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1 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E EXECUÇÃO PENAL Direitos Fundamentais e Princípios do Processo Penal Prof. Dr. Fábio Bellote Gomes Unidade II APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR-AUTOR Fábio Bellote Gomes é professor titular na Universidade Paulista – UNIP há mais de dezoito anos, lecionando as disciplinas: direito empresarial e direito administrativo. É bacharel (1998), mestre (2010) e doutor (2014) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, tendo realizado o mestrado e o doutorado na área de concentração em Direito Comercial. Durante a graduação, foi aluno-monitor na cadeira de direito romano e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em nível de Iniciação Científica, na área de direito público. É autor de duas obras didáticas, que atualmente constituem bibliografia fundamental de diversos cursos de direito: Manual de Direito Empresarial e Elementos de Direito Administrativo. É coordenador do curso de pós-graduação em direito empresarial corporativo da Universidade Paulista – UNIP. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/7100787923660549 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4 1. HISTÓRIA E TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................. 5 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ....................................................................... 5 2. GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO PENAL .......................................... 14 2.1 PRINCÍPIOS DA ISONOMIA .................................................................. 14 2.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ....................................... 15 2.3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ................... 16 2.4 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL ............................................................. 20 2.5 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E INDIVIDUALIZAÇÃO E HUMANIZAÇÃO DAS PENAS ................................................................... 21 3. ILICITUDE DAS PROVAS ............................................................................ 24 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 27 4 INTRODUÇÃO A unidade II do curso de pós-graduação Garantias Constitucionais e Execução Penal tem como fim preparar o pós-graduando para compreender o direito constitucional e os aspectos processuais penais por meio dos julgados e importantes jurisprudências emanadas pelas principais cortes de justiça do país. Inicialmente, esta unidade abordará o histórico dos direitos humanos e das garantias fundamentais consagradas no ordenamento jurídico, expondo como se amoldam os legados históricos com as novas ordens constitucionais vigentes. Com isto, poderá ser contemplado o entendimento consolidado de como especialmente o Supremo Tribunal Federal buscar defender esses direitos e a intepretação sobre o direito positivado. Para garantir o cumprimento de normas fundamentais, será realizada análise de princípios processuais, especialmente no âmbito penal, sem desconsiderar a complementariedade entre eles e como repercutem em outras esferas, como a do processo administrativo. Ao fim, os princípios poderão ser perscrutados em conjunto com o entendimento sobre as ilicitudes de provas. 5 1. HISTÓRIA E TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Na atual conjectura plasmada na Carta Magna de 1988 é entendido que a terminologia “direitos e garantias fundamentais” refere-se ao gênero, enquanto as espécies são discriminadas nos capítulos dentro do título II do texto constitucional. Porém, a doutrina e a opinião pública adotam algumas outras nomenclaturas genéricas para “liberdades públicas”, “direitos do homem” ou “liberdades fundamentais”. Não fica claro, no entanto, sobre quais direitos e garantias referem-se: se são ao gênero ou a alguma espécie. Ademais, “direitos humanos” permite estabelecer um contexto histórico, referente ao pós-guerra do século XX, com a atuação da Organização das Nações Unidas – ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Outrora discutida, perquiriram “direitos humanos” como “direito natural”. Ocorre que tal visão pode estar defasada considerando que a Carta Magna de um país tende a garantir – ter prescrições – no sentido de garantir direitos da pessoa humana sob seu território. Assim, faz-se necessário o recorte espaço-temporal para os direitos humanos, porque o exercício do direito depende da atuação legitimada e jurisdicional. As definições que aparentam contemplar mais contextualização voltam-se para a manutenção e fim da ordem internacional – direitos humanos, contemplando a universalidade e, teleologicamente, visando garantir a fruição dos direitos e deveres a todos os seres humanos, enquanto direitos fundamentais são aqueles plasmados na ordem constitucional dos Estados. Direitos humanos seriam, então, universais e reconhecidos em toda ordem internacional.1 1.1 Aspectos históricos As ciências da história do direito, da teoria geral do Estado e da teoria política entendem haver uma gênese dos principais direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, da liberdade, desde a Antiguidade “bebendo da fonte” do direito greco-romano, absorvendo valores estatuídos no cristianismo e consolidando-se da Modernidade até o ápice da Contemporaneidade – após as Revoluções, iniciadas com a Francesa. Com relação a certos aspectos, não significa que houve uma gradação progressista e garantista de todos os direitos com o passar do tempo. Houve, em alguns momentos, o recrudescimento de certos direitos e garantias, como ocorrem até os dias de hoje. Os direitos das obrigações mantiveram-se com base no direito greco-romano, enquanto o direito medieval consolidou garantias processuais penais, mas preceituando penas rigorosas. 1 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2017. p. 303. 6 O advento do cristianismo propunha que o homem seria então a imagem e semelhança de seu Deus. Nesse sentido, era de se esperar que esse valor religioso tornaria a incolumidade física algo a ser considerado. Posteriormente, no curso da Idade Média, teorias acerca do jusnaturalismo defenderam que o homem nascera com direitos que independem de ações de natureza estatal, já que os direitos eram oriundos da própria natureza humana. O Supremo Tribunal Federal já menciona alguma das doutrinas do jusnaturalismo como comparação de entendimentos não mais adotados pela ordem constitucional vigente, especialmente para delimitar o local da ocorrência do crime em virtude de um delito que envolva jurisdição de mais de um Estado (STF – Extradição nº 1.300 – DF. 1ª Turma. Min Relator: Luiz Fux. Data do julgamento: 11/06/2013. Publicação em: 27/06/2013). O documento jurídico de maior paradigma para as garantias constitucionais era a Magna Carta, de 1215, declarada pelo Rei João Sem-Terra, para estabelecer meios de lidar com o conflito de poderes com os nobres e o clero ingleses. Nesse texto constitucional, era prevista a garantia da propriedade e o instituto do habeas corpus. Alguns séculos depois, novamente no território inglês, outras