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Ju st in a M ot te r M ac ca rin i Fu nd am en to s e M et od ol og ia d o En si no d e M at em át ic a Justina Motter Maccarini Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2ª Edição Curitiba 2015 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Justina Motter Maccarini Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 M123f Maccarini, Justina Motter Fundamentos e metodologia do ensino de matemática / Justina Motter Maccarini. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2015. 182 p.: il. ISBN 978-85-60531-31-8 1. Matemática – Estudo e ensino I. Título CDD 372.7 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Elaine Monteiro Justina Motter Maccarini Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/abstract Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim A cada um dos meus familiares que caminham comigo e sem- pre estão presentes, inclusive nas horas mais incertas. Aos grandes professores que tive ao longo do percurso, que sempre me impulsionaram a buscar, a experimentar, a avançar. A todos os alunos que estiveram comigo nesses anos de cami- nhada, contribuindo significativamente para o meu crescimento pessoal e profissional. Agradecimentos Prefácio Neste início do século XXI, há consenso mundial sobre a importância da formação dos professores para a melhoria do ensino e dos resultados da escola fundamental. Há consenso, também, sobre a necessidade de o ensino da matemática constituir-se em prá- tica efetiva de educação matemática, campo de conhecimento que articula a matemática com os saberes da psicologia cognitiva, da história, da antropologia, entre outros, e que objetiva formar cida- dãos instrumentalizados para agir com autonomia, responsabilidade e precisão nos processos culturais da atualidade. Mas como aprimorar os processos de educação matemática? Como auxiliar professores e futuros professores de matemática a desempenharem a função didática com eficiência? Como articular saberes essenciais à prática de ensino de conteúdos matemáticos? – 6 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Como realizar práticas de ensino que, ao mesmo tempo, superem a repetição mecânica de registros gráficos e ultrapassem a compreensão ingênua de que o pensamento matemático independe de desafios e de sistematização didática? Como professores podem aprender a planejar e a efetivar práticas de ensino na forma de situações-problema, focadas no estudo e na aprendizagem de relações entre números, operações, espaços, formas, grandezas, medidas e tratamento de informações cotidianas? Essas indagações estão presentes no dia a dia de professores e de gestores educacionais que objetivam melhorar a qualidade do ensino e os resultados escolares brasileiros. Este livro de Maccarini traz, de forma clara e bem dosada, uma resposta a essas indagações. Uma resposta metodicamente organizada de formação em educação matemática para professores e futuros professores dos anos iniciais. Uma resposta elaborada na pauta de conexão que somente uma professora-pesquisadora consegue construir: a que une fundamentos teóricos à prática pedagógica, no rumo da aprendizagem de professores para a efetiva aprendizagem de seus alunos. Nara Salamunes1 1 Mestre em educação pela Universidade Federal do Paraná e Doutora em informática na educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além de escritora, atualmente é professora universitária e diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Curitiba. Possui experiência na área de educação, com ênfase em currículos espe- cíficos para níveis e tipos de educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação docente, alfabetização, currículo e avaliação. Sumário Apresentação | 9 1 Do ensino tradicional à educação matemática | 11 2 A criança e o conhecimento matemático | 23 3 Objetivos do ensino da matemática | 31 4 Conteúdos matemáticos | 47 5 Abordagem metodológica dos conteúdos | 67 6 Operações mentais lógico-matemáticas | 89 7 Números e geometria | 107 8 Operações fundamentais | 129 9 Resolução de problemas | 149 10 Avaliação | 167 Referências | 177 Apresentação A produção de um material destinado à formação pedagógica de profissionais pedagogos em educação matemática remete-me à trajetória relacionada às minhas vivências e aos contatos com profes- sores, nas mais diversas situações de formação: inicial, continuada ou permanente, e dos mais diferentes locais e contextos. Algumas lacunas deixadas pela formação acadêmica em torno do conhecimento de conceitos, conteúdos e encaminhamen- tos metodológicos básicos da matemática, referentes à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental, evidenciam-se na observação e no contato com profissionais que atuam nesses seg- mentos educacionais escolares. – 10 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Por isso, este material foi produzido com base nessas vivências, nos estu- dos, nas diretrizes nacionais e nas pesquisas em educação matemática, deline- ando o que é essencial e imprescindível para a formação do profissional peda- gogo, com ênfase na construção significativa do saber matemático, aliando teoria e prática. A reflexão contínua e permanente permeia o estudo de cada tópico, favorecendo o desenvolvimento da autonomia de estudo do leitor. Outro aspecto relevante, levado em consideração nesta produção, é a busca constante pela excelência profissional que está presente em todos os segmentos da sociedade. Nesse universo, o pedagogo se depara com a exigên- cia na competência de educar e de articular os elementos componentes da formação acadêmica do educando. A educação matemática é parte integrante deste cenário educacional e social, cujas relações são bastante complexas. A educação matemática percebida e proposta no cenário nacional atual é o resultado de uma longa trajetória de pesquisas, estudos e enfrentamentos ocorridos nas últimas décadas. Isso foi possibilitado pelo empenho de educa- dores e pesquisadores matemáticos insatisfeitos com o ensino da Matemática, cuja antiga ênfase estava na memorização de procedimentos e técnicas, na repetição mecânica de exercícios modelos, passando a ideia de uma matemá- tica pronta e acabada, muitas vezes, sem compreensão e sem significado. Atualmente, propõe-se uma educação matemática voltada para a cons- trução e apropriação do conhecimento com compreensão e com significado, percebendo a sua trajetória histórica e a sua relevância social e cultural. Portanto, ensinar e aprender matemática consiste em perceber o sentido matemático de cada conteúdo e/ou conceito, seja na geometria, nas quanti- dades numéricas, nas operações, nas medidas, nas informações veiculadas na mídia, bem como nas abstrações, nos registros simbólicos, na linguagem e na lógica interna de sua estruturação. A autora1 1 Justina Motter Maccarini é especialista em educação matemática e Educação a Distância e Mestre em educação. Professora de matemática da rede pública e privada de Curitiba (PR) e de cursos de Pós-graduação. É, também, autora de diversas obras didáticas e paradidáticas, inclusive com obra didática aprovada pelo PNLA/MEC e consultora e docente de cursos e ofi- cinas de formação continuada de professores em educação matemática para Educação Infantil e Ensino Fundamental. Historicamente há diferentes formas de perceber e con- ceber o ensino e a aprendizagem da matemática de acordo com os diferentes contextos culturaise sociais em que as sociedades estão imersas. Isso nos leva a perceber que o conhecimento matemático foi sendo construído pela humanidade. Portanto, é um conhecimento histórico, conquistado em um processo contínuo e cumulativo, com acertos e erros, que foi se compondo em um corpo de conhecimen- tos estruturados e organizados, com características e linguagem pró- prias. Essa construção do conhecimento foi avançando, e avança, de acordo com as necessidades apresentadas pelos seres humanos e pelas relações decorrentes da vida em sociedade. Do ensino tradicional à educação matemática 1 – 12 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Para situar a educação matemática no contexto histórico atual e compre- ender alguns fatos e encaminhamentos utilizados atualmente, cabe descrever uma breve trajetória do ensino da matemática no Brasil, ocorrido nas últimas décadas, nos reportando à década de 1950. Esse período foi marcado por inúmeras e grandes discussões em torno do ensino da matemática no país, influenciadas pelas discussões que estavam ocorrendo internacionalmente. As discussões sobre o ensino da matemática e a busca por novos cami- nhos são impulsionadas pela expansão industrial e pela necessidade de recons- trução social e econômica do período Pós-Guerra1, na tentativa de que o ensino favorecesse uma política social e econômica em prol da modernização de tais estruturas. D’Ambrósio (2001) faz referência a esse período, destacando a impor- tância da matemática como instrumento de base para a reconstrução social e econômica social. Instrumentos materiais (armamento e tecnologia de suporte) e intelec- tuais (ideologias e teorias sociais e econômicas) foram desenvolvidos como suporte ao conflito. Esses instrumentos materiais e intelectuais tinham e têm, como base, a matemática. Para o desenvolvimento desses instrumentos surgiram, como aconteceu em outros tempos da história, novas áreas de pesquisa matemática. Não só nos conteúdos, mas também novos conceitos de rigor e de critérios de verdade (D’AMBRÓSIO, 2001, p. 16). Nesse período, as escolas brasileiras trabalhavam com o ensino tradicio- nal da matemática, o que vinha gerando certa insatisfação entre os pesquisa- dores e os professores diante dessa forma de conceber e ensinar matemática. 