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717 Lorete Maria da Silva Kotze Shirley Ramos da Rosa Utiyama Luiz Roberto Kotze Renato Mitsunori Nisihara 63 DOENÇAS GLÚTEN-RELACIONADAS INTRODUÇÃO O glúten advém de proteínas de cereais. O gru- po de proteínas (gliadinas e gluteninas) que consti- tuem o glúten do trigo, do centeio, da cevada e da aveia é conhecido como prolaminas. Essas prolami- nas contêm aminoácidos (prolina e glutamina) que fazem o glúten ter digestão difícil, consequente à quantidade de oligopeptídeos que chega ao intesti- no delgado. Assim, a ingestão de alimentos conten- do glúten faz que o corpo detecte a presença de ele- mento estranho e deflagre uma série de atividades, mais graves (doença celíaca – DC) ou menos graves (sensibilidade ao glúten não celíaca – SGNC), oca- sionando sintomas gastrointestinais (GI) ou sistê- micos. Tais sintomas usualmente desaparecem com a adoção de dieta isenta de glúten (DIG). As diferenças existentes entre DC e SGNC se dão tanto em nível molecular como na resposta imune: enquanto a DC deriva de mecanismo deflagrado pela resposta adaptativa do sistema imune, a SGNC es- taria mais conectada à ação do sistema imune inato e parece não envolver a função da barreira intestinal.1 As doenças glúten-relacionadas podem ser classi- ficadas de acordo com o mecanismo patogênico pre- dominante, segundo consenso realizado em Londres (Figura 63.1).2 O mecanismo pode ser: 1. Alérgico: alergia ao trigo. 2. Autoimune: doença celíaca (DC). 3. Não alérgico e não autoimune: sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC). ALÉRGICO – ALERGIA AO TRIGO A alergia ao trigo é uma reação mediada por IgE às gliadinas insolúveis do trigo. Os sintomas desen- volvem-se minutos a horas após a ingestão do glúten, incluindo prurido e inchaço na boca, nariz, olhos e garganta, rash cutâneo, falta de ar e até anafilaxia com ameaça à vida. As manifestações GI da alergia ao trigo podem ser semelhantes às da DC, mas não há dano permanente ao sistema digestório; também podem se confundir com a SGNC, mas somente em um grupo pequeno de pacientes. A confusão maior ocorre na distinção entre glúten e os frutanos, com- ponentes do trigo. A alergia ao trigo apresenta-se em diferentes fe- nótipos clínicos (urticária, rinite ou anafilaxia), de- pendendo da idade do paciente, concomitantemente com outras alergias alimentares ou respiratórias, der- matite atópica e outros fatores, como exercício. Uma história detalhada é mandatória.3 As alergias respiratórias são mais frequentes em adultos (asma e rinite); as alimentares são mais TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 718 encontradas em crianças. Os pacientes alérgicos ao trigo não precisam restringir centeio, cevada e aveia.4 R Diagnóstico: prick test (pele) e determinação de IgE específica no sangue. Testes cutâneos posi- tivos ocorrem em alergias orais e respiratórias, mas não na suspeita de anafilaxia induzida pelo exercício com dependência de alimentos – trigo (WDEIA).2 R Tratamento: retirada do trigo da alimentação. Sugerir quatro horas de intervalo entre refeição e exercícios na WDEIA. Não usar AAS e inibi- dores da COX2. AUTOIMUNE – DOENÇA CELÍACA A doença celíaca (DC) é considerada uma afecção sistêmica imune mediada, desencadeada e mantida pelo glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis. O denominador comum para os pacientes com DC é a combinação variável de manifestações clínicas glúten-dependentes; autoanticorpos específicos an- tiendomísio e antitransglutaminase (EmA e anti- -tTG) no soro; presença de haplótipos HLA DQ2 e/ou DQ8; e diferentes graus de enteropatia, que variam desde infiltração linfocitária no epitélio até completa atrofia de vilosidades.5 Epidemiologia A prevalência global da DC aumentou substan- cialmente nos últimos 50 anos e, atualmente, pode ser considerada um problema de saúde pública. É de distribuição mundial, afetando cerca de 1:100 ou 1:300 pessoas. No Brasil, alguns estudos com doado- res de sangue foram realizados: em Brasília, Gandolfi et al.6 assinalaram 1/681, usando EmA IgA; em Curitiba, Pereira et al.7, com EmA IgA e anti-tTG, encontraram 1/475; em São Paulo, Oliveira et al.8, 1/214, com anti-tTG. A proporção entre o sexo fe- minino e o masculino é de 2:1 ou 3:1.5 O aumento da incidência da DC nos últimos anos pode ser explicado pela maior disponibilidade dos testes sorológicos (EmA-IgA e anti-tTG IgA) e pela facili- dade de biópsias por meio de exames endoscópicos. No entanto, há dados que apontam aumento real em todas as faixas etárias causado por alterações ambientais.5 Fatores que influenciam a prevalência da DC: R Lesões menores à histologia (Marsh I e II), muitas vezes denominadas enteropatia glúten- sensível, têm sido consideradas DC. Quando incluso Marsh I e II nos estudos há aumento da prevalência, o que explica o aumento de in- teresse em DC. Figura 63.1. – Classificação das desordens relacionadas com o glúten de acordo com o mecanismo patogênico. WDEIA – Wheat dependent exercise-induced anaphylaxis (anafilaxia induzida por exercício com dependência alimentar do trigo). Fonte: Primeiro consenso sobre sensibilidade ao glúten. Londres, 11/12 de fevereiro de 2011.2 Desordens relacionadas com o glúten Autoimune Doença celíaca Glúten ataxia Dermatite herpetiforme Alergia ao trigo Alergia respiratória Alergia alimentar WDEIA Urticária de contatoSintomática Silenciosa Potencial Sensibilidade ao glúten Alérgica Não autoimuneNão alérgica Patogênese CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 719 R Estudos baseados somente em sorologia positiva tendem a relatar prevalência superior à daqueles que requerem biópsia positiva para o diagnóstico. Os grupos de risco incluídos são familiares de celíacos, anemia, osteoporose, doenças autoimunes (DAI), dermatite herpetiforme, diabete melito tipo 1, fadiga crônica, síndrome do intestino irritável e hipertransaminasemia idiopática.5,9 Etiopatogênese A DC resulta da imbricação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos (Figura 63.2). Fatores ambientais O glúten é o fator ambiental desencadeador e mantenedor das alterações, mas há outros fatores a serem considerados, tais como: papel protetor do lei- te materno, a estação do nascimento, infecções gas- trointestinais e o uso de antibióticos, disbiose no tra- to digestivo caracterizada por aumento de Bacteroides spp. e pequena quantidade de Bifidobacterium spp. e B. longum quando comparados a controles sadios. Essa disbiose não parece normalizar após DIG.5 Fatores genéticos A DC é uma doença complexa, já que múltiplos fatores ambientais e genéticos influenciam em seu desenvolvimento.4 Constitui uma afecção com forte característica hereditária e poligênica. O amplo espec- tro de estádios patológicos, a heterogeneidade clínica, histológica e imunológica observadas na DC corrobo- ram sua natureza poligênica. Possivelmente, diferen- tes genes de suscetibilidade contribuem nos diversos estádios para o desenvolvimento final da doença.4 Estudos com familiares de celíacos e gêmeos evi- denciam a participação da genética na suscetibilida- de à doença: concordância de 70 a 75% da DC em gêmeos monozigóticos, de 11 a 20% em gêmeos di- zigóticos e de 5 a 15% de múltiplos casos da doença dentro de famílias afetadas.10 Os riscos são maiores em familiares. Estudos dos autores deste capítulo apontam evidência de 13,7% nos de primeiro grau e 6,35% nos de segundo grau. Tais dados reforçam a importância do rastreamento em todos os familiares dos celíacos, enfatizando a in- dicação de biópsia intestinal nos positivos, mesmo na ausência de sintomatologia clínica.10 Semelhante a outras doenças autoimunes, a DC é uma doença para a qual o locus MHC é o fator gené- tico mais importante, estimando-se que contribui com aproximadamente 40 a 50% da variação genética da enfermidade. A relação entre a DC e os genesHLA no cromossomo 6p21 (região CELIAC 1) é uma das asso- ciações HLA-doença tida como o exemplo mais forte e bem estabelecido até o momento. A maioria dos pa- cientes (90 a 95%) são portadores de uma variante par- ticular de HLA-DQ2 (DQA1*05:01, DQB1*02:01, Figura 63.2 – Fatores patogênicos na doença celíaca. LIE: linfócito intraepitelial; TCR: receptor de célula T. Humorais Dieta Genes HLA Genes não HLA Celulares Anticorpos Complemento Citocinas Glúten Trigo – gliadina Centeio – secalina Cevada – hordeína Aveia – avenina CD4+ CD8+ LIE/TCR gama-delta Macrófagos Classes I, II e III Imunológicos DCAmbientais Genéticos TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 720 também conhecida como DQ2.5), enquanto aqueles que não o são (aproximadamente 5 a 10%) expressam o HLA-DQ8 (DQA1*03, DQB1*03:02), ou carregam outra variante HLA-DQ2 (DQA1*02: 01, DQB1*02: 02, também conhecida como DQ2.2). Considerando que praticamente todos os pacientes com DC carreiam determinada variante HLA, é possível que esta possa ser considerada um fator necessário, mas não suficien- te, para o desenvolvimento da doença.5,10 É importante ressaltar, que mesmo que esses alelos sejam relativa- mente comuns na população