declarações foram estatuídas como a “Petition of Rights”, em 1628, e a “Bill of Rights”, de 1689, em que o parlamento ocupou espaço próprio, delimitando as forças da coroa inglesa. Ao todo, a constitucionalidade do ordenamento jurídico inglês se dava pela conjunção dos seguintes textos jurídicos: a Magna Carta, de 1215; a Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; e a Bill of Rights, de 1689. Embora pareça incomum frente à tradição romana do direito escrito, tal qual o ordenamento jurídico brasileiro, a base constitucionaldispersa em várias normas conflui pela natureza de direito costumeiro. Cumpre esclarecer que a Inglaterra foi muito influenciada pelo pensamento do liberalismo, especialmente na figura do pensador John Locke, e posteriormente essa linha filosófica chegou até os Estados Unidos, culminando na sua independência. Denotando outro marco que consagra direitos fundamentais, nos Estados Unidos, uma norma foi responsável por elencar direitos e garantias individuais em 1776. Tratava-se da “Declaração de Direitos da Virgínia”, que posteriormente serviu de influência para as dez primeiras emendas da Constituição norte-americana. Na França, o documento de principal renome foi a “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789, preceituando garantias acerca da liberdade, da propriedade e da igualdade formal. O principal marco desta Declaração foi romper com a perspectiva do poder clerical, conforme o antigo regime, trazendo suas fundamentações para a natureza humana. E tendo o homem individualizado como norte, fez-se consolidar normas de garantias negativas para limitar o arbítrio do poder do Estado. Expor o retrato histórico de mudanças revolucionárias em países desenvolvidos não exclui a identidade de outros países, uma vez que valores e institutos jurídicos perpassam nações e sofrem adaptações em outros ordenamentos jurídicos. Conforme já mencionado, princípios como igualdade e propriedade compõem os direitos fundamentais, sendo, antes de tudo, universais. 7 Nesse aspecto, a jurisprudência pátria busca o legado histórico estrangeiro na homenagem e validação de institutos no ordenamento jurídico brasileiro: EMENTA: (..). (..). 2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, "nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde1791, pela Quinta Emenda [à Constituição dos Estados Unidos da América], que compõe o "Bill of Rights" norte-americano. (STF, HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). (STJ – HC nº 167520 – SP. 5ª Turma. Min. Relatora: Laurita Vaz. Data do julgamento: 19/06/2012. Publicação em: 28/06/2012) Na França, a Constituição de 1791 começa a traçar os direitos destinados à sociedade da época, especialmente no que diz respeito à igualdade. Posteriormente, a Constituição de 1793 consolida a assistência aos desamparados, muito embora esteja pondo em prática o período chamado de Terror, onde muitos outrora nobres e os chamados inimigos da Revolução estavam sendo assassinados. Nesse sentido, ao se discutir aplicação de lei para empregados e empregadores, o Tribunal Superior do Trabalho – TST recorreu à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão para fundamentar o julgado: EMENTA: (...) A Lei nº 13.015/2014 aplica-se tanto ao autor quanto ao réu. O art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão preceitua que: "Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum". Nessa linha, a Constituição Federal, no caput do seu art. 5º preceitua que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...)". Assim, não existe razão para a novel Lei nº 13.015/2014 aplicar-se somente aos empregadores, sendo certo que o princípio da igualdade impõe tratamento igual, sem distinção de qualquer natureza. Ademais, o tratamento desigual normalmente se dá em favor do menos favorecido, o que não é o caso, porquanto o jus postulandi previsto no art. 791 da CLT não se estende aos recursos para esta Corte, sendo imprescindível a presença de advogado para ambas as partes. (...) (TST – AIRR nº 10178-40.2014.5.15.0045. 3ª Turma. Min. Relatora: Vania Maria da Rocha Abensur. Data de julgamento: 18/11/2015. Publicação em: 20/11/2015). No século XXI, grandes mudanças sociais e econômicas propiciaram conflitos armados e revoluções alheias ao capitalismo, demandando pactos sociais distintos diante dessas mudanças. 8 Em 1917, ocorre a Revolução Bolchevique na Rússia, dando ensejo à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS. No seu pacto constitucional estavam previstos direitos sociais, limitações severas ao direito de propriedade e emancipação do direito das mulheres, a despeito de todas as violações de direito dos dissidentes do governo de então. Um dos grandes marcos para a cidadania deu-se em virtude dos traumas da 2ª Guerra Mundial. Os países desenvolvidos da Europa foram o palco de boa parte dos conflitos; tornava-se necessário discutir a reconstrução dos países e a da economia e decidir sobre os criminosos de guerra. Para resguardar tais finalidades, foi redigido o documento paradigmático das ordens jurídicas contemporâneas: a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, de 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução nº 217-A, da Assembleia Geral da ONU, atualmente traduzida para 501 idiomas. A DUDH, para não se desatualizar frente às sociedades e à complexidade das relações jurídicas internacionais, foi se amoldando a outro pactos e protocolos de realce; em conjunto ao pacto internacional dos direitos civis e políticos e seus protocolos opcionais e ao pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais mais o respectivo protocolo constituem a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Há três instrumentos gerais sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; a Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, 1948; e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998. Para as Nações Unidas, outros Pactos de Direitos Humanos, posteriores à DUDH, constituem expansão do texto desta, podendo ser classificados como tratados referentes aos direitos humanos civis e políticos: Convenções Internacionais de Direitos Humanos – DUDH Ano Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio 1948 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 1965 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres 1979 Convenção sobre os Direitos da Criança 1989 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2006 Fonte: Nações Unidas – Brasil. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/. Acesso em: 23 set. 2019. 