1.1 Ensino tradicional da matemática Pensar sobre o ensino tradicional da matemática é referir-se a uma prá- tica educacional que perpassa várias décadas e ainda se faz presente em mui- tos momentos da prática pedagógica, que, por vezes, se mostra disfarçada 1 Período após 1945. A Segunda Guerra Mundial ocorreu no período de 1939 a 1945, sendo considerada uma das maiores catástrofes provocadas pelo ser humano em toda a sua história. Envolveu setenta e duas nações dos cinco continentes, alguns de forma direta e outros, indire- tamente; mas afetou a todos. – 13 – Do ensino tradicional à educação matemática por novos discursos ou tendências de novos encaminhamentos. No entanto, essa forma de conceber o ensino da matemática está fortemente presente até a década de 1950 e 1960, quando surgem grandes discussões em torno do ensino da matemática no país. Na concepção tradicional de ensino da matemática, evidenciam-se dois papéis bem distintos no processo do ensinar e do aprender: 2 o do professor que – ensina, avalia, pergunta, cobra, enfim, detém o saber, o poder e o controle sobre o que ensina e deve ser ensinado; 2 do aluno que – aprende, busca o saber que não possui, responde, reproduz o que o professor ensina, somente é avaliado (não par- ticipa do processo de avaliação), enfim, é um ser passivo que só recebe o saber. A responsabilidade pela aprendizagem recai toda sobre o aluno. Segundo Micotti (1999): Este ensino acentua a transmissão do saber já construído, estruturado pelo professor; a aprendizagem é vista como impressão, na mente dos alunos, das informações apresentadas nas aulas. O trabalho didático escolhe um trajeto “simples” – transferir para o aprendiz os elementos extraídos do saber criado e sistematizado, ao longo da história das ciên- cias, fruto do trabalho dos pesquisadores. As aulas consistem, sobre- tudo, em explanações sobre temas do programa; entende-se que basta o professor dominar a matéria que leciona para ensinar bem (MICOTTI, 1999, p. 156-157). De acordo com Micotti (1999), o ensino tradicional da matemática priorizava a memorização pela memorização, ou seja, a “decoreba”, a repe- tição mecânica de exercícios modelos, muitas vezes sem compreensão e sem significado para o aluno. A prática do ensino tradicional da matemática conduzia o indivíduo a atitudes passivas, de simples aceitação frente às situações que se apresenta- vam nos diversos contextos sociais, com destaque ao ambiente escolar, cujo questionamento e a criticidade não eram bem-aceitos, contribuindo para a formação de pessoas alienadas e submissas. É evidente que essa forma, com certa rigidez no ensino da matemática e papéis bem definidos entre professor e aluno, presente no contexto educacio- – 14 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática nal, sofre alterações e se flexibiliza no decorrer da segunda metade do século XX. No entanto, são perceptíveis, ainda, algumas marcas do ensino tradicio- nal no contexto educacional atual. No final da década de 1950 e no decorrer da década de 1960, foram realizados cinco congressos nacionais (1955, 1957, 1958, 1962 e 1966) para discutir a situação do ensino da matemática no Brasil, acompanhando as dis- cussões e tendências internacionais. 1.2 Movimento da Matemática Moderna (MMM) A partir da mobilização dos professores e educadores matemáticos, desencadeada nos congressos nacionais citados anteriormente, é criado o Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM), em 1961, em São Paulo, sob a coordenação do professor Osvaldo Sangiorgi, que foi também um dos pioneiros na divulgação da Matemática Moderna no Brasil. Ao situar a trajetória do ensino da matemática no processo histórico das reformas, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 19) assim se expressam em relação ao Movimento da Matemática Moderna no Brasil: A Matemática Moderna nasceu como um movimento educacional ins- crito numa política de modernização econômica e foi posta na linha de frente do ensino por se considerar que, juntamente com a área das Ciências, ela constituía uma via de acesso privilegiada para o pensa- mento científico e tecnológico. Para tanto procurou-se aproximar a matemática desenvolvida na escola da matemática como é vista pelos estudiosos e pesquisadores. O ensino proposto fundamentava-se em grandes estruturas que orga- nizavam o conhecimento matemático contemporâneo e enfatizava a teoria dos conjuntos, as estruturas algébricas, a topologia, etc. Esse movimento provocou em vários países do mundo inclusive no Brasil, discussões e amplas reformas no currículo de matemática. Portanto, o Movimento da Matemática Moderna buscou reformular e modernizar os currículos escolares, procurando aproximar a matemática esco- lar da matemática pura. Com isso, foi dada ênfase às estruturas que compõem o conhecimento matemático apoiado na lógica, na álgebra, na topologia, na – 15 – Do ensino tradicional à educação matemática ordem, com destaque para a teoria dos conjuntos. Houve uma preocupação exagerada com as abstrações, ocorrendo o excesso de formalização. Segundo Fiorentini (1995), houve um destaque excessivo no uso da lin- guagem e no uso correto dos símbolos, tratando-os com precisão, com rigor, deixando de lado os processos que os produzem, porque a ênfase era dada ao lógico sobre o psicológico, o formal sobre o social, o sistemático-estruturado sobre o histórico. A matemática foi tratada como se fosse neutra, pronta e acabada e não tivesse relação alguma com questõessociais e políticas. Com uma matemática extremamente formal, centrada em sua estrutura e no rigor das suas regras, símbolos e procedimentos, os alunos começaram a apresentar dificuldades na aprendizagem, não conseguindo estabelecer cone- xão entre o que era ensinado e a realidade vivida. Para os alunos, a matemática ensinada nas escolas passa a estar distante da realidade, fora do contexto no qual eles viviam. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 19) também destacam que o Movimento da Matemática Moderna não levou em conside- ração a questão da linguagem e da simbologia adequadas às crianças em suas diferentes faixas etárias, não observando a fase do desenvolvimento psicoló- gico e neurológico infantil. Com isso, determinados conteúdos eram inaces- síveis às crianças no momento escolar em que eram trabalhados. “Essas refor- mas deixaram de considerar um ponto básico que viria a tornar-se seu maior problema: o que se propunha estava fora do alcance dos alunos, em especial daqueles das séries iniciais do Ensino Fundamental.” No final da década de 1970, começa o declínio do Movimento da Mate- mática Moderna, como é denominado por vários pesquisadores e educadores como: “o fracasso da Matemática Moderna”. Mesmo diante desse cenário, com inúmeras críticas, vários educado- res e pesquisadores do ensino da matemática consideram que o Movimento da Matemática Moderna deixou um saldo positivo, no sentido de favorecer novas formas de conduzir o ensino da matemática em sala de aula, ampliando o debate e as discussões em torno do processo do ensinar e do aprender matemática. Outro aspecto destacado por educadores, tais como Ubiratan D’Ambrósio (2002), foi de que o Movimento da Matemática Moderna con- tribuiu positivamente para a diminuição na ênfase, quase que exclusiva, em – 16 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática contas e “carroções” e cálculos envolvendo muita “decoreba”, favorecendo, assim, uma participação maior do aluno e de novas formas de pensar o ensino da matemática. Assim como há práticas pedagógicas adequadas e não adequadas do ensino tradicional da matemática, que persistem no âmbito escolar até hoje, há também questões relacionadas ao Movimento da Matemática Moderna que permeiam as práticas pedagógicas, as quais nem sempre estão em conso- nância com os anseios da sociedade atual. Reflita “A matemática precisa ser ensinada como um instrumento para a inter- pretação do mundo em seus diversos contextos. Isso é formar para a criticidade, para a indignação, para a cidadania e não para a memo- rização, para alienação, para a exclusão.” (ROCHA, 2001, p. 30). Faça uma reflexão sobre esse pensamento de Rocha confrontando-o com as principais características do ensino tradicional da matemática e do Movimento da Matemática Moderna. 