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Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG “A reforma” Conceituar saúde mental CONCEITO ATUAL E PRÉVIOS A loucura ou insanidade é segundo a psicologia uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados anormais pela sociedade ou a realização de coisas sem sentido. É resultado de algum transtorno mental. A verdadeira constatação da insanidade mental de um indivíduo só pode ser feita por especialistas em psicopatologia. Algumas visões sobre loucura defendem que o sujeito não está doente da mente, mas pode simplesmente ser uma maneira diferente de ser julgado pela sociedade. Na visão da lei civil, a insanidade revoga obrigações legais e até atos cometidos contra a sociedade civil com diagnóstico prévio de psicólogos, julgados então como insanidade mental. Na profissão médica, o termo é agora evitado em favor de diagnósticos específicos de perturbações mentais, a presença de delírios ou alucinações é amplamente referida como a psicose.[1] Quando se discute a doença mental, em termos gerais, psicopatologia é considerada uma designação preferida. Entender os marcos históricos brasileiros e mundiais, e principais motivos que levaram à reforma psiquiátrica Até a entrada de medicamentos específicos para problemas psiquiátricos no mercado, o que se via em termos de tratamento eram cenas de horror. De acordo com a revista Scientific American Brasil, os primeiros registros de transtornos mentais surgiram por volta do ano 1000 a.C., nos livros do Antigo Testamento. O termo genérico empregado nesses casos era loucura, sempre com conotação de fúria e raiva. Até o século XVIII, esses problemas eram vistos como conseqüência de lesão craniana, possessões demoníacas e até abuso de vinho, e eram tidos como incuráveis. O pioneiro nos tratamentos psiquiátricos foi o médico francês Philippe Pinel (1745-1826). Ele acreditava que as doenças mentais eram resultados ou de tensões sociais e psicológicas excessivas, de causa hereditária, ou ainda originadas de acidentes físicos. Pinel foi também o primeiro a distinguir vários tipos de psicose. Buscou ainda tratamento humanizado aos pacientes. No entanto, mesmo com todos os esforços de Pinel, os doentes mentais continuaram a enfrentar terapias cruéis nos séculos seguintes. No eletrochoque (século XIX), a eletricidade era usada para produzir contração muscular e – acreditava-se – ajudava a curar doenças emocionais e nervosas. Também se recorria à hidroterapia, na qual o paciente era afundado na água. No século XX foi criado um dos tratamentos mais controversos da história da psiquiatria: a lobotomia. Introduzida em 1935 pelo médico português Egas Moniz, consistia em uma intervenção cirúrgica no cérebro (psicocirurgia), na qual eram seccionadas as vias que ligam as regiões pré-frontais e o tálamo (um importante centro coordenador das funções cerebrais). O eletrochoque ainda é utilizado em alguns casos restrtiros, como depressão muito grave extrema agitação e tendências suicidas. O procedimento é feito em centro cirúrgico e com anestesia. Atualmente, esse tratamento é chamado de eletroconvulsoterapia (ECT) sendo indicada apenas para transtornos obsessivos-compulsivos graves e consiste na interrupção de vias nervosas responsáveis pelo comportamento obsessivo. Foi com o surgimento do primeiro antipsicótico, a clorpromazina, em 1952, que o controle de transtornos psiquiátricos se tornou possível e o emprego da psicocirurgia e do eletrochoque caiu em desuso. Este medicamento revolucionou o tratamento das psicoses, especialmente da esquizofrenia, reduzindo vários sintomas como alucinações e delírios. Em 1959 surgiram os antidepressivos, drogas que melhoram o humor ao atuar sobre os neurotransmissores, 'mensageiros' químicos que favorecem a comunicação entre as células do sistema nervoso. Desde então não houve mais revolução na área, mas uma evolução dos medicamentos usados para transtornos psiquiátricos. Uma amostra dessa evolução apareceu no fim dos anos 80, com a fluoxetina, um antidepressivo capaz de provocar menos efeitos colaterais que os demais. Artigo: A importância em se conhecer as formas históricas do conceito de loucura reside na possibilidade de se poder desnaturalizar as concepções e refletir acerca da prática que são realizadas hoje na assistência às pessoas em sofrimento mental. A sociedade ocidental contemporânea produz e naturaliza uma visão do sofrimento psíquico como objeto de intervenção da ciência, seja ela médica ou de outras práticas “psi”. Nesse paradigma, o sofrimento psíquico recebe o rótulo de “doença mental”, com