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DIARREIA AGUDA Introdução e conceito -Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. Entretanto, neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. -Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucócitos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o quadro diarreico se estende além de 14 dias. Epidemiologia -Estima-se que, anualmente, ocorram 2,5 bilhões de casos de diarreia entre as crianças menores de cinco anos. -No Brasil, segundo publicação oficial do Datasus, a proporção de óbitos por diarreia aguda em menores de 5 anos caiu de 10,8% em 1990 para 1,6% em 2011. -As regiões Norte e Nordeste ainda concentram os maiores índices de mortalidade. Apesar da queda na taxa de mortalidade por doença diarreica aguda entre crianças menores de cinco anos, a morbidade tem se mantido constante nas duas últimas décadas, tanto em países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos, consumindo recursos substanciais da saúde. Etiologia -A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de cinco anos. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes. -As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga viral para causar doença. -Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, representando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. -Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser encontrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são assintomáticos. -Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. -Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. -As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora caye-tanensis. Diarreia/constipação -O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos. -A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras. -Eventualmente outras causas podem iniciar o quadro como diarreia tais como: alergia ao leite de vaca, deficiência de lactase, apendicite aguda, uso de laxantes e antibióticos, intoxicação por metais pesados. -A investigação intestinal tem que ser considerada no diagnóstico diferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente. A investigação da etiologia da diarreia aguda não é obrigatória em todos os casos. Deve ser realizada nos casos graves e nos pacientes hospitalizados. Deve ser lembrado que os laboratórios, em geral, não dispõem de recursos para diagnosticar todas as bactérias e vírus causadores de diarreia aguda. Novos métodos diagnósticos utilizando a técnica de PCR multiplex estão em desenvolvimento e têm potencial para proporcionar, no futuro, o diagnóstico etiológico com maior rapidez e abrangência. Fisiopatologia e quadro clínico -O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reveste a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico compõem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. -Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este comum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até determinar em alguns casos infecção generalizada. -Dependendo do fator de virulência do microrganismo, podem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alteração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apresentar mais de uma forma clínica. Diarreia osmótica -Predomina nos quadros virais. O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a reposição por células imaturas, há diminuição da atividade enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose. -Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. -Esse tipo de diarreia caracteriza-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principalmente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em aproximadamente metade dos casos. Diarreia secretora Caracteriza-se por perda de grande volume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+ ), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vibrio cholerae. -Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistêmicos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. Diarreia inflamatória -É causada por patógenos que invadem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da extensão da injúria. -O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal- estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o potencial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrganismos podem atingir a circulaçãosistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. -A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidreletrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de um ano são as mais vulneráveis. Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos. Diagnóstico -O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por meio de uma história e um exame físico detalhado, é possível levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos e orientar as medidas terapêuticas necessárias. -Deve constar na anamnese: duração da diarreia, características das fezes, número de evacuações diarreicas por dia, vômitos (número de episódios/dia), febre, diurese (volume, cor e tempo decorrido da última micção), uso de medicamentos, sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos oferecidos após o início da diarreia, doenças prévias, estado geral, presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem recente, contato com pessoas com diarreia e ingestão de alimentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibióticos. -O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros mais graves e evolução para diarreia persistente. É importante avaliar o estado de hidratação, o estado nutricional, o estado de alerta (ativo, irritável, letárgico), a capacidade de beber e a diurese. O percentual de perda de peso é considerado o melhor indicador da desidratação. -Mesmo quando o peso anterior recente não é disponível, é fundamental que seja mensurado o peso exato na avaliação inicial do paciente. A avaliação nutricional é muito importante na abordagem da criança com doença diarreica. O peso é fundamental no acompanhamento tanto em regime de internação hospitalar como no ambulatório. Considera-se que perda de peso de até 5% represente a desidratação leve; entre 5% e 10% a desidratação é moderada; e perda de mais de 10% traduz desidratação grave. -É importante lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infecção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. Deve-se classificar o estado de hidratação do paciente. -A solicitação de exames laboratoriais não é necessária rotineiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitualmente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolução atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, lactentes menores de quatro meses e para os pacientes imunodeprimidos. -O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na função renal. -Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, hemácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pesquisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. -O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substâncias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. -A ausência de leucócitos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mucosa intestinal. -O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade baixa. O material fecal deve ser transportado em meio especial ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas em refrigeração a 4°C. Tratamento e prevenção Terapia de reidratação oral (TRO) e dieta -Após ser estabelecido o diagnóstico, e realizado exame físico completo com definição do estado de hidratação, deve ser seguido o esquema clássico de tratamento, distribuído em três categorias segundo a presença ou não de desidratação. -Se o paciente está com diarreia e está hidratado deverá ser tratado com o Plano A. Se está com diarreia e tem algum grau de desidratação, deve ser tratado com o Plano B. Se tem diarreia e está com desidratação grave, deve ser tratado com o Plano C. É fundamental para o tratamento adequado a reavaliação pediátrica contínua. Plano A: tratamento no domicílio. É obrigatório aumentar a oferta de líquidos, incluindo o soro de reidratação oral (reposição para prevenir a desidratação) e a manutenção da alimentação Tratamento com alimentos que não agravem a diarreia. Deve- -se dar mais líquidos do que o paciente ingere normalmente. Além do soro de hidratação oral, são considerados líquidos adequados: sopa de frango com hortaliças e verduras, água de coco, água. -São inadequados: refrigerantes, líquidos açucarados, chás, sucos comercializados, café. Ainda no Plano A, deve-se iniciar a suplementação de zinco e manter a alimentação habitual. Os sinais de alarme devem ser enfatizados nesta fase, para serem identificados prontamente na evolução se ocorrerem (aumento da frequência das dejeções líquidas, vômitos frequentes, sangue nas fezes, recusa para ingestão de líquidos, febre, diminuição da atividade, presença de sinais de desidratação, piora do estado geral). Plano B: administrar o soro de reidratação oral sob supervisão médica (reparação das perdas vinculadas à desidratação). Manter o aleitamento materno e suspender os outros alimentos (jejum apenas durante o período da terapia de reparação por via oral). Após o término desta fase, retomar os procedimentos do Plano A. -De acordo com a OMS é importante que a alimentação seja reiniciada no serviço de saúde para que as mães sejam orientadas quanto à importância da manutenção da alimentação. A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral (SRO), entre 50 a 100 mL/Kg, durante 2 a 4 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quantidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. A mamadeira não deve ser utilizada. Considera-se fracasso da reidratação oral se as dejeções aumentam, se ocorrem vômitos incoercíveis, ou se a desidratação evolui para grave. Nesta fase deve-se iniciar a suplementação de zinco. Plano C: corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral (reparação ou expansão). Em geral, o paciente deve ser mantido no serviço de saúde, em hidratação parenteral de manutenção, até que tenha condições de se alimentar e receber líquidos por via oral na quantidade adequada. As indicações para reidratação venosa são: desidratação grave, contraindicação de hidratação oral (íleo paralítico, abdômen agudo, alteração do estado de consciência ou convulsões), choque hipovolêmico. Idealmente deve-se conseguir a punção de veia calibrosa. -Quando necessário, sobretudo em casos de choque hipovolêmico, podem ser necessários dois acessos venosos. Caso não seja possível infusão venosa, considerar infusão intraóssea. -Podem ser utilizados os seguintes critérios para internação hospitalar: choque hipovolêmico, desidratação grave (perda de peso maior ou igual a 10%), manifestações neurológicas (por exemplo, letargia e convulsões), vômitos biliosos ou de difícil controle, falha na terapia de reidratação oral, suspeita de doença cirúrgica associada ou falta de condições satisfatórias para tratamento domiciliar ou acompanhamento ambulatorial. -A manutenção da alimentação com oferta energética apropriada é um dos pilares mais importantes no tratamento da diarreia aguda. Todas as diretrizes são unânimes que o aleitamento materno deve ser mantido e incentivado durante o episódio diarreico. Medicações -Em 2002, a OMS eo Unicef revisaram suas recomendações para adicionar o zinco de rotina como terapia anexa à reidratação oral para o tratamento da diarreia infantil, independentemente da etiologia. -Nas crianças que vivem nos países em desenvolvimento, o uso do zinco oral deve ser recomendado na dose de 20 mg por dia, durante 10 dias; e nos lactentes menores de 2 meses, na dose de 10 mg por dia, também durante 10 dias, para o tratamento da diarreia aguda. -Os antieméticos são desnecessários para o tratamento da diarreia aguda e não conferem benefício; além disso, têm efeitos sedativos, o que pode atrapalhar a TRO; entretanto, novas evidências indicam que crianças com vômitos persistentes, tratadas com a ondansetrona, apresentam menor risco de admissão hospitalar. -Os probióticos podem ser úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em cerca de um dia a sua duração, principalmente nas diarreias de etiologia viral. -Os antiperistálticos, como a loperamida, não são recomendados para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as complicações da doença, particularmente em crianças com diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromices bulardi e Lactobacillus GG. A racecadotrila é uma droga antissecretora que inibe a encefalinase intestinal sem reduzir o transito intestinal ou promover o supercrescimento bacteriano. A medicação reduz a duração da diarreia e o volume de fezes. - Os estudos recentes de metanálises apoiam o uso da racecadotrila, associado à SRO, para a conduta terapêutica da diarreia aguda em crianças. Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo excepcionalmente indicados. Os antimicrobianos são indicados para os casos mais graves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patógenos presentes na localidade ou região. -Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes bacterianos e parasitários são: • cólera: azitromicina, ciprofloxacino; • Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico; • ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol seguido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cistos. A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Alguns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida reduzindo a replicação do rotavírus no hospedeiro; • giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol; • Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino; • E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: cipro-floxacino, ceftriaxona; • Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina. Prevenção da diarreia -O aleitamento materno exclusivo durante os seis primeiros meses e após esta idade, acompanhado de alimentação complementar adequada para a idade, o uso de água tratada, de alimentos adequadamente preparados e acondicionados e esgotamento sanitário apropriado previnem a incidência de diarreia. -O hábito de lavar as mãos reduziu a incidência de doença diarreica em até 31%, mas outro estudo mostrou pouco efeito quanto à transmissão do rotavírus. -A vacinação é a melhor maneira de prevenir a infecção por rotavírus. A OMS recomenda duas vacinas: a vacina humana monovalente de vírus vivo atenuado RV-A (Rotarix® na pentavalente bovino-humana (RotaTeq® A Rotarix® ).foi introduzida no Brasil em 2006, por meio do Programa Nacional de Imunização, com um esquema de duas doses aos 2 meses de vida (mínima de 6 e máxima de 14 semanas de vida) e 4 meses (mínima de 14 semanas e máxima de 24 semanas de vida), podendo ser coadministrada com outras vacinas. -As duas vacinas, quando comparadas, demonstram ser altamente efetivas para prevenir a infecção por rotavírus e suas complicações, principalmente as internações. A imunização contra o sarampo pode reduzir a incidência e a gravidade das doenças diarreicas; por isso, essa vacinação deve ser feita para todos os lactentes na idade recomendada. DIARREIA CRÔNICA Introdução - A diarreia é caracterizada por perda de fluidos e eletrólitos nas fezes. Quando o processo em curso ultrapassa 14 dias, define-se como diarreia crônica. Alguns autores utilizam o termo “diarreia persistente” quando o processo em questão decorre de etiologia infecciosa, e denominam crônicas quando não associada à infecção pregressa. Definição -A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10 g/kg/dia em lactentes e 200 g/dia para crianças maiores, pelo prazo superior a 14 dias de duração. A frequência evacuatória, em geral, é superior a 3 dejeções/dia, sendo o volume fecal difícil de ser mensurado em crianças. Epidemiologia -De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 13,2% dos óbitos na infância estão relacionados à doença diarreica, 85% dos quais registrados nos países em desenvolvimento. A prevalência da diarreia crônica em populações distintas varia entre 3 e 20%. -A taxa de mortalidade decresceu de forma acentuada em regiões onde foram implementados os programas de provisão dos sais de hidratação oral, imunização antir-rotavírus e combate à desnutrição infantil. - Nos países desenvolvidos, as causas de diarreia crônica relacionam-se a alterações imunológicas, inflamatórias e doenças geneticamente determinadas. -A prevalência e as causas básicas da diarreia crônica variam de acordo com a faixa etária estudada e condições higiênico-sanitárias da população. Etiologia Infecciosa -Agentes bacterianos e virais, protozoários, supercrescimento bacteriano do intestino, síndrome pós-enterite, doença de Whipple, alterações da microbiota por uso de antibióticos. Não infecciosa -Diarreia associada a substâncias exógenas: excesso de líquidos carbonados; -Processo digestivo anormal: fibrose cística, síndrome de Shwachman-Diamond, deficiência isolada de enzima pancreática, pancreatite crônica. -Má absorção de nutrientes: deficiência de sacarase-isomaltase, deficiência de lactase, má absorção de glicose-galactose, má absorção de frutose, síndrome do intestino curto. -Processos imunes/inflamatórios: alergia alimentar, doença celíaca, gastroenterite eosinofílica, enteropatia autoimune. -Defeitos estruturais: doença de inclusão microvilositária. -Defeitos no transporte de eletrólitos e metabólicos: cloridorreia congênita, má absorção de sódio. -Diarreias não específicas: diarreia crônica funcional, síndrome do intestino irritável. -Doenças neoplásicas: hormônios secretores neuroendócrinos Fisiopatologia -Os mecanismos determinantes de diarreia podem ser osmótico, secretor ou misto. O componente secretor caracteriza-se pelo fluxo ativo de eletrólitos e água em direção ao lúmen intestinal, resultantes da inibição de absorção neutra de NaCl nos vilos dos enterócitos e aumento da secreção de cloreto nas células das criptas. -A secreção eletrogênica é estimulada basicamente pelas enterotoxinas produzidas por bactérias patogênicas, citocinas inflamatórias e substâncias endógenas endócrinas que resultam em aumento da concentração de monofosfato de adenosina (AMP) cíclico, monofosfato de guanosina (GMP) cíclico e/ou cálcio citosólico. -A diarreia osmótica é causada por nutrientes não absorvidos no lúmen intestinal decorrentes dos seguintes mecanismos: dano intestinal (infecções entéricas), redução da superfície absortiva (doença celíaca), redução de enzima digestiva (déficit de lactase),aumento da velocidade do trânsito intestinal e sobrecarga osmolar. -Os processos inflamatórios decorrem da liberação de citocinas, as quais, por sua vez, estimulam a secreção, aumentam a permeabilidade do epitélio com consequente adsorção de proteínas heterólogas, deflagração de mecanismos imunomediados, aumento da motilidade e extravasamento de proteínas para a luz intestinal. Apresentação clínica Infecções -As infecções entéricas estão comumente relacionadas à diarreia crônica nos países em desenvolvimento.A Escherichia coli enteroaderente, variante enteroagregativa e o Criptosporidium parvum são muitas vezes determinantes de diarreia crônica pós-infecção aguda. -As enteroparasitoses ainda são responsáveis por processos disabsortivos em crianças que vivem em áreas endêmicas. Protozoários como a Giardia lamblia podem determinar diarreia crônica mesmo em pacientes imunocompetentes, exigindo tratamento específico. -Crianças desnutridas, imunodeficientes primárias e portadoras de