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Glauber Rocha O Seculo do Cinema

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O SÉCULO DO CINEMA GLAUBER ROCHA
O SÉCULO DO CINEMA GLAUBER ROCHA
Prefácio de Ismail Xavier
 9 PREFÁCIO 
 35 HOLLYWOOD
37 Griffith; 40 Chaplin; 43 Erich von Stroheim; 44 Fritz Lang; 49 Orson 
Welles; 53 William Wyler; 58 Sombras que vivem; 59 Stanley Kramer; 
61 Chá e simpatia; 63 O mito do racismo; 65 O galante vagabundo; 67 
Pregação da violência; 70 Rebelião no presídio; 71 James Dean — O 
anjo e o mito; 73 David Lean; 75 O gênero policial; 77 Graham Greene; 
80 Delinqüência juvenil; 89 Elia Kazan; 92 Encontro com o Diabo; 95 O 
filho nativo; 96 Suspense: Hitchcock e Clouzot; 99 Os temas de denúncia; 
101 A casa dos homens marcados; 102 Tarde demais para esquecer; 102 
Um filme contra a liberdade; 103 As virgens de Salém; 106 John Huston 
— Técnica física e técnica estética; 107 Stanley Kubrick; 114 “Western: 
introdução ao gênero e ao herói”; 115 Rastros de ódio; 118 O cacique 
da Irlanda; 123 Matar ou morrer; 125 Do novo Western; 129 O preço da 
idéia; 133 Um filme genial; 138 From New York to Paulo Francis; 145 Bad 
movie ou saudades do Maciel; 148 Easy Rider; 151 Rei do fumo; 153 
Apocoppolakalypse — Um discurso alienado e alienante sobre a guerra 
no Vietnã
 159 NEO-REALISMO
161 Eyzenstein e a Revolução Soviétyka; 170 Os 12 mandamentos de 
Nosso Senhor Buñuel; 185 A moral de um novo Cristo; 190 Él; 197 Jean 
Renoir 203 O tradicional e o inventivo em René Clair; 206 O neo-realismo 
de Rossellini; 216 Dramaturgia fílmica: Visconti; 221 Forma e sentido do 
cinema; 223 Visconti e os nervos de Rocco; 229 O barroco viscontiano; 
236 Esplendor de um deus; 241 Amigo Visconti; 241 Maestro Visconti; 246 
Zabriskie point; 248 Antonioni; 249 Espaço funeral; 253 Glauber Fellini; 274 
É preciso voltar a Eisenstein; 276 Pasolini; 282 Um intelectual europeu; 283 
O Cristo-Édipo; 286 Gritos e sussurros; 287 Bellocchio e a reconciliação 
dos casais psicanalizados; 290 Novecento 
 301 NOUVELLE-VAGUE
303 Cine Cristo às avessas; 304 Vadim (BB) Vadim; 305 A pele doce do 
amor; 306 Alphaville; 308 Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não, está 
por fora); 313 O último escândalo de Godard; 319 Tudo bem; 320 Paso 
sado mazo zalo; 325 A passagem das mitologias
 
 337 APÊNDICE
 343 O novo cinema no mundo; 352 Neo-realismo: inspiração falida; 356 
Concluindo sobre neo-realismo; 359 Alphaville; 363 Você gosta de Jean-
Luc Godard? (Se não, está por fora)
 375 FORTUNA CRÍTICA
 379 Nota de apresentação da edição de 1983 [Orlando Senna]; 379 Nem de 
deus nem do diabo [José Carlos Avellar]; 383 Glauber vê o cinema [Pedro 
Karp Vasquez]; 384 O século do cinema em discussão [Rogério Sganzerla]; 
386 Câmera e idéias [Paulo Leminski]
 389 FONTES
 393 ÍNDICE REMISSIVO
8
IMAGENS DAS PÁGINAS DE ABERTURA
[p. 2] Glauber e Rossellini em Cannes,1969; [p. 3] Renoir e Glauber em Montreal,1967; 
[p. 4] Buñuel e Glauber em Veneza,1967; [p. 5] Fritz Lang e Glauber em Montreal,1968. 
9
PREFÁCIO
A CARNE E O ESPÍRITO: ESTAR INTEIRO NA SITUAÇÃO
Ao examinar artigos que Glauber Rocha escolheu para compor este livro, 
nossa primeira tentação é cotejar o estilo de sua crítica com os traços gerais 
daquela postura hegemônica durante os anos de sua formação como ciné-
filo, escritor e cineasta: a da “política dos autores” liderada pelo Cahiers du 
Cinéma. De fato, não se pode descartar a presença dessa cultura das revistas 
francesas no jovem Glauber, mas é preciso observar que tal relação é me-
diada pelo seu diálogo com críticos brasileiros nem sempre alinhados a tal 
política ou às avaliações que ela trazia. Tal diferença se pode ver no conjunto 
de interlocutores formado, pelo menos, por Walter da Silveira, Paulo Emílio 
Sales Gomes, Alex Viany, José Lino Grunewald e Cyro Siqueira.
Havia no Brasil inflexões ideológicas distintas, e invenções da crítica que 
Glauber capturou de forma precoce para construir o seu ponto de vista, de-
finir uma personalidade forte de escritor que experimenta e revê posições 
sem diluir o seu trajeto. Desde cedo, teve consciência aguda do lugar de 
onde falava e das respostas que devia dar ao seu contexto sem ser provincia-
no no modo de intervir nos debates mais amplos da cultura cinematográfica. 
Suas intuições estéticas e suas convicções políticas ganharam expressão no 
detalhe de sua fraseologia, evidenciando um crítico e cineasta atormentado 
pelo imperativo de intervenção, empenhado em articular a invenção formal 
como gesto político e a militância ideológica como fato de estilo. 
10
Para Glauber, o social é um campo de batalha em que tudo se conecta 
— a estética, a moral e a política — de modo a revelar confrontos e alianças, 
sacrifícios e traições, deuses e diabos. No balanço das forças, o valor de cada 
cineasta se decide pelo modo como suas ações e opiniões vêm a compor um 
perfil e um caráter, uma articulação de traços pessoais que às vezes ganham 
sínteses originais: Erich von Stroheim é a inspiração embebida de violência 
e saudade; John Ford, o cacique da Irlanda; Stanley Kubrick, o que reúne a 
expressão fílmica pura e a voz indignada. Federico Fellini, o maior fenômeno 
da Imaginação Viva. Sergei Eisenstein é o menino que não encontrou seu alter 
ego, e ninguém depois dele foi tão cinematográfico quanto Orson Welles. 
No grande teatro da história, o jogo é de contrapontos. O estilo monumen-
tal de David W. Griffith se opõe à comédia humana do iluminado Chaplin; Elia 
Kazan é o cineasta que pagou o preço da traição; Laszlo Benedek é “o que 
rompeu com o teatro de Kazan”. A coragem do diretor-produtor Stanley Kra-
mer contrasta com o oportunismo de diretores como Robert Rossen e Edward 
Dmytryk, os que fazem “filmes falsos para temas agudos”. À postura “imperia-
lista e arrogante” de Francis Ford Coppola, Glauber contrapõe a simplicidade 
do cinema clássico liberal de John Ford e Howard Hawks; ao trágico James 
Dean, o reacionário Marlon Brando; à grandeza da comédia de Frank Capra, 
o subhumor de Jerry Lewis e Bob Hope. Haverá o primeiro Ingmar Bergman 
contra o segundo, de Persona; e haverá um Pier Paolo Pasolini, de O Evange-
lho segundo São Mateus, contra o outro, de As mil e uma noites. Acima desses 
pares de opostos, reina a liberdade de Luis Buñuel, a grandeza de Luchino 
Visconti e o espanto de Roberto Rossellini, o papa do cinema moderno que 
encontrou em Jean-Luc Godard o filho angustiado que trouxe as interrogações 
do pai para o terreno da própria fatura do cinema. Godard é o irmão pouco à 
vontade consigo mesmo que Glauber admira e descreve com simpatia como 
a consciência lúcida de um continente cansado, carente de energia, fé religiosa, 
povo e periferia. 
Política dos autores? sim, mas em estilo próprio, sem assumir o postulado 
de unidade como um absoluto. Longe de estável ou sempre idêntica, a figura 
do autor permanece como idéia reguladora que sofre crises e mutações, su-
jeita à diversidade dos juízos. Estes dependem, mais do que de conjunturas, 
do eixo escolhido para os confrontos onde ganham enorme peso os traços 
nacionais, os alinhamentos políticos, a pertinência do cineasta a um dos pó-
los da triangulação entre Europa, Estados Unidos e Terceiro Mundo, ou a sua 
inserção em um dos amálgamas culturais que, no vocabulário de Glauber, se 
11
definem como paganismo, “latinidade”, “inconsciente oriental da Itália”, “san-
gue básico americano” ou outras totalizações que ele assume num tom subs-
tancialista hoje estranho, que vale como documento de formação e como traço 
do seu estilo vulcânico, sincopado, sem vocação para o copy desk e impregna-
do de oralidade, que solicita a leitura apoiada na força do ritmo, mais do que 
na precisão sintática. 
Há o Glauber cinéfilo, esteta exigente vivamente expresso em sua intimida-
de com a forma do cinema e na sua paixão pelo detalhe, seja diante do cinema 
clássicoamericano, seja diante dos filmes europeus de sua preferência. No 
entanto, o modo como expressa seu juízo sobre autores e obras está em rela-
ção direta com outros aspectos da experiência. A avaliação de cada cineasta 
não esconde o plano da vida, o papel de cada um dentro do jogo maior de 
poderes que regula as relações sociais. Em particular, vale o teste do encon-
tro pessoal, presente neste livro de reportagens/entrevistas com os cineastas, 
lugar de entusiasmo e empatia, como nos casos de Buñuel, John Ford, Fritz 
Lang e Bernardo Bertolucci, ou de desconcerto e embaraço, como acontece 
na conversa com Elia Kazan, notável no que revela de tensões entre impulsos 
contrários gerados pelo contato direto com aquele que foi o alvo maior dos 
seus ataques. 
A política é um ponto decisivo, algo que impregna o ar que se respira e 
que se estende do grande evento social ao pormenor de cada dia, da carreira 
do homem de Estado à vida do artista, do artigo de lei à dramaturgia da lente 
zoom num filme de Luchino Visconti. Há política na busca do imponderável 
feita por Orson Welles, o que soube encenar os poderes, e há política na in-
clinação eisensteiniana para os gráficos e para a “geometria dos processos 
temporais”; como há também política na poesia nervosa de Godard quando 
este faz o máximo de coisas no mínimo de tempo, saturando imagem, texto e 
som, capturando o espectador em seu dispositivo fascinante que flutua sem-
pre “entre-dois”, como o dirá de forma mais direta Gilles Deleuze nos anos 80. 