quadros nosológicos claramente delimitados. O objetivo final, ou seja, a cura, pode até ser conceituado de maneiras diferentes, mas, raramente, escapa à noção de (re)adaptação a um mundo do qual ele não faz parte ou ao qual se mostra estranho. Sabe-se que essa visão de mundo arvora-se em ser “A Verdadeira” e que já foi assimilada a tal ponto que se corre até mesmo o risco do ridículo se tentar apresentar os fatos sob outra ótica. Entretanto, a história mostra que nem sempre foi assim: loucura, alienação, doença mental, transtorno mental, sofrimento psíquico não foram pensados de maneira uniforme nem ao longo da história, nem no mesmo espaço temporal. Vale destacar ainda que a forma como a experiência com a loucura vai sendo conceituada influencia diretamente os espaços e as práticas destinadas a ela. Sendo assim, essa reflexão visa reconstruir a trajetória da percepção da loucura desde a Grécia Antiga até os dias atuais, enfocando, principalmente, os períodos onde ocorreram mudanças significativas na forma de se perceber e atuar perante essa experiência. LOUCURA NA GRÉCIA ANTIGA: A DESRAZÃO VALORIZADA https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Mente https://pt.wikipedia.org/wiki/Homem https://pt.wikipedia.org/wiki/Normalidade_(comportamento) https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade https://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_mental https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicopatologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Civil https://pt.wikipedia.org/wiki/Insanidade https://pt.wikipedia.org/wiki/Del%C3%ADrio https://pt.wikipedia.org/wiki/Alucina%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicose https://pt.wikipedia.org/wiki/Loucura https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicopatologia Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG A desrazão é entendida como tudo aquilo que uma sociedade enxerga como sendo seu “outro”: a estranheza, a ameaça, a alteridade radical(1). Essa dimensão pode ser identificada em diversas épocas e, inclusive, pode ser percebida como essencial nas mais variadas formações histórico-sociais. Entretanto, apesar desse lugar de exclusão sempre ter existido, nem sempre coube ao louco a tarefa de representar a desrazão. Inicialmente, por mais que pareça estranho aos olhos de hoje, pode-se afirmar que a experiência com a loucura nem sempre foi considerada algo negativo, muito menos uma doença. Pelo contrário, na Grécia antiga ela já foi considerada até mesmo um privilégio. Filósofos como Sócrates e Platão ressaltaram a existência de uma forma de loucura tida como divina e, inclusive, utilizavam a mesma palavra (manikê) para designar tanto o “divinatório” como o “delirante”(1). Era através do delírio que alguns privilegiados podiam ter acesso a verdades divinas. Isso não quer dizer que essas pessoas fossem consideradas normais ou iguais, mas que eram portadoras de uma desrazão, a qual, apesar de habitar a vizinhança do homem e do seu discurso, precisava ser mantida numa distância, separando o sagrado das experiências terrenas: “A loucura não é o Outro do homem (do qual ele possa se assenhorar), mas simplesmente o Outro”(1). Este “Outro” ocupa o lugar de uma alteridade radical e exterior ao sujeito e alheia a qualquer tentativa de apropriação. Não pode ser considerado como uma outra faceta do mesmo, mas encarna uma diferença impossível de ser apreendida. Essa relação entre experiência mística e consciência crítica vai prevalecer por muito tempo e, somente no período conhecido comoAntigüidade Clássica, vai se dissolver. ANTIGÜIDADE CLÁSSICA: O ROMPIMENTO ENTRE OMÍSTICO E O RACIONAL Paulatinamente, a loucura vai se afastando do seu papel de portadora da verdade e vai se encaminhando em uma direção completamente oposta. Na fascinante obra intitulada História da Loucura, pode-se perceber como esse corte entre misticismo e razão pode ser percebido em vários âmbitos da experiência humana. Um dos exemplos abordados na obra é a descrição de como se deu esse rompimento no espaço das artes, através da crescente dissociação entre imagem e escrita, observada nesse período. Com o fim do simbolismo gótico, a imagem é liberada da sabedoria e da lição que a ordenavam e começa a gravitar ao redor de sua própria loucura, através de abundância de significações, de multiplicação do sentido por ele mesmo: “o sentido não é mais lido numa percepção imediata, a figura deixa de falar por si mesma. Entre o saber que a anima e a forma para qual se transpõe, estabelece-se um vazio. Ele está livre para o