HIV podem não autolimitar infecções entéricas por protozoários, como Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora e estrongiloides. -As síndromes pós-enterites apresentam-se com diarreia grave em razão do dano à mucosa intestinal, sensibilização contra proteínas heterólogas da dieta alimentar, desequilíbrio da microflora e excesso de secreção de enterotoxinas. -O sobrecrescimento bacteriano intestinal promove desconjugação e desidroxilação de sais biliares, além de hidroxilação de ácidos graxos com efeito catártico sobre a mucosa intestinal. Resposta imune anormal -A doença celíaca ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, após exposição ao glúten da dieta alimentar. -Dependendo do grupo étnico, a doença celíaca incide em 0,5 a 1,0% da população de diferentes países. As crianças de baixo grupo etário apresentam, com mais frequência, diarreia crônica e má absorção, enquanto em outras faixas etárias predominam os casos oligossintomáticos ou atípicos. A doença inflamatória intestinal crônica (DIIC) compreende a retocolite ulcerativa, a doença de Crohn e a colite indeterminada. Os sintomas cardinais são dores abdominais de caráter intermitente, cólicas, diarreia crônica e evacuações mucossanguinolentas. -Aproximadamente 10 a 15% dos casos de DIIC iniciam-se antes dos 10 anos de idade, sendo de difícil reconhecimento pelos pediatras, o que acarreta retardo de diagnóstico e tratamento. -A enteropatia alérgica acompanhada ou não de colite resulta de resposta anormal à proteína alimentar, sendo o leite de vaca o alérgeno predominante. -A diarreia, com ou sem sangue, a anemia e a inapetência estão presentes. Nos primeiros meses de vida, predominam as reações alérgicas não IgE mediadas, de difícil reconhecimento, por não haver comprovação laboratorial disponível. As reações IgE mediadas tendem a determinar igualmente sintomas cutâneos e/ou respiratórios, sendo confirmada pelos anticorpos IgE específicos ou teste cutâneo de puntura. -A colite microscópica e a colite colagenosa são raras na infância e determinam diarreias volumosas, não sanguinolentas, de caráter aquoso. - As enteropatias autoimunes são entidades raras, complexas e de manuseio terapêutico. A diarreia crônica pode ser isolada ou associada ao diabete melito tipo I, como parte da síndrome IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia, enteropatia e alterações no cromossomo X). A doença é determinada por mutações no gene FOXP3. O quadro clínico é grave, compreendendo diarreia crônica, dermatite, tireoidite e diabete melito. Diarreia colerética -As denominadas diarreias coleréticas ocorrem nos pacientes com má absorção de ácidos biliares. O íleo terminal apresenta processo inflamatório extenso e grave, ou pode estar com superfície de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Os sais biliares não completamente absorvidos excedem a capacidade absortiva do íleo distal, o que acarreta igualmente diarreia de caráter secretor. Má absorção de carboidrato -A má absorção de carboidrato mais comum é a intolerância à lactose decorrente da redução da atividade lactásica nas microvilosidades do epitélio intestinal. A redução enzimática inicia-se, na maioria das vezes, a partir da faixa etária escolar, porém 20% dos casos são descritos em pré- escolares. - A intolerância à lactose (IL) pode ser adquirida, relacionada às lesões da mucosa do intestino delgado, secundárias às gastroenterites agudas e persistente, que determinam lesões ultraestruturais do epitélio intestinal, com redução significativa da concentração de lactase. A lactose não completamente hidrolisada é fermentada pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butirato e gases voláteis. As fezes são ácidas e provocam em lactentes assaduras de difícil controle. Há, ainda, raros casos em que se constata diarreia osmolar por déficit da enzima sacarase-isomaltase, após ingestão de sucos açucarados. Má absorção proteica intestinal -Os sinais e sintomas decorrentes da má absorção de proteínas estão relacionados à hipoalbuminemia e à redução das imunoglobulinas séricas. Nos casos de evolução crônica, o edema clínico pode ocorrer. São comuns perdas proteicas, na doença celíaca, na doença inflamatória crônica intestinal e enteropatias alérgicas. A linfangiectasia primária representa uma causa rara de perda proteica fecal. Má absorção de gordura Fezes volumosas, de aspecto brilhante, odor pútrido e que boiam no vaso sanitário caracterizam a esteatorreia, frequentemente observada na fibrose cística. A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. -Ao nascimento, o íleo meconial pode ser uma manifestação. Na abetalipoproteinemia, não há formação dos quilomícrons necessários para a absorção das vitaminas lipossolúveis. Sintomas neurológicos podem estar presentes em virtude do déficit de vitamina E. A doença de retenção de quilomícrons acarreta má absorção de gordura, desnutrição e diarreia crônica, geralmente acompanhada de alterações hematológicas nas hemácias, que assumem aspecto espiculado (acantose). Alterações da motilidade - A doença de Hirschsprung caracteriza-se fundamentalmente por distensão abdominal e extrema dificuldade evacuatória decorrente da ausência dos gânglios mioentéricos. Nesses pacientes, são comumente observadas crises de distensão abdominal seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. -A pseudo-obstrução intestinal crônica é uma condição rara determinante de distensão crônica das alças intestinais, retardo do transito colônico e surtos de diarreia decorrentes do sobrecrescimento bacteriano do intestino. A diarreia crônica inespecífica é tida como entidade funcional, comum em crianças de baixo grupo etário. -A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há processo inflamatório em curso ou déficit de absorção. -O apetite está preservado e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, por vezes líquidas e frequentemente contém restos alimentares. Defeitos estruturais dos enterócitos -As diarreias são de caráter grave, tendo início, em geral, nos primeiros dias de vida. Na doença de inclusão microvilositária, há formação de vacúolos nos enterócitos, alteração do bordo em escova e desarranjo da arquitetura das microvilosidades. -Na enteropatia em tufos (displasia epitelial intestinal), o acometimento básico é na estrutura da membrana basal dos enterócitos que apresentam anomalias na composição da lamilina e proteoglicano, acarretando perda da função absortiva. Os defeitos congênitos de transporte de eletrólitos são