Para Glauber, tal “entre-dois” é uma “forma poética do desespero” bem própria 
a este “suíço mineral e romântico” ao mesmo tempo. 
Porque pertinente em todos os casos, a política complica em vez de sim-
plificar, se o crítico não quiser ser dogmático e sem interesse. Há muito o que 
dizer sobre isto, como se poderá ver adiante no que Glauber observa sobre o 
western e o filme de gangster, mas uma primeira linha de observação deriva 
de sua defesa de Welles, Eisenstein, Godard e Michelangelo Antonioni, cineas-
tas que atestam a sua identificação com os acusados de formalismo por uma 
12
esquerda que cobrava dos italianos a continuidade do neo-realismo, e dos de-
mais uma pedagogia dos mecanismos sociais empobrecedora da leitura do 
cinema de Welles, o grande encenador da tragédia do Capital, e da leitura da 
obra de Rossellini, o que criou o “novo método de captar o real no seu fluir”. 
Se o cineasta italiano minimiza o close-up, isto é política, porque ele busca 
experiências que condensam um momento histórico, conectando sentimentos 
e crise social, investigação e reflexão. O estilo, neste caso, não resulta da pura 
contemplação; ele vem da carne. É um envolvimento total com o mundo que, 
de imediato, se manifesta na relação do cineasta com quem está à sua volta e 
ao seu alcance, postura que deve contaminar o próprio crítico cuja tarefa tam-
bém envolve razão, corpo e afeto. Há que se identificar semelhanças e oposi-
ções, fazer concatenações lógicas, mas é o conjunto que define o juízo, como 
se pode ver nas comparações que o crítico faz entre filmes ou cineastas, sem-
pre apoiado na atenção aos desempenhos (que não se reduzem à figura do 
diretor) e às qualidades formais, com freqüente destaque às passagens mais 
marcantes. Tais “seqüências de grande cinema” são decisivas, a par do tema 
e do sentido geral de uma obra ou de um gênero. Mas a defesa do primado 
da forma e do estilo não se faz, na crítica de Glauber, em nome da arte e suas 
regras intrínsecas, pois tudo resulta do corpo a corpo com a vida e a história. 
Sempre encarnada, a arte não permite separar percepção e desejo, talento 
e paixão. Em especial, o cinema que é uma arte impura, para lembrar e deslo-
car a fórmula de André Bazin. Digo deslocar porque a impureza aqui não é ape-
nas uma contaminação recíproca das formas de expressão (o cinema trazendo 
dentro de si o que lhe é exterior entre as formas da cultura); ela deriva da 
presença direta da carne na sua constituição, pois fazer filmes envolve a inte-
ração direta entre corpos e olhares — aqui, a busca da forma e da beleza se dá 
através de jogos de poder e de sedução que envolvem os que dirigem e os que 
atuam, os que fotografam e os que oferecem o corpo à objetiva da câmera. 
Como crítico Glauber envolve este movimento político de tornar explícita a 
dimensão corporal, intersubjetiva, presente em nossa relação com o filme e, 
ponto mais delicado, essencial no processo de trabalho do cineasta, algo que, 
em texto recente, Alain Bergala acentuou: “O cinema colocou de forma total-
mente nova e inédita, na história das artes, a relação entre a criatura imaginária 
(aquela que o criador, para resumir, tem na cabeça), a criatura real (esta que os 
pintores e fotógrafos chamam de modelo) e a criatura inscrita na obra (a figura, 
a personagem encarnada no filme). A teoria não abordou jamais frontalmente 
esta questão óbvia, pois lhe parecia impura; no entanto, ela é constitutiva do 
13
cinema, pois o que vemos na tela jamais resulta apenas da enunciação abstra-
ta, mas sempre também, e fisicamente, de uma relação criador-criatura sem 
escapatória e sem equivalente em outra arte. Relação intersubjetiva onde entra 
em jogo toda a gama dos afetos, emoções e pulsões humanas”.1
Tal dimensão afetiva, carnal, está lá presente em passagens do crítico 
Glauber e ganha formulação telegráfica em frases como “Ninetto est acteur 
amant de Pasolini”, “La passion de Godard pour Jean-Paul Belmondo trans-
forme la femme en père destructeur (À bout de souffle & Pierrot le Fou). La 
passion de Bertolucci pour Marlon Brando est un crime puni par Maria Sch-
neider, travesti krystedipe violée par le mythe”.2 “Fellini é um rejeitado, Eu 
Fellini não sou Anita Ekberg. Desta frustração nasce Guido, mais bonito que 
Anita Ekberg. Fellini justifica Marcuse no caso de ser melhor artista porque é 
pulsionado pelo sexo felino.”3 
As pulsões e os afetos são onipresentes e marcam o estilo de Glauber, de 
começo a fim, para além das diferenças que são claras entre o jovem dos anos 
50 e o cineasta experiente dos anos 70. Em nenhum momento ele esconde as 
suas afinidades eletivas ou seus desafetos, como vemos na diferença de tom 
com que se refere a duas superproduções. Apocalipse Now é discurso aliena-
do, fruto do imperialismo maniqueísta, pois desloca as verdadeiras questões e 
faz tudo convergir para a encarnação do Mal absoluto em Kurtz, personagem 
da “literatura colonialista” (Glauber é aqui, sem dúvida, redutor no ataque a Jo-
seph Conrad).4 Novecento é a ópera esplendorosa e a coreografia das bandei-
ras vermelhas que, apesar do toque convencional, recolhe os ecos da amizade, 
antes sem dúvida mais tranqüila, de Glauber pelo jovem autor talentoso de An-
tes da Revolução, quando Bernardo era o “Jean-Luc da Itália”. Ou seja, em 1976, 
embora um “star do sistema imperialista”, Bertolucci ainda recebe a adesão do 
1 Ver Alain Bergala, “De l’impureté ontologique des créatures du cinéma”, em Trafic, n. 50, verão 
2004, p. 23. Trata-se de número especial com respostas de críticos e cineastas à indagação: “O que 
é o cinema?”. 
2 Ver p. 265 infra.
3 Sobre Fellini, ver “Glauber Fellini”, pp. 253-74 infra.
4 Claro que vale aqui, no texto de Glauber, o tom da polêmica em estilo telegráfico. Neste sentido, 
digo “redutor”, não para negar a presença de uma dimensão imperialista na novela de Conrad, 
mas para lembrar que a questão é mais complexa e tem outras dimensões que a envergadura do 
escritor soube muito bem levar em conta, como observa Edward Said em Cultura e Imperialismo, 
trad. de Denise Bottman (São Paulo: Companhia das Letras, 1995).
14
crítico. O afeto vale também na alteração do ponto de vista diante da obra de 
Fellini, cineasta a quem Glauber termina, em 1977, por consagrar. Em notável 
texto, faz uma ode à imaginação e ao mágico do circo, temperando seu elogio 
com a homenagemao Padre Arpa, o coordenador do Instituto Colombianum, 
de papel decisivo na “conquista” da Europa pelo cinema novo nos anos herói-
cos em que havia a resistência ao autor de Oito e meio no círculo dos jovens 
brasileiros, com exceção de Paulo César Saraceni que sempre o defendeu.
Observar aqui o primado do afeto e, às vezes, de uma psicanálise selvagem 
nos textos de Glauber não significa compor um balanço indulgente preocupa-
do em dar razão às impressões de um escritor descuidado dos conceitos. Ao 
contrário, significa ressaltar as tensões de um crítico que, desde o início, com-
bateu o mero juízo impressionista e optou pela auto-exigência, foi reflexivo, 
questionou o seu próprio papel, não economizando declarações de princípio 
ou observações de passagem como esta em texto escrito em 1957: “Necessi-
taríamos algumas considerações sobre ‘características formais’ e ‘linguagem 
cinematográfica’. Isto se faz indispensável por não entendermos crítica como 
mistério e sim esclarecimento; somos partidários da crítica didática”.5 
Tal postura didática envolve, no jovem crítico, a apresentação de biofilmo-
grafias, a explicação de conceitos e a escolha de um ângulo de abordagem 
que pudesse tomar o filme como exemplo de uma questão mais geral, esté-
tica ou histórica, ou como um dado expressivo da conjuntura. Houve sempre, 
em Glauber, o impulso intelectual a determinar um esforço de atualização, ser 
contemporâneo, fazer sínteses. Atento, ele trouxe para a sua reflexão sobre a 
arte as referências que estavam em pauta no debate literário e na produção 
universitária, reagindo de forma pessoal a modas passageiras no mundo dos 
conceitos e pinçando o que poderia servir de apoio a argumentos em defesa 
do artista contra o sistema vigente ou contra o dogmatismo de ideólogos. Não 
surpreende que, mais de uma vez, cite Roland Barthes ou discuta a relação 
entre cinema e literatura, o cotejo entre palavra e imagem, as virtudes do es-
tilo indireto livre. O combate em defesa do “formalismo” trazia a exigência de 
novos argumentos extraídos de um espectro amplo de saberes. São freqüen-
tes as suas considerações sobre a diferença entre cinema e pintura, sobre o 
“sentido plástico” específico de um filme em conexão com a orquestração dos 
5 Ver “Delinqüência juvenil”, p. 80 infra. Esta postura de reflexão sobre a crítica esteve sempre lá, 
como atesta um artigo de 1957, “Da crítica”, Vitória (ES), Vida Capixaba, Suplemento Literário 
Sete Dias.
