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Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ OBSTRUÇÃO ARTERIAL AGUDA Definição: Oclusão arterial aguda (OAA) é uma emergência vascular caracterizada pela súbita oclusão de uma artéria de qualquer calibre culminando na perda de irrigação e isquemia do segmento corporal correspondente. Clinicamente, é definida como a presença de hipoperfusão grave de um membro, de início agudo (< 2 semanas). Obs: Já na obstrução arterial crônica, a oclusão acontece de maneira lenta e progressiva ao longo dos anos devido a aterosclerose, que se caracteriza pela formação de placas de cálcio e gordura no interior das artérias. Embora muitos pacientes possam não apresentar sintomas, as principais queixas são dores na panturrilha, comuns quando a pessoa caminha. Nesses casos, para amenizar a dor, a pessoa faz intervalos na caminhada, retomando a atividade quando se sente melhor. Isso acontece repetidas vezes, conhecido como claudicação intermitente, principal sintoma das Obstruções arteriais crônicas de membros inferiores. Fisiopatologia e Etiologia: Com a obstrução ao fluxo arterial, ocorre isquemia celular e aumento do metabolismo anaeróbico. Há diminuição na produção de ATP e queda do pH intracelular, o que leva ao influxo de cálcio e desencadeamento de mecanismos de morte celular. Há também edema tecidual decorrente do aumento da permeabilidade capilar, acarretando aumento da pressão hidrostática tecidual e consequentemente diminuição do efluxo venoso, dificultando ainda mais o influxo arterial. Classicamente, a OAA tem como principais etiologias a embolia arterial e a trombose arterial in situ. A população acometida encontra-se em torno da sétima década de vida e apresenta múltiplas comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, doença cerebrovascular, doença coronariana, insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva), o que torna o quadro geral ainda mais grave. O mecanismo trombótico da OAA faz parte do espectro da doença arterial oclusiva periférica (DAOP). É caracterizado pela formação de uma placa aterosclerótica que evoluiu para a oclusão completa do vaso. Este paciente geralmente tem histórico de claudicação intermitente e alterações cutâneas sugestivas de obstrução arterial crônica (úlceras, ausência de pulso no membro contralateral, atrofia muscular, pele hiperpigmentada e rarefação de pelos). A isquemia, nesses casos, costuma apresentar evolução mais lenta devido à presença de efeitos colaterais. O mecanismo embólico ocorre principalmente em pacientes sem doença vascular periférica prévia. Caracteriza-se pela migração de um êmbolo cardíaco (cerca de 70% dos casos; geralmente gerado por uma arritmia) ou de um trombo formado na parede de um aneurisma (que causa mudança do fluxo laminar sanguíneo), até um vaso de menor calibre, com impactação em bifurcações vasculares, sendo a bifurcação da artéria femoral comum a mais comumente acometida. Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Ao tratar-se de coagulação, é importante lembrar da Tríade de Virchow, composta por: Lesão endotelial, Fluxo sanguíneo anormal e Hipercoagulabilidade. Lesão endotelial pode ser causada durante a colocação de cateter, trauma, cirurgia, inflamação, hipercolesterolemia e até toxinas do tabagismo. Já o fluxo sanguíneo anormal é causado tanto por turbulência (aneurismas costumam alterar o fluxo laminar do sangue, fazendo com que as plaquetas que antes se encontravam no centro se marginalizem, ficando mais próximo das paredes e propiciando a coagulação) ou estase sanguínea (diminui o wash-out/retirada dos fatores de coagulação na corrente sanguínea). A hipercoagulabilidade é estimulada tanto por fatores genéticos (alteração dos fatores de coagulação) como adquirida (inflamação, neoplasia, gravidez ou uso de anticoncepcionais). Figura 1- Tríade de Virchow. Fonte: Google imagens 2021. Clínica: As manifestações de isquemia súbita de um membro são, em inglês, representadas pelos seis “Ps”: Pain (dor). Parlor (palidez). Pulselessness (ausência de pulso). Poiquilotermia (redução da temperatura). Paresthesia (parestesia). Paralisys (paralisia, redução da força muscular). Tipicamente, o membro acometido se torna mais frio comparado ao membro contralateral e a área de isquemia mais relevante também se torna mais fria que sítios anatômicos mais proximais. Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Figura 2- Comparação de mãos com e sem oclusão arterial aguda, respectivamente. Fonte: Google imagens 2021. Alterações na sensibilidade cutânea e na força motora do membro são causadas pela neuropatia isquêmica e tendem a surgir em uma ordem cronológica. O achado mais precoce é a queixa de hipoestesia no membro. Progressivamente, ocorrem perda de sensibilidade superficial em áreas mais proximais, perda de sensibilidade vibratória, discriminativa, proprioceptiva e fraqueza muscular. Por fim, em estágios mais avançados, ocorre o surgimento de paralisia completa. Exames Complementares: Exames laboratoriais que devem ser solicitados incluem hemograma, coagulograma, marcadores de morte celular (CPK, mioglobina) e avaliação do estado metabólico (ureia, creatinina, eletrólitos, transaminase glutâmico-oxalacética [TGO], transaminase glutâmico- pirúvica [TGP], gasometria venosa e lactato). Para a avaliação da presença de fontes embólicas, o eletrocardiograma (ECG) deve sempre ser solicitado. Marcadores de necrose do miocárdio podem ser pedidos, caso exista suspeita de síndrome coronariana aguda como etiologia da fonte embólica. Ecocardiograma transtorácico ou transesofágico devem ser considerados caso haja suspeita de endocardite ou estenose de valva mitral. É importante ressaltar que um cirurgião vascular deve sempre ser consultado em casos suspeitos de OAA, de preferência antes da solicitação de exames de imagem. A ultrassonografia (USG) com Doppler colorido é um exame de imagem não invasivo, de baixo custo e amplamente disponível deve ser sempre realizada. A realização de imagem complementar com angiotomografia ou angiografia deve ficar a critério da equipe de cirurgia vascular, que julgará a gravidade do caso e o momento oportuno para a intervenção. Figura 3- Doppler de paciente com OAA. Fonte: Google imagens 2021. Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Na imagem podemos ver a ausência de fluxo sanguíneo na artéria braquial esquerda. Além disso, a linha abaixo que mostraria o pulso arterial se encontra imóvel. Abaixo a comparação com um exame normal. Figura 4- Doppler normal. Fonte: Google imagens 2021. A classificação de Rutherford para isquemias agudas leva em conta o quadro clínico e o Doppler para avaliar a viabilidade do membro afetado e assim propor uma conduta imediata ou não. Figura 5- Classificação de Rutherford. Fonte: Google imagens 2021. Pacientes com membro imediatamente ameaçado devem ser conduzidos precocemente ao ambiente cirúrgico e avaliados com angiografia. Pacientes com membros viáveis ou marginalmente ameaçados podem ser submetidos a angiotomografia para complementação diagnóstica e planejamento cirúrgico. A arteriografia é o exame padrão-ouro para casos de OAA, já que é capaz de avaliar toda a anatomia da rede vascular e de determinar com precisão o local exato da oclusão vascular e sua causa. Permite o uso associado de técnicas endovasculares para revascularização do membro. Diagnóstico diferencial: Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ O principal diagnóstico diferencial são as tromboses venosas agudas complicadas (flegmasia cerulea dolens e flegmasia alba dolens), nas quais há isquemia decorrente do edema e da obstrução do refluxo venoso, o que leva ao aumento significativo da resistência vascular periférica e isquemia secundária. Clinicamente, é possível fazer a diferenciação pelo edema intenso do membro acometido, achado que não é habitual noscasos de oclusão arterial aguda. O diagnóstico é confirmado através da ultrassonografia com Doppler colorido que mostra presença de trombose venosa. Tratamento: Primeiramente devemos estabelecer oxigenação e manutenção de via aérea, estabilização hemodinâmica, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e suporte às funções orgânicas comprometidas. A prioridade inicial é o controle da dor induzida pela isquemia de membro. O paciente se beneficia do uso de medicações analgésicas simples, como dipirona ou paracetamol, porém é frequente a necessidade de uso de opioides. Evitar o uso de antiinflamatórios é sempre uma medida importante em pacientes com fatores de risco para injúria renal aguda. A dor isquêmica tem componente neuropático, logo anticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina) e antidepressivos tricíclicos (amitriptilina e nortriptilina) podem ser utilizados. A aspirina está indicada para todos os pacientes com DAOP por retardar a formação de trombos plaquetários sobre as placas de aterosclerose, reduzindo o risco de progressão da DAOP. Em casos de OAA em paciente com DAOP prévia, está indicada a prescrição de AAS no regime de 80 até 325 mg/dia. O uso de estatinas também deve ser considerado em todos os pacientes que apresentarem história clínica de DAOP. Deve-se manter o membro aquecido com enfaixamento frouxo de algodão e ataduras (aquecimento passivo), evitando troca de calor com o ambiente externo, o que auxilia no controle da dor e previne dano tecidual adicional. Nunca se deve realizar aquecimento do membro com compressas quentes ou aquecedores térmicos, uma vez que o membro acometido apresenta déficit de sensibilidade e maior propensão a queimaduras. Para anticoagulação plena no pré-operatório é consenso utilizar heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular em dose plena, assim que confirmado o diagnóstico, com a finalidade de reduzir a propagação do trombo intra-arterial. Pacientes com OAA embólica também apresentam benefício do uso de anticoagulação, considerando a redução do risco de novos eventos embólicos. Dipirona: 1-2 g EV 4/4 h ou 6/6 h- Avaliar alergia Morfina: 0,1 mg/kg EV: repetir 0,05 mg/kg de 15/15 