onirismo”(2). Na pintura, pode-se destacar obras como a Nau dos Loucos, a Tentação de Lisboa e o Jardim das Delícias, as quais mostram animais, caras grotescas, pássaros de pescoço alongado. Esses elementos fascinam o espectador, encarnando a loucura em forma de tentação, expondo o mundo com tudo que nele existe de impossível, de fantástico, de inumano. As imagens, ainda que carregadas de fantasmas, exercem sobre o homem do século XV mais poderes de atração do que a realidade(2). Por outro lado, na produção escrita do mesmo período, a loucura atrai, mas não fascina: “enquanto Bosh, Brughel e Dürer eram espectadores terrivelmente terrestres, e implicados nessa loucura que viam brotar à sua volta, Erasmo observa-a a uma distância suficiente para estar fora de perigo; observa-a do alto do seu Olimpo, e se canta seus louvores é porque pode rir dela com o riso inextingüível dos deuses”(2). Assim, essa brecha entre experiência mística e consciência crítica foi aberta durante a Renascença e nunca mais deixou de se abrir, acentuando um vazio entre o trágico e o crítico que nunca mais será preenchido. A loucura já não é mais porta- voz da verdade divina e em pouco tempo passará a ocupar o lugar de representante simbólico do mal. IDADE MÉDIA: SAI O LEPROSO, ENTRE O LOUCO Até o final da Idade Média, aquele espaço da alteridade radical, referido anteriormente no início do texto, era representada pelo leproso. Encarnando o mal e representando o castigo divino, a lepra se espalha rapidamente causando pavor e sentenciando seus portadores à exclusão. Entretanto, com o fim das Cruzadas e a ruptura com os focos orientais de infecção, a lepra retira-se, deixando aberto um espaço que vai reivindicar um novo representante. Alguns séculos depois, essas estruturas de exclusão social passam a ser ocupadas pela figura do louco. Apesar de se perceber que desde a Idade Média já existiam mecanismos de exclusão do louco, ainda não é aí que a loucura vai ser percebida como um fenômeno que requeira um saber específico, pois os primeiros estabelecimentos criados para circunscrever a loucura destinavam-se simplesmente a retirar do convívio social as pessoas que não se adaptavam a ele. Somente no próximo período histórico é que se transformará essa relação. SÉCULO XVIII: A LOUCURA COMO OBJETO DO SABER MÉDICO marcar a apreensão do fenômeno da loucura como objeto do saber médico, caracterizando-o como doença mental e, portanto, passível de cura(3). É o Século das Luzes, onde a razão ocupa um lugar de destaque, pois é através dela que o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade. Ocorre valorização do pensamento científico e é em meio a esse contexto que ocorre o surgimento do hospital como espaço terapêutico. Entretanto, deve-se ter cuidado ao imprimir a esse acontecimento uma ótica humanitária e altruísta, pois essa medicalização do hospital não se deu visando “uma ação positiva sobre o doente ou a doença, mas simplesmente uma anulação dos efeitos negativos do hospital”(3). Para garantir seu funcionamento, o modelo hospitalar necessitava da instauração de medidas disciplinares que viessem garantir a nova ordem. Assim, surge uma arte de delimitação desse espaço físico, onde são fundamentais os princípios de vigilância constante e registro contínuo, de forma a garantir que nenhum detalhe escape a esse saber(3). Dentro desse espaço esquadrinhado, percebe-se uma institucionalização das relações lá exercidas, tornando-se um mundo à parte, afastando cada vez mais o indivíduo de suas relações exteriores. O discurso que alimenta esse sistema percebe os loucos como seres perigosos e inconvenientes que, em função de sua “doença”, não conseguem conviver de acordo com as normas sociais. Retira-se, então, desse sujeito todo o saber acerca de si próprio e daquilo que seria sua doença, ao mesmo tempo em que se delega esse saber ao especialista. PÓS-GUERRA: MOMENTO PROPÍCIO PARA REFORMAS Somente no período pós-guerra desponta um cenário propício para o surgimento dos movimentos reformistas da psiquiatria na contemporaneidade. Começam a surgir, em vários países, questionamentos quanto ao modelo hospitalocêntrico, apontando para a necessidade de reformulação. Alguns desses movimentos colocavam em questão o próprio dispositivo Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG médico psiquiátrico e as instituições a ele relacionadas, como exemplo, a experiência de Franco Basaglia nas cidades italianas de Gorizia e Trieste, as quais tinham como principal referência a defesa da desinstitucionalização(4). Uma importante questão nessa concepção de reforma diz respeito