1.3 Novas tendências: ensino da matemática e educação matemática A partir da década de 1980, algumas tendências do ensino da matemá- tica ganharam força, tais como a modelagem, a etnomatemática e a resolução de problemas. Onuchic (1999, p. 204) destaca que “a Resolução de Proble- mas ganhou espaço no mundo inteiro. Começou o movimento a favor do ensino de resolução de problemas”. Outra tendência que ganhou destaque nesse período é a que considera a matemática uma ciência em construção relacionada a um contexto social e histórico, conforme relata Fiorentini (1995). A matemática, sob o ponto de vista histórico-crítica não pode ser con- cebida como um saber pronto e acabado, mas, ao contrário, como um saber vivo, dinâmico e que, historicamente, vem sendo constru- – 17 – Do ensino tradicional à educação matemática ído, atendendo a estímulos externos (necessidades sociais) e internos (necessidades teóricas de ampliação dos conceitos) (FIORENTINI, 1995, p. 31). Essa tendência, relacionada à importância de se pensar a matemática como uma construção relacionada à realidade e que o conhecimento mate- mático é uma construção constante, também é destacada por Onuchic (1999, p. 215), o qual afirma que: “a atividade matemática escolar não se resume a olhar para as coisas prontas e definidas, mas para a construção e a apropria- ção, pelo aluno, de um conhecimento do qual se servirá para compreender e transformar a realidade.” As diversas tendências e formas de ver e conceber a matemática no âmbito educacional começam a estruturar a educação matemática no Brasil como campo profissional e científico, que recebe um grande impulso quando pesquisadores, professores e educadores se agregam no Primeiro Encontro Nacional de Educação Matemática (I ENEM), em 1987, na cidade de São Paulo. Foi um encontro científico com dimensões nacionais e a sua realização confirmou a existência de uma comunidade de educadores preocupados com o ensinar e o aprender matemática na escola, ou seja, com a educação mate- mática de fato. Esse grupo de educadores matemáticos articulou o Segundo Encontro Nacional de Educação Matemática (II ENEM) e a criação de uma sociedade para congregar os educadores matemáticos de todo o país e fortalecer as ten- dências da educação matemática no país. Em janeiro de 1988, em Maringá, no Paraná, acontece o II ENEM, com a criação e a oficialização da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). Portanto, a SBEM2 se constitui em um fórum permanente de debate, de troca de ideias, experiências, informações e resultados de pesquisas, assim como incentiva a pesquisa e divulga as tendências e questões relacionadas à educação matemática. Os Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENEM) que congregam pesquisadores, educadores e professores que tra- balham e desenvolvem atividades relacionadas à educação matemática são realizados periodicamente em diferentes regiões do país. 2 Para mais informações, consulte o site: <http://www.sbem.com.br>. – 18 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Diante desse cenário, o conhecimento matemático ficou em evidência e a sua importância desencadeou inúmeras reflexões e pesquisas com o foco nos processos que envolvem o seu ensino e a sua aprendizagem. Podemos pensar então: o que caracteriza o ensino da matemática? E a educação matemática? Há diferença entre ensino da matemática e edu- cação matemática? Alguns pesquisadores matemáticos que desenvolvem pesquisas voltadas para a matemática educacional, como é o caso de Baldino (1991, p. 51), fazem algumas considerações em torno dessas questões, dizendo que: “falar em ensino lembra ‘didática’, lembra ‘instrução’, ‘transmissão’, ‘apresentação’; abre o campo da técnica. Falar em educação lembra “pedagogia’, lembra ‘aprendizagem’, ‘motivação’, ‘desejo’; abre o campo do sujeito situado no con- texto social.” O foco do ensino da matemática está em como ensinar determinado assunto ou conteúdo, isto é, “como desenvolver determinada habilidade, rela- cionada a algum pedaço específico dessa disciplina, é parte da educação mate- mática, mas está longe de ser o todo” (BICUDO, 1991, p. 33). Por outro lado, ao expressar o que significa a educação matemática, Bicudo (1991, p. 33) recorre, primeiramente, ao conceito de educação, dizendo que o seu estudo implica a compreensão mais completa possível do significado de Homem e da sociedade, portanto: “a educação matemática deve compreender a reflexão de em que medida pode a matemática concorrer para que o homem e a sociedade satisfaçam o seu destino.” O ensino da matemática é um dos aspectos da educação matemática, que se caracteriza como um processo educacional imbuído da totalidade e se desenvolve a partir do conhecimento matemático. A educação matemática é uma área do conhecimento das ciências sociais e humanas que estuda o ensino e a aprendizagem da matemá- tica. De modo geral, poderíamos dizer que a educação matemática caracteriza-se como uma práxis que envolve o domíniodo conteúdo específico (a matemática) e o domínio das ideias e processos peda- gógicos relativos à transmissão/assimilação e/ou à apropriação/cons- trução do saber matemático escolar (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 5). – 19 – Do ensino tradicional à educação matemática Diante disso, evidencia-se o ensino da matemática como uma prática pedagógica voltada para as questões metodológicas. Nesse sentido, o ensino da matemática se depara com questionamentos do tipo: 2 Que recursos são mais adequados para se trabalhar um determi- nado conteúdo? 2 Como desenvolver, da melhor forma possível, os conteúdos em sala de aula? 2 Que atividades podem ser mais interessantes para que o aluno aprenda matemática com mais facilidade? 2 Qual é a forma mais adequada de transmitir esse ou aquele conteúdo? Nesse tipo de encaminhamento, percebe-se que a busca está voltada para o melhor método ou técnica para o ensino da matemática. A prática pedagógica, na perspectiva da educação matemática, além de incluir os métodos e técnicas utilizadas no ensino da matemática, dá ênfase aos aspectos sociais, políticos, históricos e culturais do conhecimento mate- mático. Nesse sentido, a educação matemática se depara, além dos questio- namentos anteriores, com questões do tipo: 2 Que matemática deve ser trabalhada com estes alunos que perten- cem a este grupo social inserido nessa sociedade? 2 Esse ou aquele conteúdo matemático é relevante ou não para estes alunos? 2 Qual é a relevância histórica desse conteúdo matemático? 2 Que contribuições esse conhecimento matemático pode dar aos alunos em um determinado momento e espaço? 2 Como o aluno aprende? 2 Que relações podem ser estabelecidas entre o conteúdo matemático e a vida social, política e cultural dos alunos? 2 Qual é a contribuição social do estudo de um determinado conte- údo matemático? – 20 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2 Como trabalhar uma matemática inclusiva? Ou seja, como incluir o indivíduo para uma participação social mais efetiva por meio do conhecimento matemático? Nessa perspectiva de trabalho pedagógico, evidenciam-se as inúmeras relações que se estabelecem em uma sociedade humana, que vão além dos conteúdos, métodos e técnicas. Convém ressaltar que, na educação mate- mática, há uma preocupação, também, com o não esvaziamento do conhe- cimento matemático, ou seja, os conteúdos não podem ser trabalhados de forma superficial. Diante do exposto, fica evidente que a educação matemática é um campo do conhecimento que estabelece relações com as outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a psicologia, a pedagogia, a linguística, a história, a epistemologia da ciência, além da matemática, é evidente. A educa- ção matemática é uma área que dialoga com várias disciplinas, apresentando características interdisciplinares, cujo centro é a matemática. Reflita “Ao passar de uma sociedade rural, onde ‘poucos precisavam conhe- cer matemática’, para uma sociedade industrial onde mais gente ‘pre- cisava aprender matemática’ em razão da necessidade de técnicos especializados, daí para uma sociedade de informação onde a maioria das pessoas ‘precisa saber matemática’ e, agora, caminhando para uma sociedade do conhecimento que exige de todos ‘saber muita matemática’, é natural que o homem se tenha interessado em pro- mover mudanças na forma de como se ensina e como se aprende matemática.” (ONUCHIC, 1999, p. 200). Faça uma reflexão sobre a afirmação de Onuchic, identificando os diferentes momentos históricos e sociais em que o conhecimento matemático se fez presente, como ele era considerado pelas pes- soas e como se destacou nesses diferentes momentos. Reflita também sobre as formas como a matemática se faz presente na sociedade atual e a sua importância no contexto social atual. – 21 – Do ensino tradicional à educação matemática Da teoria para a prática A utilização do livro didático nas escolas é uma das práticas esco- lares que se intensificaram a partir do Movimento da Matemática Moderna e que ganhou força nessas últimas décadas. • Providencie alguns livros didáticos de matemática, se possível de diferentes épocas. • Analise as diferentes formas de encaminhamento dos conteúdos matemáticos que são utilizados para favorecer a aprendizagem dos alunos, confrontando essas formas de apresentação dos con- teúdos com o texto estudado anteriormente. • Agora, resolva as questões a seguir. 1. É possível identificar alguma situação analisada nesses livros didáticos, com enfoque no ensino tradicional da matemática? Destaque e justifique a sua resposta. 2. É possível identificar alguma situação, nesses livros didáticos, que possa fazer referência ao Movimento da Matemática Moderna? Por quê? 3. É possível identificar alguma situação encontrada no livro didático cujo foco está no ensino da matemática? Destaque e justifique. 