15
ritmos pela montagem. Exemplo notável é a sua pontuação da diferença entre 
os ritmos do western e do filme de gangster na expressão da cultura ameri-
cana. Ele vê aí a criação de formas que engrandece um gênero ficcional, pois 
o bom cinema se faz das estilizações que permitem a cunhagem de termos 
como o “realismo coreográfico”, feita pelo crítico mineiro Cyro Siqueira para se 
referir à dimensão estética da violência urbana tal como encenada nos filmes, 
idéia e expressão que Glauber endossa.6 
Acima de tudo, ele foi conseqüente na admiração por Eisenstein, a figura 
maior de referência no seu afã de uma síntese entre sensibilidade e intelecto, 
emoção e razão. Não por acaso, o cineasta russo permanece o seu maior inspi-
rador nas incursões teóricas. No longo artigo “Um filme genial”, referido a Uma 
vida em pecado, produção “B” dirigida por Irving Lerner, fascinado, Glauber 
afirma que o “filme está para o cinema como Joyce para a literatura”, e depois 
tece considerações sobre o monólogo interior, neste filme em questão e nas 
obras de Eisenstein e de Alain Resnais, comparando seus procedimentos com 
as narrações simultâneas de William Faulkner (autor que o inspirou e que cita 
com freqüência ao defender o cinema moderno). Depois, quando é fundamen-
tal pensar e elogiar os traços de estilo próprios a Visconti e a Rossellini, ele 
ressalta o valor do plano longo e da mise-en-scène usando um vocabulário 
eisensteiniano: “montagem interna” e “montagem externa”. Ao contrário do 
que foi a tônica dos leitores franceses de Bazin, não era preciso, no Brasil, es-
quecer Eisenstein para engatar no sopro de invenção e nas virtudes do plano 
longo evidenciadas pelo neo-realismo e por Welles, depois da ação pioneira de 
Jean Renoir. O novo cinema latino-americano se fez dessas convergências, e o 
crítico Glauber as vivenciou de começo a fim, como bem mostra seu empenho, 
nos anos 70, em trabalhar a noção de “montagem nuclear”, a partir de seu filme 
Di Cavalcanti (1976) e de observações críticas reunidas aqui em O século do 
cinema. Mais de uma vez ele se refere à taxonomia de Eisenstein (os tipos de 
montagem), fazendo dela uma clara matriz de seu pensamento, num diálogo 
que se desdobra na contribuição original que vem dar à teoria quando pensa 
no novo modo de abertura em leque das associações temáticas da montagem 
como uma explosão em cadeia — liberação de uma intensidade por irradiação 
de valores plásticos — como bem mostra a seqüência das escolas de samba 
em A idade da Terra, quando experimenta a “montagem nuclear”.
6 Ver p. 82 infra.
16
O SÉCULO DO CINEMA E AS FORMAS DA CULTURA: O IMPERATIVO 
DE GRANDEZA 
Artista de requinte, Visconti é o Proust do cinema no sentido 
formal do gesto que se completa até a unha coçar a poeira. 
[Glauber Rocha] 
Há, no percurso de Glauber, uma constante revisão da poética do cinema que 
envolve, em certa medida, o estatuto de seus próprios filmes num quadro his-
tórico maior. Nesta linha, ele encontra outros elos com a experiência de Ei-
senstein na representação do êxtase religioso (A linha geral) a partir da idéia 
de pathos. Por outro lado, o modo como define os temas e o estilo de Visconti, 
Rossellini, Godard, Buñuel, Kubrick, Ford, Welles e Pasolini evidencia novos 
jogos de espelho que rebatem sobre sua própria obra. Esta não é comentada 
neste livro, a menos do que ele diz na entrevista dada a João Lopes, em abril 
de 1981, incluída no final do volume. No entanto, ela se deixa entrever de for-
ma nítida, na defesa do princípio da invenção formal como condição para uma 
arte conseqüente. Se há a defesa do rigor na armação do estilo, este se integra 
numa busca de expressão que mobiliza o cineasta por inteiro, pois é clara a 
sintonia de Glauber com a divisa dos jovens cineastas dos anos 60 que afir-
maram sua conexão com o espírito das vanguardas na recusa em separar vida 
e obra. Esta foi uma palavra de ordem que, no Brasil, ganhou uma particular 
inflexão política, de engajamento nos termos de Jean-Paul Sartre: liberdade, 
escolha, responsabilidade. 
Se, como Godard e muitos outros, Glauber viveu tal condição de artista 
como desafio, drama, dilaceramento, toda a sua admiração se dirige a Buñuel, 
que ele vê situado além do plano da angústia, pois tudo nele já é decorrência 
de um salto único, primordial, de homem livre. O realizador de Viridiana com-
põe um patamar absoluto de avaliação que não se prende aos imperativos 
formais, pois é o próprio crítico quem observa como este cineasta não está 
preocupado com a invenção formal, sendo mais importante, em sua obra, a 
extraordinária força das imagens qtue advém do modo peculiar com que des-
nuda, com ironia, a imaginação religiosa e as piruetas da sublimação, lendo a 
contrapelo a energia “criadora” das operações de recalque e das pressões mo-
rais de um cristianismo em crise. Buñuel feriu sempre as bases institucionais 
do capitalismo e soube mudar de estilo para se adaptar aos assuntos, como 
bem mostra Diário de uma camareira, filme que recebe o elogio de Glauber 
17
pela visão abrangente “dos motivos que levaram a França burguesa a fraquejar 
em duas guerras”. 
O século do cinema nos lembra Revisão crítica do cinema brasileiro e Revo-
lução do cinema novo em sua forma de distribuir elogios e ataques, refazer a 
tradição. Dentro desta semelhança, o dado original neste livro é campo maior 
envolvido nas indagações. Como já observei, Revisãoé a palavra do jovem 
que define o seu lugar no cinema brasileiro, antes mesmo de realizar as obras-
primas que viriam consolidar a sua posição de liderança e dar maior ressonân-
cia às suas idéias; Revolução é a batalha do cineasta consagrado em defesa 
do que considera a memória legítima do cinema novo e de sua experiência 
pessoal como cineasta tricontinental, atestando as suas movimentações pelo 
mundo e suas alianças dentro da cultura que afirmava a revolução e a descolo-
nização como direções dominantes do processo histórico naquele momento.7 
O século é a retrospectiva de um confronto com seus pares que teve início 
precoce, no crítico Glauber Rocha, com seus textos de notável interesse que já 
compunham um elenco de afinidades que depois se tornam alianças efetivas 
no caso dos cineastas europeus incluídos nesse percurso do crítico. É digno 
de registro o fato de não estarem tematizadas neste livro outras afinidades, 
quando pensamos a questão de estilo e a problemática cultural mais ampla. 
Cito aqui a densa e celebrada experiência de um cinema nacional que poderia 
ser tomado por ele como forte referência no debate — o cinema japonês — e 
também a emergência, já em torno de 1969-1970, de uma nova geração de 
cineastas alemães que dialogaram com o cinema novo de diferentes formas 
(basta citar Alexander Kluge, Wladimir Herzog e Rainer Werner Fassbinder, este 
último com homenagem explícita a Glauber). A referência franco-alemã, ao lon-
go dos anos 70, continuou sendo Jean-Marie Straub.
O trajeto do livro deixa claros o cenário do drama e as personagens que 
interessavam a Glauber destacar, dentro de sua peculiar articulação entre a 
defesa de um novo estilo e a atenção a tradições nacionais com as quais ele 
sentiu necessário um ajuste de contas, tradições que tiveram parte maior em 
sua formação. Há, portanto, que se considerar o modo como Glauber amplia e, 
ao mesmo tempo, demarca o horizonte de sua geopolítica; e também o modo 
como o terreno escolhido para os embates se organiza, nos textos críticos, 
em consonância com o percurso de seu próprio cinema. A sua apreciação do 
7 Ver os prefácios desses dois livros de Glauber publicados pela Cosac Naify, em 2003 e 2004 res-
pectivamente.
18
cinema europeu ou norte-americano remete, em grande parte, ao que, inter-
nalizado e pressuposto, está fora do livro, ou seja, o contexto brasileiro. Esta é 
uma interação que merece ser explorada quando se observa a sua defesa do 
cinema moderno, o seu interesse maior pelo cinema italiano (campo maior das 
afinidades), a presença discreta do cinema francês, ressalvado o constante elo-
gio a Godard, e a sua avaliação de Hollywood: se há o seu ataque mais direto 
quando “a forma vira fórmula”, há também afirmações de identidade, como 
no caso do humanismo de Charles Chaplin, cineasta que “ilumina o século XX 
porque nele o Povo se faz Imagem”.
A figura de Carlitos o interessa porque é resposta irônica dos vencidos às 
iniqüidades do século, exemplo de uma arte de resistência que se opõe ao 
“protestantismo racista de Griffith” e aos lances truculentos do Capital, ante-
cipando um movimento do cinema como arte política e popular que teve o 
seu grande impulso na Itália de 1945-1960. Dado que a questão nacional é um 
tema fundamental na reflexão de Glauber, o cinema moderno italiano é o alvo 
do seu maior empenho como crítico, ao lado de suas observações sobre o 
significado histórico-nacional dos gêneros típicos de Hollywood. Ressalvadas 
as nítidas afinidades com o autor de Tempos modernos, Glauber não chega a 
projetar no mundo de Carlitos a questão do nacional-popular nos moldes em 
que, de Antonio Gramsci aos partidos de esquerda da América Latina, ela mar-
cou o debate em torno de uma arte política. As discussões mais conceituais 
aparecem nos textos em que está em foco uma questão na qual o próprio 
Glauber está implicado, há algo que desafia o seu próprio caminho de criação. 
A questão do diálogo dos cineastas com os gêneros e mediações vindos da 
cultura popular é um exemplo disto, pois envolveu uma relação tensa com a 
tradição dos Partidos Comunistas que assentaram demandas de realismo, em-
bora estas não tenham sido um imperativo nas formulações de Gramsci sobre 
a literatura na vida nacional e sobre o papel político de certos gêneros como o 
romance de folhetim. Afastado do realismo, Glauber tomou o nacional-popular 
em sua feição de arte pública mobilizadora de grandes “formas da cultura” 
como o mito, a narrativa bíblica, a epopéia e a tragédia, gêneros que julga já 
assentados no imaginário popular e instalados nas elaborações inconscientes, 
portanto mais enraizados nas formações nacionais, tal como é o caso da ópera 
na Itália, solo em que estaria apoiado o impacto do cinema de Visconti. A ques-
tão não seria, então, o realismo psicológico e as particularidades do cotidiano, 
mas certos paradigmas do comportamento moral que permitem ligar a ação 
individual ao grande teatro da história, tal como o fez o autor de Ossessione e 
19
Senso, o mestre mais lúcido na apropriação do melodrama e na compreensão 
de um espírito nacional cristalizado em códigos da arte. Em verdade, o voca-
bulário de Glauber é mais substancialista, pois fala em “espírito melodramático 
da sua raça (Itália): Cineasta Nacional, toda a Cultura posta num Filme”.8
Diante de Visconti, Glauber é superlativo: ápice da dramaturgia fílmica 
(montagem interna + montagem externa) e da dinâmica visual sutil, é o cineas-
ta que sabe sustentar o tempo da câmera até a saturação. Aqui, a sensibilidade 
do crítico explora muito bem uma seqüência de Senso, quando há um célebre 
movimento de câmera na direção contrária à da ação dos soldados numa bata-
lha, de modo a deter a imagem fora da ação e centralizar a composição numa 
árvore. A partir deste exemplo, ele pensa a questão do tempo no cinema mo-
derno (o texto é de 1959) e destaca a interrupção do fluxo das ações, usando o 
mesmo parâmetro mobilizado pela crítica francesa que consolidou o discurso 
sobre a nova estética. Feita a observação sobre o modo viscontiano de usar o 
dispositivo do cinema, Glauber se concentra na composição do drama: o que 
lhe interessa ressaltar é a forma como, ao condensar sentimentos humanos 
culturalizados em formas expressivas, Visconti incorpora o drama barroco da 
Itália, em sintonia com o “teatro latino verista”.