9 Acerca da República Federativa do Brasil no sistema das Nações Unidas e no Interamericano podem ser elencados, entre os principais Acordos e Tratados, como ratificados os seguintes acordos e tratados após a Constituição Federal de 1988: Tratados internacionais ratificados pelo Brasil Ano Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 20 de julho de 1989 Convenção sobre os Direitos da Criança 24 de setembro de 1990 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 24 de janeiro de 1992 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 24 de janeiro de 1992 Convenção Americana de Direitos Humanos 25 de setembro de 1992 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher 27 de novembro de 1995 Fonte: PIOVESAN, Flávia. A Constituição Federal de 1998 e os Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/API/article/viewFile/3516/3638>. Acesso em: 23 set. 2019. Atualmente, apenas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo protocolo foram aprovados pelo rito de emenda constitucional preceituado no §3º do Art. 5º, da CF/88, conforme Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgado por intermédio do Decreto nº 6.949/2009, possuindo então qualidade de norma constitucional. É cediço que muito antes da incorporação desse tratado no ordenamento jurídico brasileiro, leis estaduais e municipais disciplinavam a participação de pessoas deficientesem concursos públicos de provas ou de provas e títulos, para a composição dos quadros de pessoal da administração pública (STF – AgR em MI nº 6.984 – AM. Tribunal Pleno. Min. Relator: Roberto Barroso. Data de julgamento: 28/09/2018. Publicação em: 05/11/2018). A ideologia adotada consiste em prescrições para que o Estado adote iniciativas de serviços ou políticas públicas capazes de qualificar o outrora definido como absolutamente incapaz sujeito de direitos e deveres. Com o advento deste novo instituto de matriz constitucional, foi possível requerer a liberdade de agente com deficiência mental mantido em hospital psiquiátrico (STF – Habeas Corpus nº 151.523 – SP. 2ª Turma. Min. Relator: Edson Fachin. Data do julgamento: 27/11/2018. Publicação em: 07/12/2018). No caso em tela, houve a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, e o apenado foi mantido sob custódia em hospital de estabelecimento penal, ausente laudo pericial psiquiátrico acerca da condição mental até a impetração do remédio constitucional. 10 No entanto, em virtude das diversas mazelas administrativas que acometem o país, aplicar a garantia em comento para o agente sem a devida distinção sobre o cumprimento de medida de segurança despertará acirrados debates acerca da impunidade ou da política antimanicomial. No âmbito dos Direitos Humanos, com fulcro na esfera internacional, não há unanimidade doutrinária sobre sua classificação.2 Cumpre mencionar que é usualmente adotada a classificação utilizada pela Constituição Federal de 1988. TÍTULO II – Dos direitos e garantias fundamentais Organização Dispositivos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Art. 5º, I ao LXXVIII Direitos Sociais Arts. 6º ao 11 Nacionalidade (destinatários) Arts. 12 e 13 Direitos Políticos Art. 14 e 15 Organização dos Partidos Políticos Art. 17 Fonte: Gomes, 2019. Pelo exposto, ficam consagrados os direitos inerentes à individualidade, os direitos coletivos, os direitos sociais e os direitos de matriz política. Também são organizados com base na geração em que cada espécie se consubstanciou ao tecido social. Conforme cada mudança social drástica como sociedade, ou após crises financeiras (caso do welfare state), foram necessárias medidas do Estado para custear determinados serviços em prol de direitos. Porém, a denominação “geração” não designa que uma leva de direitos que superou e enterrou a anterior, mas sim que os novos se aglutinaram aos anteriores, coexistindo e complementando-se. Assim, na primeira geração estavam os direitos e garantias negativos. Estes elencavam a liberdade, propriedade e igualdade como fundamentos máximos a serem preservados, sendo também deveres negativos ao Estado na relação jurídica com os cidadãos. A posteriori, crescem os direitos da segunda geração, como os de natureza social, cultural e econômica. Entendeu-se que para garantir a cidadania dos jurisdicionados fazia-se oportuno criar meios de torná-los estes cidadãos, como a participação cidadã e a escolarização. 2 AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 186. 11 Um marco fundamental que marcou esta propositura deu-se com as crises oriundas do liberalismo – crise decorrente de um momento de mais liberdade de mercado, com baixos níveis de intervenção do Estado, que alimentou uma ideologia político-econômica de mais ingerência do Estado na atividade econômica com o intuito de fomentar a criação de empregos e o fornecimento de serviços básicos. Na terceira geração de direitos humanos, surgem os referentes à coletividade e aos interesses difusos. Destacam-se, nesse momento, o direito à paz, à autodeterminação dos povos – âmbito internacional; ao da garantia do meio ambiente seguro, ao desenvolvimento; ao patrimônio histórico, cultural e artístico; à proteção dos consumidores, à defesa e garantia dos hipossuficientes – assistência social e redistribuição de renda como políticas públicas. Por mais críticas que o Brasil receba em virtude de seus problemas econômicos e sociais, percebe-se que ele atua frente aos direitos da terceira geração, e estes são uma constante preocupação. Nesse sentido, a violência e os maus-tratos a animais domésticos ou silvestres podem configurar crime ambiental. Frente ao conflito entre a proteção a animais e a manifestação cultural consagrada no país, o STF foi indagado sobre a prática da vaquejada, entendendo, ao final, que essa prática não se coaduna com a ordem constitucional: PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo 103 do Diploma Maior, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada. (STF – ADI nº 4.983 – CE. Tribunal Pleno. Min. Relator: Marco Aurélio. Data do julgamento: 06/10/2016. Publicação em: 27/04/2017). Nesse sentido, pode-se constatar uma tendência do Judiciário em atuar pela coerção de eventos que envolvam animais submetidos a condições e provas degradantes (TJSP Apelação nº 1000852-72.2016.8.26.0187. 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente. Des. Relator: Nogueira Diefenthaler. Data do julgamento: 01/08/2018. Publicação em: 08/08/2018). Entendimento também manifesto pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acerca do rodeio em Festa de Peão Boiadeiro (TJ-RJ nº 0009776- 93.2015.8.19.0066. 9ª Câmara Cível. Des. Relator: Adolpho Correa de Andrade Mello Junior. Data do julgamento: 22/05/2018. Publicação em: 22/05/2018). 12 As três primeiras gerações são consagradas como gradação histórica dos direitos humanos. Porém, as nomenclaturas para as gerações seguintes costumam variar, uma vez que ainda são novidades, ou se mostram dependentes de tecnologias vindouras; muitas vezes, aparentam ser extensões dos direitos anteriores. A quarta geração remete à participação política semidireta ou direta, e os meios de comunicação livres para a manutenção sadia das democracias. Em virtude das redes sociais massivamente utilizadas por cidadãos e pessoas públicas, é um espaço para novas discussões, principalmente acerca da divulgação de notícias falsas (fake news) e seus reflexos para enaltecer ou “sujar” a imagem pública de cidadãos e candidatos a cargos eletivos. As redes sociais mais utilizadas são eminentemente empresas privadas com serviços privados. Nesse sentido, faz-se jus trazer questionamentos frente a novos problemas a serem enfrentados: governos devem criar meios de limitação para a propagação de informação nessas redes ou cada página ou perfil divulgador de notícias precisará cadastrar-se como imprensa? Em suma, a