raros e incluem a diarreia congênita perdedorade cloro e a diarreia perdedora de sódio. A mutação no transportador de cloro determina a ausência de troca Cl-/HCO3 -, com consequente alcalose metabólica e acidificação do teor intestinal. -Diarreias osmolares podem ocorrer nos primeiros dias de vida em decorrência de mutações no transportador glicose/ sódio. A diarreia é deflagrada pela ingestão de lactose, glicose ou galactose, cessando quando há interrupção da ingestão desses açúcares na dieta alimentar. -Na deficiência congênita sacarase-isomaltase, os lactentes não apresentam diarreia quando ingerem leite humano ou fórmulas lácteas, porém apresentam fezes diarreicas quando da ingestão de alimentos que contenham sacarose. Tumores neuroendócrinos -O gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison) caracteriza-se pelo aumento da secreção de gastrina, hipersecreção ácida, úlcera péptica e diarreia crônica decorrente do aumento da motilidade. Há ainda raros casos de VIPomas, ganglioneuroma ou ganglioneuroblastomas, tumores neuroendócrinos que determinam diarreia profusa. Algumas crianças portadoras de mastocitose cutânea apresentam dores abdominais, diarreia por hipersecreção de histamina, aumento de secreção ácida gástrica e hipermotilidade, que determinam quadro de diarreia crônica. Diagnóstico -O espectro etiológico das diarreias crônicas é extremamente amplo e diversificado, de acordo com a faixa etária e o meio ambiente de convívio. O pediatra deve procurar seguir algoritmos de investigação que contemplem número reduzido de exames, testes menos invasivos, quando possível, mas que apresentem sensibilidade e especificidade para indicar o diagnóstico em questão. Idade -As diarreias congênitas determinam perda hídrica considerável nos primeiros dias de vida e, em geral, são de herança autossômica recessiva. Má absorção de gorduras, com ou sem quadro respiratório associado indica possibilidade de fibrose cística. Em famílias atópicas, a possibilidade de alergia alimentar sempre deve ser lembrada. -Entre 1 e 3 anos de idade, a diarreia crônica, a distensão abdominal e a desnutrição exigem triagem para doença celíaca. Em faixas etárias maiores, as diarreias, dores abdominais e febres intermitentes devem levantar suspeita de doença inflamatória intestinal crônica. Características das evacuações -Devem ser consideradas, na investigação, as características das evacuações quanto ao número, consistência e aspecto das fezes; se aquosas, com ou sem muco, presença de pus ou sangue e restos alimentares. -Quando o acometimento é de intestino delgado, as fezes podem ser volumosas e de aspecto mais claro. A presença de muco e sangue provém das afecções do colo, podendo ser decorrente de processos infecciosos, parasitários, alérgicos ou inflamatórios. Fezes líquidas, volumosas e de odor ácido são frequentes nas diarreias osmolares, por má absorção de carboidratos. Fezes oleosas, claras, volumosas e de odor pútrido são características de esteatorreia, comuns na fibrose cística ou na doença celíaca. Estado nutricional -A avaliação nutricional é fundamental, pois dimensiona para o pediatra a ocorrência de má absorção intestinal e a sua cronicidade. O comprometimento dos parâmetros de peso/idade e altura/idade alerta para processos instalados de longa duração. -O peso é afetado antes do parâmetro de altura. Marcadores bioquímicos podem auxiliar na determinação do grau de desnutrição e indicar o tipo de abordagem terapêutica e nutricional a ser tomado. -A albumina sérica está abaixo de 3,0 g/dL nos casos de desnutrição moderada ou grave. A dosagem de pré-albumina e proteína ligada ao retinol é mais sensível para detecção dos casos iniciais ou mais leves de desnutrição. -A avaliação da composição corporal pode ser obtida por meio de medidas da circunferência do braço e espessura das dobras cutâneas do tríceps. As mensurações de massa gorda e magra podem ser tomadas a partir da análise de impedância bioelétrica ou absortometria de dupla emissão de raios X. Sinais e sintomas associados -Nas intolerâncias alimentares, é comum a ocorrência de vômitos após ingestão da proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido. A distensão abdominal gasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados nos casos de intolerância a lactose. A assadura perineal, denotando emissão de fezes ácidas, é comum em lactentes com diarreias fermentativas. Artralgias, febre e aftas de repetição podem ser indicativos de doença inflamatória intestinal crônica em crianças maiores e adolescentes. Testes para avaliação de função digestivo-- absortiva, pancreática e inflamatória -A má absorção de carboidrato pode ser avaliada pela presença de substâncias redutoras nas fezes após ingestão do substrato. -As fezes devem ser recém-emitidas, e observa-se mudança do padrão de cor pelo teste utilizado (p.ex., Clinitest) denotando a presença do açúcar não absorvido (a má absorção da sacarose não é identificada por esse teste). Provas de sobrecarga dos dissacarídios, na dose de 2 g/kg em solução aquosa ou 1 g/kg nos casos de monossacarídios, são utilizadas para identificar os casos de má absorção, tomando-se em conta a variação das glicemias seriadas. -A concentração de hidrogênio no ar expirado por cromatografia indica igualmente se o carboidrato foi plenamente absorvido. Quando ocorre má absorção, a fermentação pelas bactérias colônicas produz gases voláteis que aumentam a concentração de hidrogênio em pelo menos 10 ppm. Picos de H2 no ar expirado em tempos precoces indicam sobrecrescimento bacteriano do intestino delgado. -A concentração de enzimas dissacaridases em fragmentos obtidos de biópsias de delgado é um método invasivo com pouca utilização na prática médica diária. - A má absorção de gordura é testada por métodos simples, como presença de valores elevados pelo esteatócrito ou método de Sudam III fecal. Teste quantitativo, como dosagem de gordura em fezes de 72 horas (método de Van de Kamer), constitui prova de difícil execução na prática diária. -A alfa-1-antitripsina nas fezes é uma proteína que se faz presente em pequena quantidade no intestino. Níveis mais elevados decorrem de exsudação de proteína para luz intestinal, presente em processos inflamatórios e/ou doenças malabsortivas. Quimiotripsina nas fezes indica atividade proteolítica presente, e níveis baixos relacionam-se com falta de atividade pancreática, exigindo investigação específica para tal. A presença de sangue oculto e leucócitos nas fezes são indicativos de ocorrência de