em uma relação dicotômica com o setor industrial que ostentava 48% do pessoal ocupado, enquanto em 1991 o primeiro setor atingiu a marca de 75,1% das vagas de trabalho contra 24,9% do segundo setor citado. Com atenção ao Japão, Alemanha, França, Reino Unido e aos Estados Unidos, a maior potência mundial representa de fato a guarida dos serviços. Ao final da década de oitenta, os Estados Unidos apresentam o maior percentual de emprego no setor de serviços comparativamente ao setor industrial. TABELA 3 Percentual de emprego nos setores da indústria e dos serviços nos Estados Unidos 1920-1991 Ano Indústria Serviços 1920 48,0 52,0 1930 43,3 56,7 1940 37,9 62,1 1950 39,2 60,8 1960 38,2 61,8 1970 33,6 66,4 1980 30,5 69,5 1985 27,7 72,3 1990 25,8 74,2 1991 24,9 75,1 39 Fontes: (a) Singelmann (1978); (b) 1970: Censo Populacional; 1980-1991: Current population Survey, Departamento de Estatística do Trabalho; Estatística do trabalho; Employment and Earnings, varia edições. Elaboração: CASTELLS, 2006. Segundo Castells (2006), o Japão
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