discussão sobre liberdade e intromissão do Estado nas liberdades é sempre atual. Os direitos da quinta geração dizem respeito ao patrimônio genético, campo inerente à bioética. Há um vínculo com os avanços da biotecnologia, como pesquisas com células-tronco e edição de DNA, que precisam ser balanceados com os princípios da dignidade da pessoa humana, integridade e meio ambiente equilibrado. Discussões sobre a descriminalização do aborto ou extensão das hipóteses de aborto como excludente de ilicitude estão nessa seara. Outrora discutido entre instituições religiosas e cientistas, o usoterapêutico de células-tronco é discutido judicialmente sobre cobertura ou não em planos de saúde e em acordo com as normas da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar: Plano de saúde – Obrigação de fazer – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – Negativa de custeio de medicamento denominado Lenalidomida a beneficiário portador de mielona múltiplo, com recidiva da doença, já submetido à radioterapia, quimioterapia e transplante autólogo de células-tronco, que já fez uso de tratamento com medicamentos denominados "Velcade, Talidomida e Dexametasona" – Abusividade que deve ser reconhecida, pois negar-se tal cobertura implicaria na negação da própria finalidade do contrato, que é assegurar a continuidade da vida e da saúde, deixando o prestador de serviços de atuar com o cuidado próprio à sua atividade, especialmente em função da natureza a ela correspondente, cautela que tem a ver com a própria dignidade humana e o quanto dela resulta, no tocante ao convencionado – expressa indicação médica para o tratamento – Recurso desprovido. (TJSP – Apelação nº 1119017-14.2017.8.26.0100. 5ª Câmara de Direito Privado. Des. Relator(a): Des. A.C. Mathias Coltro. Data de julgamento: 11/09/2018. Publicação em: 12/09/2018). 13 Diante de aparente conflito de normas e garantias constitucionais, não há falar em comercialização de patrimônio genético ou tecidos – proibição insculpida no Art. 199, § 4º, da Carta Maior, quando a remessa ao exterior desse material biológico para fins de elucidação do diagnóstico ou científico (STJ – AgRg no REsp nº 1.372.597. 2ª Turma. Min. Relator: Mauro Campbell Marques. Data de julgamento: 28/05/2013. Publicação em: 04/06/2013). Vê-se que a quarta e quinta gerações têm muito em comum com os direitos de cidadania da primeira e segunda gerações, e os direitos e garantia acerca do patrimônio genético remetem à dignidade, à liberdade e à propriedade, princípios basilares consagrados na primeira geração. Pode haver conjecturas de que o Estado Constitucional de Direito esteja alicerçando uma nova geração de garantias, estas de natureza exclusivamente jurídica, consolidando-se quando o Poder Judiciário atuar em prol da garantia dos demais direitos e garantias fundamentais em face de violência ou ameaça de lesão. Tais meios se dão pelos remédios constitucionais já previstos na Carta Republicana: mandado de segurança, habeas data, habeas corpus, mandado de injunção e ação popular. 14 2. GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO PENAL Tendo em vista os direitos humanos discriminados pelas gerações de direitos humanos, alguns deles manifestam-se por meio de garantias e expedientes de viés processual, principalmente quando tratados na relação entre jurisdicionado e Estado, mas não sendo exclusivas desses dois agentes. São, ainda, garantias instituídas ao trâmite processual quando a querela for entre dois jurisdicionados. Para dar andamento à compreensão, faz-se necessário percorrer pelo estudo de princípios de matriz constitucional ou infraconstitucional que dão ensejo ao exercício das garantias e prerrogativas processuais. 2.1 Princípios da isonomia O princípio da isonomia não reflete maiores complexidades, tendo seu conteúdo interpretado da mesma maneira que nas outras searas do direito – o civil, por exemplo. De base aristotélica, a igualdade não é meramente tratar todos exclusivamente de maneira igualitária. Pelo contrário, consiste em tratar os iguais na medida da sua igualdade, e os desiguais na medida das suas desigualdades. A título exemplificativo, o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, em seu Art. 71, assegura que aos idosos maiores de 60 anos será dada prioridade na tramitação dos processos e na execução dos atos e diligências. Disposições normativas de viés discriminatórios, visando garantir outras garantias processuais, como a dignidade da pessoa humana e o maior exercício da cidadania não são consideradas afrontas ao princípio em voga. No sentido contrário, vemos que outras formas de buscar isonomia acabam por sobrepujar as normas e trâmites institucionais, sendo atalhos para aquisição ou manutenção de garantias. Nesse sentido, o Pretório Excelso publicou a Súmula Vinculante nº 37, vedando o Poder Judiciário de aumentar o vencimento de seus agentes públicos com fundamento no princípio da isonomia, também entendimento aplicado em seus julgados (AgR no ARE nº 952.851 - RJ; e AgR no ARE nº 1.051.487 - SP). Ao pormenorizar os tipos de demanda sobre a averiguação de violação do princípio da isonomia, há o entendimento de que haverá ofensa ao mencionado axioma quando houver, em concurso público de provas ou de provas e títulos, favorecimento a um candidato por critério diferenciado e não extensível aos demais candidatos (TJ-MG Agrv. Instrumento nº 1.0694.15.005472-4/001. 3ª Câmara Cível. Des. Relator: Amauri Pinto Ferreira. Data de julgamento: 31/03/2016. Publicação em: 13/04/2016). 15 No que diz respeito à atuação do gestor público, tem-se que a não concessão de gratificações atinentes a determinados cargos ou funções públicas configura violação ao princípio da isonomia, quando não ofertadas pelas hipóteses mencionadas na lei. Também é um desvio de finalidade, no que tange à improbidade administrativa (TJDFT – Apelação nº 0705967.66.2017.8.07.0018. 8ª Turma Cível. Des. Relator: Eustáquio de Castro. Data do julgamento: 17/11/2017. Publicação em: 24/11/2017). A isonomia também é muito discutida na seara tributária, uma vez que contribuintes demandam ser inclusos em hipóteses de isenção subjetiva ou quando houver a aplicação de política fiscal regional para o desenvolvimento. Destarte, em face da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública – COSIP, contribuintes moradores de logradouros sem iluminação pública requereram isenção da cobrança dessa contribuição municipal (STF – RE nº 868.828 Agr – Agr – SP. 1ª Turma. Min. Relator: Luiz Fux. Data do julgamento: 02/06/2017. Publicação em: 20/06/2017). Embora o Poder Judiciário atual esteja tomando a frente em diversas questões, reverberando discussões de cunho político sobre estar usurpando ou não funções legislativas ou executivas, com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição, o STF já determinou não poder o Judiciário conceder benefício fiscal sem amparo fiscal: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. SOCIEDADES SIMPLES E EMPRESÁRIA. BASE DE CÁLCULO. 1. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que ser impossível ao Poder Judiciário, por não possuir função legislativa típica, conceder benefício fiscal sem amparo legal, ao fundamento de concretização do princípio da isonomia. Precedentes. (...) (STF – RE nº 949.278 – AgR – RS. 1ª Turma. Min. Relator: Edson Fachin. Data do julgamento: 26/08/2016. Publicação em: 23/09/2016). (destaque) Vê-se que, atualmente, a isonomia acaba sendo uma métrica de atuação para determinação do Poder Judiciário. 2.2 Princípio do devido processo legal Por meio deste corolário jurídico, presume-se haver uma subsunção à legalidade, cumprimento por parte das instituições judicantes, e a prescrição de normas acerca do trâmite e andamento processuais adequados. Com isto, havendo uma ofensa a uma previsão legal (a omissão de etapa para manifestação por uma das partes), entende-se pela violação ao devido processo penal, até mesmo pela não observância do ônus da prova. 16 Temos, assim, a seguinte lavra judicante do STF: PENAL E PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO FUNDADA SOMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL NÃO CORROBORADOS EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1. A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas pormeio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova. 2. Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu. 3. Improcedência da ação penal. (STF – AP nº 883 – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data do julgamento: 20/03/2018. Publicação em: 14/05/2018). A ofensa relativa a princípios a priori genéricos acaba por repercutir em ofensa o devido processo legal. É, portanto, uma violação ao procedimento processual em alguma etapa (STF – RHC nº 155.427 AgR – SP. 1ª Turma. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data do julgamento: 26/10/2018. Publicação em: 09/11/2018). Portanto, o devido processo legal guarda consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa, além do princípio da legalidade, quando da averiguação de violação (STF – Are nº 1.156.225 AgR – MG. 2ª Turma. Min. Relator: Ricardo Lewandowski. Data de julgamento: 14/12/2018. Publicação em: 01/02/2019). 2.3 Princípio do contraditório e da ampla defesa Embora sejam tratados de maneira conjunta, é cediço, no entender da doutrina e da jurisprudência, que são dois princípios distintos, porém conclamados simultaneamente para o exercício dos institutos e expedientes atinentes a cada um. Para exercer o contraditório no âmbito processual, faz-se necessário ter à disposição todos os meios processuais inerentes para a manifestação. Daí, então, sua natureza indissociável entre ambos os propósitos. Cumpre mencionar que não apenas é exigido para a seara processual, na jurisdição una. Os processos administrativos demandam também possibilidade de contraditar e ter garantidos todos os meios de manifestação no referido processo. 17 No entanto, no âmbito administrativo, não se faz necessária a representação processual para cumprimento do devido processo. Nos dizeres da Súmula Vinculante nº 5 do STF, não há ofensa à Constituição. No entanto, a Súmula Vinculante nº 21, da Suprema Corte, alega ser inconstitucional a exigência de depósitos ou arrolamentos para admissão de recursos administrativos. Um dos precedentes dessa Súmula estabelece que tal exigência configura ofensa ao exercício do contraditório (ADI nº 1.976. Tribunal Pleno. Min. Relator: Joaquim Barbosa. Julgamento em: 28/03/2007. Publicação em: 18/05/2007). Ocorre que a disposição sumulada e os julgados precedentes não admitem extensão interpretativa sobre recursos de processos judiciais (STF – Recl. Nº 11.750. Min. Relator: Ricardo Lewandowski. Decisão monocrática. Data de julgamento: 11/04/2012. Publicação em: 13/04/2012). A garantia ao contraditório é uma medida garantista e meio de defesa fundamental frente às penalidades de natureza administrativa: EMENTA: (..). 1. O entendimento da Corte é firme no sentido de que, para a inscrição em cadastros restritivos, há de se garantir o contraditório e a ampla defesa ao ente estadual por meio de tomadas de contas especial ou de procedimento específico previsto em lei. 2. A discussão quanto à existência da dívida com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não se confunde com a relativa à aplicação de sanções por desatendimento de norma legal, que exige defesa própria. (STF – Acord. nº 1883 AgR – DF. Tribunal Pleno. Min. Relator: Dias Tóffoli. Data do julgamento: 29/06/2018. Publicação em: 24/08/2018). Nesse sentido, o denominado princípio da inafastabilidade da prestação judicial garante como medida final a defesa e a manifestação na fase judicial. No Brasil, o sistema jurisdicional é uno, apenas o Poder Judiciário atua judicialmente, emanando decisões que fazem coisa julgada. As decisões e expedientes administrativos não possuem as mesmas características. Frente a isto, o cidadão penalizado em alguma medida, seja no cadastramento de restrições federais ou na obtenção de alguma certidão em serviços públicos, poderá provocar judicialmente o ente público, porém, é presumível que o administrado tenha esgotado todos os meios de defesa de âmbito administrativo. Não esgotadas as vias de defesa e de recurso na competência administrativa, torna mais nebulosa a construção de provas e depõe contra o autor no convencimento do juiz. Excepcionalmente, quando houver julgamento antecipado da lide, nas circunstâncias que se faça necessária produção de provas, fica caracterizado o cerceamento de defesa: 18 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. NÃO PRODUÇÃO DE PROVA REQUERIDA. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES POR AUSÊNCIA DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Evidenciada a necessidade de produção de provas, o julgamento antecipado da lide acarreta, além do cerceamento de defesa, violação aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, como ocorreu na hipótese dos autos. 2. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no AResp nº 1.281.518 – DF. 3ª Turma. Min. Relator: Marco Aurélio Bellizze. Data do julgamento: 17/12/2018. Publicação em: 01/02/2019). Em hipótese semelhante, a concessão de medida antecipatória não acarreta ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Entender de maneira contrária exclui a finalidade da antecipação tutelar: TUTELA DE URGÊNCIA – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS – LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA – CONTRADITÓRIO – AMPLA DEFESA. A concessão de tutela de urgência consubstancia meio processual para se garantir a efetividade da prestação jurisdicional e, por isso, o prévio contraditório pode ser dispensado. Recurso provido para que o juízo se pronuncie sobre o tema. (TJ-SP AgrvInstr. 2218363-90.2018.8.26.000. 21ª Câmara de Direito Privado. Des. Relator: Itamar Gaino. Data do julgamento: 12/11/2018. Publicação em: 12/11/2018). No curso processual, a ausência de oportunidade das partes de se manifestarem acarreta prejuízo processual àquele que não tomou conhecimento sobre determinado ato: APELAÇÃO CÍVEL. NÃO RECOLHIMENTO DAS CUSTAS INICIAIS. EXTINÇÃO. AUSÊNCIA INTIMAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DA NÃO SURPRESA. - A intimação da parte antes da Sentença de extinção pelo não pagamento das custas iniciais é imprescindível, revelando a sua não ciência, inequívoco prejuízo e afronta aos consagrados princípios do contraditório, ampla defesa e ao mais novo princípio trazido pelo Código de Processo Civil, o princípio da não surpresa. (TJMG – Acórdão Apelação Cível 1.0134.10.014897-9/001, Relator(a): Des. Luiz Carlos Gomes da Mata, data de julgamento: 24/01/2019, data de publicação: 01/02/2019, 13ª Câmara Cível) (TJ-MG nº 1.0134.10.014897-9/001. 