processo inflamatório do intestino, presente em distintas afecções. A calprotectina fecal eleva-se quando há processo inflamatório agudo em curso, com participação de neutrófilos no infiltrado. É um marcador que, em concentração elevada, orienta para realização de colonoscopia. Marcadores sorológicos não invasivos -Os marcadores sorológicos não invasivos são utilizados para orientação diagnóstica final, reduzindo a necessidade de execução de testes invasivos e biópsias. Para doença celíaca, a dosagem de anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio, com sensibilidade e especificidade superior a 95%, representou um avanço para a detecção diagnóstica. -Marcadores como p-ANCA para diagnóstico de RCUI e ASCA (anticorpo anti), -Saccharomyces cerevisiae) para doença de Crohn demonstram sensibilidade ao redor de 60 a 70% e especificidade acima de 90% para detecção das respectivas doenças inflamatórias. A prova da absorção da D- xilose, utilizada para observar integridade da mucosa intestinal nas enteropatias, hoje é muito pouco utilizada, pois acaba por não fornecer subsídios importantes para o diagnóstico final. Imagem-A ultrassonografia (USG) abdominal tem sido útil por não representar método invasivo e não utilizar irradiação. Como é possível, por meio da USG abdominal, ser observado espessamento da parede intestinal e a complementação com Doppler, é igualmente possível a USG sugerir áreas com envolvimento inflamatório. Métodos como a enterotomografia e a enterorres-sonância magnética do abdome têm permitido localizar coleções, observar espessamento da parede intestinal, detectar fístulas entéricas e observar áreas de estenose ou subestenose. Tratamento -Em geral, os processos determinantes de diarreia crônica estão associados a grave comprometimento do estado geral e nutricional. Medidas de suporte e recuperação nutricional devem ser rapidamente instituídas. -A correção adicional do equilíbrio acidobásico e dos eletrólitos é mandatória. A instalação de dieta enteral que forneça pelo menos 50% das necessidades calóricas é importante no sentido de estabilizar as perdas pelo catabolismo. -Nas crianças com algum grau de esteatorreia, a dieta enteral deve contemplar gordura composta de triglicérides de cadeia média. Em relação ao carboidrato, a fórmula deve ser livre de lactose e sacarose, contendo maltodextrina e polímeros de glicose de fácil absorção. -Nos casos mais graves, dietas semielementares com a proteína parcialmente ou extensamente hidrolisada facilitam o trabalho digestivo-absortivo. - Algumas situações exigem emprego de fórmula à base de aminoácidos. Nesses casos, a dieta enteral deve ser ofertada por sonda nasogástrica ou gastrostomia, em gotejamento contínuo. Essa técnica otimiza o tempo absortivo, respeitando situações em que a mucosa intestinal esteja atrófica ou com a área de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Se houver persistência do quadro diarreico e intolerâncias às fórmulas enterais propostas, deve ser suspensa a dieta enteral e empregada a nutrição parenteral. -A suplementação das vitaminas e oligoelementos deve ser prescrita. O zinco exerce funções importantes que permitem melhorar a absorção de nutrientes, proliferação das células epiteliais e resposta imune. -Drogas antimicrobianas podem ser utilizadas no sentido de combater o sobrecrescimento bacteriano do delgado e controlar infecções entéricas bacterianas ou parasitárias. O arsenal terapêutico inclui o metronidazol, nitazoxanida, albendazol e sulfametoxazol-trimetoprima. -Quando comprovada a diarreia de caráter secretor com perdas eletrolíticas elevadas, o emprego do racecadotrila, droga inibidora da encefalinase, pode diminuir o fluxo de íons. - Na síndrome do intestino curto, o emprego do hormônio do crescimento (GH) promove efeito trófico no epitélio remanescente, podendo melhorar a condição absortiva. -Quando não houver alternativas de tratamento, o emprego de nutrição parenteral prolongada e o transplante intestinal devem ser considerados. Estes pacientes sempre devem ser avaliados por gastroenterologistas pediatras. CONSTIPAÇÃO INTESTINAL Definição -Constipação intestinal é o distúrbio mais comum da defecação. Na prática, pode ser definida como a eliminação de fezes endurecidas com dor, dificuldade ou esforço ou a ocorrência de comportamento de retenção, aumento no intervalo entre as evacuações (menos que três evacuações por semana) e incontinência fecal secundária à retenção de fezes (fecaloma). Podem ocorrer, também, dor abdominal crônica e laivos de sangue na superfície das fezes em consequência de fissura anal. - Uma das características da constipação intestinal funcional é o comportamento de retenção, que são manobras realizadas pela criança pela contração, que pode chegar à exaustão do esfíncter anal externo e da musculatura glútea (cruzando as pernas) para evitar a evacuação. -Por sua vez, a incontinência fecal retentiva caracteriza-se pela perda involuntária de conteúdo retal fecaloide consequente à presença de fezes impactadas no reto e/ou colo. - Do ponto de vista etiológico, considera-se que a constipação intestinal funcional, a exemplo dos outros distúrbios funcionais gastrointestinais, seja resultado da interação de fatores biopsicossociais. No caso da constipação intestinal funcional, considera-se a existência de um ciclo vicioso de dor nas evacuações, provocando comportamento de retenção. Assim, as fezes ficam mais endurecidas e volumosas, o que aumenta a dor nas evacuações. Esse processo pode determinar perpetuação do quadro de constipação intestinal, que pode ter aumento progressivo da gravidade e determinar o aparecimento de complicações (ou manifestações associadas às formas graves de constipação intestinal funcional). - Assim, a partir de um quadro inicial de evacuação dolorosa de fezes endurecidas, já no primeiro ano de vida, poderá ocorrer outras manifestações em fases posteriores, como dificuldades para o desenvolvimento do controle esfincteriano, formação de fecaloma e incontinência fecal por retenção no pré-escolar e dor abdominal crônica no escolar. As manifestações podem estar presentes até a adolescência. Quadro clínico -No lactente, em geral, observam-se com mais frequência manifestações clínicas caracterizadas pela evacuação de fezes endurecidas, em cíbalos, eliminadas com dor, esforço e dificuldade. É comum, também, a presença de fissura anal. Nem sempre se constata aumento no intervalo entre as evacuações. - Atenção especial deve ser dada ao diagnóstico diferencial com a