ao conceito de “doença mental”, o qual passa a ser desconstruído para dar lugar a nova forma de perceber a loucura enquanto “existência-sofrimento” do sujeito em relação com o corpo social(5). A reforma psiquiátrica brasileira encontra seus principais fundamentos teóricos nessa concepção, propondo-se a seguir a visão teórica adotada na reforma italiana. Entretanto, vale ressaltar que o processo histórico do lidar com a loucura no Brasil teve peculiaridades que o distinguem bastante daquele observado na Europa. A atenção específica ao doente mental no Brasil teve início com a chegada da Família Real. Em virtude das várias mudanças sociais e econômicas ocorridas e para que se pudesse ordenar o crescimento das cidades e das populações, fez-se necessário o uso de medidas de controle, entre essas, a criação de um espaço que recolhesse das ruas aqueles que ameaçavam a paz e a ordem sociais(4). Posteriormente, em 1852, é criado o primeiro hospício brasileiro. Tendo o hospital psiquiátrico como cenário e o isolamento como principal técnica, o psiquiatra passou a necessitar de um profissional que servisse de vigilante e, ao mesmo tempo, seguisse suas instruções quanto ao tratamento: “o ‘enfermeiro’ é um agente situado entre o guarda e o médico do hospício, devendo estabelecer entre aquele e o doente a corrente do olhar vigilante”(6). Assim, no ano de 1890, foi criada a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras visando sistematizar a formação de enfermeiros para atuarem no espaço asilar. Num país subdesenvolvido, com um modelo de assistência à saúde centrado na prática curativa e assistencialista, foi fácil transformar a doença mental em mercadoria rentável. Ao se associar a lógica do capital (lucro) à lógica do modelo manicomial (poder disciplinar), não fica difícil perceber que a “assistência” limitava-se ao mínimo que fosse preciso para manter os loucos sob dominação, sem precisar gastar muito. Na década de 70, não suportando a busca desenfreada pelo lucro dos empresários da saúde, a previdência social entra em crise, mostrando a ineficiência desse modelo e apontando para a necessidade de reformulação. Vale ressaltar que esses questionamentos vieram à tona em meio a um quadro político e econômico específico, caracterizado pelo fim do “milagre econômico”. Ocorre abertura gradual após anos de ditadura, permitindo a entrada em cena de novos atores, dando vez à manifestaçãodas críticas e denúncias dos trabalhadores de saúde mental e outros setores da sociedade civil contra a precária assistência prestada aos doentes mentais(7). Em continuidade a esse processo, foram realizadas em 1987, 1992 e 2001, as Conferências Nacionais de Saúde Mental, que possibilitaram a delimitação dos objetivos da reforma psiquiátrica brasileira atual e a proposição de serviços substitutivos ao modelo hospitalar. Dentre os marcos conceituais desse processo destacam-se o respeito à cidadania e a ênfase na atenção integral, onde o processo saúde/ doença mental é entendido dentro de uma relação com a qualidade de vida(8). Atualmente, observa-se significativo avanço na implantação das propostas da reforma psiquiátrica brasileira. Entretanto, essas conquistas não têm se dado de forma homogênea por todo país. Em vários espaços ainda se enfrentam fortes obstáculos como, por exemplo, a falta de decisão política de alguns gestores públicos e as resistências por parte dos donos de hospitais que não querem perder um negócio lucrativo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este texto realizou uma reflexão teórica como se deu historicamente a percepção e conceituação da experiência com a loucura e, conseqüentemente, das formas de agir perante ela. Como se pode perceber, a construção histórica desse objeto é permeada por transformações profundas, dependendo da época em que é analisado. Atualmente, vivencia-se mais um momento fértil em possibilidades de mudanças devido a alguns avanços já conquistados. Entretanto, entende-se que esse processo não pode ser pensado como simples modificações de estruturas físicas. É preciso, antes de tudo, que se execute uma reelaboração de concepções, de dispositivos e das formas encontradas para que se possa relacionar com a loucura. Caso contrário estar-se-á apenas repetindo as relações manicomiais em outros espaços. Nessa perspectiva, é importante conhecer o processo de construção histórica da loucura para que se possa desnaturalizar conceitos e ser, então, e ter a capacidade de reconstruí-los sob uma ótica mais comprometida com os interesses daqueles a quem se presta assistência. Conhecer as principais mudanças