geral na qual a DC é prevalente (30 a 40%), apenas uma pequena proporção dos indivíduos que apresentam tais genes desenvolve a DC (~2 a 5%). Testes de HLA têm sido utilizados na clínica para excluir o diagnóstico de doença celíaca. Estes têm se mostrado clinicamente relevantes, além de apre- sentarem valor preditivo na detecção de familiares de alto risco ou em situações de suspeita clínica nas quais o diagnóstico de DC não é claro. Deve-se, no entanto, atentar ao fato de que, apesar de o HLA- DQ2 e o HLA-DQ8 apresentarem valor preditivo negativo próximo de 100%, relatos recentes têm ca- racterizado pacientes com DC na ausência de HLA- DQ2 e HLA-DQ8.11 Outras associações HLA têm sido detectadas, e um grande número de genes não HLA foram des- critos recentemente como fatores de suscetibilidade à DC (aproximadamente 40 loci). Muitos desses loci abrigam genes que estão relacionados com a respos- ta imune, particularmente com funções de células T e B. Metanálises dos estudos de triagem genômica têm permitido sintetizar as informações disponíveis das investigações baseadas em famílias e identificar as novas regiões de potencial contribuição na predis- posição à DC, embora a contribuição genética des- ses polimorfismos combinados como um todo seja substancialmente menor (14%) quando comparada à de 30 a 35% conferida pelos alelos HLA-DQ2 ou HLA-DQ8. A identificação desses genes e de seu papel na suscetibilidade, ou mesmo na proteção à DC, pode trazer avanços nos aspectos diagnósticos e terapêuticos, além de servir como modelo nos estu- dos de outras doenças autoimunes.5,10 Fatores imunológicos Inúmeros avanços têm sido relatados no entendi- mento da patogênese da DC (Figura 63.3). A imuni- dade inata e a específica participam ativamente no pro- cesso de lesão da mucosa intestinal na DC, por meio de mecanismos humorais e celulares. As evidências autoimunes permitem classificá-la como um modelo de afecção ao demonstrar o fator ambiental envolvido (proteínas do glúten e cereais relacionados), o compo- nente genético principal (HLA-DQ2 ou HLA-DQ8) e a consequente produção de autoanticorpos circulan- tes: antitransglutaminase tecidual (TG2) e antiendo- misial (EmA).12 O efeito precoce do glúten se dá no intestino delgado, provocando alterações nas junções firmes intercelulares. Assim, os peptídeos adentram a lâmina própria em consequência de aumento da per- meabilidade intestinal. O efeito do glúten na imu- nidade inata na DC, com ativação predominante de linfócitos intraepiteliais (LIE) e células do epitélio intestinal, se dá por meio do peptídeo alfa-2-gliadina p31-43, que constitui o gatilho dessa reação ao estimu- lar as células epiteliais e macrófagos/células dendríticas a secretar IL-15. Esta, por sua vez, atua na expansão de LIE e nos processos de destruição de células epi- teliais e danos na mucosa. Moléculas HLA classe I não clássicas (MICA) no epitélio intestinal servem de ligante para o receptor NKG2D de células NK, lin- fócitos T-gama delta e linfócitos T citotóxicos CD8+. MICA epitelial e a produção epitelial de IL-15 levam à ativação de NKG2D nos LIEs. Os LIEs citotóxi- cos ativados induzem aumento da apoptose epitelial e da permeabilidade. As vias da perforina/granzima e/ ou Fas/FasL participam dessas atividades de citotoxi- cidade e apoptose dos LIEs no epitélio intestinal na DC. Por sua vez, a IL-15 contribui na interligação do sistema imune adaptativo à resposta imune inata na fi- siopatogenia da DC, ao promover a resposta de células T CD4+ a peptídeos deaminados de gliadina.12 As células T glúten-reativas estão presentes na lâ- mina própria de pacientes com DC. Elas dão início à resposta imune adaptativa, ao reconhecer o pep- tídeo 57-68 (p57-68), levando à produção de cito- cinas pró-inflamatórias como IFN-gama e TNF- alfa. A enzima transglutaminase (TG2, usualmente denominada tTG) é uma enzima intracelular e tem sido detectada em todas as camadas da parede do intestino delgado. Constitui o autoantígeno-alvo na DC e tem importante participação no processo fisiopatológico da doença.13 O alto conteúdo em glutamina e a proximidade com prolina e resíduos hidrofóbicos de aminoácidos fazem das proteínas do glúten, especialmente as gliadinas, o substrato espe- cífico da enzima tTG.14 Por meio de deamidação, a tTG converte a glutamina em ácido glutâmico, em sítios-chave dentro do peptídeo de gliadina, gerando potentes epítopos imunoestimulatórios. O aumento de carga negativa da molécula do peptídeo favorece uma interação de maior afinidade na fenda de ligação da molécula HLA-DQ2 (ou HLA-DQ8), na super- CA PÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 721 Lúmen intestinal Gatilhos Vírus Bactérias Célula epitelial intestinal Condutores Aumenta suscetibilidade ao ataque por CTL Lâmina própria Glúten deaminado Morte da célula epitelial IFN tipo I e IL-15 CD maduraCD imatura Placas de Peyer ou MLN Zona de célula T Zona de célula B Célula B TG2-específica Complexo TG2-glúten Células T CD4+ auxiliam na diferenciação células B em plasmócitos Células T CD4+ auxiliam na sobrevivência de plasmócitos Resposta célula T CD4+ glúten-específica Células T CD4+ auxiliam na morte por CTL Atrofia de vilosidade IE-CTL NKG2D TCR CD94 NKG2CHLA-E MHC classe I MICA ou MICB Aumenta a expressão de IL-15, HLA-E e MIC Estresse célula epitelial Peptídeo próprio ou microbiano Plasmócito glúten-específico Plasmócito TG2-específico Célula T CD4+ Célula B glúten-específica HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 Glúten TG2 Linfático aferente Peptídeos Glúten fície das células apresentadoras de antígenos, levan- do a uma intensa ativação dos clones de linfócitos T CD4+ glúten-específicos, induzindo, dessa forma, a reação autoimune da DC.4,5,12 Subsequente à ativação das células T CD4+ esta- belece-se uma resposta Th1 e/ou Th2. As células da resposta Th1 liberam fator de necrose tumoral (TNF- alfa) e interferon-gama (IFN-gama), que estimulam fibroblastos intestinais a secretarem metaloproteina- ses (MMP-1 e MMP-3), que causam a destruição da mucosa, com consequente atrofia vilositária e hiper- plasia de criptas. As citocinas da resposta Th2 pro- movem ativação e expansão clonal de células B, com consequente produção de autoanticorpos (IgA e IgG) contra o glúten (gliadina), tTG e complexos gliadina- -tTG. Por sua vez, citocinas como IL-18, IFN-alfa e IL-21 parecem atuar na polarização e manutenção da resposta Th-1. A IL-21, produzida por células Th1 CD4+, foi caracterizada como um fator adicional da imunidade inata, ao atuar em conjunto com a IL-15. A detecção de altas concentrações deIL-21 em bióp- sias de pacientes com doença ativa sugere sua parti- cipação na patogênese da DC, embora o mecanismo envolvido em sua produção e seu papel preciso no pro- cesso de doença ainda permaneçam sem explicações.12 A compreensão da integração entre a resposta imune inata e a adaptativa tem possibilitado maior entendimento dos eventos decorrentes que levam à atrofia vilositária característica da DC. Muitos escla- recimentos ainda são necessários.1,5,12 Figura 63.3 – Etiopatogenia da doença celíaca. APC: células apresentadoras de antígenos; MMP: metaloproteinases; TG2: transglutaminase tecidual. Fonte: adaptada de Sollid e Jabri, 2013.9 TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 722 Fisiopatologia A DC compromete o intestino delgado proximal, afetando a absorção de vários nutrientes. O compri- mento do intestino lesado varia de um paciente para outro. Quanto mais grave a lesão e maior o segmen- to atingido, mais intensa será a má absorção e mais lesado será o indivíduo. Por outro lado, há pacientes celíacos com alterações discretas.5 O epitélio intestinal com as junções firmes entre as células, constitui barreira que regula o tráfego de macromoléculas entre o meio ambiente e o hospe- deiro. Portanto, controla o equilíbrio entre tolerância e imunidade para antígenos não próprios. Zonulina é o único modulador fisiológico. Quando fica desregu- lado em indivíduos geneticamente suscetíveis, pode facilitar doenças. Algumas ações nesse nível podem preveni-las. Assim, alterações na função de barrei- ra favorecem a penetração de peptídeos por falta de especificidade ou simplesmente por dano mucoso. Proteínas do leite de vaca ou da soja podem deter- minar anticorpos circulantes, trazendo implicações dietéticas importantes ao tratamento.15 Os efeitos decorrentes de tantas modificações re- sultam em má absorção, com predominância de um ou vários nutrientes, manifestando-se clinicamente por formas monossintomáticas ou até por síndrome carencial global. Quadro clínico O quadro clínico na DC varia muito, dependen- do da gravidade e extensão das lesões e da idade do paciente. É possível encontrar desde sinais e sinto- mas de má absorção de apenas um nutriente (anemia, por exemplo) ou pandisabsorção, com repercussões graves à nutrição do indivíduo e ameaça à sua vida. A apresentação clássica da DC (má absorção grave e caquexia), descrita nos livros, está cada vez mais rara. Os gastroenterologistas devem se lembrar desse diag- nóstico ao atenderem