doença de Hirschsprung (megacolo congênito) e à alergia à proteína do leite de vaca. Assim, retardo na eliminação de mecônio, eliminação explosiva de fezes ao toque retal, distensão abdominal e massa fecal abdominal volumosa, assim como eliminação de fezes em fita e ampola retal vazia, são sugesti-vos de doença de Hirschsprung. - Por sua vez, a alergia à proteína do leite de vaca pode ser considerada nos pacientes com constipação intestinal iniciada logo após a introdução da proteína do leite de vaca na dieta, presença de fissura anal persistente, antecedente de perda de sangue nas fezes e falta de resposta a terapêutica convencional. - A partir do segundo ano de vida, pode-se caracterizar o comportamento de retenção. Constata-se, também, ampliação do intervalo entre as evacuações, que se caracterizam pela eliminação de fezes de maior calibre e consistência, com grande esforço e dor. Após o controle esfincteriano, pode-se constatar entupimento do vaso sanitário em função da eliminação de fezes muito volumosas. - No pré-escolar e escolar, pode-se constatar a incontinência fecal por retenção. Os pacientes perdem o conteúdo fecaloide na cueca ou na calcinha. Quando isso é percebido por outras crianças, os pacientes podem ser vítimas de discriminação. Mesmo os pais, que não sabem que se trata de um processo involuntário, muitas vezes adotam atitudes inadequadas como repreensões e castigos. Nesse momento, percebe-se que as crianças apresentam maior agressividade, menor autoestima, ambiente familiar com maior hostilidade e, ainda, menor qua-lidade de vida. As mães podem apresentar certos indícios de depressão. - Outras manifestações clínicas podem ocorrer em associação com a constipação intestinal, como dor abdominal crônica reversível com o controle da constipação intestinal, enurese noturna, falta de apetite e sintomas de infecção urinária atual ou pregressa. - O exame físico pode revelar a presença de massa fecal palpável no abdome. Em geral, localiza-se no hipogástrio, entre-tanto, pode ocupar toda a extensão do colo nos casos mais graves. O toque retal pode revelar o preenchimento da ampola retal com fezes endurecidas. Essas anormalidades do exame clínico podem ser constatadas em cerca da metade dos pa-cientes atendidos em serviçosespecializados. Sinais e sintomas de alarme em paciente com constipação intestinal -Constipação com início no primeiro mês de vida -Retardo na eliminação de mecônio -Antecedente familiar de doença de Hirschsprung -Eliminação de fezes em fita -Sangue nas fezes na ausência de fissura anal -Déficit de crescimento -Febre -Vômitos biliosos -Glândula tireoide anormal -Distensão abdominal intensa -Fístula perianal -Posição anormal do ânus -Ausência do reflexo cremastérico -Anormalidades neuromotoras nos membros inferiores Tufo de pelos na região sacral Depressão (dimple) na região sacral Desvio do sulco interglúteo Medo excessivo durante a inspeção anal Cicatrizes anais Diagnóstico -O diagnóstico de constipação intestinal funcional é clínico e tem como base as informações da anamnese e do exame físico, conforme preconizado pelo critério de Roma III. Em geral, o diagnóstico é clínico e estabelecido de acordo com o critério de Roma III. Inicialmente, é fundamental que se defina se existe ou não impactação fecal (fecaloma), que em geral está presente em pacientes com incontinência fecal por retenção. -Nesses pacientes, deve-se pesquisar massa fecal na palpação abdominal, em especial na região do hipogástrio e do colo sigmoide. O toque retal pode revelar a presença de grande quantidade de fezes endurecidas. A radiografia simples de abdome pode contribuir para a caracterização de impactação fecal, especialmente nas situações em que a palpação abdominal é difícil (excesso de peso) e o toque retal não pode ser realizado (recusa do paciente ou suspeita de abuso sexual). -Estima-se que cerca de 90 a 95% dos casos de constipação intestinal crônica sejam de natureza funcional. Inclui-se, portanto, nos distúrbios funcionais gastrointestinais que podem ocorrer em qualquer faixa etária. -Mediante a falta de uniformidade no diagnóstico dos distúrbios funcionais gastrointestinais, foi desenvolvido o critério de Roma, que valoriza as manifestações clínicas para o estabelecimento do diagnóstico, evitando a realização de muitos testes para descartar outras doenças. -É evidente que em medicina é fundamental estar atento para a presença de indícios sugestivos de doenças que envolvam anormalidades anatômicas, inflamação, infecção ou processos neoplásicos. -Na presença desses indícios, o critério de Roma não deve prevalecer até que sejam realizadas as necessárias investigações diagnósticas que permitam descartar a possibilidade de uma doença que não seja de natureza funcional. -Deve ser destacado que o critério de Roma III pode retardar o diagnóstico de constipação intestinal no lactente por não considerar o formato e a consistência das fezes. O critério exige menor duração dos sintomas nos menores de 4 anos (1 mês) em relação aos 2 meses exigidos para crianças maiores e adolescentes. -Uma das características da constipação intestinal funcional é o comportamento de retenção, que são manobras realizadas pela criança pela contração, que pode chegar à exaustão do esfíncter anal externo e da musculatura glútea (cruzando as pernas) para evitar a evacuação. -A disquezia do lactente é caracterizada pela ocorrência de pelo menos 10 minutos de esforço e choro antecedendo a eliminação de fezes moles. Trata-se de uma situação transitória que desaparece espontaneamente, quando o lactente ad-quire a capacidade de relaxar o esfíncter anal e a musculatura pélvica, quando se estabelece a prensa abdominal no momen-to da evacuação. Não requer tratamento. É importante não confundi com constipação. - O item H3b da Tabela 1 refere-se à incontinência fecal não retentiva. Caracteriza-se por evacuações em locais inapro-priados com o contexto social, pelo menos uma vez ao mês, por crianças com mais de 4 anos de idade. A falta de resposta ou a recorrência da contipação indica a necessidade de exames subsidiários: pesquisa de doença celíaca pela sorologia, testes de função tireoidiana, dosa-gem de cálcio, exame de urina e urocultura. Tratamento -Os fundamentos da terapêutica da constipação intestinal funcional foram estabelecidos há décadas e, em linhas gerais, estão sendo mantidos nas diretrizes mais recentes. Na prática, as medidas terapêuticas são as seguintes: 1. Quando houver fecaloma ou impactação fecal, o esvaziamento do reto e do colo constitui a primeira e imprescindível etapa. 