A cada texto, e são vários em torno de Visconti, Glauber muda a categoria 
na qual se apóia. Ora ela é de tipo estético, como o senso do trágico (este 
que prevalece quando se assume o que se deve fazer mesmo sendo terrível 
— amar Rocco e vê-lo derrotado em seu cristianismo). Ora é de tipo ideológi-
co, como o peculiar marxismo do aristocrata; ora de tipo biográfico, como o 
homossexualismo que orquestraria a circulação de Eros em todos os segmen-
tos sociais. A análise de Rocco e seus irmãos — voltada para o sentido histó-
rico de cada personagem e para a dimensão trágica da experiência da família 
— é uma pièce de resistence estratégica no posicionamento de Glauber diante 
do problema estético do cinema no início dos anos 60 (o texto é de 1962). 
Vale, neste esforço, o privilégio que ele conferiu ao filme que, para muitos, 
dava continuidade a uma tradição mimético-realista em descompasso com um 
cinema de ponta representado por Hiroshima, meu amor, de Resnais, onde 
era notável a nova forma de relação entre texto e imagem, espaço e tempo. 
Glauber reconheceu a revolução de Resnais, com a qual tinha todos os moti-
vos para se identificar, dada a natureza do seu próprio projeto no plano formal 
(mais tarde, houve Terra em transe e sua complexa relação imagem-som). No 
8 Ver p. 222 infra. 
20
entanto, deixou clara a opção por Visconti, dada sua afinidade maior com um 
cineasta que realizava o encontro entre o cinema e as “grandes formas expres-
sivas da cultura” (nacional e/ou popular). Além disto, pesa aquia identidade no 
plano estilístico, pois haverá, em Deus e o diabo, o mesmo uso reiterado da 
zoom como forma dramática, em consonância com o elogio à zoom viscon-
tiana que será até mais explícito em texto posterior (1971), em que ele vai se 
valer também da noção de “terceiro sentido”, ou sentido obtuso, de Roland 
Barthes, para compor uma notável observação sobre o efeito deste dispositivo 
cinematográfico sobre as formas tradicionais de mise-en-scène e de exposição 
dos sentimentos.9 
No cotejo com Hiroshima, e ao exaltar o barroco de Visconti, Glauber obser-
va que este “passa da ópera, não ao romance moderno da ‘experiência formal’ 
mas ao romance moderno da ‘grandeza’: se antes, em Senso, estava presente 
a marca do espírito Stendhal, agora, em Rocco não só a violência dramática 
fraternal dos Karamazov envolve toda a obra: a tradição mítica desta mesma 
dramaturgia que encontramos na bíblica saga de Abel & Caim, José & seus 
irmãos, está colocada no jogo”.10
Essa textura barroca de transfiguração da tragédia é o que vemos se ex-
pressar no próprio cinema de Glauber diante do grande teatro da história de 
que ele buscou, a seu modo, a expressão figurada. Como poucos, ele mobi-
lizou a matriz bíblica e os paradigmas da imaginação popular para projetar a 
representação da pobreza em outra escala, definindo um senso de “grandeza” 
assentado na forma de se conectar as conjunturas históricas a um plano uni-
versal de experiência. Não surpreende que, a par das observações sobre Res-
nais, Glauber tenha entendido o laicismo de Godard, “como uma extraordinária 
inspiração poética que parece vinda de um Rimbaud na estação do inferno” (a 
referência aqui é Pierrot le Fou). E, ao mesmo tempo, tenha ressaltado que o 
feixe de dúvidas aí presente faz o grito de Pierrot algo “neurótico”, feição mo-
derna do trágico, quando ele corre com o rosto pintado de azul e dinamite nas 
mãos, sentimento distinto do grito mediterrâneo na tragégia clássica.
Tal como Godard, Antonioni é outra baliza do cinema moderno. O eclipse é 
o grande espaço funeral, documento do mundo burguês morto; uma obra que 
ilumina o homem, um monumento de lucidez. Antonioni é o maior mestre da 
“dialética da alienação” feita mise-en-scène e imagem, pois o cinema é mesmo 
9 Ver p. 238 infra.
10 Ver p. 230 infra.
21
a sua língua (no século XIX, ele teria sido filósofo, como Hegel). No entanto, o 
namoro do crítico é com o encantamento próprio ao drama barroco (entenda-
se Visconti), forma específica da cultura com que teve maior empatia e que, 
nos anos 60, moldou o seu próprio estilo, feito da tenacidade diante da escas-
sez de recursos e de um peculiar impulso de esperança que conviveu, mais e 
mais, com o dilaceramento. 
Personalíssimo nas alianças, Glauber desde cedo, ao lado da identificação 
com os realizadores europeus, buscou lições no cinema de Hollywood, condu-
zindo um diálogo intenso com os diretores resistentes às pressões do sistema, 
não obstante a peculiar afinidade com John Ford, cineasta canônico do esta-
blishment e nada barroco em seu estilo. Neste caso, foi decisiva a mediação 
do western como gênero, lugar do cultivo de um modo direto de expressão 
dos conflitos e também dos rituais de cimentação da comunidade. Há, nesse 
gênero, uma forma de assumir a dimensão moral das condutas que agrada o 
crítico que sempre pontuou seus textos com palavras como coragem e covar-
dia, sacrifício e traição, ou expressões como “um sofisticado pobre de espíri-
to”, a propósito de Marlon Brando. Este ator, além de seu próprio estilo cada 
vez menos amado pelo crítico (basta ver o que fala de Brando em Apocalypse 
Now), recolheu os ecos da diatribe de Glauber contra Elia Kazan, pois também 
ele teria passado de um início promissor a uma traição. O problema não estaria, 
portanto, na sua formação no Actor’s Studio de Lee Strasberg. As observações 
azedas sobre o mito não significam uma intolerância radical do crítico com os 
princípios do “método” que identificava a célebre escola; revelam apenas uma 
desconfiança que vem do afastamento do “método” face ao que definia a ex-
periência neo-realista (a força do tipo e da fisionomia, ou o simples “ser” diante 
da câmera) e da forma como Strasberg incorporou Stanislavski, aclimatando-o 
à cultura americana; algo envolvido demais em excitação e tiques nervosos, 
de um “psicologismo” nada a gosto de Glauber. De qualquer forma, há um 
exemplo de adesão que se expressa na homenagem à autenticidade e às es-
colhas radicais de James Dean, o bendito fruto do Actor’s Studio em oposição 
às ervas daninhas. O ator e sua morte precoce inspiraram um dos mais belos 
textos do jovem crítico, lugar de uma identificação que muitos podem receber 
com surpresa, mas que se deve ao toque de grandeza presente na tragédia 
encarnada em James Dean, com sua conjunção de desespero na afluência ma-
terial e egocentrismo não complacente. Dean foi o mito que cristalizou a união 
de juventude niilista e violência no seio mesmo do poder material do Império; 
uma nova faceta do “mal-estar na cultura” que os anos 50 desdobraram numa 
22
iconografia de grande impacto: máquinas velozes, blusões negros e crispa-
ções faciais potencializadas pelo “método” que se ajustou, com maior ou me-
nor êxito, à expressão de um caldo de cultura em que a neurose individual se 
fez ícone do que Glauber via como uma crise de modelo civilizatório. Embora 
expressão de um sufoco que não derivava da pobreza material, o destino do 
jovem americano trazia seu paralelo com outras experiências trágicas que, em-
bora distintas, lhe eram contemporâneas. Estaria aí o mérito do melhor cinema 
americano: construir um mundo de formas pelo qual os talentos mais lúcidos 
de Hollywood transfiguraram a “tragédia americana” (para evocar o livro de 
Theodore Dreiser que Eisenstein roteirizou mas não filmou). 
Na descrição do jovem rebelde, Glauber vai ao detalhe — como também 
o faz com o herói do western — em passagens que mostram bem o diálogo 
entre seus textos e o que se evidencia como cuidado de composição das figu-
ras nos seus filmes, onde a violência do oprimido, em outra conjuntura social, 
encontra a sua própria iconografia: ele projeta os paramentos da tragédia na 
figura de beatos e cangaceiros, o gibão de couro na caatinga a trazer o contra-
ponto rústico e nacional ao que a urbanidade das motocicletas condensou nos 
blusões de nylon, berrantes em suas cores (símbolos vitais da tragédia). Na 
mediação entre esses dois terrenos, há o mundo do western, este produto das 
baladas folclóricas voltadas para o herói nômade em fase pré-moderna que, no 
século XX, recolheu as potências maiores de uma iconografia de celulóide que 
se tornou saga de formação nacional — o cinema americano por excelência, 
como diria Bazin. A experiência do mito do west é o contato com a violência 
no período da formação que antecede a tragédia, ocasião de empatia com o 
herói que, ressalvada a iniqüidade da colonização, ganha um papel civilizatório 
na luta entre criadores de gado e camponeses, tornando-se símbolo de uma 
aspiração de justiça vivida como ética espontânea de homens rústicos, estes 
que compõem os valores em plena instabilidade, moldando um caráter, uma 
formação étnica e religiosa. Em defesa do herói do western, Glauber se irrita 
quando um crítico chama o protagonista de Matar ou morrer de “burguês”, e 
propõe outras formas de pensar uma tipologia do gênero, ressalvando a per-
sistência do caráter mítico dos temas e das figuras. De outra feita, observa: 
“Desta temática, rica em múltiplos aspectos, o cinema americano extraiu até à 
saturação atual o que de humano sobrou do massacre dos índios e da escra-
vidão negra”.11 
11 Ver p. 116 infra.
23
A fórmula aí é curiosa, e nos lembra a pergunta de Godard — “imperialismo 
ou mise-en-scène?” — diante da cena decisiva de Rastros de ódio em que se 
dá a inversão na postura do Tio Ethan (JohnWayne). Perto do final do filme, 
ele ergue de modo paternal a jovem sobrinha, repetindo o gesto de reencontro 
feito quando ela era criança; o lance é dramático porque ele parece estar na 
iminência de matá-la por não aceitar de volta a moça que procurou durante 
anos para encontrá-la transformada em “índia”. Neste e em outros momentos, 
Rastros de ódio faz, da tensão e da violência, um caminho para a poesia, como 
no reencontro e na separação final. Não é difícil ver na composição do per-
sonagem de Ethan uma consciência trágica muito cara a Glauber, pois estão 
lá nos seus próprios filmes estas figuras da não-reconciliação que entendem 
estar elas mesmas contaminadas por aquilo que combatem, vivendo como 
sombras amarguradas sem futuro, condenadas a não ter lugar no mundo me-
lhor que julgam preparar (como no caso de Antônio das Mortes). 