pacientes com dispepsia e/ou síndrome do intestino irritável, bem como os especia- listas em outras doenças autoimunes.5,9 A DC pode ser diagnosticada em qualquer época da vida. Anteriormente, era considerada rara no ido- so, mas com o aumento da longevidade chega a 27% dos casos, embora com grande intervalo entre os sin- tomas e o correto diagnóstico.16 Modos de apresentação5 O modo de apresentação também varia confor- me a idade do paciente, mas raramente se apresenta como complicação no início do quadro (perfuração ou linfoma). Ehsani-Ardakani et al.17 chamam a atenção para o fato de os pacientes apresentarem sin- tomas diversos de acordo com o país, provavelmente por questões dietéticas e culturais, concluindo que os profissionais devem ter alto índice de suspeição. Forma clássica ou típica Decorre da má absorção de nutrientes, encontrada tanto em crianças quanto em adultos, com quadro de diarreia crônica e desnutrição (Figura 63.4 A). Na criança, a distensão abdominal e a intensa redução de massa glútea são dados que chamam a atenção (hábito celíaco). a. Crianças menores que 2 anos de idade: R pouco apetite; R dor abdominal; R vômitos; R diarreia/constipação; R irritabilidade; R distensão abdominal; R emagrecimento; R hábito celíaco; R déficit de crescimento; R déficit de desenvolvimento; R desnutrição. b. Crianças maiores/adolescentes: R apetite pobre; R mal-estar digestivo; R cansaço; R mudanças de humor; R diarreia/constipação; R déficit de crescimento; R menarca atrasada; R anemia; R defeitos do esmalte dentário. c. Adultos/idosos: R sintomas gastrointestinais altos; R emagrecimento; R fadiga crônica; R mudanças de humor; R depressão; R diarreia/constipação; R distensão abdominal; R problemas gineco-obstétricos. CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 723 Forma atípica R Tipo denominado atípico digestivo: dispepsia e/ou síndrome do intestino irritável. R Tipo denominado atípico extradigestivo: sem sintomas GI (tais como baixa estatura, anemia, tetania etc.), monossintomática ou polissinto- mática (Figura 63.4 B). Forma silenciosa Os indivíduos são assintomáticos. O diagnóstico é sugerido por testes sorológicos positivos, endoscopia e histologia com alterações compatíveis. Forma latente Ocorre em indivíduos com biópsia intestinal nor- mal ante o consumo habitual de glúten e que, ante- rior ou posteriormente, desenvolvem atrofia parcial ou total de vilosidades, retornando novamente ao normal após isenção do glúten da dieta. a. Indivíduos com diagnóstico de DC responsiva à DIG e que apresentavam histologia normal ou so- mente > número de LIE. b. Indivíduos com mucosa normal em dieta com glú- ten que desenvolvem DC subsequentemente. Forma assintomática Ocorre entre familiares de celíacos com anticor- pos positivos no soro, com alterações histológicas mais ou menos graves, número aumentado de LIE, revertendo com dieta isenta de glúten. DC não responsiva Trata-se de uma falha de resposta à dieta estri- tamente isenta de glúten pelo menos após seis me- ses de tratamento ou ressurgimento de sintomas ou anormalidades laboratoriais típicas de DC, enquanto em tratamento. Causas mais comuns: exposição ao glúten (36%), síndrome do intestino irritável (22%), DC refratária (10%), intolerância à lactose (8%) e colite microscópica (6%). Nesses pacientes, há eleva- ção dos níveis de anti-tTG.18 DC refratária É considerada uma complicação.19 Dermatite herpetiforme Trata-se de uma DC da pele. Lesões aparecendo antes, ao diagnóstico ou durante a evolução da DC (Figura 63.4 C).20 Ciclos das DC A DC desenvolve-se em ciclos:5 1. Pode surgir no lactente, relacionando-se com a época do desmame e/ou introdução de cereais na alimentação. 2. Pode regredir parcialmente na adolescência ou se apresentar pela primeira vez nessa fase, com ou sem fator desencadeante. 3. Pode aparecer ou reaparecer na idade adulta, geralmente na terceira ou na quarta década, principalmente durante gestação ou puerpério. A B C Figura 63.4 – A) Paciente com DC forma clássica ou típica. B) Paciente com DC forma atípica extradigestiva. C) Paciente com dermatite herpetiforme. TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 724 4. Pode surgir na idade adulta ou geriátrica desen- cadeada ou não por algum fator, como cirur- gias, infecções etc. Manifestações gerais da DC As manifestações mais comuns são anorexia, cansaço, emagrecimento, fraqueza, hiperfagia, mal-estar, baixa estatura, construção delgada, desgaste físico, febrícula, hipotensão. Não descartar DC se houver obesidade.17 Manifestações digestivas As manifestações digestivas são caracterizadas por dispepsia, náuseas, vômitos, distensão abdomi- nal, flatulência, dor abdominal, diarreia, constipa- ção, abdome escavado ou globoso, aftas, alterações da língua, aumento de ruídos hidroaéreos, peristalse visível, alças intestinais palpáveis e fezes gordurosas. Manifestações extraintestinais5,17 R Musculoesqueléticas: artralgia, dor óssea, miopa- tia proximal, alterações da marcha, artrite, defor- midades ósseas, osteomalacia, raquitismo, fraturas. R Gineco-obstétricas: atraso na menarca, amenor- reia secundária, aumento no número de abortos, diminuição da fertilidade, menopausa precoce,oli- gospermia, diminuição dos caracteres sexuais se- cundários, diminuição do sêmen, hipogonadismo. R Endocrinológicas: baixa estatura, atraso de de- senvolvimento sexual, deficiência de vitamina D. R Neuropsiquiátricas: irritabilidade, choro fácil, ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, de- generação cérebro-espinhal, neuropatia perifé- rica, ataxia, cefaleia, neuropatia. R Metabólicas: cãibras, diurese noturna, pareste- sias, tetania. R Hematológicas: anemia, hematomas, sangramento. R Tegumentares: alterações nos cabelos, edema, hematomas, lesões pruriginosas, lesões bolho- sas, pigmentação de pele, paquioníquia, rashes. Doenças associadas Várias condições têm sido relatadas com DC, tan- to em crianças como em adultos. Geralmente, são afecções com envolvimento de mecanismos autoi- munes e/ou ligadas a antígenos do sistema HLA. O quadro clínico pode ser um mosaico entre os sintomas e sinais da DC e da entidade associada. O diagnóstico de ambas será feito conforme a na- tureza da comorbidade. Destacam-se as mais preva- lentes (em ordem alfabética): alergias alimentares, alopecia areata, artrite reumatoide, asma brônquica, atopia, câncer do esôfago e da faringe, câncer do in- testino delgado, cirrose biliar primária, colite linfo- cítica, deficiência de IgA, deficiência imunológica comum variável, diabete melito, doença de Addison, doenças da tireoide, epilepsia com calcificações cere- brais, fibrose cística, hepatite autoimune, linfomas, lúpus eritematoso disseminado, miastenia gravis, pancreatite crônica, polimiosite, psoríase, síndrome de Down, síndrome do intestino irritável, síndro- me de Sjögren, síndrome de Turner, síndrome de Williams, vitiligo.9 Transição clínica Muitos pacientes diagnosticados como celíacos na infância não recebem orientação médica quando em transição para a idade adulta. Cerca de ⅓ não obe- decem à dieta. A prevalência dos distúrbios prevení- veis e tratáveis nos adultos jovens mostra a falha nos serviços de saúde após a transição da faixa pediátrica para os atendimentos para adultos. Complicações da DC5,19 R Anemia: devido à deficiência de ferro e/ou ácido fólico. R Osteomalacia, osteoporose: por hipocalcemia. R Jejunite ulcerativa: rara, manifestação precoce de malignidade. R Linfoma do intestino delgado: de células T ou, mais raramente, de células B. R Carcinomas: mais do esôfago. DOENÇA CELÍACA REFRATÁRIA (DCR)19 A DCR é uma condição rara, geralmente em pa- cientes acima de 47 anos de idade, quando há atro- fia vilositária com hiperplasia de criptas e aumento dos linfócitos intraepiteliais (LIE), persistindo por mais de 12 meses, apesar da dieta rígida sem glúten. Atenção deve ser dada ao desenvolvimento de linfo- ma. Os pacientes devem ser investigados por exames radiológicos, de imagem e endoscópicos, e biópsias com estudos imuno-histoquímicos. R DCR tipo I: caracterizada pela expressão nor- mal de antígenos para célula T e rearranjo poli- clonal do gene TCR. - Tratamentos: prednisona, budesonida, prednisona + azatioprina. R DCR tipo II: caracteriza-se por fenótipo anor- mal de LIE com expressão intracitoplasmática CD3, CD103 de superfície e falta dos clássicos CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 725 marcadores de superfície, tais como CD8, CD4 e TCR-alfa/beta. - Tratamentos: quimioterapia, alentuzumabe (anti-CD52), pentostatina, corticosteroides, ciclosporina, infliximabe, cladribina, blo- queio de IL-15. DERMATITE HERPETIFORME A dermatite herpetiforme (DH) é considerada “a doença celíaca da pele”.20 Pode preceder os sinais e sintomas de DC ou surgir após alguns anos depois do diagnóstico da doença intestinal (ver Figura 63.4 C). Afeta aproximadamente 25% dos pacientes com DC. Ambas as afecções ocorrem em indivíduos de qual- quer idade e de ambos os sexos, mas é predominante em homens. Podem ocorrer ambas as doenças em fa- miliares.20 Todos os