4. É possível identificar alguma situação encontrada no livro didático cujo foco está na educação matemática? Destaque e justifique. Síntese A educação matemática no Brasil mostrou seus primeiros sinais na década de 1950, por meio da movimentação dos professores e educadores insatisfeitos com o ensino da matemática. Nesse período, o ensino da mate- mática era caracterizado pela forma tradicional, cujo foco era a aprendiza- – 22 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática gem por repetição mecânica de exercícios modelos, sem a preocupação com a compreensão e o significado dos símbolos, propriedades, registros e procedi- mentos. O professor e o aluno tinham papéis bem distintos e definidos. No decorrer da década de 1960, foi implantado o Movimento da Mate- mática Moderna no Brasil, procurando reformular e modernizar os currícu- los escolares, dando ênfase aos aspectos formais da matemática, apoiado na lógica, na álgebra, na topologia, na ordem, com destaque para a teoria dos conjuntos. Houve uma preocupação exagerada com as abstrações, ocorrendo um excesso de formalização. Na década de 1980, com o declínio da Matemática Moderna, inten- sificaram-se as discussões em torno do ensino da matemática, e começam a ganhar força as propostas que enfatizam a educação pela matemática e não a educação para a matemática. Com isso, a educação matemática, como campo do conhecimento, ganha espaço e se consolida como uma área significativa nas pesquisas e no âmbito escolar. A educação matemática tem como foco a matemática e todas as relações humanas, sociais, culturais e históricas envol- vidas com o conhecimento matemático e no processo do ensinar e do apren- der matemática. Desde o seu nascimento, inúmeras ideias e raciocínios mate- máticos estão presentes, mesmo que intuitivamente, nos espaços e ambientes da vida da criança. Sendo assim, cultural e socialmente, ela está em permanente contato com situações que envolvem mate- mática. No entanto, a aquisição da linguagem matemática formal, o estudo organizado e sistematizado do conhecimento matemático se dá a partir da sua iniciação na escolarização, que começa desde a Educação Infantil. No decorrer do processo do ensino e da aprendizagem de matemática, é necessário estar atendo para algumas características importantes do desenvolvimento da criança. A criança e o conhecimento matemático 2 – 24 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2.1 Fases do desenvolvimento da criança e o conhecimento matemático Nos primeiros anos de vida, de acordo com Piaget, a criança está na fase sensório-motora, que se caracteriza, principalmente, pelo brincar sozinha e pela não vinculação de regras nas brincadeiras. O que predomina, nessa fase, é o que lhe chama mais a atenção momentânea e intuitivamente. Não se des- taca nos aspectos de lógica formal. A relação da criança com o conhecimentomatemático é basicamente intuitiva e apoiada em objetos concretos e que perpassam as experiências sensoriais. Para ilustrar, podemos citar uma situação que é bastante comum no meio social em que vivemos: é o caso de quando solicitado para uma criança que está fazendo um ano de idade: “quantos aninhos você está fazendo?” e ela imediatamente mostra: Ao levar um dedo indicando um ano de idade, não significa que ela conhece o número 1 ou que estabelece relação entre o número 1 e a quanti- dade mostrada: 1 dedo. Essa é uma ação intuitiva adquirida pela interferência e estímulos advindos do meio social em que ela vive. Em seguida, a partir dos dois ou três anos de idade, a criança começa a per- ceber e estabelecer relações com outras crianças e com outros elementos presentes no espaço. Ela entra na fase denominada por Piaget como pré-operatória, cuja relação com outras crianças começa a ser significativa, e o estabelecimento de pequenos comandos e regras comuns aos participantes das brincadeiras come- – 25 – A criança e o conhecimento matemático çam a ser percebidos e respeitados pela criança. Nessa fase, a criança brinca, também, de faz de conta, ou seja, começa a criar representações simbólicas para situações do real; ela mostra sinais da ação do imaginário, com isso, as regras começam a ser estabelecidas e a fazer parte das suas brincadeiras e jogos. Para ilustrar, podemos citar as representações que as crianças fazem a partir de brincadeiras que vivenciam com outras crianças. Uma dessas brinca- deiras é o lançamento de dados. Ao lançar um dado e sair o número 3, a criança consegue estabelecer relações entre o símbolo numérico e a quantidade de objetos que ele repre- senta, assim como percebe quantidades maiores e menores, ao compará-las entre si. três tampinhas menos de três tampinhas mais de três tampinhas Com o desenvolvimento das estruturas mentais proporcionadas pelo pró- prio desenvolvimento do ser humano e pelas experiências culturais e sociais e as interferências do meio, a criança entra na fase das operações concretas, que, segundo Piaget, inicia-se por volta dos 5 a 7 anos de idade. Nessa fase, a criança organiza as experiências em um todo consciente, faz juízo racional de suas expe- riências, faz classificações, seriações e agrupamentos, utilizando critérios iso- lados ou simultâneos com diferentes formas de organização, torna reversíveis as operações que executa e pensa sobre um determinado evento de diferentes – 26 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática perspectivas, faz operações aditivas e multiplicativas com números inteiros e fracionários, resolve situações problemas por meio de representações e registros matemáticos, estima resultados e confere-os, entre outras características. Em seguida, a criança entra na fase das operações formais, período da pré-adolescência ou adolescência, que tem como principais características: o pensamento formal, as abstrações e o raciocínio sobre hipóteses. Citamos essa fase do desenvolvimento, enquanto informação, mas não vamos detalhá-la, pois não é objetivo deste trabalho. 2.2 Para além das fases do desenvolvimento Sabe-se, no entanto, que pesquisas recentes mostram que a aprendi- zagem matemática está relacionada às fases de desenvolvimento sim, mas, também, a estímulos e interferências proporcionadas nas relações sociais. Por- tanto, as crianças, quando estimuladas por meio da convivência com outras pessoas, podem apresentar um desenvolvimento cognitivo diferenciado de outras crianças da mesma idade, de acordo com as intervenções do meio em que ela está inserida. Nesse sentido, o professor exerce papel fundamental no desenvolvi- mento e na relação da criança com o conhecimento matemático, na medida em que valoriza e aproveita as experiências já vivenciadas por ela, fazendo – 27 – A criança e o conhecimento matemático as devidas intervenções e proporcionando a ampliação desse conhecimento. Nesse sentido, Nunes e Bryant (1997, p. 230) se expressam, afirmando: As crianças raciocinam sobre matemática e seu raciocínio melhora à medida que elas crescem. Elas herdam o poder das ferramentas cultu- rais matemáticas, em parte, como resultado de serem ensinadas sobre elas, e, em parte, devido a experiências informais fora da escola. A varie- dade de experiências matemáticas que as afetam em quase todas as eta- pas de suas vidas pode, a princípio, causar-lhes dificuldades, pois um dos seus maiores problemas é compreender que relações matemáticas e símbolos não estão vinculados a situações específicas. Mas o valor de suas experiências informais e a genuinidade de sua aprendizagem mate- mática fora da escola deveriam ser reconhecidos por pais, professores e pesquisadores igualmente. Devemos ajudar as crianças a reconhecer o poder de seu raciocínio e devemos ajudá-las a formar uma visão nova, uma nova representação social da matemática que torne fácil para elas levar sua compreensão da vida cotidiana para a sala de aula. Portanto, a relação da criança com o conhecimento matemático se dá a partir das relações que ela estabelece com o mundo em que vive, inicial- mente, de forma intuitiva e vai se ampliando e adquirindo novas estruturas à medida que ela cresce e estabelece novas relações com o meio social e cultural em que está inserida. Posteriormente, ao ser inserida no processo educacio- nal escolar, a criança se depara com as representações abstratas da linguagem formal e simbólica da matemática, cujos raciocínios são ampliados e adqui- rem novos significados. Reflita “Compreender é inventar ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é termos indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.” (PIAGET). Partindo do pressuposto que a criança deve compreender os signi- ficados de cada aprendizagem matemática, faça uma reflexão sobre esse pensamento de Piaget e estabeleça um paralelo entre ele e a relação que a criança tem com o conhecimento matemático na vida cotidiana e no âmbito escolar. – 28 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Da teoria para a prática Muitos educadores e pesquisadores atualizados destacam a importância da atividade lúdica para o desenvolvimento inte- lectual das crianças nas diferentes fases da aprendizagem e consideram-na indispensável à prática educativa, destacando a sua importância no desenvolvimento dos raciocínios lógico- -matemáticos. Com esse pensamento, realize a atividade lúdica a seguir. 2 Providencie: 2 2 dados comuns; 2 tabela com os números e as sete figuras de petecas; 2 alguns marcadores, sendo um marcador para cada participante; 2 2 a 4 participantes. 2 Regras da atividade lúdica: 2 cada participante, na sua vez, lança os dois dados simultane- amente; 2 adiciona os dois números e marca o resultado na sua tabela numérica; 2 se a soma dos dois números que saíram nas faces superiores dos dados for 7, marcar uma das petecas; 2 poderá ser combinado que, se sair uma soma de números que já está marcada, será feita uma anotação ao lado do número para, depois, verificar qual foi a soma que saiu mais vezes no lançamento dos dados; 2 a brincadeira termina quanto um dos participantes consegue marcar todos os números ou todas as petecas; 2 após a análise dos dados, podem ser feitas outras rodadas da atividade. – 29 – A criança e o conhecimento matemático 2 Análise dos dados: 2 Por que não tem o número 1 na tabela numérica? 2 Por que o último número é o 12? 2 Quais são as possibilidades de, ao lançar dois dados, sair a soma 2? E a soma 3? E as demais somas? 