A sublimação do massacre em mise-en-scène transfigura a história em 
mito e recolhe o fascínio do jovem crítico quando a lenda se mostra mais com-
plexa nas mãos de um John Ford já calejado. É preciso maestria para salpicar 
os sinais da tragédia em plena condução do épico da nacionalidade, quando 
ainda prevalece o encanto diante do que identificamos com os “tempos de ori-
gem”, o mundo de ontem anterior à civilidade urbana. Este é o terreno em que 
o imaginário rima com grandeza (o que é essencial para Glauber), e o heroísmo 
é vida impregnada de pathos antes da racionalização burocrática da vida, antes 
da suposta rotina burguesa e do conforto da civilização. (Vale notar o eco sin-
tomático, nessas passagens de Glauber, da reflexão de Hegel sobre a “época 
dos heróis”, o pathos individual e o drama pensados no âmbito das relações 
entre a arte e organização social.)12
O século é do cinema porque traz esse embate fundamental entre as for-
mas tradicionais da arte e o novo dispositivo. Este, por sua vez, vem se inse-
rir no drama histórico como um “personagem” a viver as ambivalências do 
seu tempo, o novo que é contraditório porque promete redenção e produz 
efeitos contrários, como acontece com o Rocco de Visconti e, a seu modo, 
com figuras como Ethan, Antônio das Mortes e a galeria de tipos que inclui os 
trágicos delinqüentes e os marginais da noite urbana. No filme de gangster, a 
cidade, pelo jogo de sombras, também se alça ao mito, embora num registro 
12 Ver G.W.F. Hegel, Cursos de estética, vol. I, trad. de Marco Aurélio Werle (São Paulo: Edusp, 2001). 
Para “época dos heróis” e pathos, ver terceiro capítulo, parte II: “A ação”, pp.188-248. 
24
do contemporâneo, e abriga figuras titânicas que se destroem pela desmedi-
da, pois levam ao paroxismo o que o próprio sistema lhes vende como fórmula 
monetária do “ser alguém” na vida. Neste particular, a leitura de Glauber con-
verge com a de Robert Warshow, crítico americano dos anos 40, então des-
conhecido no Brasil, escritor que trouxe uma das melhores reflexões sobre o 
filme de gangster como um ritual de sacrifício: o herói é o bode expiatório que, 
ao levar ao extremo a lógica social dominante, transgride e deve ser punido.13
Nos diversos gêneros da indústria, ou no cinema de autor, o ponto essen-
cial é que o novo olhar do cinema se comprometa com um mundo onde ainda 
haja lugar para a grandeza na resposta dos homens às circunstâncias, para o 
bem e para o mal, um mundo em que ações de envergadura façam história, 
criem lendas, alimentem o imaginário humano que se formaliza nos grandes 
paradigmas da ficção ou nos grandes filmes. É nítida ao longo deste livro a re-
corrência da categoria do trágico, que não se limita a Visconti e a Godard, mas 
envolve Antonioni e muitos exemplos do cinema americano, para além dos 
filmes em que está em pauta a violência. Não raro, o termo serve como baliza 
da qualidade, como nos casos de Anthony Mann e William Wyler. 
Dentro desta tônica, um momento especial no século do cinema trouxe 
grandeza no seio da experiência épica: o momento da Revolução (Eisenstein). 
Mas logo o seu conteúdo e seus ecos passaram a ser problemáticos, o que 
repercutiu tanto na representação da experiência européia posterior quanto na 
figuração da revolta do camponês oprimido do Terceiro Mundo. Tal revolta, cujo 
desfecho se fez mais trágico do que épico, o próprio Glauber tratou de interpre-
tá-la numa chave de esperança (Deus e o diabo), mas esta se viu, mais de uma 
vez, adiada pela trama da história, esta mesma que o poeta veio a tematizar no 
seu grande drama barroco (Terra em transe). Quando Paulo Martins constata 
a falta de grandeza de Vieira e se enfurece diante da recusa do líder populista 
em assumir a resistência armada ao golpe de Estado, o que lhe resta é a frase 
solene e reveladora: “se resistirmos será o começo de nossa história”. 
Ao contrário de John Ford, o poeta da nação formada, imperial (o século do 
cinema, afinal, é o século americano), Glauber viveu o drama da nação adiada. 
E, de seu tempo e lugar, era impensável este risco de dissolução precoce tão 
presente no novo século, o da crise das nações e da nova era do capitalismo 
globalizado. À medida em que se adensou o percurso de Glauber como crítico, 
13 Ver Robert Warshow, “The Gangster as Tragic Hero” (1948), em The Immediate Experience: mo-
vies, comics, theatre and other aspects of popular culture (Nova York: Atheneum, 1974). 
25
entre 1957 e 1980, o que estava delineado como grandeza, no século XX, foi 
sendo impregnado de ironia e de tragédia, de modo que, no decorrer do tem-
po, a arte que lhe era mais relevante foi se armando de anticorpos face a uma 
herança utópica que, no entanto, ele julgou vital reafirmar até o fim. Não sur-
preende que o tenha feito dentro do princípio já enunciado — o essencial é 
incorporar a energia do mito popular — e do modo mais afeito à sua formação: 
trazendo a figura de Cristo para o campo da revolução. 
“O ÚNICO ETERNO SUBVERSIVO DO MUNDO É O ARTISTA”
O século do cinema é o século da violência. Nele se vive entre a tragédia ameri-
cana e a revolução traída, entre o sonho do cinema e a realidade da economia. 
A sociedade impõe ao artista a condição de exílio a partir da qual ele não tem 
outro caminho senão a subversão. Esta é sua forma de participar do grande 
drama de seu tempo no qual “arte e política se encontraram definitivamente, 
não mais para trocar amabilidades ou combinar massacres, mas para interpre-
tar a História e atingir o objetivo da Revolução”.14 
Ninguém encenou a tragédia do Capital melhor do que Welles-Kane, no 
filme que Eisenstein gostaria de ter feito nos Estados Unidos; e ninguém re-
presentou melhor a revolução traída do que ele, o gênio russo que fez de Ivan, 
o Terrível II a crítica poética da filosofia científica que gerou Stalin. Faltou a esta 
filosofia incorporar o inconsciente, como o fizeram Buñuel, o mais feliz porque 
o mais livre na transgressão, e Pasolini, o mais cindido porque de corpo pre-
sente na tragédia, deixando que o matassem segundo os seus próprios ritos. 
Essa convicção da insuficiência do marxismo como compreensão da rea-
lidade e como guia da ação se expressa também nas observações de Glau-
ber sobre o “irracionalismo” de Rossellini. Para o crítico, o cineasta italiano 
entendeu que a realidade não se reduz à lógica, traz surpresas; intuiu que as 
tragédias ultrapassam a dimensão materialista da história. Desta expansão 
da sensibilidade, extraiu sua grandeza e resumiu o seu tempo. Por sua vez, 
o surrealismo de Buñuel é uma espécie de pré-consciência do homem latino 
emancipado pela imaginação. Revolvendo os mitos constitutivos da religião 
católica e reinventando um Cristo anárquico, ele prepara o Cristo de Pasolini. 
Ao denunciar o mundo dilacerado, barroco, da crise européia, os dois per-
mitem que se chegue aos termos mais fundos da promessa de revolução 
14 Ver p. 226 infra.
26
no Terceiro Mundo, pois a energia subversiva do oprimido supõe a liberação 
inconsciente, um surrealismo deslocadopara o plano coletivo e alimentando 
a arte como “desrazão”.15
Em artigo de homenagem a Eisenstein, Glauber pergunta: qual a cultura 
da revolução? A incultura subversiva popular ou a cultura subversiva dos in-
telectuais? 
Estão aí condensadas as suas inquietações sobre o seu próprio cinema 
e sobre as relações entre cultura e política na periferia do capitalismo. Pelo 
que lemos nos seus artigos sobre Buñuel, sobre o cinema italiano ou sobre 
Godard, podemos supor que a resposta envolve esta opção mítico-popular 
em que todas as pulsões — pagãs, orientais, árabes, africanas, camponesas 
— compõem o amálgama da subversão que ele cristaliza numa constelação 
cultural simbolizada na figura do Cristo rebelde. Mesmo o romance familiar 
é um campo de tensões a ser apropriado em obras revolucionárias que cri-
tiquem a ordem da Igreja ao repor a seiva popular, pulsional, de expressão 
daquela revolta que foi contida pela institucionalização do cristianismo como 
instrumento de poder ao longo da história. Portanto, é revolvendo os traços 
ancestrais que se prepara o imaginário da revolução, em particular, esta revo-
lução que deve emergir em consonância com o Cristo multiplicado, multiétni-
co da periferia e dos bolsões marginais da ordem mundial, num movimento 
que condensa a força dos mitos populares na luta contra a razão burguesa, a 
tecnocracia e a lei do Pai.
Se arte e revolução se alimentam da força coletiva inconsciente que o ar-
tista capta e transfigura nos símbolos de transformação, o cinema tem posi-
ção estratégica pois, como primeira materialização do inconsciente, constitui o 
interconsciente, este conteúdo subterrâneo que circula a partir do dispositivo 
imagético cujo potencial subversivo se manifesta numa gama variada de expe-
riências, incluída a que se expressa em Easy Rider, filme cujo interconsciente 
“frutificou magicamente todos os inconscientes voltados para a grande libera-
da Aventura”.16 O filme de Dennis Hopper atualiza a força de uma iconografia 
associada à aventura no estilo on the road dos anos 50, agora articulada ao 
15 O paralelo com as idéias expostas por Glauber em “A estética do sonho” é bem claro. Nesse mani-
festo, ele associou arte e “desrazão”, definindo o inconsciente como a força coletiva que cabe ao 
artista captar e devolver à comunidade em sua criação de uma arte revolucionária. Ver “Eztétyca 
do sonho”, em Revolução do cinema novo, op. cit., pp. 248-251. 