pacientes com DH apresentam algum grau de inflamação na mucosa intestinal ou alteração compatível com DC. A fisiopatologia da DH é complexa e ocorre em indivíduos predispostos HLA DQ2 ou DQ8. A imu- nofluorescência direta é necessária para confirmar o diagnóstico: depósitos granulares de IgA/C3 na der- me papilar. A transglutaminase tecidual parece ser o autoantígeno predominante em ambos: intestino e pele. Os marcadores sorológicos usados para detectar DC são os mesmos que ocorrem positivamente na DH. Servem, também, para monitorar o tratamento, como na DC, embora a dieta sem glúten seja acrescida do uso de dapsona nos casos mais graves ou não res- ponsivos somente à DIG. Essa droga melhora as le- sões de pele, porém, não interfere no dano intestinal. Assim, a obediência à dieta é fundamental e para toda a vida, como na DC. Lesões orais, alopecia e vitiligo ocorrem mais frequentemente em pacientes com DH do que na população geral. Em contraste, a associação de DC com psoríase parece ser coincidência. O risco em longo prazo é a ocorrência de linfomas T ou B do trato gastrointestinal, em 2% dos casos, prin- cipalmente em homens, como salientam Kotze et al.20 Diagnóstico clínico com base nos sintomas e sinais5 Devem ser feitos exames laboratoriais de rotina, de acordo com o que apresenta o doente e como cri- tério para as reposições. A determinação do tempo de atividade de protrombina (TAP) ou demais exa- mes de estudo de coagulação podem ser realizados antes da biópsia, quando pertinente.5 A determinação sorológica de anticorpos deve ser feita com o paciente ingerindo glúten e após deter- minação dos níveis séricos de imunoglobulinas, pois cerca de 12% dos celíacos apresentam deficiência de IgA e poderão apresentar resultados falso-negativos. Nesses casos, haverá necessidade de realizar testes com IgG.21 Anticorpos antigliadina Os anticorpos antigliadina (AGA) são determi- nados por ensaio imunoenzimático (ELISA) e de- monstram moderadas sensibilidade e especificidade. Não são mais rotineiramente recomendados por poderem ser identificados em indivíduos normais, em doenças autoimunes, alergia alimentar, infec- ções e parasitoses intestinais. O consenso atual é de que anticorpos AGA são mais indicados apenas para crianças até 18 meses de idade.22 Níveis normais não excluem DC. Mais recentemente, a utilização de kits de anti- gliadina deamidada em testes sorológicos tem se revelado um novo instrumento na detecção da DC, porém, não se mostra necessariamente melhor do que o anti-tTG. Anticorpos antiendomísio (mais alta acurácia diagnóstica) Anticorpos antiendomísio são anticorpos da clas- se IgA (EmA IgA) dirigidos contra a camada linear da musculatura lisa dos primatas e correlacionam- se positivamente com a gravidade da lesão mucosa. Adsorvem-se no componente amorfo adjacente a fi- brilas finas de colágeno no tecido conectivo endomi- sial. Essas fibrilas conectam células musculares lisas, feixes de músculo liso e tecido elástico vizinhos.10 São detectados por imunofluorescência indireta em esôfago de macaco ou cordão umbilical humano (Figura 63.5). Os autores recomendam este último substrato por ser comumente disponível, rico em fi- brilas de reticulina, endomísio em torno das fibrilas musculares lisas na parede da veia e das duas artérias e por não conter IgA, o que evita o problema de reação imunológica cruzada. O resultado é fornecido como negativo ou positivo, e o título é definido como a mais alta diluição com imunofluorescência presente.10 O EmA IgA constitui-se um poderoso exame es- pecífico para DC e útil não só na detecção de DC ativa como na sua forma silenciosa ou potencial.13 Kotze et al. encontraram 100% de sensibilidade e 99,3% de especificidade em celíacos brasileiros. É excelente para diagnóstico, monitoração da die- ta, rastreamento de familiares de celíacos e detec- ção de DC como comorbidade em outras doenças autoimunes.13 TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RAD U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 726 Anticorpos antitransglutaminase Os anticorpos antitransglutaminase tecidual (anti-tTG) são detectados por ELISA. A tTG in- terfere na matriz extracelular e nos mecanismos de reparação tecidual, atuando na gliadina do trigo na DC, como substrato para essas reações. A tTG pode ser o principal, senão o único, autoantígeno endomisial-alvo, reconhecendo gliadinas ricas em glutamina como um de seus substratos. Cada labo- ratório fornece os valores considerados normais ou alterados, que dependem do kit comercial utilizado. A desvantagem é que pode dar níveis considerados positivos em outras doenças sistêmicas ou gastroin- testinais. Em tecidos lesados, não só na DC, os ní- veis de tTG aumentam.5 O EmA e a anti-tTG se correlacionam bem, mas nos pacientes com baixos níveis de anticorpos o EmA é superior.23 Em síntese, os testes sorológicos são úteis:21 R Para detecção de DC em crianças, adultos ou familiares de celíacos. Também para esclareci- mento de formas monossintomáticas. R Na monitoração do tratamento, pois após três meses de dieta sem glúten os anticorpos devem diminuir, mas só vão negativar após 12 a 24 meses, variando de indivíduo a indivíduo. Sua elevação significa não aderência à dieta, que deve ser revista. R Nos pacientes com dúvida diagnóstica em que é feita a provocação com glúten (crianças até 2 anos de idade), os anticorpos AGA se elevam, podendo-se até dispensar novas biópsias. R Para rastreamento na população geral, em estu- dos epidemiológicos. R No rastreamento de DC em grupos de risco: fa- miliares e portadores de afecções autoimunes.10 É óbvio que a realização simultânea de vários testes sempre será o ideal para rastreamento dos casos que deverão ser submetidos à biópsia intestinal. O American College of Gastroenterology, em sua guideline, faz as seguintes recomendações sobre a so- licitação de testes sorológicos:21 R Pacientes com sintomas, sinais ou exames labo- ratoriais sugestivos de má absorção intestinal. R Familiares de paciente previamente diagnosti- cado como celíaco que apresentem algum sin- toma ou sinal ou teste de laboratório sugestivo de DC. R Familiares de primeiro grau, assintomáticos, de indivíduos com diagnóstico confirmado de DC. R Pacientes com elevados níveis de transaminases de causa desconhecida. R Pacientes com diabete melito tipo 1 com ou sem sintomas. Quanto à escolha do teste:21 R Anti-tTG IgA é o teste preferencial para pa- cientes acima de 2 anos de idade. R Determinar IgA quando há alta suspeição de DC e anticorpos estão negativos, solicitando testes com IgG. R Se há alta suspeição de DC e os testes soro- lógicos estão negativos, está indicada a biópsia intestinal. R Todos os testes sorológicos devem ser realiza- dos em indivíduos ingerindo glúten. R Anticorpos antigliadina (AGA IgA e IgG) não são recomendados como primeira escolha. R Para crianças até 2 anos de idade pode-se reco- mendar anti-tTG combinado com AGA. Detecção de outros autoanticorpos Independentemente do tempo da sintomatologia ou diagnóstico de DC e da aderência ou não à dieta isenta de glúten, preconiza-se a determinação de au- toanticorpos, principalmente para doenças gástricas, da tireoide, do fígado e do tecido conectivo, em fun- ção da alta prevalência dessas associações com a DC.24 Um amplo perfil de autoanticorpos foi realizado em indivíduos da região sul do Brasil por Utiyama et al.24 com 25% de positividade para os pacientes celíacos Figura 63.5 – Anticorpos antiendomísio positivos em preparação com cordão umbilical humano como substrato, evidenciando intensa imunofluorescência. CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 727 (16,1% de anticorpo antimicrossomal da tireoide, 8,9% para fator antinuclear) e 17,8% para familiares de celíacos (9,3% de anticorpo antimicrossomal da tireoide, 5,1% de fator antinuclear), com diferença significativa em relação à população-controle. Tais dados reforçam as características autoimunes, con- comitantes tanto nos indivíduos com doença celíaca como em seus familiares próximos. O risco de DC silenciosa é maior em várias condições autoimunes: cerca de 2 a 5% de pacientes com diabete melito in- sulinodependente ou doenças autoimunes da tireoi- de. A explicação seria por semelhanças hereditárias das condições autoimunes. Por outro lado, portado- res das afecções listadas anteriormente deverão ser rastreados para doença celíaca, com ou sem sintoma- tologia digestiva. Exames radiológicos R Trânsito intestinal: cerca de 12% dos celíacos têm esse exame normal, e os com DC grave po- dem ter apenas discretas alterações, semelhan- tes às observadas em afecções que cursam com má absorção. Assim, o exame serve para diag- nóstico diferencial com outras afecções e para excluir ou detectar a presença de tumores.5 R Idade óssea: atrasada em relação à idade crono- lógica pode ser detectada em pacientes pediá- tricos e adolescentes para avaliar a evolução do tratamento. R Raios X ósseos: podem demonstrar desminera- lização com diminuição da densidade, osteopo- rose, fraturas e pseudofraturas. R Densitometria óssea: determina