2 Qual foi a soma que mais saiu? 2 Ao lançar os dois dados, há maior probabilidade de sair a soma 7 ou a soma 9? Explique porquê. 2 Esta atividade lúdica coloca o indivíduo frente a diver- sos conhecimentos matemáticos, tais como: contagem; relação – símbolo numérico X quantidade; sequência numérica; comparação entre quantidades; operação de adição; levantamento de possibilidades; análise de resul- tados, etc. 2 Relacione esses conhecimentos matemáticos, e outros que você identifica nessa atividade lúdica, com as fases do desenvolvimento cognitivo da criança. 2 Redija um pequeno texto com as suas conclusões da ati- vidade lúdica, relacionando-as com o conteúdo estudado no capítulo. Tabela: Atividade lúdica – as sete petecas. 2 3 4 5 6 8 9 10 11 12 – 30 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Síntese A aquisição do conhecimento matemático se dá desde o nascimento da criança, inicialmente de forma intuitiva, e se amplia de acordo com as inter- ferências sociais e culturais presentes no ambiente em que ela está inserida. Além dessas interferências, a aprendizagem matemática está relacionada a determinadas fases do desenvolvimento da criança. De acordo com Piaget, a primeira fase de desenvolvimento da criança denomina-se sensório-motora; em seguida, ela passa pela fase pré-operatória e, depois, pela fase das operações concretas até chegar à fase das abstrações. Pesquisas recentes mostram que o conhecimento matemático da criança pode ser ampliado no decorrer do seu desenvolvimento, de acordo com as intervenções sociais e culturais do meio em que vive. A área de matemática e seu ensino estão contemplados nos currículos escolares da Educação Infantil e do Ensino Fundamen- tal com uma carga horária expressiva na matriz curricular. Partindo dessa constatação, levantamos dois questionamentos: 2 Por que ensinar matemática? 2 Qual é a finalidade do ensino da matemática? Ao refletir sobre esses questionamentos você pode ter pen- sado em alguns argumentos, dos quais destacamos dois: 1º – o ensino da matemática desenvolve o raciocínio lógico do indivíduo; Objetivos do ensino da matemática 3 – 32 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2º – é importante aprender matemática porque ela está presente no coti- diano das pessoas. Ela permeia as ações humanas. Esses dois argumentos mostram certa dicotomia entre matemática formal e matemática utilitária (teoria x prática) que se constituiu, his- toricamente, de acordo com os objetivos a que se propunha o ensino da matemática, nos diferentes momentos históricos e para as diferentes classes sociais. De fato, o meio social e cultural em que vivemos está impregnado de matemática. É quase impossível pensar em viver um dia na sociedade atual sem ter contato algum com ideias, raciocínios, registros ou linguagens que tenham matemática na sua essência. De acordo com D’Ambrósio (1993, p. 13), o ensino da matemática ganhou uma importância significativa nas últimas décadas, ao considerar os aspectos socioculturais no estudo dessa área, “e pode-se dizer que representa o início de um pensar mais abrangente sobre a educação matemática” na formação do cidadão. [...] a educação matemática não depende de revisões de conteú- dos, mas da dinamização da própria Matemática, procurando levar novas práticas à geração de conhecimento. Tampouco depende de uma metodologia “mágica”. Depende essencialmente de o professor assumir sua nova posição, reconhecer que ele é companheiro de seus estudantes na busca de conhecimento, e que a matemática é parte integrante desse conhecimento. Um conhecimento que dia a dia se renova e se enriquece pela experiência vivida por todos os indivíduos deste planeta (D’AMBRÁOSIO, 1993, p. 14). Portanto, ao pensar nos objetivos do ensinar e do aprender matemá- tica, é necessário vislumbrar o contexto histórico em que o conhecimento foi construído e os motivos que levaram a humanidade a tal construção, bem como, a sua utilização e aplicação nos diferentes contextos sociais e culturais. Dessa forma, o estudante passa a ver a matemática não apenas como uma linguagem simbólica e abstrata, com fórmulas sem sentido, com poucos significados, chegando a pensar, erroneamente, que aprender matemática é apenas desenvolver o hábito de repetir procedimentos e aplicações mecânicas e memorizá-las. – 33 – Objetivos do ensino da matemática Aprender matemática é muito mais do que isso; é utilizá-la como uma ferramenta imprescindível para a inserção e participação do indivíduo na sociedade em que vive, de forma a resolver as problematizações que fazem parte do seu contexto social e cultural, buscando a melhoria da sua qualidade de vida e dos seus pares, enquanto cidadãos. Outro aspecto que nos remete ao ensino da matemática é o desenvolvi- mento do raciocínio lógico. De fato, o ensino da matemática contribui para o desenvolvimento do raciocínio lógico, por ser uma área do conhecimento que trabalha com a abstração, a simbologia, a organização do pensamento, exercita a argumentação e a análise, desenvolve formas de pensar sobre fatos e pro- blematizações, estimula a fazer previsões e levantar possibilidades, entre outras. No entanto, quando o ensino dessa disciplina se baseia na simples memorização de cálculos, fórmulas e procedimentos mecânicos de reso- lução, ele não favorece, adequadamente, o desenvolvimento do raciocínio lógico do indivíduo. Portanto, a construção do raciocínio lógico-matemático se dá à medida que ocorrem situações que permitam ao indivíduo desenvolver ações, externa ou internamente, que favoreçam a resolução de problemas, a análise e a argumentação que façam sentido, a tomada de decisão acertada, o raciocínio construtivo e crítico, indutivo ou dedutivo, entre outros, os quais são importantes não só para as atividades escolares, mas, também, para a vivência no cotidiano e para a obtenção de sucesso nos diversos aspectos da sua vida. A seguir, destacamos os principais objetivos do ensino da matemática na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 3.1 Educação Infantil Para pensar nos objetivos da educação matemática para as crianças da Educação Infantil é necessário ter presente os aspectos cognitivos relaciona- dos ao desenvolvimento próprio da criança nas diferentes idades, suas neces- sidades, prioridades e formas de contato que ela estabelece com o mundo que a cerca. – 34 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática A criança está inserida em um mundo bastante “matematizado”, que permite, desde o seu nascimento, conhecê-lo e interagir com ele, de modo a desenvolver, gradativamente, suas potencialidades. A seguir, você terá os objetivos pensados e organizados nacionalmente para a Educação Infantil no que se refere ao conhecimento matemático para a formação da criança desta faixa etária, tendo em vista que “é direito da criança dessa fase do desenvolvimento, ter como princípios norteadores do trabalho pedagógico: as interações e a brincadeira.” (BRASIL/MEC, 2010, p. 25). a) Objetivos da educação matemática para crianças de 0 a 3 anos Dar oportunidade para que as crianças desenvolvam a capacidade de estabelecer aproximações a algumas noções matemáticas presentes no cotidiano, como contagem, rela- ções espaciais, etc. (BRASIL, RCN, 1998). Esse objetivo pode ser pensado a partir dos seguintes objetivos específicos: 2 perceber que há diferentes espaços que compõem o meio social em que ela vive, aprendendo a localizar-se gradativamente nes- ses espaços; 2 desenvolver, de forma progressiva, noções de orientação, movimen- tação e localização do próprio corpo em relação a si próprio, às outras pessoas, aos objetos e ao espaço em que a criança está; 2 identificar gradativamente as noções de: dentro, fora, perto, longe, aberto, fechado, entre outras; 2 compreender e executar comandos lógicos simples, estabelecendo relaçãode causa e efeito, como: bater palmas (relacionar o comando ao som); empurrar um objeto (pode produzir som ou cair); andar – 35 – Objetivos do ensino da matemática até a mesa; procurar um objeto que está sobre a mesa; tentar abrir ou fechar uma caixa; buscar um objeto que está na frente ou atrás de outro; abrir a porta; fechar a porta; entre outros; 2 desenvolver, de forma progressiva, noções de tempo por meio das atividades do cotidiano da criança, como: hora do almoço, hora do lanche, hora da higiene pessoal, hora de brincar, hora de dormir, etc.; 2 desenvolver a habilidade de comparar por meio da observação, estabelecendo semelhanças e diferenças, iniciando, dessa forma, as primeiras noções das operações mentais de classificar e seriar; 2 resolver situações diversas do seu cotidiano, estabelecendo relações quantitativas e noções simples de lógica-matemática, como: pegar um objeto; abraçar um amigo; ficar na frente do amigo; ficar de costas para a mesa; entre outros. b) Objetivos da educação matemática para crianças de 4 e 5 anos Reconhecer e valorizar os números, operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como fer- ramentas necessárias no seu coti- diano (BRASIL, RCN, 1998). Esse objetivo pode ser alcançado a partir dos seguintes objetivos específicos: 2 identificar e compreender os números utilizados em diferentes con- textos sociais, apreendendo os números naturais utilizados na con- tagem e na representação de quantidades; 2 perceber a diversidade de formas geométricas que compõem o espaço, identificando algumas características dessas formas; – 36 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2 classificar e seriar objetos, pessoas, ações, formas geométricas e quantidades numéricas presentes no espaço social e cultural