13ª Câmara Cível. Des. Relator: Luiz Carlos Gomes da Mata. Data do julgamento: 24/01/2019. Publicação em: 01/02/2019). 19 Na prática judicial, em virtude de os processos serem eletrônicos, patronos tomam a iniciativa de realizar o ato processual pendente de manifestação antes da juntada do protocolo de intimação ou citação. A mera manifestação da parte, por meio do advogado, acaba sanando eventuais vícios de citação. Porém, há a possibilidade de haver vícios insanáveis, como a continuidade processual em face de mandado de citação juntado os autos em endereço diverso do réu ou assinado por terceiros: DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – APELAÇÃO – CITAÇÃO – ENDEREÇO DESATUALIZADO – CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL – VIOLAÇÃO – NULIDADE – CASSAÇÃO DA SENTENÇA – PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Em face da violação aos princípiosdo contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, preceitos inscritos no artigo 5º, LV, da Constituição da República, o mandado, com aviso de recebimento, encaminhado para endereço desatualizado e recebido por terceiros resulta na nulidade da citação e dos atos processuais subsequentes. 2. Sentença cassada. (TJ-DFT Apel. nº 0706255-71.2018.8.07.0020. 7ª Turma Cível. Des. Relatora: Leila Arlanch. Data do julgamento: 30/01/2019. Publicação em: 04/02/2019). Por fim, resta o caso de processos de natureza inquisitorial. Nesse sentido, a sindicância, precedente para a instauração do processo administrativo disciplinar, não há falar em ofensa ao contraditório e ampla defesa: APELAÇÃO CÍVEL – SERVIDOR PÚBLICO – SINDICÂNCIA – Alegação de desvio de finalidade e de violação aos princípios do contraditório, ampla defesa e publicidade – Inocorrência – Poder-dever de autotutela da Administração que impõe a averiguação de novos elementos informativos – Sindicância que deve ser entendida como uma fase preliminar à instauração do processo administrativo disciplinar, momento no qual se dá o exercício da defesa plena por parte do servidor e a publicidade administrativa, se o caso – Sentença de improcedência mantida – Recurso improvido. (TJ-SP Apelação nº 1003232-54.2018.8.26.0072. 5ª Câmara de Direito Público. Des. Relatora: Maria Laura Tavares. Data do julgamento: 26/11/2018. Publicação em: 26/11/2018). Acerca do inquérito policial, não é um processo cuja complexidade necessite da observância de alguns dos princípios e garantias fundamentais. Na letra do STJ, o inquérito policial é um procedimento investigativo e informativo, cujo teor servirá de base para que o órgão de acusação possa realizar a provocação judicial devida (AgRg no REsp nº 1.552.870 – GO. Min Relator: Joel Ilan Paciornik. Data do julgamento: 27/11/2018. Publicação em: 07/12/2018). Assim, não é admitida a condenação fundamentada exclusivamente em elementos informativos, contidos no inquérito policial. Faz-se necessário o cumprimento do devido processo legal, com observância do contraditório e ampla defesa, além da possibilidade de produção de provas (STF – AP nº 883 – DF. 1ª 20 Turma. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data do julgamento: 20/03/2018. Publicação em: 14/05/2018). Pode, ao fim, o magistrado basear-se em elementos constantes do inquérito policial inicial, mas corroborados nos autos do processo penal, para formar seu livre convencimento (STJ – RHC nº 47.938 – CE. 6ª Turma. Min. Relator: Rogerio Schietti Cruz. Data de julgamento: 14/112017. Publicação em: 21/112017). 2.4 Princípio do juiz natural A regra estabelecida conforme os valores nominados como juiz natural buscam prelecionar regras objetivas para a atribuição de competência jurisdicional, resultando, portanto, na independência e na imparcialidade dos órgãos judiciais. As principais prescrições constitucionais acerca do tema constam nos Incisos XXXVII e LIII, do Art. 5º. Estabelecem que não haverá juízo ou tribunal de exceção e a garantia de que o réu será processado ou sentenciado apenas pela autoridade competente. São, em suma, garantias negativas acerca da conduta do Estado – limitadoras institucionais. Preceituam que os processos sejam conduzidos e decididos por órgãos jurisdicionais previamente determinados (STF MS nº 27021 – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Dias Toffoli. Data do julgamento: 14/10/2014. Publicação em: 24/11/2014). Para averiguação do cumprimento da norma, as Cortes de Justiça debruçam- se sobre questões prejudiciais ou potencialmente suspeitas de haver parcialidade do julgador: Ementa: Processual penal. Agravo regimental em Recurso Ordinário em Habeas corpus. Composição de Câmara Criminal. Juízes convocados. Inexistência de violação ao princípio do juiz natural. 1. Não viola o princípio do juiz natural o julgamento de apelação por órgão colegiado presidido por Desembargador, sendo os demais integrantes juízes convocados. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – RHC nº 136.676 – Agr – SP. 1ª Turma. Min. Relator: Roberto Barroso. Data do julgamento: 07/05/2018. Publicação em: 22/05/2018). (destaque) Em julgado similar, o Pretório Excelso consagrou o entendimento de que a composição de Turma julgadora por juízes de primeiro grau convocados não viola a regra do juiz natural (Are nº 953.936 – AgR – SC. 1ª Turma. Min. Relator: Roberto Barroso. Data do julgamento: 28/06/2016. Publicação em: 10/08/2016). Diante da hipótese de reorganização judicial, como a extinção e criação de varas e comarcas, foi necessário que o STJ lidasse com um conflito nesse sentido, já que uma das partes alegava que, após a extinção da vara onde tramitava o processo em que era parte, a redistribuição dos autos para outra comarca configuraria juízo de exceção – instituto vedado pela Carta Magna e combatido pela teleologia do juízo natural – presumindo ter sido transferido para a nova vara unicamente em razão da 21 parte (STJ – RHC nº 50.284 – MS. 5ª Turma. Min. Relator: Ribeiro Dantas. Data do julgamento: 10/04/2018. Publicação em: 18/04/2018). O princípio do juiz natural não é violado em virtude do desmembramento processual por causa de foro especial por prerrogativa de função, para casos de muitos agentes serem processados conjuntamente, e alguns destes exercerem cargo eletivo, demandando o cumprimento da garantia do foro (STF – RHC nº 126.423 – AgR – MG. 2ª Turma. Min. Relator: Gilmar Mendes. Data do julgamento: 07/10/2016. Publicação em: 14/02/2017). 