a densidade mineral óssea, deve ser realizada no momento do diagnóstico, independentemente da idade do paciente. Mostra níveis de osteopenia ou de osteoporose em pacientes celíacos desde a ado- lescência. É indicada para monitorar a reposi- ção de cálcio e vitamina D.25 Exames de imagem Enterotomografia ou enterorressonância são in- dicados principalmente na suspeita de linfomas ou outros tumores.5,12 Endoscopia digestiva alta Quando os endoscopistas examinam atentamen- te a mucosa duodenal, há aumento significativo do número de casos diagnosticados como DC, suge- rido pela macroscopia e confirmado pelos achados histológicos nas várias biópsias realizadas. Aspectos sugestivos de DC à endoscopia são perda das pregas de Kerkring no duodeno descendente, granulosida- de, padrão mosaico, pregas mais espessadas e proe- minentes, concêntricas e vasos sanguíneos visíveis (Figura 63.6). Observa-se perda ou redução na proe- minência das pregas duodenais em aproximadamen- te 70% dos celíacos.26 Lebwohl et al.27 reforçam o fato de que se forem seguidas as guidelines para biópsias duodenais (1 fragmento do bulbo e pelo menos mais 3 ou 4 da segunda porção), o diagnóstico de DC dobra. R Cromoendoscopia de magnificação: por meio da endoscopia e com o uso de 5 a 10 mL de so- lução de índigo-carmim a 1% pode-se predizer áreas de atrofia vilositária (Figura 63.6 B). Tal visão tem importância para dirigir as biópsias, principalmente quando há áreas de alterações focais (patchy) e revela doença persistente.26 Figura 63.6 – Aspectos endoscópicos na doença celíaca. A) Pregas com serrilhamento (scalloped). B) Cromoscopia mostrando áreas de atrofia e pregas serrilhadas. C) Magnificação de imagem revelando atrofia de mucosa. A B C TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 728 R Cápsula endoscópica (CE) – wireless capsule endoscopy (WCE) (Figura 63.6 C): permite de- terminar melhor as alterações e a extensão nas vilosidades intestinais na DC, reconhecer com- plicações como ulcerações e, mais importante ainda, excluir tumores, principalmente nos casos de refratariedade ao tratamento. O diagnóstico por esse método chega a ser de 87%. Na DC as indicações para a CE são:5 R Pacientes com sintomatologia típica ou atí- pica com dúvida diagnóstica pelos métodos tradicionais. R No estudo e valorização das complicações em pacientes refratários ao tratamento. R No rastreamento de familiares. R No rastreamento de grupos de risco para DC (diabéticos, síndrome de Down, doenças autoi- munes, tireoidopatias etc.). R Suspeita de linfoma em celíacos. R Seguimento de pacientes com maior risco de desenvolver linfomas, como nos diagnosticados como celíacos acimade 50 anos de idade. R No diagnóstico diferencial com outras causas de má absorção e processos associados há con- cordância de 100% entre os achados com a CE e a histologia de fragmentos duodenais obtidos por endoscopia na atrofia vilositária. Análise histopatológica A biópsia do intestino delgado atualmente é rea- lizada durante endoscopia digestiva alta, pois a DC compromete o duodeno e o jejuno proximal, justa- mente segmentos em que se visualiza a mucosa com os endoscópios e nos quais se pode colher, sob visão direta, fragmentos do bulbo e quantos forem neces- sários na segunda porção duodenal.26,27 O que tem importância é o correto manejo do fragmento para adequada orientação dos cortes e análise acurada do espécime: colocá-lo em papel de filtro embebido ou não em soro fisiológico e com a superfície vilositária para cima, para depois colocá-lo em solução de formalina. Em 1992, Marsh28 sugeriu um repertório de al- terações na mucosa em relação à DC, advindo da sensibilização dos linfócitos T. Para esse autor, pelo menos quatro padrões distintos, inter-relacionados e sequenciais de alterações da mucosa poderiam ser reconhecidos: infiltrativo, hiperplástico, destrutivo e hipoplásico (Figura 63.7). R Tipo infiltrativo (Tipo 1): arquitetura mucosa normal na qual o epitélio das vilosidades está marcadamente infiltrado por uma população de pequenos linfócitos não mitóticos glúten- -dependentes (LIE). Tal lesão é encontrada em cerca de 40% dos pacientes portadores de DH não tratada e, aproximadamente, em 10% de familiares de primeiro grau dos pacientes ce- líacos. Habitualmente não se associa a sintomas gastrointestinais ou má absorção. R Tipo hiperplástico (Tipo 2): há semelhança com o tipo 1, mas soma-se alongamento das criptas cujo epitélio, como as vilosidades, também se apresenta infiltrado por pequenos LIE não mi- tóticos. É visto em aproximadamente 20% dos pacientes não tratados de DH e também quando se provoca o desafio com quantidades moderadas de glúten, revelando resposta imune mediada por linfócitos T. R Tipo destrutivo (Tipo 3): lesão “típica” com mu- cosa achatada que preenche os critérios para con- siderá-la como do tipo imunidade mediada por células. Há hiperplasia de criptas e número aumen- tado de LIE. Ocorre em pacientes sintomáticos, mas pode também ser vista em cerca de 40 a 50% dos portadores de DH e em mais ou menos 50% dos familiares de primeiro grau dos celíacos. R Tipo hipoplásico (Tipo 4): esta lesão é descrita nos casos de refratariedade à dieta isenta de glú- ten, nos quais a mucosa apresenta intensa hipo- plasia de criptas, além da redução das vilosidades. Vários autores assinalam aumento importante no número de LIE na mucosa de celíacos não tratados. Segundo Kotze,29 para cada 100 células epiteliais foi encontrada uma média de 45 LIE (45%) e, nos controles, 24 (24%). A contagem do número de LIE continua de importância prática.29 A maior densidade desses linfócitos no topo das vilosidades serve de marcador funcional de sensibi- lidade ao glúten, principalmente nas biópsias com arquitetura preservada (normais). É método relati- vamente rápido que pode ser feito em amostras das preparações rotineiras (hematoxilina-eosina), pois correspondem às contagens de LIE gama delta que requerem amostras congeladas e maior tecnologia.29 A clássica infiltração de células T não seria devida a um aumento no número dessas células, mas há um aumento aparente associado com uma diminuição relativa do número de enterócitos como resultado de alterações na arquitetura da mucosa. CA PÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 729 Há pacientes com mucosa intestinal normal à histologia e que apresentam anticorpos positivos e aumento do número de LIE. Tais indivíduos com sinais de sensibilidade ao glúten e com biópsias nor- mais devem ser reexaminados. Kotze et al. demons- traram tal fato em familiares de pacientes celíacos.10 Após suspensão do glúten da dieta a recuperação começa imediatamente, mas o tempo para retorno da mucosa ao normal ou quase ao normal tem sido descrito como diferente e longo para os diversos au- tores. A recuperação completa da mucosa intestinal ocorre raramente em celíacos adultos, apesar da ade- rência à DIG.30 Se o tempo para recuperação da mucosa após dieta sem glúten é variável, também o é a recidiva de alte- rações após a sua reintrodução. Pode haver recidiva histológica em pacientes assintomáticos, porém, o intervalo de dois anos ou mais é aceito como necessá- rio para a ressensibilização de um indivíduo potencial- mente sensibilizado. Nas biópsias sequenciais notam- -se, já nas primeiras horas de contato com o glúten, infiltração celular, edema, hipertrofia das células en- doteliais e aumento dos LIE. O pico de maiores alte- rações se dá nas primeiras 96 horas, com dano aos en- terócitos, seguindo-se encurtamento das vilosidades.29 Diagnósticos falso-positivos e falso-negativos po- dem ocorrer como consequência da variabilidade en- tre observadores, danos mucosos focais, baixo grau de alterações histológicas e limitações técnicas. Nos casos de forte suspeita clínica, biópsias duodenais devem ser feitas independentemente dos resultados da sorologia.31 Arguelles-Grande et al.31 chamam a atenção para o fato de a DC ser subdiagnosticada pelos patologis- tas em cerca de 20%. Em relação à classificação de Figura 63.7 – Classificação de Marsh para os achados histopatológicos na doença celíaca. ENTEROPATIA CELÍACA NORMAL ATROFIA PARCIAL I ATROFIA PARCIAL II ATROFIA PARCIAL III ATROFIA SUBTOTAL ATROFIA TOTAL TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 730 Marsh, tanto Marsh 0 como Marsh 3 são referidas com maior concordância, entretanto, as formas in- termediárias causam polêmica.26,31 Sugerem diversos autores maior uniformidade nos laudos enviados pe- los patologistas, com menor ênfase na presença ou não de atrofia vilositária e maior importância à hi- perplasia das criptas.31 Correlação entre testes sorológicos e biópsia intestinal R Típica: EmA positivo, Marsh 2-3. R Atípica: EmA positivo, Marsh 1-3. R Silenciosa: EmA positivo, Marsh 1-3. R Latente: EmA positivo ou negativo, Marsh 0-1. R Potencial: EmA positivo, Marsh 0-1. A correlação entre EmA IgA e anti-tTG IgA não é total, preferindo-se o primeiro. Kotze et al.5 de- monstraram correlação dos autoanticorpos e o grau de alteração da mucosa intestinal e infiltração pelos LIE, assinalando que, se