em que a criança vive; 2 ampliar as relações quantitativas, desenvolvendo, progressivamente, o conceito de número e as noções das operações básicas da matemática, por meio de situações concretas presentes no cotidiano da criança; 2 perceber as relações de inclusão, comparação e conservação entre quantidades numéricas e sua relação com a simbologia matemática. Comunicar ideias matemáticas, hipóteses, processos utiliza- dos e resultados encontrados em situações-problema rela- tivas a quantidades, espaço físico e medidas, utilizando a linguagem oral, escrita, pictó- rica e a linguagem matemática (BRASIL, RCN, 1998). Esse objetivo pode ser alcançado a partir dos seguintes objetivos específicos: 2 desenvolver noções de localização, movimentação e orientação espacial tendo como referência o próprio corpo, o de outras pessoas e objetos, estabelecendo relações entre si; 2 desenvolver as noções de medida de tempo, identificando algumas unidades de medidas básicas (manhã, tarde, noite, dia, entre outros) e o tempo de deslocamento do próprio corpo em relação ao espaço; 2 favorecer o desenvolvimento das diversas formas de expressar o pensamento e o conhecimento matemático, seja por meio da orali- dade ou do registro (recorte e colagem, pictórico, escrita, simbolo- gia matemática, entre outros); 2 resolver situações-problema relacionadas ao contexto social e cul- tural da criança, favorecendo o levantamento de hipóteses e dife- rentes formas de resolução, além da aplicação de diversos conhe- cimentos matemáticos; – 37 – Objetivos do ensino da matemática 2 conhecer e utilizar unidades e instrumentos de medidas, padroniza- das ou não padronizadas, relacionadas ao seu contexto social e cultu- ral, como: tamanho, altura, largura, comprimento, espessura, quanto cabe, quanto “pesa”, etc.; iniciando com unidades não padronizadas até chegar a algumas unidades de medidas padronizadas. Ter confiança em suas próprias estra- tégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos pré- vios (BRASIL, RCN, 1998). Esse objetivo pode ser alcançado a partir dos seguintes objetivos específicos: 2 classificar e seriar objetos, seres e ações a partir da observação e análise, estabelecendo critérios de organização do pensamento e das ações; 2 resolver situações-problema relacionadas ao contexto social e cultu- ral das crianças, envolvendo números, operações, formas geométri- cas e noções de medidas. 3.2 Anos iniciais do Ensino Fundamental Ao pensar nos objetivos do ensino e da aprendizagem da matemática para os cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, é necessário procurar respostas para o seguinte questionamento: “que indivíduos queremos formar com a Educação Matemática no âmbito escolar?” Isso nos leva a estabelecer os objetivos que queremos atingir ao propormos o trabalho com a educação matemática na escola. – 38 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, PCN, 1997) apontam os principais objetivos da educação matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental, como eixo norteador do trabalho pedagógico a ser desenvol- vido nacionalmente no que se refere ao ensino e a aprendizagem dessa área do conhecimento. 1. Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para compre- ender, interagir e modificar, se necessário, o mundo à sua volta e per- ceber o caráter de jogo intelectual, característico da matemática, como aspecto que estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade de analisar e de resolver problemas (BRASIL, PCN, 1997, p. 51). – 39 – Objetivos do ensino da matemática 2. Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos do ponto de vista do conhecimento e estabelecer o maior número possível de relações entre eles, utilizando para isso o conhecimento matemático (aritmético, geométrico, métrico, algébrico, estatístico, probabilístico); selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para interpretá- -las e avaliá-las criticamente (BRASIL, PCN, 1997, p. 51). 3. Resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados, desenvolvendo formas de raciocínios e processos, como dedução, intui- ção, analogia, estimativa e utilizando conceitos e procedimentos mate- máticos, bem como instrumentos tecnológicos disponíveis (BRASIL, PCN, 1997, p. 51). – 40 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 4. Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apre- sentar resultados com precisão e argumentar sobre conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações matemáticas (BRASIL, PCN, 1997, p. 51). 5. Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares, perce- bendo a aplicação do conhecimento matemático em situações reais da vida (BRASIL, PCN, 1997, p. 52). – 41 – Objetivos do ensino da matemática 6. Desenvolver a autonomia nas formas de pensar e de agir em situações do cotidiano que envolvem matemática, percebendo a sua capacidade de construir e aplicar os conhecimentos matemáticos, valorizando a sua autoestima e a perseverança na busca de soluções para as mais diversas problematizações que envolvem o pensamento matemático (BRASIL, PCN, 1997, p. 52). 7. Perceber que o conhecimento matemático é uma produção humana, social e cultural, identificando a linguagem matemática como uma forma de expressar as relações sociais, que está em constante evolução e que, portanto, é um conhecimento construído historicamente. Século um dois três quatro cinco seis sete oito nove zero VI (indiano) IX (indiano) X (árabe ocidental) X (europeu) XI (árabe oriental) XII (europeu) XIII (árabe europeu) XIII (europeu) XIV (árabe ocidental) XV (árabe oriental) XV (europeu) 8. Interagir comas outras pessoas de forma cooperativa, trabalhando cole- tivamente na busca de soluções para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um assunto, respeitando o – 42 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática modo de pensar dos colegas e/ou outras pessoas, aprendendo com elas (BRASIL, PCN, 1997, p. 52). Ampliando a discussão desses objetivos, o Pacto Nacional pela Alfabeti- zação na Idade Certa (PNAIC) aponta os direitos de aprendizagem que todo o aluno tem, ao iniciar a sua escolarização no Ensino Fundamental, em matemá- tica (BRASIL/MEC/PNAIC, 2014, p. 45-46), das quais destacamos a seguir: I. O aluno pode utilizar caminhos próprios na construção do conheci- mento matemático. II. O aluno precisa reconhecer e estabelecer relações entre regularidades em diversas situações. III. O aluno tem necessidade de perceber a importância das ideias matemá- ticas como forma de comunicação. IV. O aluno precisa desenvolver seu espírito investigativo, crítico e criativo, no contexto de situações-problema, produzindo registros próprios e bus- cando diferentes estratégias de solução. V. O aluno precisa fazer uso do cálculo mental, exato, aproximado e de estimativas, utilizando as Tecnologias da Informação e Comunicação em diferentes situações. Para atingir esses objetivos, e garantir os direitos de aprendizagem do aluno, é necessário desenvolver o trabalho com conteúdos matemáticos con- sistentes e socialmente relevantes, assim como adequados ao desenvolvimento das crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, é neces- sário pensar em estratégias e encaminhamentos metodológicos que, de fato, – 43 – Objetivos do ensino da matemática favoreçam a construção de significados e que atinjam os objetivos propostos, com avaliações constantes e periódicas. Nos próximos capítulos, serão apresentados os conteúdos e alguns enca- minhamentos metodológicos que apontam possíveis caminhos para que esses objetivos possam ser alcançados. Reflita A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – n. 9.394, de 24 de dezembro de 1996, que rege a educação brasi- leira, afirma no seu artigo 32 que: “O ensino fundamental terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante [...] a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.” Partindo-se do pressuposto de que o ensino da matemática, como parte integrante do currículo escolar e com carga horária significativa, faz parte de um dos objetivos expressos na LDB, deve-se refletir sobre as relações entre o ensino da matemática escolar e esse obje- tivo do Ensino Fundamental. Da teoria para a prática Propomos duas atividades práticas relacionadas aos objetivos da educação matemática, como aplicação deste trabalho na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 1. Um dos objetivos da educação matemática na Educação Infantil é favorecer à criança o conhecimento do mundo que a cerca. Como sabemos, vivemos em um mundo letrado e repleto de simbologias. Observe e analise os registros simbólicos representados a seguir. – 44 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 2 Classifique os registros simbólicos que aparecem ante- riormente em: 2 números; 2 letras e palavras; 2 outros símbolos. 2 Identifique a função social de cada um desses registros simbólicos. 2. Um dos objetivos da educação matemática nos anos ini- ciais do Ensino Fundamental é estimular a criança a fazer – 45 – Objetivos do ensino da matemática previsões, estimativas, identificando as possibilidades de um evento ocorrer assim como, desenvolver a análise de resultados obtidos. a) Ao lançar um dado comum, qual é a chance de sair um número maior que 4? b) Para resolver essa situação, pense: 2 Quantas faces têm um dado comum? 2 Em quantas faces aparecem números maiores que 4? 2 Ao lançar uma única vez o dado, quais números podem cair na face superior? 