que vieram com a reforma psiquiátrica no Brasil Histórico da Reforma: (I) crítica do modelo hospitalocêntrico (1978-1991) O ano de 1978 costuma ser identificado como o de início efetivo do movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento plural formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, surge neste ano. É sobretudo este Movimento, através de variados campos de luta, que passa a protagonizar e a construir a partir deste período a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e a construir coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. A experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas, como, por exemplo, na Colônia Juliano Moreira, enorme asilo com mais de 2.000 internos no início dos anos 80, no Rio de Janeiro. Passam a surgir as primeiras propostas e ações para a reorientação da assistência. O II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), em 1987, adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro). Neste período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção, em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. É esta intervenção, com repercussão Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG nacional, que demonstrou de forma inequívoca a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Neste período, são implantados no município de Santos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações. A experiência do município de Santos passa a ser um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. Trata-se da primeira demonstração, com grande repercussão, de que a Reforma Psiquiátrica, não sendo apenas uma retórica, era possível e exeqüível. Também no ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo. Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”. Histórico da Reforma: (II) começa a implantação da rede extra-hospitalar (1992-2000) A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. É a partir deste período que a política do Ministério da Saúde para a saúde mental, acompanhando as diretrizes em construção da Reforma Psiquiátrica, começa a ganhar contornos mais definidos. É na década de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Neste período, o processo de expansão dos CAPS e NAPS é descontínuo. As novas normatizações do Ministério da Saúde de 1992, embora regulamentassem os novos serviços de atenção diária, não instituíam uma linha específica de financiamento para os CAPS e NAPS. Do mesmo modo, as normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos não previam mecanismos sistemáticos para a redução de leitos. Ao final deste período, o país tem em funcionamento 208 CAPS, mas cerca de 93% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental ainda são destinados aos hospitais psiquiátricos. A Reforma Psiquiátrica depois da lei Nacional (2001 -2005) É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no texto normativo. Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim, a promulgação da lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da realização da IIIConferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade. Linhas específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos são criados para afiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no país. A partir deste ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar, onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente. Neste mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”. Uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos. Realiza-se, em 2004, o primeiro Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, em São Paulo, reunindo dois mil trabalhadores e usuários de CAPS. Este processo caracteriza-se por ações dos governos federal, estadual, municipal e dos movimentos sociais, para efetivar a construção da transição de um modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, para um modelo de atenção comunitário. O período atual caracteriza-se assim por dois movimentos simultâneos : a construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro. É neste período que a Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do governo federal. Existem em funcionamento hoje no país 689 Centros de Atenção Psicossocial e, ao final de 2004, os recursos gastos com os hospitais psiquiátricos passam a representar cerca de 64% do total dos recursos do Ministério da Saúde para a saúde mental. FONTE: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos _Caracas.pdf Elucidar os impasses encontrados desde o ínico da reforma até hoje
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