2. Educação e orientação sobre a constipação intestinal e seu tratamento. Informações sobre a necessidade de atender o desejo de evacuar, evitando atitudes protelatórias. Aproveitar o reflexo gastrocólico e tentar evacuar uma vez ao dia, após uma das refeições principais. 3. Medidas promotoras da saúde em geral: aumento na ingestão de fibra alimentar e fluidos, estimular a prática de atividade física. 4. Tratamento de manutenção com o objetivo primordial de prevenção da formação de fecaloma. 5. Conforme mencionado, a desimpactação é a primeira etapa do tratamento. Assim, é necessário estabelecer o diagnóstico da presença ou não de retenção fecal. Incontinência fecal por retenção, massa fecal palpável e reto preenchido com fezes são manifestações clínicas indicativas de impactação fecal. Quando necessário, pode-se solicitar radiografia simples de abdome. 6. A desimpactação pode ser realizada com enemas por via retal ou por via oral. Classicamente, é realizada com enemas por via retal; no entanto, nos últimos anos vem sendo recomendada a desimpactação por via oral, com a utilização do polietilenoglicol (PEG) 3350 ou 4000 (macrogol). No Brasil, o PEG 4000 sem eletrólitos pode ser preparado em farmácias de manipulação. 7. Tanto pela via oral como retal, em geral são necessários 3 a 5 dias para se obter plena desimpactação. 8. Em geral, os enemas são realizados com solução fosfatada a partir dos 2 anos de idade. Em lactentes, podem ser usados minienemas com sorbitol. No ambiente hospitalar, a solução de glicerina constitui uma alternativa para o enema fosfatado. 9. O tratamento de manutenção deve ser iniciado quando se obtém plena desimpactação, ou seja, eliminação de fezes amolecidas sem dor ou dificuldade e redução expressiva na frequência da incontinência fecal por retenção. 10. Deve ser utilizado um laxante por via oral, diariamente, na dose individualizada para obter regularização do hábito .Lembrar que o óleo mineral não deve ser prescrito nos dois primeiros anos de vida e para pacientes com comprometimento neurológico, em função do risco de aspiração e desenvolvimento de pneumonia lipoídica. Se a criança se encontrar na idade do treinamento esfincteriano, este deverá ser postergado por cerca de 2 meses após o controle da constipação. Para os pacientes com controle esfincteriano, deve-se recomendar que atendam prontamente o desejo de evacuar. Quando não se observa evacuação espontânea, deve ser sugerida a permanência no vaso sanitário durante alguns minutos após uma das refeições do dia. -Com relação à dieta, o ponto central é recomendar dieta rica em fibra alimentar. Assim, para atingir o teor ideal de fibra alimentar, podem ser incluídos na dieta cereais integrais ou farelo de trigo e grãos. -As frutas devem ser ingeridas com casca. Frutas secas apresentam alto teor de fibra alimentar. Milho cozido ou pipoca, azeitonas e trigo para quibe são opções bem aceitas, assim como sementes de linhaça, girassol e gergelim, noz-pecã, castanha de caju e amêndoas. Priorizar sobremesas com fibra alimentar, como goiabada-cascão, doce de abóbora, arroz-doce com uvas-passas, chocolate com coco. - Deve ser recomendado maior consumo de líquidos e aumento da atividade física. Deve ser destacado que a diretriz da NASPGHAN/ESPGHAN de 2014 não recomenda a utilização de maior consumo de fibra e líquidosno tratamento de manutenção da constipação intestinal, em função de não existirem evidências clínicas comprobatórias. - Por outro lado, o consumo de fibra alimentar pela população em geral é inferior ao das recomendações. Assim, pode-se considerar que uma dieta rica em fibra alimentar deva ser recomendada não somente para o tratamento da constipação intestinal como também como uma medida geral para a promoção da saúde presente e futura. - O tratamento de manutenção com laxante deve se estender por pelo menos 3 meses. Após melhora do quadro clínico, deve-se retirar o laxante progressivamente (preferível decrescer a dose, mas manter a administração diária). É importante destacar que, com frequência, ocorre falta de adesão ao tratamento, sendo uma das principais causas de fracasso terapêutico com recidiva da impactação fecal. -Observa-se, também com frequência, a prescrição e/ou administração de dose baixa ou não continuada do laxante. Não existem evidências suficientes que justifiquem a prescrição de probióticos e prebióticos no tratamento da constipação intestinal. Prognóstico -A longa duração da sintomatologia precedendo o tratamento associa-se com pior prognóstico, assim como diagnóstico e terapêutica precoce associam- se com melhor evolução. Cerca de 80% dos pacientes tratados com precocidade apresentam recuperação e ficam livres de laxantes após 6 meses. Por outro lado, essa taxa é de apenas cerca de 30% naqueles pacientes com diagnóstico mais tardio. Estima-se que, no prazo de 5 anos, metade dos pacientes apresente uma recidiva da constipação intestinal. Nesse contexto, é importante o acompanhamento e, quando necessário, a reintrodução imediata do tratamento. Prevenção - As diretrizes internacionais não discutem fatores que possam diminuir o risco de constipação intestinal. -Com base em evidências epidemiológicas, pode-se dizer que o uso de dieta rica em fibra alimentar, o consumo satisfatório de líquidos, aliados a bom nível de atividade física, importantes para a promoção da saúde em geral, podem, também, proporcionar menor probabilidade de constipação intestinal. -Estudos realizados no Brasil mostraram que lactentes que recebem aleitamento natural apresentam risco de constipação intestinal cerca de três a quatro vezes menor do que os alimentados com aleitamento artificial. - Os oligossacarídios do leite materno, que também apresentam função prebiótica, provavelmente são a explicação para esse efeito favorável. Nesse contexto, a adição de prebióticos nas fórmulas infantis proporciona fezes mais moles e frequentes. -A época da introdução de alimentos complementares no lactente associa-se com maior probabilidade de início de constipação intestinal. Cuidados com a alimentação complementar são muito importantes para a prevenção de constipação intestinal. O primeiro ano de vida é uma época da vida em que tem início cerca da metade dos casos de constipação intestinal grave atendidos em serviços especializados. FONTES: Sociedade brasileira de pediatria,4 edição. Guia prático de atualização departamento cientifico de gastroenterologia.
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