2 Em quais em quantas dessas possibilidades o número é maior que 4? c) Providencie um dado comum e faça lançamentos para verificar se as possibilidades se efetivam. Registre o resultado de cada lançamento. Em seis lançamentos saíram duas vezes números maiores que 4? O que você constatou? O que significa: possibilidades de um evento ocorrer? – 46 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Síntese Estudos recentes sobre o desenvolvimento e as formas como as crian- ças aprendem mostram que ela está, desde o nascimento, em contato com um universo do qual os conhecimentos matemáticos são parte integrante. Por isso a importância de pensar em situações que levem a criança a inte- ragir com o meio de forma a construir estruturas que favorecem a apren- dizagem de noções matemáticas desde os seus primeiros contatos com o mundo que a cerca. Em seguida, desenvolvemos os objetivos gerais propostos para os anos iniciais do Ensino Fundamental para a educação matemática. Muito mais do que descrever objetivos que favoreçam a mecanização de símbolos, fórmulas e procedimentos de resolução, os objetivos do ensinar e do aprender matemá- tica devem vislumbrar o desenvolvimento do raciocínio lógico e a capacidade de argumentar, compreender, interpretar, projetar, de criar e atribuir signifi- cados para as mais diversas situações sociais em que aparecem ideias, racio- cínios e conhecimentos matemáticos, criando, dessa forma, um ambiente favorável ao exercício dos direitos de aprendizagem matemática dos alunos. A matemática deve ser percebida como ciência das relações e está presente nos mais diversos contextos sociais e culturais. Para tanto, deve ser usada como ferramenta para o desenvolvimento do raciocínio lógico, assim como na formalização de novas formas de pensar e de agir. Constantemente nos deparamos com questionamentos do tipo: “quais conteúdos são relevantes para o trabalho pedagógico? Por que trabalhar com ‘esse’ ou ‘aquele’ conteúdo? Por que apren- der esse conteúdo matemático? Onde são usados ‘esses’ ou ‘aqueles’ conteúdos matemáticos?” Conteúdos matemáticos 4 – 48 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática Esses questionamentos nos levam a refletir sobre a importância da sele- ção dos conteúdos matemáticos que devem ser trabalhados em cada momento da vida escolar do estudante, levando-se em consideração os aspectos sociais e culturais do conhecimento matemático. O conhecimento matemático entendido como uma construção social, como um produto cultural, abre possibilidades para que o aprendiz [...] se veja como sujeito que constrói, que é capaz de teo- rizar e confrontar suas teorias com outros sujeitos e com objetos (ARAÚJO, 2007, p. 4-5). O conhecimento construído socialmente deve ser traduzido em conhecimentos específicos, os quais devem servir de base para a defini- ção dos conteúdos específicos de matemática para serem trabalhados no âmbito escolar. Ao abordar os conteúdos, deve-se colocar a criança como sujeito e ser principal do processo, ela deve participar ativamente de cada situ- ação apresentada, pois, para compreender, entender, trabalhar ou criar matemática, as crianças precisam estar envolvidas com ideias, símbolos, conceitos e representações, participando da construção e incorporação do conhecimento. O conhecimento matemático adquire significado na medida em que alunos e professores estudam, analisam e contribuem na seleção do que deve ser ensinado e aprendido, como deve ser ensinado e aprendido, relacionado aos porquês da importância de tal conteúdo na formação do cidadão. Ao pensar no desenvolvimento do trabalho com os conteúdos mate- máticos escolares, é necessário vislumbrar conteúdos adequados à sociedade atual, percebendo o conhecimentoem constante construção. Conforme expressa Fiorentini (1995, p. 31), a matemática “não pode ser concebida como um saber pronto e acabado, mas, ao contrário, atendendo estímulos externos (necessidades sociais) e internos (necessidades teóricas de ampliação dos conceitos)”. A seguir, destacamos os conteúdos matemáticos pensados, nacional- mente, para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamen- tal, por meio de algumas ideias relacionadas a esses conteúdos para as crianças nessas fases da escolarização. – 49 – Conteúdos matemáticos 4.1 Educação Infantil A Educação Infantil deve favorecer a iniciação da criança a ser inserida no mundo letrado em que vive, de forma a conhecer criticamente a realidade social, favorecendo a sua independência e autonomia. Para o desenvolvimento pleno das potencialidades da criança, é impres- cindível o trabalho pedagógico com a matemática, a qual é necessária tanto para a vida na nossa sociedade como para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da criatividade. Conforme expressam Nunes e Bryant (1997, p. 17), “as crianças precisam aprender sobre matemática a fim de entender o mundo ao seu redor.” Essa necessidade da matemática para compreender o mundo e interagir com ele pode ser percebida, inicialmente, como algo espontâneo e natural no cotidiano da criança, por meio das ações que ela desempenha para vencer obstáculos, desafios e dificuldades que enfrenta. A Educação Infantil é um momento bastante propício para o contato e o trabalho com o conhecimento matemático. Por ser uma fase em que a criança está totalmente aberta a novas descobertas, é importante trabalhar com elas tendo o objetivo de desenvolver estruturas de pensamento e ação, com vistas à sua flexibilidade e criatividade. Inúmeras ações do cotidiano da criança estão permeadas pelo pensa- mento matemático, como: agrupar, juntar, comparar, separar, retirar, contar, entre tantas outras. Por meio dessas atividades do dia a dia, a criança estabe- lece correspondência entre objetos, seres ou ações, descobrindo e vivenciando propriedades relacionadas ao conhecimento matemático. Para estabelecer os conteúdos matemáticos que devem ser trabalhados na Educação Infantil, é necessário ter presentes os aspectos relacionados: 2 ao período de desenvolvimento cognitivo em que a criança está; 2 ao meio social e cultural em que a criança vive; 2 às experiências vividas pela criança. Os conteúdos matemáticos propostos para a Educação Infantil não são pré-requisitos para o trabalho com os conteúdos de matemática propostos – 50 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental; mas são conteú dos estrutu- rantes para o trabalho da matemática nos anos seguintes. Isso significa que os conteúdos desenvolvidos na Educação Infantil propiciam estruturas signi- ficativas para a continuidade do trabalho com o conhecimento matemático. Por exemplo: a contagem de objetos é condição estruturante para o trabalho com a numeração. O conhecimento matemático não se constitui num conjunto de fatos a serem memorizados; que aprender números é mais do que contar, muito embora a contagem seja importante para a compreensão do conceito de número; que as ideias matemáticas que as crianças apren- dem na Educação Infantil serão de grande importância em toda a sua vida escolar e cotidiana (SMOLE; DINIZ; CÂNDIDO, 2000, p. 9). De acordo com essas autoras, o trabalho de matemática na Educação Infantil deve favorecer a exploração das inúmeras ideias matemáticas, desde as pré-numéricas, numéricas, formas geométricas e medidas até as noções de estatística, envolvendo a criança na construção de significados a cada conte- údo desenvolvido. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infan- til – RCN – (BRASIL, 1998), a organização e seleção dos conteúdos mate- máticos, para cada etapa do trabalho, é imprescindível para o planejamento das atividades que favoreçam o desenvolvimento integral da criança. O RCN (BRASIL, 1998, p. 217) destaca que, ao selecionar os conteúdos, deve-se levar em conta estes dois aspectos: aprender matemática é um processo contínuo e de abstração no qual as crianças atribuem significado e estabelecem relações com base nas observações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre ele- mentos do seu ambiente físico e sociocultural; a construção de competências matemáticas pela criança ocorre simul- taneamente ao desenvolvimento de inúmeras outras de naturezas diferentes e igualmente importantes, tais como comunicar-se oral- mente, desenhar, ler, escrever, movimentar-se, cantar, etc. Os primeiros conteúdos matemáticos dos quais as crianças da Educa- ção Infantil fazem inferências estão relacionados à aritmética e ao espaço. Portanto, cabe à educação escolar o dever de trabalhar esse conhecimento, partindo da vivência da criança, gradativamente, para a construção de signi- ficados matemáticos mais complexos e abstratos. – 51 – Conteúdos matemáticos a) Conteúdos de educação matemática para crianças de 0 a 3 anos O RCN (BRASIL, 1998, p. 217) destaca os seguintes conteúdos mate- máticos para essa faixa etária da Educação Infantil. 1. Utilização da contagem oral, de noções de quantidade, de tempo e de espaço em jogos, brincadeiras e músicas junto com o professor e nos diversos contextos nos quais as crianças reconheçam essa utili- zação como necessária. 