2.5 Presunção de inocência e individualização e humanização das penas A presunção de inocência é pressuposto básico para que haja a discussão judicial de conflitos, bem como alicerce civilizatório. Nesse sentido, o ônus da prova para comprovar a alegação das condutas delitivas pertence ao órgão da acusação, o Ministério Público. No aspecto da defesa, o réu manifesta as circunstâncias que corroboram o prejuízo da alegação inicial. O principal dispositivo constitucional acerca desse princípio estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (Art. 5º, LVII). Com fulcro nesse estandarte constitucional, na ausência de composição concreta de autoria dos fatos ou falta de provas contundentes, é decidida a absolvição do réu, com fundamento nos Incisos do Art. 386 do Código Processual Penal, Decreto- lei nº 3.689/1941. Se não houvesse tal pressuposto da inocência, diante de meras dúvidas sobre a ocorrência do crime ou a ação do réu, poder-se-ia condenar o réu. O Supremo Tribunal Federal mudou seu posicionamento jurisprudencial entendendo haver a possibilidade de cumprimento de pena, via execução provisória de acórdão penal condenatório conferido em grau recursal, sem haver violação ao princípio em comento (HC nº 154.976 AgR – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Luiz Fux. Data do julgamento: 25/05/2018. Publicação em: 12/06/2018). Reiteradamente decido, o STF alega que: “[...] A execução provisória da pena coaduna com o princípio da vedação da reformatio in pejus, quando mantida a condenação do paciente pela Corte Local, porquanto a constrição de liberdade; neste momento, fundamenta-se na ausência de efeito suspensivo dos recursos extraordinário e especial, no restrito espectro da cognoscibilidade desses mecanismos de impugnação, bem como na atividade judicante desempenhada pelas instâncias ordinárias.3 Quando esgotada a fase cognoscível acerca da culpabilidade do réu, cumpre preceituar os princípios e valores acerca da penalidade. O ordenamento jurídico brasileiro veda que a pena transcenda a pessoa condenada, não podendo seus descendentes ou familiares cumprirem-na no lugar do réu. Para o crime cujo processo 3 STF – HC nº 154.976 – AgR – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Luiz Fux. Data do julgamento: 25/05/2018. Publicaçãoem: 12/06/2018. 22 está em curso, sobre o agente réu deverão repercutir apenas características individuais deste, como antecedentes ou primariedade. A pena não passará da pessoa condenada, porém o ressarcimento a danos e o perdimento de bens poderão afetar terceiros, como os seus sucessores, a título de herança, e em conformidade com a lei (Art. 5º, XLV). Considerando a dosimetria penal frente aos Crimes Hediondos, e balizados os pressupostos favoráveis ou desfavoráveis do condenado, o magistrado deverá basear-se na individualização do apenado (STF – HC nº 111.840 – ES. Tribunal Pleno. Min. Relator: Dias Toffoli. Data do julgamento: 27/06/2012. Publicação em: 17/12/2012). Tal entendimento tornou-se precedente, como pode ser visto no HC nº 129.714 – SP, publicado em 26 de abril de 2017. A humanização da pena, outro consectário constitucional, baseia-se na ideia de humanismo e nas garantias estipuladas na Declaração Universal de Direitos Humanos. Nesse sentido, as penalidades admitidas criminalmente serão a privativa de liberdade, restritiva de direitos e a de multa. Entre as que estão vedadas, encontram- se a morte (admitida excepcionalmente), perpétua, de trabalho forçado, a de banimento e as cruéis. Assim, os registros de antecedentes devem ser desconsiderados para fins de reincidência quando o lapso temporal de 5 anos for superado; de maneira contrária, uma marca deletéria estaria consubstanciando eternamente as consequências de uma penalidade já imposta (TJ-MG. Apelação nº 1.0024.14.229023-8/001. 2ª Câmara Criminal. Des. Relator: Nelson Missias de Morais. Data do julgamento: 17/09/2015. Publicação em: 28/09/2015). Nesse caso, houve tentativa de afastar não a penalidade perpétua, mas fatores correlatos a esta, como a permanência de registro de reincidência perpetuamente. Similarmente, acerca das penalidades aplicáveis no campo administrativo, repercutem dúvidas sobre penalidades perpétuas. O Estatuto do Servidor Público Civil Federal, Lei nº 8.112/1990, estabelece que não poderão retornar ao serviço público federal aquele servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por crime contra a Administração Pública, de improbidade administrativa, por aplicação irregular de dinheiro público; por lesão aos cofres públicos ou dilapidação do patrimônio nacional e corrupção (Art. 137, parágrafo único). Frente a essa discussão, o Procurador-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade para qualificar esse tipo de imposição como caracterização de penalidade perpétua. Está, portanto, em curso a ADI nº 2975, DF, distribuída em 2003, e conclusos para Relatoria em outubro de 2018. Mais conteúdos acerca da individualização e humanização de penas estão homenageados pela Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/1984, considerando um rol de direitos assistenciais a serem garantidos aos apenados. A título de exemplo, a jurisprudência entende ser o direito de visita aos presos como medida de ressocialização; no entanto, não se trata de um direito de viés absoluto e ilimitado: AGRAVO EM EXECUÇÃO. AUTORIZAÇÃO DE VISITA. COMPANHEIRA. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. 23 1. O art. 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais prevê como direitos do preso a visita de cônjuge, companheira, parentes e amigos em dias determinados, o que está em consonância com os princípios constitucionais de humanização das penas e reintegração social. Contudo, há que se avaliar a situação do sentenciado bem como da pessoa que pretende visitá-la, não se tratando de um direito absoluto ou ilimitado. 2. Os fatos praticados pela suposta companheira do agravante são graves. A tentativa de fazer ingressar e difundir drogas para dentro do presídio, inclusive com a falsificação de documentos públicos para que sua comparsa os utilizasse para ingressar no cárcere demonstra a audácia e a gravidade especial da conduta praticada pela suposta companheira do agravante, o que a impede de visitá-lo. 3. No cotejo entre os bens jurídicos em jogo – o direito do preso de receber visitas e de certas pessoas o visitarem, e o risco à ordem no presídio e ao direito à saúde dos detentos –, deve prevalecer a higidez do sistema prisional. 4. A vedação não impõe restrição absoluta e desarrazoada a direitos, porque o sentenciado poderá receber visitas de outras pessoas que não incidam em óbices legais, ou mesmo de pessoas que já cumpriram a sanção penal imposta. 5. Agravo conhecido e não provido. (TJ-DFT Agv. nº 0013953-69.2017.8.07.000. 1ª Turma Criminal. Des. Relatora: Ana Maria Amarante. Data do julgamento: 24/08/2017. Publicação em: 30/08/2017). Cumpre salientar que o condenado, durante a execução penal, sujeita-se a um processo administrativo disciplinar para aferir a ocorrência de atos de indisciplinas. Nesta circunstância, diferente do processo administrativo disciplinar habitual, faz-se necessária a representação processual por intermédio de um advogado: PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. A judicialização da execução penal representa um dos grandes passos na humanização do sistema penal. Como corolário da atividade judicial encontra- se o devido processo legal, de cujo feixe de garantias se notabiliza a ampla defesa. Prescindir-se da defesa técnica no acompanhamento de procedimento administrativo disciplinar para apuração de falta grave implica ilegalidade, pois desconsidera-se a condição de vulnerabilidade a que submetido o encarcerado. 