forem usados somente o anti-tTG cerca de 60 a 70% dos celíacos, com discre- tas alterações histológicas, ficarão sem diagnóstico. Segundo diretrizes da Organização Mundial de Gastroenterologia,32 somente dados da biópsia in- testinal somados aos testes sorológicos positivos para DC permitem o diagnóstico definitivo de DC: trata- -se do gold standard.32 R Sorologia positiva e histologia negativa: rever ou repetir a biópsia após 1 a 2 anos. Seguir o paciente. R Sorologia positiva e histologia positiva: DC confirmada. R Sorologia negativa e histologia positiva: con- siderar outras causas de enteropatia. Se não en- contrar, tratar como DC. Genotipagem HLA. R Sorologia negativa e histologia negativa: DC excluída. R Doença celíaca soronegativa: nem todos os ce- líacos apresentam marcadores sorológicos positi- vos. De fato, a presença de marcadores sorológicos se correlaciona com o grau de atrofia vilositária e possivelmente com o modo de apresentação da DC (em pacientes com menor grau de atrofia espera-se menor positividade nos testes). Nesses casos, a pesquisa de HLA é de ajuda.11 Conclui-se que jamais se deve iniciar dieta isenta de glúten antes dos testes sorológicos e biópsia. Não se preconiza “teste terapêutico”.5,21 Diagnóstico diferencial5 O diagnóstico diferencial, do ponto de vista clí- nico, é feito, nas crianças, com afecções que cursam com diarreia crônica e máabsorção, especialmente fibrose cística, alergia alimentar, desnutrição primá- ria e diarreia persistente. Em virtude da distensão abdominal e nos casos com constipação, o diagnós- tico diferencial será feito com o megacólon congêni- to. Cuidadosa avaliação clínica se faz necessária para saber a época do desmame e da introdução de cereais na alimentação. Infelizmente, o abandono do aleita- mento materno e a introdução precoce de alimento industrializado levam crianças de até 3 ou 4 meses de vida a apresentar diarreia e vômitos por DC, gerando dúvidas diagnósticas em relação a outras intolerân- cias alimentares bastante comuns nesta faixa etária. Em adolescentes, adultos e idosos, o diagnóstico diferencial é feito com estas e com outras causas de má absorção intestinal, como doença de Whipple, deficiência imunológica comum variável, gastroente- rocolopatia eosinofílica, doença de Crohn, síndrome da imunodeficiência adquirida, linfomas.5 Recentemente, a maior dificuldade reside em di- ferenciar a DC das outras doenças glúten-relaciona- das, como foi mencionado no início deste capítulo.1,2 Do ponto de vista histológico, a diferenciação se faz com entidades que apresentam encurtamento ou achatamento das vilosidades, a saber: alergia alimentar, enterite aguda (viral, bacteriana, por Giardia lamblia, actínica), enterite crônica (espru tropical, doença de Whipple, imunodeficiências, gastroenterite eosinofíli- ca, linfomas, diarreia persistente, doença enxerto versus hospedeiro) e desnutrição proteico-calórica. Embora essas entidades possam se apresentar com vilosidades diminuídas em altura e mais alargadas, hiperplasia das criptas é observada marcadamente na DC. Além disso, o número de LIE não sobe a níveis tão elevados como os habitualmente encontrados na DC.5,29 Confirmação do diagnóstico de DC Recomendações, segundo a ACG:21 R A confirmação do diagnóstico de DC é baseada na combinação de história médica, exame físico e achados endoscópicos e análise histológica de múltiplos fragmentos do duodeno. R Uma a duas biópsias do bulbo duodenal e pelo menos quatro fragmentos do duodeno distal devem ser obtidos. R Infiltração por linfócitos no epitélio intestinal na ausência de atrofia das vilosidades não é especí- fica de DC, e outras causas devem ser aventadas. CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 731 Diagnóstico de DC em pacientes em DIG Recomendações, segundo ACG:21 R Mesmo que os testes sorológicos e a biópsia in- testinal tenham alto valor preditivo para DC, não devem ser usados para excluir DC em pa- cientes já aderentes à DIG. R Determinação de HLA DQ2/DQ8 pode ser usado para tentar excluir DC antes de qualquer desafio com glúten. R A DC deve ser diferenciada de SGNC para iden- tificar risco para deficiências nutricionais, com- plicações de DC, risco para DC e doenças asso- ciadas em membros da família e para influenciar no grau e na duração da aderência da DIG. Papel de outros exames Recomendações, segundo ACG:21 R Determinação de HLA DQ2/DQ8 não devem ser usados como rotina no diagnóstico inicial de DC. R Determinação de HLA DQ2/DQ8 pode ser usada para descartar DC em situações especiais: a. biópsia Marsh I ou II em pacientes soronegativos; b. avaliação de pacientes já em DIG não testa- dos anteriormente; c. discrepância entre os dados da sorologia e histologia; d. suspeita de DC refratária em casos em que o diagnóstico desta afecção é questionável. R Indicação da cápsula endoscópica somente quando não se pode realizar endoscopia em in- divíduos soropositivos. R Indicação da cápsula endoscópica para diagnós- tico de DC complicada. R Testes de permeabilidade não são recomenda- dos para o diagnóstico de DC (sem especifici- dade e sensibilidade). R Testes em saliva ou fezes não são recomenda- dos para diagnóstico de DC. Tratamento O tratamento tem por objetivos: R Eliminar as alterações fisiopatológicas intestinais. R Facilitar e favorecer a absorção dos nutrientes. R Normalizar o trânsito intestinal. R Recuperar o estado nutricional do paciente. R Melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento único é a dieta isenta de glúten para toda a vida. Recomendações, segundo ACG:21 R Pacientes com DC devem aderir à DIG por toda a vida. Evitar todos os produtos que con- tenham trigo, centeio e cevada (aveia no Brasil). R Enquanto a aveia pode ser tolerada com segu- rança pela maioria dos pacientes, sua introdu- ção na dieta deve ser cautelosa, e os pacientes devem ser monitorados de perto para reações adversas. R Pacientes com DC devem ser encaminhados a nutricionista com conhecimento da enfermida- de para receber orientação nutricional e educa- ção à DIG. R Pacientes recém-diagnosticados devem ser sub- metidos a exames e tratamento para deficiên- cias de micronutrientes (principalmente ferro, ácido fólico, vitamina D e vitamina B12). Monitoramento da DC Recomendações, segundo ACG:21 R Pacientes com DC devem ser monitorados regularmente para sintomas residuais ou no- vos sintomas, aderência à DIG e descarte de complicações. Em crianças, especial atenção ao crescimento e desenvolvimento. R Consultas periódicas com profissional médico com conhecimento de DC. Consulta com nutri- cionista para orientação quanto à contaminação. R O monitoramento da aderência à DIG deve se basear na combinação da história e sorologia (anti-tTG IgA ou IgG, EmA IgA ou IgG, ou anticorpos antigliadina deaminada). R EDA e biópsia são recomendadas para monito- rar casos em que há falta de resposta clínica ou recorrências mesmo em DIG. R O monitoramento dos pacientes deve incluir a verificação ou não da normalização das anorma- lidades laboratoriais verificadas à investigação, ou se surgiram apesar da aderência à DIG. R Acima de 2 anos de idade: a. determinar IgA quando há alta suspeição de DC e anticorpos estão negativos, solicitando testes com IgG; b. se há alta suspeição de DC e os testes soroló- gicos estão negativos, está indicada a biópsia intestinal; c. todos os testes sorológicos devem ser realiza- dos em indivíduos ingerindo glúten; TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 732 d. anticorpos antigliadina (AGA IgA e IgG) não são recomendados como primeira escolha. R Para crianças até 2 anos de idade pode-se reco- mendar anti-tTG combinado com AGA. DC não responsiva ou refratária Recomendações, segundo ACG:21 R Pacientes com DC não responsiva devem ser avaliados cuidadosamente para identificar e tra- tar etiologia específica para cada paciente. R O primeiro passo é avaliar testes sorológicos para DC e revisar a dieta do doente por nutri- cionista experiente. R A diferenciação deve ser feita entre tipos I e II de DCD refratária, por ser importante para o manejo e prognóstico. R Tratamento com medicações apropriadas em conjunto com a DIG deve ser considerado na DC refratária. R Pacientes com DC refratária devem ser monito- rados de perto e receber suporte nutricional agres- sivo, incluindo nutrição parenteral se necessário. Considerações importantes quanto à DIG Como a DIG é para toda a vida, deve o médi- co ter certeza do diagnóstico de DC e ter ciência da necessidade de mudanças intensas no estilo de vida. Os produtos são mais caros e nem sempre confiáveis. Nem sempre há condições de preparo dos alimentos em casa. R 86% dos pacientes deixam de comer fora de casa; R 82% dos pacientes deixam de viajar; R 67% dos pacientes deixam de visitar família/ amigos; R 41% dos pacientes têm problemas no trabalho/ carreira; R 72% das crianças ficam zangadas pela dieta; R 69% das crianças sentem-se diferentes de seus amigos; R 61% das crianças ficam fora de algumas ativida- des escolares e festas; R 51% das crianças têm vergonha de levar comida às festas. A DIG pode