16 Ver p. 151 infra.
27
que emerge no confronto entre a comunidade hippie e o fascismo caipira; sua 
montagem “se fez numa alternativa diferente e mais rica do que a dogmatizada 
por Godard, porque enquanto Godard visava a existência das estruturas, Den-
nis Hopper tocou o ponto historicamente mais avançado da percepção que é a 
essência da arte e ‘sentimento’ do cinema”.17 
O entusiasmo de Glauber com Easy Rider, no início da década de 70, re-
flete a sua convicção do descompasso existente entre as propostas descons-
trutivas — de tipo racional — vigentes na conjuntura pós-68, e as demandas 
da subversão pelo cinema. Estas, segundo o seu esquema, são atendidas por 
Buñuel, chegam ao Evangelho de Pasolini, mas há sinais variados de que po-
dem ir adiante, inclusive no cinema americano: “o olho navalhado de Buñuel 
projeta o inconsciente — mas Easy Rider é mais liberado”. Os protagonistas 
do filme são “mártires del nuevo hombre, como Che, Janis Joplin e Jimmy 
Hendrix, Deuses dos anos 60”.18 
Ao longo dos textos desse período, o painel traçado pelo crítico inclui a de-
fesa da dimensão libertária de Godard, mas parece haver um jogo de compen-
sações marcado pela idéia de que Paris está longe do olho do furacão, cidade 
liberada onde não se vive a experiência radical do sacrifício, onde Maiakóvski 
não precisaria se suicidar e onde falta a interação direta com a energia contida 
nos grandes movimentos de massa da periferia. Da tradição neo-realista, resta 
a sua “última ópera”, Pasolini, a expressão viva e contraditória da crise euro-
péia. De início, figura da lucidez (o Pasolini-reflexão, em O Evangelho); mais 
tarde, figura capturada nas malhas desta mesma crise (o Pasolini-sintoma dos 
anos 70). 
Dada a convergência dos terrenos, o cineasta italiano termina por ser o 
pólo maior de debate nos textos de Glauber, numa relação de amor e ódio diri-
gida a quem se move no mesmo campo imaginário: o mito cristão; os pobres 
de um vasto terreno de experiência rural que recolhe as tradições; o imagi-
nário popular mediterrâneo, incluídos os seus desdobramentos no nordeste 
brasileiro. E faz a mesma junção de política, corpo e sexualidade. No final, 
o homossexualismo de Pasolini — e suas práticas consideradas por Glauber 
“exploratórias” face ao pobre — tensionou a relação, como bem expressa o 
destempero do brasileiro gravado anos depois na redação do Cahiers du Ciné-
ma, em 1981. Sozinho numa sala da revista, ele exorciza o espectro da morte, 
17 Ver p. 151 infra.
18 Ver p. 152 infra.
28
expressa o desejo de sua diferença diante do funesto desfecho do autor de 
Teorema. Este havia discutido a invenção da própria morte como parte e co-
roamento da vida do artista, numa formulação textual de relação complicada 
com o que se configurou depois nas circunstâncias do assassinato, com tudo 
o que o cercou. Glauber responde a tal constelação contraditória com uma 
fala emocional improvisada que se desdobra numa diatribe moralista. Acaba 
reduzindo a experiência de Pasolini aos termos de um decadentismo que an-
tes apontara na elite conservadora e no imaginário colonialista, tal como se 
vê, por exemplo, na versão canhestra e imperial da decadência figurada em 
Brahms e em sua cortesã, personagens de A idade da Terra. Neste filme, fora 
distinta a referência a Pasolini, tomado como o inspirador, quando o sermão 
do planalto de Glauber reiterou a afirmação de uma energia vital que captura 
o mito de Cristo e o desdobra, dissemina, procurando o ponto de vista do 
oprimido, o pobre, o “Terceiro Mundo” que ele julgava um horizonte essencial 
das intuições de Pasolini em seus filmes dos anos 60, amados por ele como 
se vê neste livro, justamente pela inserção do sagrado e do Cristo no campo 
da revolução.
De sua empatia no momento de O Evangelho (porque afirmativo e profético 
no aceno ao subproletariado do Terceiro Mundo), e do respeito a Salò (porque 
representação crítica do fascismo, do irrepresentável, porque forma lúcida e 
rara da apropriação de Sade), Glauber termina por estranhar a figura do cine-
asta com a qual era mais forte a sua identificação, não tanto no plano pessoal 
(onde os encantos ficavam mais com o Maestro Visconti, ou com Bertolucci, 
o filho “assassino mítico de Pier Paolo”), mas na fundação de uma perspecti-
va da revolução não clássica, herética em termos de luta de classes, porque 
não proletária e não instalada no capitalismo avançado, porque não puramente 
marxista nem camponesa no estilo maoísta, mas inspirada no mito popular e 
na hipótese de um oprimido portador de um inconsciente coletivo libertário, 
este que o cinema de Buñuel anunciava e que Pasolini tornou concreto.
Nesta forma de equacionar a Revolução, podemos aplicar a Glauber o que 
encontramos no título de um artigo do próprio Pasolini: “En tant que marxis-
te, je vois le monde sous an angle sacré”.19 Cito esta fórmula para inverter a 
direção do comentário feito até aqui, pois o Glauber que expressou com tanta 
veemência a necessidade de ir além do marxismo na incorporação do que este 
teria deixado de lado é o mesmo Glauber que, ao longo dos anos, também 
19 Ver Pier Paolo Pasolini, Les Lettres Françaises, 23 set. 1965.
29
afirmou a necessidade do marxismo como tábua de salvação do artista face à 
angústia e ao mal-estar, ou face à “tragédia do artista no capitalismo”.
“Exilado da sociedade moderna, sem buscar nas manifestações da Epo-
péia e da Tragédia os pilares da mise-en-scènee sem pensar o texto dramático 
em termos marxistas, é difícil a sobrevivência do artista no século XX.”20 Dito 
isto, Glauber esclarece que só três artistas pensaram e permaneceram neste 
diapasão. Dois deles, Eisenstein e Brecht, estão mortos quando ele escreve. 
Só o terceiro, Visconti, está vivo e é o lúcido intérprete da História, pois reco-
lhe a tradição revolucionária dos grandes romancistas (Stendhal, Dostoiévski, 
Thomas Mann) e a força da ópera como o espetáculo nacional italiano para 
produzir o grande cinema da crise de civilização européia. 
Ao longo do livro, há versões variadas, mas prevalece o roteiro em que se 
distribuem os papéis no teatro da história do cinema de modo a compor um 
diagnóstico do século que encontra no drama barroco a sua forma de repre-
sentação por excelência. Em particular, nas figuras de Welles, de Eisenstein 
(Ivan II) e de Visconti — três grandes homens de teatro e cinema, com o senti-
do da vertigem da representação e da gravidade da situação com que estavam 
lidando no painel histórico de resolução funesta nesse século da violência. 
O teatro dos cineastas compõe um jogo de espelhos face aos decisivos 
personagens da história, dos quais ora são metáforas, ora reencarnações. 
A analogia entre os conflitos do presente e os do passado enseja uma série 
de identificações que faz de cada cineasta um avatar (plano mítico), uma per-
sonificação alegórica (plano figurativo) ou uma projeção (plano psicanalítico) de 
figuras-símbolo da memória humana, de modo a permitir a composição de uma 
Gestalt, uma percepção total da História e da Revolução que estará sempre 
rebatida no cinema. Griffith é Moisés: bíblico e nacional, fez-se uma encar-
nação de Lincoln no cinema, o pai fundador que foi assassinado num teatro. 
Chaplin é Ciro contra a Hollywood-Babilônia. Rossellini é o Sócrates do cinema, 
o cineasta mais influente de todos; misto de paganismo italiano e de culpa, 
encontrou o seu superego no cristianismo e no marxismo, mas terminou a 
carreira vivendo a aventura fantástica de que qualquer cineasta teria inveja: 
o projeto da História Universal na televisão. Fellini traz o paganismo no nome: é o 
gato da Pérsia. Eisenstein circula num terreno que vai de Aristóteles e Ale-
xandre Magno a Alexandre Nevsky e Ivan, de Lênin a Stalin, figuras todas que 
convergem no seu cinema como que a confirmar a convocação de Abel Gance, 
20 Ver p. 224 infra.
30
o realizador de Napoleão, no célebre texto do mesmo ano em que saudou o 
cinema como ponto de acumulação de todos os mitos e todas as histórias: 
“O tempo da imagem chegou”.21 Pasolini é Édipo, Cristo, Sade, Marx (trans-
gressores que devem ser punidos); é o Anjo Exterminador, “o fim da cultura”, e 
seu último filme Salò é a ejaculação que libera o inconsciente oriental da Itália. 
Como síntese do grande teatro trágico do poder, vale a cadeia: “É Quinlan, é 
Arkadin, é Macbeth, é Othello, é Falstaff, é Don Quixote, é o Diabo, é Kane, 
é Roosevelt, é Truman, é Rockfeller, é Júlio César, é Hitler, é Stalin, é Welles!”.22
Esta enumeração dos personagens é exemplo extremo do jogo figurativo 
através do qual Glauber — principalmente nos textos dos anos 70 — condensa 
a sua visão dos grandes cineastas e seus dramas históricos. Como enumera-
ção que sugere uma ciranda, e diz respeito ao shakespeariano Welles, podería-
mos aproximá-la da fórmula do “grande mecanismo” — as ascensões e quedas 
no movimento cíclico do poder — proposta por Jan Kott.23 No crítico polonês, 
a idéia do “Shakespeare nosso contemporâneo” passa por esta analogia entre 
o jogo fechado do poder monárquico (tema do drama barroco) e os destinos 
da Revolução traída neste século, para usar a expressão que Glauber incorpora 
quando fala de Eisenstein. No entanto, embora ele tenha sido leitor de Kott 
nos anos 60, sua afinidade maior, em termos da alegoria e do drama barroco, 
foi com Walter Benjamin, embora só mais tarde ele tenha conhecido os textos 
deste autor. De Terra em transe a A idade da Terra, o seu cinema mostra bem o 
quanto ele trabalhou a dialética de desencanto e esperança de uma forma que 
pode ser referida ao filósofo alemão. Ressalvado que, no cineasta, a cunhagem 
messiânica não conviveu com a melancolia, transmutou-se em exasperação. 
Os imperativos de grandeza e de abrangência, centrais na estética de Glau-
ber, favoreceram a montagem desse grande teatro e seus cotejos milenares. 