2. Ordem concedida para anular o procedimento administrativo disciplinar, relativo à suposta prática de falta grave na execução penal, no qual o paciente não foi assistido por defensor técnico – com voto vencido. (STJ – HC nº 148.662 – RS. 6ª Turma. Min. Relator: Haroldo Rodrigues. Data do julgamento: 18/10/2011. Publicação em: 29/06/2012). 24 3. ILICITUDE DAS PROVAS A elaboração de provas consiste no meio de validar concretamente as alegações das partes no processo. Deve-se, todavia, presumir que sejam obtidas por meio lícitos, não se admitindo as ocorrências de provas angariadas por métodos deletérios. Considerando que em virtude de uma prova ilícita sejam obtidas outras provas derivadas de maneira lícita, é cediço pela jurisprudência que até mesmo estas últimas ficam contaminadas pela ilicitude. Excepcionalmente é aceita a prova decorrente da ilícita, quando puder ser obtida por outros meios de provas anteriormente: Ementa: (..). 1. As provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro EROS GRAU, “arrimada em elementos probatórios coligidos antes de sua juntada aos autos”. 2. Assentou o Superior Tribunal de Justiça que, em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.690/2008, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Não há, portanto, nenhuma ilegalidade na remessa dos autos ao Juízo processante de primeira instância, a quem ordinariamente compete o primeiro exame dos elementos de prova pertinentes à causa, para o fim de selecionar e expurgar as provas contaminadas, mantendo hígida a porção lícita, delas independente. Em outras palavras, não cabe a esta CORTE, nesta via estreita, se antecipar e proferir qualquer decisãoacerca da legalidade de provas que nem mesmo foram analisadas pelo Juízo competente. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento. (STF – HC nº 156.157 AgR – PR. 1ª Turma. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data de julgamento: 19/11/2018. Publicação em: 26/11/2018). Acerca da causalidade e cronologia sobre a prova ilícita, foram estabelecidas distintas teorias, como a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree) e a teoria da fonte independente. A primeira foi retratada no julgado acima, em que as provas lícitas decorrentes da prova obtida ilicitamente também se tornam contaminadas, em metáfora a uma árvore contaminada, que não pode gerar frutos sadios. Pela segunda doutrina, é desvinculada a prova lícita da ilícita na hipótese de ausência de correlação. Para esta última teoria, podem ser atribuídas as provas lícitas obtidas em curso de investigação, mas tendo como passo inicial o recebimento de uma carta ou mensagem apócrifa, não podendo ser determinado quem ou sob que circunstâncias fora emitida (STJ – Resp nº 1.417.567 – MG. 6ª Turma. Min. Relator: Nefi Cordeiro. Data do julgamento: 19/06/2018. Publicação em: 29/06/2018). 25 Porém, em decisão de habeas corpus, o STJ entendeu no sentido contrário, quando a mensagem apócrifa não puder acarretar produção probatório pertinente ou simplesmente gerar prejuízo às partes processuais e ao julgador: EMENTA: (..). (..). 2. Nos termos do art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal, o magistrado possui o poder/dever de indeferir provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias ao julgamento da causa. Inserida neste contexto, a prova assume a acepção de instrumento idôneo à formação da convicção do órgão julgador acerca da existência de determinada situação fática de relevância para o processo. 3. Sem prejuízo da apuração pelos órgãos competentes, deve ser desentranhada dos autos a carta apócrifa relatando supostos ilícitos envolvendo o réu, os advogados de defesa e o magistrado para manipulação do julgamento, sobretudo quando as afirmações ali dispostas são despidas de qualquer comprovação e respaldo. No procedimento do júri, a manutenção de documento dessa estirpe – que não constitui prova –, causa evidente prejuízo aos interesses do réu, porquanto é capaz de impregnar o julgamento e a íntima convicção dos jurados leigos, atraindo um cabedal de subjetivismos com potencialidade para pôr em xeque a figura e a atuação dos atores processuais, notadamente o juiz da causa e os causídicos nela atuantes. (...) (STJ – HC nº 387.699 – MG. 6ª Turma. Min. Relatora: Maria Thereza de Assis Moura. Data do julgamento: 05/09/2017. Publicação em: 18/09/2017). Em face de novos meios de comunicação com o advento da tecnologia dos smartphone, o acesso por parte de autoridades a aplicativos de mensagens com o intuito de investigação pode configurar a violação da intimidade, a despeito de não poder ser considerado quebra de sigilo telefônico. Para esta hipótese, faz-se necessária autorização judicial (STJ – RHC nº 101.585 – MG. 5ª Turma. Min. Relator: Reynaldo Soares da Fonseca. Data de publicação: 18/10/2018. Publicação em: 26/10/2018). O Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado reiteradamente com a mesma posição: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PROVAS. OBTENÇÃO. DADOS CONSTANTES DE APARELHO CELULAR. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA. APREENSÃO NO MOMENTO DO FLAGRANTE. ILICITUDE. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. 1. "A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel." (HC 372.762/MG, Relator Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017). 26 2. No caso dos autos, verifica-se que os policiais militares responsáveis pela abordagem e prisão em flagrante do agente acessaram os registros telefônicos e o histórico de conversas via WhatsApp sem que houvesse prévia autorização judicial, o que revela a ilicitude da prova obtida com a medida. 3. Não subsistindo outros elementos de prova autônomos e suficientes para determinar o prosseguimento da ação penal, deve ser mantida a decisão do juízo de origem que rejeitou a denúncia. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no REsp nº 1.748.161 – AC. 5ª Turma. Min. Relator: Jorge Mussi. Data do julgamento: 13/11/2018. Publicação em: 22/11/2018). Os tribunais têm bem fundamentado o afastamento de provas ilícitas, porém, lidam com circunstâncias de mais complexidade para estabelecer se há validade ou não de provas fortuitamente referentes a processos desmembrados em virtude de foro especial de prerrogativa de função de um dos acusados (STF – Pet. Nº 7.808 – RN. 2ª Turma. Min. Relator: Edson Fachin. Data do julgamento: 20/11/2018. Publicação em: 05/12/2018). Com isto, vê-se que, ao consagrar apenas as provas lícitas no curso do processo, os demais princípios e garantias processuais são consequentemente atendidos, especialmente os do contraditório e ampla defesa e do devido processo legal. Oportunamente, tem-se que provas produzidas independentemente da autorização judicial não configuram ilicitude (STF – Inq. nº 2.952 – RR. 2ª Turma. Min. Relator: Gilmar Mendes. Data do julgamento: 10/03/2015. Publicação em: 24/03/2015). 27 REFERÊNCIAS AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2018. JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2019. MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.