ser inadequada quanto à parte nutricio- nal, por não conter fibras e vitaminasdo complexo B. A desobediência à DIG ocorre mais frequente- mente em restaurantes, festas e funções sociais. Medicamentos33 Inicialmente, usam-se medicamentos para corre- ção de carências, enfatizando ao paciente e à família que o verdadeiro tratamento da DC é dietético, sem glúten, permanentemente. R Ácido fólico, compostos polivitamínicos, vitamina K, vitamina B12 são utilizados quando necessário; ferro por via oral ou parenteral em casos mais graves. R Enzimas pancreáticas são utilizadas como coad- juvantes em consequência de insuficiência pan- creática exócrina, que ocorre em muitos casos. R Antibióticos ou antimicrobianos são usados quando há supercrescimento bacteriano. R Corticosteroides são indicados apenas em insuficiência suprarrenal e necessitam de reposi- ção concomitante de cloreto de sódio por via EV. Observação importante: na DC ativa ou parcial- mente tratada, há absorção alterada da maioria dos medicamentos por via oral, o que exige ajustamento das doses de anticonvulsivantes, anticoncepcionais, antitireoidianos e antibióticos.5,33 Novas potenciais terapias34,35 O único tratamento atualmente disponível para DC é a exclusão na dieta dos grãos contendo glúten e o tra- tamento nutricional de suporte. A DIG é bem tolerada por toda a vida e melhora a saúde e a qualidade de vida da grande maioria dos pacientes, mesmo os que apre- sentam poucos sintomas. Entretanto, esse tratamento é difícil de manter, visto que pequenas quantidades de glúten contaminam os produtos, o custo é alto, há res- trições de alimentos alternativos e as práticas culturais acarretam transtornos. Assim, nas últimas décadas, pesquisadores têm tentado terapias alternativas. De acordo com os atuais conhecimentos da patogê- nese da DC, pesquisas estão em andamento, tais como uso de drogas com baixa biodisponibilidade sistêmica (glicocorticoides), proteases orais para detoxificação do glúten, polímeros sequestradores de glúten, inibi- dores de TG2, bloqueadores de células T mediadas por HLA-DQ, uso de vermes e outras de implicações imunológicas. Na prática, ainda não são de aplicação. A quantidade de glúten que pode induzir a sin- tomas ainda não está clara, mas 1 g é suficiente. Recomenda-se que não se ultrapasse 10 a 50 ppm no alimento. Contaminação com traços de glúten pode ter papel na alteração da mucosa e na sua recuperação e confundir com DC não responsiva ou refratária. CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 733 Se a diarreia não desaparece após DIG, pode ser decorrente da ingestão consciente ou inadvertida de glúten, considerando-se DC não responsiva, mas outras causas devem ser aventadas:18 R má absorção de lactose ou frutose; R supercrescimento bacteriano; R síndrome do intestino irritável; R esteatorreia secundária à insuficiência pancreática; R colite microscópica (colagenosa ou linfocítica); R disfunção esfincteriana anal com incontinência. Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico só é indicado quando ocorre perfuração, o que é bastante raro. Pode ser indicado em neoplasias ou linfomas, conforme loca- lização e estádio. Evolução5 Após a retirada de glúten o desaparecimen- to dos sintomas é bastante rápido: os defeitos ab- sortivos desaparecem, a diarreia cessa, há perda do edema e surgimento de apetite – às vezes voraz. Inicia-se recuperação nutricional com ganho de peso e retomada da velocidade de crescimento. Os adolescentes iniciam ganho ponderal logo em seguida, e muitos até necessitam de controle em poucos meses. Há melhora do psiquismo, que passa da irritabilidade, depressão ou apatia à participação na vida familiar e escolar, tomando gosto pelas brincadeiras e trabalho, chegando muitas vezes à euforia. Há uma verdadeira mudança no aspecto do indivíduo (Figura 63.8), o que revela melhor qualidade de vida. A fertilidade volta ao normal, devendo-se orientar as celíacas quanto a possíveis gestações e planejamento familiar.5 Prognóstico O prognóstico para os seguidores de dieta sem glúten é bom. Entretanto, se já houver osteoporose, mesmo com tratamento de reposição de cálcio e vita- mina D e alendronato, é pouca a melhora referida.19 O risco de desenvolver malignidade é 1,3 maior que na população geral, bem menor do que se re- feria nos anos 1970 ou 1980. Contribuíram para esse fato o diagnóstico precoce e o tratamento com DIG. Quanto à DIG proteger contra doenças ma- lignas, ainda permanecem controvérsias. Entretanto, os pacientes devem ser reassegurados em relação à dieta adequada, vigiados e reinvestigados a qualquer modificação referida.19 O principal tumor associado à DC é o Enteropathy-associated T-cell Lymphoma – EATL (0,5 a 1 caso por 1 milhão de indivíduos), como já assinalado.19 A DC só é fatal quando não é reconhecida e o paciente chega a desnutrição muito grave, ocorrendo hemorragias, infecções recorrentes ou insuficiência suprarrenal. Com o advento da nutrição parenteral, doentes podem ser recuperados de estados extrema- mente inquietantes.9 Segundo estudo realizado nos Estados Unidos por Lebwohl et al., com acompanhamento maior de 11,5 anos,36 lesões persistentes à histologia não aumentam a mortalidade. Causas de morte na DC9 Como já referido, os celíacos apresentam maior risco de morte por doenças malignas do tubo gas- trointestinal e linfomas, mas pouco se sabe das outras causas de morte: doenças autoimunes (artrite reuma- toide), doenças difusas do tecido conectivo, doenças Figura 63.8 – Paciente com doença celíaca após dieta isenta de glúten. Notar recuperação do estado nutricional. TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 734 alérgicas (asma), doenças inflamatórias intestinais (retocolite ulcerativa e doença de Crohn), diabete melito, imunodeficiências, tuberculose, pneumonias e nefrite. Em estudo brasileiro, publicado por Kotze em 2009,9 em um período de 40 anos, as causas de morte em 157 celíacos foram: um caso de compli- cação de diabete melito tipo 1, um caso suicídio em paciente deprimida e dois casos de linfomas. Kotze et al., em 14 idosos, relataram como causa de morte doenças cardiovasculares em dois casos.16 Recomendações às famílias de celíacos Familiares de pacientes celíacos frequentemen- te perguntam se poderão desenvolver a doença. Considerar que a DC ocorre em famílias, mas não de modo predizível. Se uma pessoa na família tem DC, a chance de outro membro tê-la é de 1 em 10. Familiares podem ser triados facilmente por meio de testes sorológicos, e a biópsia intestinal é reco- mendada nos positivos. A detecção de HLA DQ2 ou DQ8 aponta para a possibilidade da DC se de- senvolver em indivíduos com história familiar. Sua ausência não exclui o diagnóstico.11 Prevenção Quando nasce uma criança em uma família com DC, deve-se introduzir o glúten em pequenas quan- tidades na época de desenvolvimento habitual de tole- rância (4 aos 7 meses).37 Em seguida, é importante que as crianças sejam alimentadas normalmente e não dar quantidades baixas de glúten por receio, pois se hou- ver predisposição genética à DC esta vai se manifestar mais cedo ou mais tarde. Nesse contexto, a determi- nação de HLA DQ2 e DQ8 pode ser bastante útil.11 As sete chaves da palavra “celíaca” R Consulta com nutricionista preparado. R Educação acerca da doença. R Levar a sério a obediência à dieta. R Identificação e tratamento das deficiências nutricionais. R Acesso às Associações de Celíacos. R Contínuo seguimento por equipe multipro- fissional. R Atenção por parte dos órgãos governamentais. Armadilhas em relação à doença celíaca5,19,21 R Não cogitar DC em brasileiros de várias ascen- dências, esquecendo-se da grande miscigenação no país. R Não cogitar DC em pacientes do sexo masculino. R Não cogitar DC na adolescência. R Não cogitar DC em idosos, mesmo sabendo que os testes sorológicos podem dar negativos. R Não aventaro diagnóstico de DC em pacientes obesos. R Não pesquisar DC em pacientes com dispepsia ou síndrome do intestino irritável com falta de resposta aos tratamentos. R Não pesquisar DC em pacientes com notória intolerância à lactose. R Não pesquisar DC em pacientes com anemia refratária ao tratamento. R Não pesquisar DC em pacientes com osteope- nia/osteoporose em idade jovem. R Não pesquisar DC em pacientes com queixas abdominais associadas à constipação, pensando que DC só cursa com diarreia. R Não pesquisar DC em mulheres com menarca atrasada, abortos de repetição, menopausa pre- coce ou infertilidade. R Não pesquisar DC em familiares de celíacos, mesmo assintomáticos. R Não pesquisar DC em pacientes de grupos de risco: diabéticos, tireoidopatas, portadores de colagenoses, imunodeficientes de IgA, com ataxia, com síndrome de Down etc. R Não pesquisar DC em pacientes com alterações importantes do esmalte dentário e sinalizar ao dentista. R Não informar convenientemente o endoscopista da suspeita de DC, solicitando biópsias duode- nais mesmo com aspecto macroscópico normal. R Não discutir o caso com o patologista nem so- licitar revisão de lâminas quando a clínica do paciente é sugestiva de DC. R