Não surpreende que, em seus filmes e em seus textos, as análises de conjun-
tura tenham marcado encontro com a memória da humanidade que destaca 
o eixo Europa-África-América, mas a partir do que ele definiu como o incons-
ciente popular, coletivo, em consonância com seu empenho em revolver as 
camadas da experiência encobertas pela história-memória oficial. O século do 
cinema, ao recolher as “formas expressivas da cultura”, ao articular mito e his-
tória, viveu a subversão nas acepções mais variadas, mas não alcançou uma 
21 Ver Abel Gance, “Le temps de l’image est venu”, L’Art cinématographique, n. 2, 1927.
22 Ver p. 53 infra.
23 Ver Jan Kott, Shakespeare nosso contemporâneo (São Paulo: Cosac Naify, 2003).
31
elaboração do sério-dramático que o livrasse do paradigma da transgressão 
como sacrifício (Édipo e Cristo). 
Luis Buñuel, o mais livre dos cineastas, criou o cinema que “revelou a face 
trágica de todas as classes”. Plenamente artista, é o eterno subversivo que 
“será sempre condenado”. No tom hiperbólico característico, o jovem Glauber 
o elogiava, em 1962, como o “último maldito”, o que “não terá seguidores”.24 
A formulação é paradoxal, se tomada à letra. No entanto, observada a posição 
que ele atribui a Buñuel como a expressão maior da liberdade na adversida-
de, esta profecia cristaliza um sentimento peculiar: ir além seria já tocar no 
limiar da utopia. Enfim, dar o salto que acabou se mostrando cada vez mais 
fora do alcance no que restou do “breve século XX”, como o denominou Eric 
Hobsbawm, pensando em 1914 e em 1991 como datas-limite.25 
Breve, extremado, o século do cinema revelou-se um tempo de promessas 
adiadas. Ou, para voltar aos termos do drama glauberiano, de esperança, vio-
lência e desencanto. 
[Ismail Xavier, fevereiro de 2006]
24 Ver “Os doze mandamentos de Nosso Senhor Buñuel”, pp. 170-85 infra.
25 Ver Eric Hobsbawm, Era dos extremos: o breve século XX; 1914-1991 (São Paulo: Companhia das 
Letras, 1995).
O SÉCULO DO CINEMA
34
35
HOLLYWOOD
Gary Cooper em Matar ou morrer de Fred Zinnemann (1952)
37
GRIFFITH
[À memória de meu pai Adamastor Bráulio Rocha]
O expressionismo alemão da Guerra de 1914 é o idealismo romântico revis-
to pelo freudianismo: o sonho descrito pela Literatura pode ser expresso no 
Teatro mas sobretudo no Kynema que, inventado por Edson & Lumière, é em 
Movimento.
Méliès, que desenvolveu a técnica de filmar a Fantazya, indicou aos expres-
sionistas as possibilidades oníricas do cinema.
Estas vanguardas são atravessadas pela Revolução Soviétyka de 1917, que 
delas se alimenta.
A Eztétyka soviétyka dos anos 20 é recuperada pelo surrealismo francês 
dos anos 20-30 que lhe devota a teoria revolucionária pela forma, separando, 
pelo decadentismo burguês, a pele poética da musculatura social do esqueleto 
histórico e da consciência existencial.
Em 1915, David Wark Griffith, filho de um coronel sulista arruinado pela 
Guerra Civil oitocentesca, filma nos Estados Unidos The Birth of a Nation [O nas-
cimento de uma nação].
Griffith, produto típico do neocapitalismo nortamericano (o modo de pro-
dução neocapitalista nortamericano produz a superestruturimperialista) é, neste 
novo espaço terrestre, revolucionário na medida em que diferenças climáticas 
(o sol americano contra a luz européia), religiosas (o Protestantismo quer fundar 
38
a Terra Prometida) alteram as práticas da cultura européia confinada no idealis-
mo católicoreformado pelo materialismo pragmático da revolução industrial.
A sociedade capitalista protestante se reconstrói segundo as novas leis da 
colonização democrátyka: o Estado Katólyko não impõe Deus ao homem mas 
o deixa livre para encontrá-lo.
A Guerra Civil divide Griffith: o Norte, para fazer revolução industrial, aboliu 
a escravidão e massacrou os latifundiários sulistas, que reagiram de armas na 
mão. Os escravos livres foram proletarizados ou marginalizados e a indústria 
do Norte modernizou todo o país: O nascimento de uma nação é a visão de 
um Sulista fracassado que faz a crítica idealista da brutalidade industrializante 
do Norte vencedor.
O nascimento de uma nação é o Velho Testamento que exclui os negros do 
processo histórico, como raça primitiva, elegendo em construtores da Nação 
as classes brancas protestantes.
Os escravos pagaram o preço da economia nortamericana sobretudo no 
Sul, onde conseguiram, como no Brazyl, defender sua culturafricana diante 
das violências devoradas e vomitadas no paganismo dos spirituals, blues, jazz, 
que, nos anos 20, se transformam na principal linguagem crítica às estruturas 
neuróticas do imperialismo em depressão.
Henry B. 
Walthall e 
Lillian Gish em 
O nascimento 
de uma nação 
(1915)
39
Excluindo os negros (e os índios), Moisés/Griffith canta o nascimento da 
Nação branca, protestante, capitalista, democrática, liberal.
O Protestantismo é o reformismo capitalista, pai da Socialdemocracia, um 
passo à frente do fascismo católico mas limitado pela hipocrisia que justifica a 
violência em nome dos ideais de riqueza e felicidade no Parayzo.
Griffith prega a democratização do capital segundo os méritos de cada um 
mas justifica a violência como expressão máxima da virtude: a voracidade fáli-
ca das pistolas nos Estados Unidos da América do Norte supera o humanismo 
bíblico de Cecil B. De Mille.
Quem triunfa é o caubói e o gangster, e o máximo que o cinema norta-
mericano consegue depois de Griffith (exceção ao europeu Charles Chaplin) 
é combater a violência em nome de um Estado representativo de caubóis e 
gangsters: o inimigo do homem que mata para roubar (Jesse James) e o xerife 
(Wyatt Earp) que mata o bandido violador das leis de um Estado que vive do 
roubo e do assassinato do proletariado.
Os heróis de Griffith são aventureiros legais: os inimigos da civilização pro-
testante são índios, negros e bandidos.
Intolerance [Intolerância, 1916] é o Novo Testamento que adverte o Apo-
calipse: o Estado massacra a Revolução Cristã, o Estado massacra Negros, 
e se o Estado insiste na Intolerância Genocida corre o perigo de um dia ser 
subvertido pelo Povo.
O democrata liberal progressista de Griffith exige uma nova Guerra Civil do 
Bem contra o Mal: Vejam a corrupção de Nabucodonosor, Vejam a corrupção 
deste país empobrecido pela concorrência com o imperialismo europeu que 
desorganizou o mercado com a primeira guerra mundial, Vejam este país sem 
perspectiva colonial, Vejam este país que viaja inconscientemente para a crise 
econômica, social e política de 1929.
A radicalização ideológica de Griffith é limitada pelo reformismo liberal típi-
co do idealismo protestante capitalista nortamericano.
O ideólogo Griffith morre com Intolerância.
Além de O nascimento de uma nação e Intolerância, Griffith realizou muitos 
filmes e morreu tentando reformar o sistema.
Pastor protestante, profeta sem massas, gênio incompreendido, capitalista 
falido, moralista marginal vitoriano (o filho cinematográfico do romancista Char-
les Dickens), Griffith é a reencarnação extétyka de Abraham Lincoln, o Presi-
dente que venceu a Guerra Civil e foi assassinado num teatro.
40
CHAPLIN
[1]
O primeiro Charles Chaplin, que começa a filmar em Hollywood em 1914 e 
termina com The Immigrant [O imigrante] e The Adventurer [O aventureiro], em 
1917, é a antítese revolucionária a Griffith.
Chaplin é imigrante aventureiro, marginal, operário e usa máscaras popula-
res reprimidas para desmascarar o carnaval capitalista.
O segundo Chaplin se revela a partir de 1925 com The Gold Rush [Em bus-
ca do ouro, 1928], City Lights [Luzes da cidade, 1931], Modern Times [Tempos 
modernos, 1936] e se conclui em The Great Dictator [O grande ditador, 1940] 
quando, reprimido nos Estados Unidos, inicia o processo de regressão idea-
lista, a morte de Charlot (Carlitos) e o nascimento do burguês anarquista em 
Monsieur Verdoux [1947], Limelight [Luzes da ribalta, 1952], A King in New York 
[Um rei em Nova York, 1957] e A Countess from Hong Kong [A condessa de 
Hong Kong, 1966].
Chaplin conta a dialética histórica de um proletariemigranteuropeu que pra-
tica, através do cinema, a revolução humanista do povo.
O Estado capitalista é a Babilônia para Ciro/Chaplin: Presidentes, Ministros, 
Senadores, Juízes, Deputados, Padres, Pastores, Exército, Polícia, Burocratas, 
Comerciantes, Empresários, Industriais, Proletários e Marginais alienados são 
atacados por Charlot, que enfrenta as armas da violência física com a violência 
do humorismo psicopolítico.
Como Ciro, Chaplin desvia o rio de seu curso e através de seu meio de pro-
dução introduz a mensagem enquanto o Estado se diverte em guerras e festas.
O cinema de Chaplin, mais rico de expressividade que as velhas artes e 
que o cinema teatral/romanesco de Griffith, é feito do ponto de vista do perso-
nagem oprimido até Um rei em Nova York.
O único filme de Chaplin do ponto de vista do personagem opressor é 
A condessa de Hong Kong.
Carlitos assassinado em O grande ditador reage enfraquecido em Monsieur 
Verdoux, no palhaço Calvero, o Rei sem coroa, onde desintegra.
Carlitos materialista se transforma em Chaplin idealista que se projeta em 
Sophia Loren e Marlon Brando, o casal imperialista.
O poder cinematográfico de Chaplin desenvolveu grande agitação psicopo-
lítica entre 1925 e 1940.
41
A linguagem humorística de Chaplin contribuiu para despertar a consciên-
cia revolucionária?
A questão não se esgota na palavra científica que tenta aprisionar a metá-
fora poética num laboratório de probabilidades: Chaplin ilumina o século XX 
porque nele o Povo se faz Imagem.