min até controle da dor. Manter dose de 4/4 h- Checar sinais de intoxicação por opioides Quetamina:0,1-0,3 mg/h EV em 10 min: manutenção em 0,1 mg/kg/h- Evitar dose dissociativa (> 1,5 mg/kg) e observar eventos adversos (alucinações, náuseas, vômitos, drive ventilatório) Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Gabapentina: 300 mg 1x/dia VO: progredir de 300 mg/dia até 1.200mg 3x/dia- Interação com fármacos psicotrópicos: risco de rebaixamento do nível de consciência Amitriptilina: 0,1 mg/kg VO 1x/dia, à noite, com aumentos a cada 2 semanas, até dose máxima de 150 mg/dia- Risco de cardiotoxicidade e rebaixamento do nível de consciência AAS: Ataque de 300 mg VO + manutenção de 100 mg 1x/dia- Alergia e doença ulcerosa péptica HNF (HEPARINA NÃO FRACIONADA): 80 UI/kg IV em bolus + 18 UI/kg/h, com correção conforme TTPA- Perfil de anticoagulação pouco previsível Clexane: 1 mg/kg/dose SC de 12/12 h-Cuidado em pacientes com ClCr < 30 mL/min: monitorização com anti-Xa O tratamento definitivo será determinado pela equipe cirúrgica, levando em consideração inúmeros fatores, como a etiologia da OAA, tempo de duração, quadro clínico, viabilidade do membro, disponibilidade de modalidades de tratamento no serviço, disponibilidade de veia autóloga. A embolectomia cirúrgica (com cateter de Fogarty®) restabelece rapidamente o fluxo sanguíneo através da retirada mecânica dos trombos. Apresenta resultados melhores nos quadros embólicos de localização proximal (aortoilíaco e femoral). Nele o cateter de balão é introduzido na artéria e, ao ultrapassar o ponto de obstrução, o balão é distendido para que o trombo ou êmbolo possa ser removido. A revascularização com bypass pode ser utilizada, principalmente nos casos de trombose arterial e DAOP disseminada com lesões extensas. Podem ser utilizados enxertos autólogos (veias safena magna, safena parva, cefálica, basílica ou artéria femoral superficial) ou mesmo próteses de dácron ou PTFE. Nessa técnica, o fluxo é restaurado por meio de uma derivação, a fim de desviar o fluxo sanguíneo. A abordagem endovascular permite a utilização de múltiplas técnicas combinadas, tais como trombectomia aspirativa (sistemas AngiojetTM Boston Scientific, Indigo® Penumbra), trombectomia mecânica (ROTAREX®S Straub Medical), trombólise intra-arterial transcateter, além das angioplastias com balão e angioplastias com stent. Diante de tantas possibilidades de intervenções, é importante ressaltar que a disponibilidade e o domínio técnico pela equipe cirúrgica são fatores importantes no momento da escolha do tipo de abordagem. Vale ressaltar que as diferentes modalidades são complementares. Imediatamente após a revascularização do membro, ocorrem queda da pressão arterial, acidose metabólica e hipercalemia, o que frequentemente leva a arritmias cardíacas e instabilidade hemodinâmica no intraoperatório. Tal fato é mais comum nos casos de embolia arterial em territórios proximais e isquemias de longa duração. Amputação primária está indicada nos casos em que o membro encontra-se inviável e quando o paciente encontra-se instável hemodinamicamente ao ponto de não tolerar uma piora na hemodinâmica decorrente da reperfusão. Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Existe ainda risco de injúria renal aguda em decorrência da rabdomiólise e do uso de contraste iodado por via endovenosa e intraarterial. A classificação de Rutherford guia sobre a escolha do procedimento e também sobre o tempo ideal para ser realizado. Membros que tenham sua integridade ameaçada, mesmo de forma moderada (categorias IIa e IIb), devem ser revascularizados em caráter de emergência – até 6 horas. Já aqueles que se apresentam viáveis (categoria I), podem ser revascularizados em regime de urgência – 6 a 24 horas. Membros que apresentam uma isquemia irreversível – categoria III de Rutherford – a conduta deve ser a amputação primária, acima do local da obstrução. Figura 6- Manejo da OAA. Fonte: Google imagens 2021. Síndrome Compartimental: Após a reperfusão do membro isquêmico ocorre frequentemente edema tecidual, que será proporcional ao tempo de isquemia e à extensão da oclusão arterial. Com o aumento do volume, as pressões dentro dos compartimentos musculares se tornam altas, o que leva ao incremento significativo da resistência ao fluxo arterial. Consequentemente, há deterioração da perfusão distal e agravamento da isquemia dos nervos periféricos. A realização de fasciotomia dos compartimentos musculares não deve ser postergada quando, imediatamente após a revascularização, ocorre piora do edema e aumento da tensão dos compartimentos. Giuliana Gonzalez UNICEUMA @med_ologia_ Nem sempre o quadro se instala de imediato, podendo ocorrer nas primeiras 24 horas pós- revascularização; portanto, torna-se imprescindível reavaliar frequentemente o paciente a fim de procurar ativamente sinais e sintomas de síndrome compartimental (piora da dor e da perfusão, hipoestesia e perda de força, edema e tensão dos compartimentos).
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