Não se esquecer de que há uma minoria de pa- cientes com DC cujos testes sorológicos são ne- gativos. Estes devem ser submetidos à biópsia desde que a clínica sugira DC. Conclusão A DC é uma afecção autoimune sistêmica cujo diagnóstico depende muito da perspicácia do médico (gastroenterologista ou especialista de outras áreas) ao correlacionar os sintomas relatados pelos pacientes com os achados de um exame físico completo.5,9,16,17 CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 735 NÃO AUTOIMUNE E NÃO ALÉRGICO – SENSIBILIDADE AO GLÚTEN NÃO CELÍACA (SGNC)38 A SGNC é uma nova síndrome de intolerância ao glúten cada vez mais observada. Nomes sugeridos: sensibilidade ao glúten, hipersensibilidade ao glúten ou intolerância não celíaca ao glúten. Em consensos de Londres, Oslo e Munique os especialistas reuni- dos optaram por sensibilidade ao glúten não celíaca para evitar confusão com a DC.1,38 Sua patogênese ainda é desconhecida, bem como sua história natural, pois é preciso estabelecer se a doença é permanente ou transitória. Dados atuais demonstram predominante ativação das respostas imunológicas inatas.14 Sua prevalência na população geral é ainda desco- nhecida, principalmente porque muitos pacientes se autodiagnosticam e iniciam uma DIG sem consultar o médico e realizar exames. Entretanto, é conside- rada maior que a da DC. Pode ocorrer em qualquer idade, mas parece ser mais frequente em adultos do que em crianças, com média de início aos 40 anos (17 a 63 anos), mais em mulheres do que em homens (1:2,5) com distúrbios funcionais (inclusive a síndro- me do intestino irritável).13 Diagnóstico Enfatiza-se a necessidade de, antes de firmar o diag- nóstico de SGNC, afastar DC e alergia ao trigo.3,13,14,38 Quadro clínico A SGNC caracteriza-se pelo aparecimento de sintomas à ingestão de glúten, seu desaparecimento com a DIG e retorno quando se reintroduz o glúten na alimentação. Considera-se que os pacientes com SGNC constituam grupo heterogêneo de pacientes com diferentes subgrupos, provavelmente em função de diferente patogênese e curso clínico. Geralmente os pacientes se queixam de sintomas intestinais e desconforto. Muitos receberam previamente o diag- nóstico de doença funcional ou síndrome do intesti- no irritável (SII).14,38 Sintomatologia da SGNC, segundo Volta et al.:13 R Sintomas gerais: sensação de mal-estar (68%), emagrecimento (25%). R Sintomas gastrointestinais: borborigmos (87%), dor abdominal (83%), diarreia (54%), dor epigástrica (52%), náuseas (44%), aerofagia (36%), refluxo gastresofágico (32%), estomati- te aftosa (31%), alterações de hábito intestinal, constipação ou diarreia (27%). R Articulações, ossos e músculos: fadiga (64%), amortecimento nas pernas e braços, dores mus- culares e articulares (31%). R Esfera neurológica: cefaleias (54%), peso na cabeça (38%), tonturas (32%), tinnitus (10%). R Cutâneas (40%): rash cutâneo (29%), eczema e aparecimento de pequenas manchas vermelhas. A mucosa da língua também pode se tornar in- flamada e edemaciada resultando em possível dor ao mastigar e ao falar e, se o problema se tornar crônico, pode causar surgimento de fis- suras, úlceras e manchas brancas. R Sangue: anemia (23%). R Distúrbios de comportamento: distúrbios de atenção, ansiedade (39%), depressão (19%), hiperatividade. Entretanto, em pacientes com dispepsia, não foi observado aumento na incidência de SGNC, e sim na SII, especialmente na forma que alterna diarreia e constipação (SII sensível ao glúten). Também é frequente em indivíduos alérgicos. Volta et al.13 re- latam SGNC em 13% dos familiares de primeiro grau de celíacos. Na SGNC não costuma haver DAI como comorbidades. Testes sorológicos Não há biomarcadores laboratoriais específicos para a SGNC. Os únicos anticorpos conhecidos observados na SGNC são os antigliadina IgG que, infelizmente, ocorrem somente em cerca de 56,4% dos pacientes.13 Na maioria dos pacientes com SGNC os anticorpos AGA IgG desaparecem após a DIG e coincidem sig- nificativamente com boa resposta clínica.39 Histologia Na SGNC a permeabilidade intestinal está nor- mal e as alterações histológicas são discretas, com LIE gama/delta presentes, mas compatíveis com Marsh 0 ou I. Mínimas alterações tipo Marsh I são frequentemente observadas, muito mais do que na DC. Isso também ocorre em algumas alergias ali- mentares. Recentemente foram descritas infiltração por eosinófilos na lâmina própria e ativação de basó- filos circulantes em pacientes com SGNC.38 Determinação de HLA Cerca da metade dos pacientes com SGNC apre- sentam HLA DQ2 ou DQ8, com a observação de que DQ2 aparece mais em indivíduos com SII e diarreia. Vale lembrar que a detecção desses genes tem alto va- TR AT AD O D E G AS TR O EN TE RO LO G IA – D A G RA D U AÇ ÃO À P Ó S- G RA D U AÇ ÃO – 2 A E D IÇ ÃO 736 lor preditivo para DC, e sua ausência, valor preditivo negativo > 95%.11 Na população geral são detectados em cerca de 30% e na SGNC em 50%. Salienta-se que há risco de baixa densidade mine- ral óssea e baixo índice de massa corporal em pacien- tes com SGNC, razão pela qual os pacientes devem ser submetidos a exames (DEXA). Dieta restritiva pode colaborar para piora do quadro.40 Critérios diagnósticos para SGNC14 R Ingestão de glúten desencadeia rápida ocorrên- cia de sintomas intestinais e extraintestinais. R Os sintomas desaparecem rapidamente após a retirada do glúten. R A reintrodução do glúten causa sintomas. R Testes específicos IgE para o glúten e trigo e prick test cutâneo são negativos. R Testes específicos para DC (anti-tTG IgA, EmA IgA, e antigliadina deamidada IgG) são negativos. R Antigliadina, principalmente IgG, pode ser po- sitivo em cerca de 50% dos casos. R Mucosa normal e discreto aumento no número de LIE à histopatologia. R HLA DQ2 e/ou DQ8 podem ser positivos em cerca de 40% dos pacientes. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial mais importante é en- tre as doenças relacionadas com o glúten (Quadro 63.1).41,42 Quanto à SII, é sempre necessário excluir DC, mas a SGNC se confunde bastante, princi- palmente na forma predominantemente diarreica, como já foi assinalado. Muitos autores salientam que a SGNC é frequente em portadores da SII: deno- mina-se SII glúten-sensível.43 Nesses casos, os an- ticorpos anti-tTG e EmA são negativos, bem como a biópsia intestinal não é Marsh III ou IV. Podem apresentar AGA positivo. Alguns relatos de SGNC também têm sido feitos em casos de esquizofrenia e autismo, porém, mais estudos são necessários.1 Comorbidades R SII (47%); R intolerâncias alimentares (35%); R alergias (22%); R doenças autoimunes (14%);R distúrbios alimentares (6%).13 Tratamento Como na DC, a dieta é isenção total de glúten. Pacientes que preenchem os critérios diagnósticos supramencionados para SGNC podem aliviar seus sintomas com DIG, mesmo de modo temporário, mas os sintomas retornam após reiniciar uma ali- mentação contendo glúten.3 Como não se sabe se é transitória ou permanente, pode-se tentar reintrodu- zir o glúten depois de 1 a 2 anos.44 Quadro 63.1 – Diagnóstico diferencial entre as doenças glúten-relacionadas Características DC SGNC Alergia ao trigo Morbidade 1% ?(0,6-6%) 1% Mortalidade Aumentada ? Aumentada Sintomas GI/Extra GI GI/extra GI GI/Extra GI Deficiências nutricionais Sim Não Sim/Não DAI Referidas Não referidas História familiar Referida Não referida Atopia Genética DQ2/DQ8 95% DQ2/DQ8 50% Atopia 100% Anticorpos EmA, tTG, DGP AGA IgG 50% Reações IgE Histologia Marsh III, IV Marsh 0, I Marsh 0, I, II Atrofia Presente Ausente Presente em casos LIE > 40% ~24% ou pouco + ~ 24% ou pouco + Eosinófilos Normais Aumentados Muito aumentados DIG Toda vida Desconhecido Média 6 anos ou ? Fonte: adaptada de Sanders e Azis, 2012;38 Kabbani et al. , 2014.39 CAPÍTU LO 63 – D O EN ÇA S G LÚ TEN -RELACIO N AD A S 737 Em pacientes com SGNC SII-like, há melhora da sintomatologia com dieta reduzida em FODMAPS (fructooligosaccharides, fructans). Durante fermenta- ção, gás é produzido e se formam ácidos graxos de cadeia curta. Somam-se a isto alterações na micro- biota, resultando em sintomas GI. Diferenciação entre DC E SGNC21,38 Recomendações: R Sintomas ou resposta a sintomas em DIG iso- ladamente não devem ser usados na diferencia- ção entre DC e SGNC. R O diagnóstico de SGNC deve ser considerado apenas quando DC for excluída com seus testes apropriados. CONSIDERAÇÕES FINAIS É crucial para o diagnóstico das doenças glúten-re- lacionadas que se tomem decisões baseadas no quadro clínico, testes sorológicos e interpretações da histologia duodenal que permitam o diagnóstico diferencial entre essas entidades, que podem ter cursos variáveis, prog- nósticos e complicações peculiares.1,2,9,11,14,41,42 REFERÊNCIAS 1. Catassi C, Bai JC, Bonaz B, Bouma G, Calabrò A, Carroccio A et al. Non-celiac gluten sensitivity: the new frontier of gluten related disorders. Nutrients. 2013; 5:3839-53. 2. The first consensus conference on gluten sensitivity. Lon- don, 11/12 February 2011. 3. Christensen MJ, Eller E, Mortz CG, Bindslev-Jensen C. 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