[2]
“Ó CARLITO, MEU E NOSSO AMIGO, TEUS SAPATOS E TEU BIGODE CAMINHAM 
NUMA ESTRADA DE PÓ E ESPERANÇA” (Carlos Drummond de Andrade).1
[3]
Aos sessenta e oito anos Charles Chaplin, após outros cinco de silêncio que 
sucederam Luzes da ribalta, volta a pedir Paz com a recente sátira sociopolítica 
Um rei em Nova York.
Por ter conhecido em mais de meio século de vida duas grandes guerras e 
por querer evitar uma terceira, o vagabundo Carlitos continua a sofrer persegui-
ções da imprensa reacionária e a ser detestado pelos paranóicos detentores 
da energia atômica.
Os nortamericanos, e particularmente a cinemascópica Hollywood, tremem 
e vociferam contra o gênio, enquanto os covardes e os “intelectuais” procuram 
negá-lo com raquíticos argumentos.
O Homem e o artista Chaplin permanecem impassíveis, amando, sobretu-
do, os valores da Humanidade.
É o mesmo convicto inimigo da técnica que procura na poesia o alívio para 
as dores recebidas da máquina.
Sua atitude de cineasta — negando até quando pode o cinema de som, cor 
e telas gigantes — ou sua atitude política — mostrando em Tempos modernos 
a máquina destruindo o homem — são provas de fidelidade à imagem pura, à 
força expressional do cinema adulterada e também do horror ao capitalismo 
sem alma.
Em Chaplin estão condicionados valores eternos; por isso nega o origina-
lismo, a masturbação artística e pseudo-inovadores de uma Arte que só nele 
1 “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin”, em A rosa do povo (Rio de Janeiro: José Olympio, 
1945). [N.E.]
42
se realizou como expressão de vida e que só em raros gênios encontrou con-
tinuação.
Querer situá-lo como Cineasta não o justifica; Chaplin é um complexo artís-
tico que transcendeao cinema.
[4]
Tempos modernos, 1936, mudo.
Transcrevo os trechos do historiador e crítico Georges Sadoul: “Carlitos ti-
nha escolhido para Tempos modernos uma profissão bastante nova: era operá-
rio numa fábrica. O filme apresentava-se, no seu intróito, como sendo a história 
da indústria, da empresa individual, da humanidade em busca da felicidade. 
Aí os operários vão para o trabalho como carneiros para o matadouro. Mais 
tarde, desempregado, Carlitos sai do hospício e vaga pelas ruas. Apanha ma-
quinalmente uma bandeira vermelha caída de um caminhão. Atrás dele o povo 
se inflama, desencadeia uma manifestação. A polícia acusa-o de agitador e o 
prende. Sofre na prisão o que lhe recorda a fábrica mas ali se sente tratado 
mais humanamente”.2
A cena da bandeira “vermelha” (descoberta em um filme em preto e bran-
co) bastou para que o capitalismo nortamericano aliado aos códigos religiosos 
de censura e preservação da moral pública o acusassem de comunista. Agiram 
principalmente contra o artista que enfrentava o trucidamento mecânico do ho-
mem, a imprensa HEARST, WALL STREET e o nazismo de DR. GOEBBELS. 
Na Alemanha hitlerista Tempos modernos foi interditado e Chaplin processado 
por plágio a René Clair, pelo seu filme À nous la Liberté [A nós a Liberdade, 1931] 
produzido nos estúdios parisienses Tobis, filiais dos trustes alemães. Assim, De-
mocracia Americana e Nazismo Germânico se uniram para combater Chaplin...
A infâmia foi derrotada por declarações de René Clair dizendo que “se sen-
tiria honrado em ter contribuído para a obra daquele que considerava um gênio 
e seu principal mestre”.
A atualidade de Tempos modernos permanece inalterável. Não morrem 
os protestos eternos à humilhação que organismos econômicos impõem ao 
homem.
2 A vida de Carlitos: Charles Spencer Chaplin, seus filmes e sua época, trad. de Mário Mendes de 
Moura (Rio de Janeiro: Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil, 1953), pp. 169-70. [N.E.]
43
Chaplin, o Vagabundo Carlitos ou Palhaço Calvero ou o Rei que vai a Nova 
Iorque pedir Paz permanece, como diz Carlos Drummond de Andrade, nos “que 
estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo / que entraram no cinema 
com a aflição de ratos fugindo da vida / (...) e te descobriram e salvaram-se”.
ERICH VON STROHEIM
“... E o cinema criou Deus.”
[Paulo Emílio Sales Gomes]
O Festival de Veneza/1958 se caracterizou pela valorização dada ao cinema 
como fato cultural, em detrimento do estrelismo e do mundanismo que mar-
cam os festivais cinematográficos. Naquele ano o Festival foi chamado pela 
crônica mundana internacional de “Veneza Cara Fechada”. Os freqüentadores 
que ali buscam o prazer de fabulosas farras acharam que Veneza/58 fracassou. 
Não é verdade: no conjunto de suas diversas manifestações, o Festival foi um 
belíssimo acontecimento artístico.
Tempos 
modernos 
(1936)
44
Destacou-se a Mostra Retrospectiva do falecido cineasta e ator Erich von 
Stroheim (1885-1957), personalidade do cinema à altura das maiores no que se 
refere à inquietude criadora, à busca de novas formas de expressão. Stroheim 
foi o que se chama “autor completo de cinema”, uma vez que, além de argu-
mentista, roteirista, produtor e diretor, interpretava seus próprios filmes.
O tom áspero, a seriedade às vezes amedrontadora, a substância humana, 
a recordação amarga de sua mocidade em Viena, episódios daquela época da 
Primeira Guerra, alimentaram sua inspiração embebida de violência e saudade.
Vocação e tradição do nome paterno o destinavam à vida militar. Por mo-
tivos que sempre permaneceram ignorados e obscuros (talvez uma falta dis-
ciplinar ou uma dívida de jogo), o Olimpo, corporação militar à qual o jovem 
Stroheim pertencia, o expulsou de suas fileiras.
Emigrou para Roliude onde subiu de varredor de estúdios ao mais extrava-
gante mito do cinema internacional.
Sua filmografia funde o discurso espetacular de Griffith ao aristocratismo 
da burguesia européia.
FRITZ LANG
Em 1968, outro Leão estava em Montreal, presidente de honra do Festival: 
Fritz Lang. Um pouco mais jovem que Jean Renoir, Lang usa um tapa-olho, é 
solteiro, adora mocinhas, é mulherengo inconfundível e um temperamental. 
O caráter de Fritz Lang, criador do Dr. Mabuse der Spieler [Dr. Mabuse, o joga-
dor, 1922] e mestre do cinema alemão e do cinema americano, se define nesta 
história que ele conta:
— Um dia o Dr. Goebbels mandou me chamar para oferecer a direção do 
cinema nazista. Disse que ia pensar. Durante a noite arrumei minhas coisas e 
fugi para Paris.
Fritz Lang não conta que, para recusar a direção do Instituto de Cinema 
Nazista,3 teve que brigar com a esposa que lá ficou, em companhia de outros 
cineastas alemães.
3 Não se trata do Instituto. Segundo Fritz Lang “... enquanto Ministro da Propaganda do Tercei-
ro Reich, Goebbels recebera de Hitler a missão de oferecer-me a direção do cinema alemão: ‘O 
Führer viu seu filme Metropolis e disse: eis o homem que irá criar o cinema nacional-socialista’... Y
45
Lang é aventureiro. Depois de brilhar na Alemanha com filmes como Me-
tropolis [1926] e Die Nibelungen [Os Nibelungos,1923-24] (exibido geralmente 
em duas partes: I — Siegfrieds Tod/A morte de Siegfried e II — Kriemhilds 
Rache/A vingança de Kriemhild), passou maus momentos na França e aceitou 
encomendas de Hollywood.
Grande cineasta, influenciador de meio mundo, Lang guarda a amargura de 
quem não fez o grande filme de sua vida.
Até 1962, depois de filmes comerciais (e apesar disto excelentes) como 
os que fez na Índia Das Indische Grabmal [O túmulo indiano, 1959], Lang es-
tava no ostracismo. Jean-Luc Godard o levantou, fazendo-lhe grandes home-
nagens, das quais a maior foi colocá-lo como um dos atores centrais de Le 
Mépris [O desprezo, 1963], inédito no Brasil, ao lado de Brigitte Bardot e Jack 
Palance. Neste filme Lang faz o papel dele mesmo, o grande mestre alemão 
que se vê obrigado a aceitar as boçalidades do produtor para sobreviver. Ou, 
como disse Brecht, “a fim de ganhar a vida, lá vou eu todas as manhãs para o 
mercado de mentiras” (Hollywood).
A primeira vez que vi Lang foi em Cannes, em 1964, quando eu e Nel-
son Pereira dos Santos apresentamos Deus e o diabo na terra do sol (1963-
64) e Vidas secas (1963). Foi a entrada do cinema brasileiro, como fenômeno 
cultural, no mundo cinematográfico. Lang era presidente do júri. Agora, em 
Montreal, ele me revela que lutou pelos dois filmes, mas contingências in-
dustriais e políticas não permitiram destaques a filmes brasileiros, de autores 
desconhecidos.
Lang detesta a indústria do cinema. Godard, em sua entrevista-bomba 
em Veneza, no ano passado, disse que era absurdo um homem do talento 
de Fritz Lang, um dos criadores do cinema, ser obrigado a fazer conferências 
para sobreviver.
Lang quer fazer um filme sobre a juventude e, como Renoir, não encontra 
produtores. Sua fama, seus títulos, prêmios e honrarias — nada disso adianta. 
A máquina industrial o julga velho demais. Assim, desde 1964, passando pelo 
Festival do Rio, o inventor dos vampiros e espiões, que mais tarde dominariam 
as telas através de imitadores, anda de país em país. Amargo, Lang é homem 
de senso de humor e grandeza humana.
Y Na mesma noite, deixei a Alemanha”. Ver “ Fritz Lang: autobiografia”, em Lúcia Nagib (ed.), 
Fritz Lang: 100 anos (São Paulo: Cinemateca Brasileira/Instituto Goethe, 1990), p 7. [N.E.]
46
— Não me falem em expressionismo alemão. Isto nunca existiu em cine-
ma. Siegfried Kracauer, que escreveu um livro chamado De Caligari a Hitler,4 é 
um mistificador, um oportunista. Escreveu o livro mais impreciso e mentiroso 
que já li. Max Reinhardt, diretor teatral, nunca teve influência sobre o cinema. 
Minha amiga Lotte Eisner também comete erros ao escrever sobre o velho 
cinema alemão referindo-se ao “expressionismo alemão”.5 Eu sempre fui livre, 
nunca fiz parte

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