2. Manipulação e exploração de objetos e brinquedos, em situações organizadas de forma a existirem quantidades individuais suficien- tes para que cada criança possa descobrir as características e pro- priedades principais e suas possibilidades associativas: empilhar, rolar, transvasar, encaixar, etc. – 52 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática b) Conteúdos de educação matemática para crianças de 4 e 5 anos Nessa fase do desenvolvimento, o trabalho pedagógico visa ao apro- fundamento dos conteúdos desenvolvidos na fase anterior e à construção de novos conhecimentos matemáticos. De acordo com o RCN (BRASIL, 1998), os conteúdos estão organiza- dos em três blocos: números e sistema de numeração, grandezas e medidas, espaço e forma, com o intuito de favorecer a organização pedagógica. No entanto, os conteúdos não podem ser trabalhados de forma linear e fragmen- tados e, sim, de forma integrada para que a criança os relacione em situações do dia a dia e os perceba nas atividades do cotidiano. Veja os conteúdos matemáticos indicados nacionalmente para essa fase, com base no RCN e em outros autores que estudam os processos de aprendi- zagem em crianças da Educação Infantil. 1. Números e sistema de numeração • Classificação de objetos e quantidades, identificando e utili- zando diferentes critérios. • Comparação de objetos e quantidades reconhecendo igualda- des e diferenças. • Inclusão hierárquica. • Conservação de quantidades. • Utilização da contagem oral nas brincadeiras e em situações nas quais as crianças reconheçam sua necessidade. • Utilização de noções simples de cálculo mental como ferra- menta para resolver problemas. • Comunicação de quantidades, utilizando a linguagem oral, a notação numérica e/ou registros não convencionais. • Identificação da posição de um objeto ou número em uma série, explicitando a noção de sucessor e antecessor. • Identificação de números nos diferentes contextos em que se encontram. – 53 – Conteúdos matemáticos • Comparação de escritas numéricas, identificando algumas re- gularidades (BRASIL, 1998, p. 219-220). 2. Grandezas e medidas • Exploração de diferentes procedimentos para comparar grandezas. • Introdução às noções de medida de comprimento, massa, ca- pacidade e tempo, pela utilização de unidades não convencio- nais e convencionais. • Marcação do tempo pormeio de calendários. • Experiências com dinheiro em brincadeiras ou em situação do universo das crianças (BRASIL, 1998, p. 225). – 54 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática 3. Espaço e forma • Explicitação e/ou representação da posição de pessoas e obje- tos, utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas brinca- deiras e nas diversas situações nas quais as crianças considerem necessária essa ação. • Exploração e identificação de propriedades geométricas de ob- jetos e figuras, relacionadas ao universo da criança. • Representações bidimensionais e tridimensionais de objetos. • Identificação de pontos de referências para situar-se e deslo- car-se no espaço. • Descrição e representação de pequenos percursos e trajetos, observando pontos de referência (BRASIL, 1998, p. 229). Dessa forma, as práticas pedagógicas devem garantir às crianças experi- ências que recriem contextos significativos, que propiciem o desenvolvimento de “relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais”. (BRASIL/MEC, 2010, p. 25-26). 4.2 Anos iniciais do Ensino Fundamental Na perspectiva de desenvolver um trabalho pedagógico que vise à inter- -relação entre os conteúdos, rompendo com o excesso de linearidade, frag- mentação, como se os conteúdos fossem colocados em degraus diferenciados e, muitas vezes, isolados e sem significado. Machado (1993, p. 31) propõe que: – 55 – Conteúdos matemáticos Conhecer, é cada vez mais, conhecer o significado, de que significado de A se constrói através de múltiplas relações que podem ser estabe- lecidas entre A e B, C, D, E, X, T, G, K, W, etc., estejam ou não as fontes de relações no âmbito da disciplina que se estuda. Insistimos: não se pode pretender conhecer A para, então, poder-se conhecer B, ou C, ou X, ou Z, mas o conhecimento de A, a construção do signi- ficado de A, faz-se a partir das relações que podem ser estabelecidas entre A e B, C, X, G, ... e o resto do mundo. Portanto, a assimilação/apropriação do conhecimento matemático se dá à medida que a criança constrói e atribui significados aos conceitos, cujos conteúdos se entrelaçam formando uma rede de conhecimento, favorecendo a construção de novas relações e conhecimentos. É dessa forma que os con- teúdos matemáticos devem ser propostos e desenvolvidos na prática pedagó- gica. É evidente que, para efeitos de organização, é necessário selecionar os conteúdos, colocando-os de forma linear. No entanto, a prática pedagógica não pode ser linear e fragmentada. De acordo com os PCN (BRASIL, 1998) e com estudos recentes, pro- postos nos Cadernos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa de Matemática (PNAIC, 2014), os conteúdos historicamente construídos e sis- tematizados podem ser organizados, para efeitos didáticos, em cinco grandes eixos que estruturam os conteúdos a serem abordados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a saber: números e operações; pensamento algébrico; grandezas e medidas; geometria; estatística e probabilidade. 4.2.1 Números e operações O conhecimento numérico desenvolve-se a partir das experiências que o aluno possui, num processo de construção e apropriação, destacando o sig- nificado de cada ideia, registro ou símbolo matemático. Isso ocorre também no desenvolvimento das operações fundamentais. O trabalho se concentra na compreensão dos diferentes significados das ideias, operações e registros e nas relações existentes entre elas, bem como na compreensão, por meio da análise, da reflexão e do compartilhar de ideias dos diferentes tipos de cálcu- los, sejam eles, mentais, aproximados (estimativas) ou exatos, bem como, a valorização no uso da calculadora no espaço educacional e das tecnologias da informação e da comunicação a serviço da Educação Matemática. – 56 – Fundamentos e Metodologia do Ensino de Matemática A resolução de problemas e a construção de significados devem permear o trabalho com os números e as operações fundamentais, de modo a garantir o direito de aprendizagem dos alunos em relação à compreensão dos Siste- mas de Numeração utilizados na sociedade contemporânea, assim como, as operações fundamentais, valorizando a diversidade de cálculos, as múltiplas aplicações e as diferentes estratégias de resolução. 4.2.2 Pensamento algébrico O pensamento algébrico procura desenvolver uma “série de habilidades que, de alguma forma, já constam nos outros eixos, seja no reconhecimento de padrões numéricos e na realização de determinados tipos de problemas, dentro do eixo de números e operações, seja no reconhecimento de padrões geométricos e de clas- sificação, presentes no eixo geometria.” (BRASIL/MEC/PNAIC, 2014, p. 50). Dessa forma, destaca-se a importância de dar visibilidade, a partir desse eixo, no trabalho pedagógico com as abstrações e as generalizações, conforme expressa Kaput (1999, p.134-135, in Van de Walle, 2009, p. 288) ao se referir ao pensamento algébrico como algo que “envolve generalizar e expressar essa generalização usando linguagens cada vez mais formais, onde a generalização se inicia na aritmética, em situações de modelagem, em geometria e virtualmente em toda a matemática que pode ou deve aparecer nas séries elementares.” Nesse sentido, Van de Wallle (2009, p. 288) destaca que os raciocínios algébricos estão nas generalizações da aritmética e nos padrões presentes em toda a matemática; no uso significativo dos simbolismos; no estudo das estru- turas que formam o Sistema de Numeração Decimal; no estudo de padrões e funções e nos processos de modelagem. Assim sendo, procura-se garantir o direito de aprendizagem dos alunos em desenvolver, gradativamente, a linguagem abstrata, simbólica e de genera- lização do conhecimento matemático. 4.2.3 Geometria O conhecimento geométrico surge, historicamente, de fenômenos empíricos que se destacam em ações de percepção, construção e represen- tação, tornando-se, dessa forma, valioso instrumento entre a linguagem do cotidiano e o formalismo matemático. – 57 – Conteúdos matemáticos Assim, o estudo do espaço geométrico e das formas parte do que é per- cebido ao que é concebido, isto é, realiza-se por meio da percepção das for- mas geométricas básicas e de suas características, desenvolvendo assim, um tipo especial de pensamento que permite ao aluno, compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive. Dessa forma, o aluno desenvolve e estabelece relações entre o pensar e o raciocinar sobre formas, figuras, espaços e representações. O estudo da Geometria pode ser pensado a partir de dois grandes aspec- tos: “o primeiro é relativo à localização e movimentação e o segundo trata das formas geométricas”. (BRASIL/MEC/PNAIC, 2014, p. 51). Diante disso, destaca-se a importância de permear o trabalho peda- gógico da Geometria com problematizações variadas, contribuindo com o desenvolvimento das habilidades relacionadas à Resolução de Problemas. A Geometria contribui também, no estudo e na compreensão de números, medidas, pensamento algébrico, pois estimula o aluno a observar, a perceber semelhanças e diferenças, a identificar regularidades, a perceber representa- ções simbólicas, entre tantas outras habilidades. 4.2.4 Grandezas e medidas O conhecimento dos conteúdos relacionados a Grandezas e Medidas se dá com certa facilidade, em razão de sua forte relevância social, seu caráter prático e utilitário e pela possibilidade de variadas conexões com outras áreas do conhecimento. As medidas estão presentes nas mais diversas situações e atividades exercidas na sociedade. Desse modo, desempenham papel impor- tante nas experiências e aprendizagens escolares, pois evidenciam a utilidade do conhecimento matemático no cotidiano. Partindo-se dessa forma de ver e pensar esse campo da matemática, enfa- tizamos que, “grandezas
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