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Abordagem inicial do paciente com icterícia

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Abordagem inicial do paciente com icterícia
Icterícia é uma coloração amarelada dos tecidos do corpo resultante da deposição de bilirrubina. A deposição de bilirrubina nos tecidos ocorre apenas quando há hiperbilirrubinemia sérica e é um sinal de doença hepática ou, o que é menos comum, de um distúrbio hemolítico ou do metabolismo da bilirrubina.
Quando os aumentos na concentração sérica de bilirrubina são mais discretos, a icterícia é mais facilmente observada nas escleróticas, devido ao seu alto teor de elastina que possui afinidade muito forte com a bilirrubina. Além disso, outro local a ser observado é a região sublingual do paciente, onde é também facilmente percebida a icterícia. Com a evolução da doença e o consequente aumento na concentração sanguínea de bilirrubina, a pele do paciente vai se tornando amarelada, sendo facilmente avaliado. 
Quanto ao diagnóstico diferencial da icterícia, ela pode ser confundida com carotenodermia, que é a concentração excessiva de carotenos devido ao alto consumo de frutas e vegetais que o compõe. Entretanto, na carotenodermia, a coloração amarelada se faz mais presente na palma das mãos e dos pés dos pacientes. Além disso, outro ponto importante ao se pensar em hiperbilirrubinemia é que normalmente ela vem acompanhada do escurecimento da urina, devido à maior excreção renal de bilirrubina conjugada, indicando, normalmente, doença hepática. 
O metabolismo da bilirrubina funciona da seguinte maneira 	→
HALL, John Edward; GUYTON, Arthur C. Guyton & Hall tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017
As principais causas de icterícia são excessiva destruição de hemácias com consequente liberação de maiores quantidades de bilirrubina; obstrução dos ductos biliares e lesão hepática, que faz com que a bilirrubina, mesmo produzida em concentrações normais, não consiga ser excretada, acumulando nos espaços extracelulares. Esses dois tipos característicos são denominados icterícia hemolítica e icterícia obstrutiva. 
Para o teste de dosagem da bilirrubina urinária, a bilirrubina não conjugada sempre está ligada à albumina no soro e não é filtrada pelo rim nem encontrada na urina. Assim, qualquer bilirrubina encontrada na urina é conjugada. A existência de bilirrubinúria detectada na urina por uma fita de teste (Ictotest) indica elevação da fração conjugada da bilirrubina, que não pode ser excretada pelo fígado e indica a presença de doença hepatobiliar.
Sabendo-se dos mecanismos de produção, a abordagem do paciente com icterícia é da seguinte maneira: 
(HARRISON, 2020)
Elevação isolada da bilirrubina sérica: 
O diagnóstico diferencial para a hiperbilirrubinemia não conjugada isolada não é amplo, o que se faz necessário é estabelecer se a causa dessa hiperbilirrubinemia é por um processo hemolítico com produção excessiva de bilirrubina, ou se é há um comprometimento da captação/conjugação hepática de bilirrubina. 
(HARRISON, 2020)
Entre os distúrbios hereditários estão esferocitose, anemia falciforme, talassemia e deficiência de enzimas de glóbulos vermelhos. Ao avaliar a icterícia em pacientes com hemólise crônica, é importante lembrar a elevada incidência de cálculos biliares pigmentados (bilirrubinato de cálcio). 
Entre os distúrbios hemolíticos adquiridos estão anemia hemolítica microangiopática hemoglobinúria paroxística noturna, anemia ligada à acantocitose, hemólise imune e infecções parasitárias, incluindo malária e babesiose. 
Na ausência de hemólise, o médico deve considerar a possibilidade de haver algum problema com a captação hepática ou com a conjugação da bilirrubina. Determinados fármacos e algumas doenças hereditárias podem causar hiperbilirrubinemia não conjugada por diminuição da captação hepática de bilirrubina. 
A. Síndrome do Crigler-Najjar tipo I: é um distúrbio raro encontrado em neonatos, caracterizado por icterícia grave, que leva a disfunção neurológica e morte na lactância. 
B. Síndrome do Crigler-Najjar tipo II: Os pacientes vivem até a idade adulta com níveis séricos de bilirrubina elevados, devido a uma diminuição na atividade das enzimas conversoras de bilirrubina. 
C. Síndrome de Gilbert: se caracteriza por redução da conjugação da bilirrubina em razão da atividade baixa da bilirrubina-UDPGT; 
Já, no caso da hiperbilirrubinemia conjugada ela aparece em dois distúrbios hereditários raros: 
A. Síndrome de Dubin-Johnson: pacientes apresentam alteração na excreção da bilirrubina nos ductos biliares.
B. Síndrome de Rotor: representa a deficiência dos principais transportadores hepáticos de recaptação dos fármacos.
Elevação da bilirrubina sérica com outras anormalidades dos exames hepáticos: 
Esse grupo pode ser subdividido em dois: pacientes com processo hepatocelular primário e pacientes com colestase intra ou extra-hepática. 
Anamnese: 
Talvez essa seja a parte mais importante para se descobrir as causas de uma icterícia desconhecida. Dentre as considerações importantes estão: o uso ou a exposição a qualquer substância química ou fármacos, fitoterápicos, prescritos, ou não, e esteroides anabolizantes. Além disso, perguntar sobre possíveis exposições parenterais, como transfusões, uso de drogas intravenosas e intranasais, tatuagens e atividade sexual. 
Outros fatores menos específicos, porém muito importantes a serem questionados ao paciente são a história de viagem recente; exposição a pessoas ictéricas ou a alimentos possivelmente contaminados; exposição ocupacional a hepatotoxinas; ingestão de álcool; duração da icterícia; e presença de quaisquer sinais ou sintomas associados como artralgias, mialgias, exantema, anorexia, perda ponderal, dor abdominal, febre, prurido e alterações da urina e das fezes.
Exame físico: 
A avaliação geral deve incluir o estado nutricional do paciente. Os sinais de doença hepática crônica, incluindo aranhas vasculares, eritema palmar, ginecomastia, cabeça de medusa, são comumente observados na cirrose alcoólica avançada. 
Além disso, um linfonodo supraclavicular esquerdo aumentado (nódulo de Virchow) ou um linfonodo periumbilical (nódulo da irmã Maria José) sugere câncer abdominal. A distensão venosa jugular, um sinal de insuficiência cardíaca direita, sugere congestão hepática. 
O exame do abdome deve avaliar o tamanho e a consistência do fígado, se o baço está palpável e, portanto, aumentado, e se há ascite. A detecção de fígado aumentado e doloroso indica hepatite viral ou alcoólica. Dor intensa no quadrante superior direito com interrupção da respiração durante a inspiração (sinal de Murphy) sugere colecistite.
Exames laboratoriais: 
Há uma bateria de testes que é útil na avaliação inicial de paciente com icterícia a ser esclarecida. Esses exames incluem bilirrubina sérica total e direta com fracionamento, dosagens de aminotransferases, fosfatase alcalina, albumina; e tempo de protrombina. Os testes enzimáticos (alanina-aminotransferase [ALT], aspartatoaminotransferase [AST] e fosfatase alcalina [ALP]) são valiosos para diferenciar entre processos hepatocelulares e colestáticos. 
Os pacientes com um processo hepatocelular geralmente apresentam aumento das aminotransferases desproporcional ao da ALP, enquanto os que têm um processo colestático apresentam aumento da ALP desproporcional ao das aminotransferases. Além da dosagem das enzimas, para todos os pacientes ictéricos devem ser solicitados exames sanguíneos adicionais, especificamente dosagem de albumina e tempo de protrombina, para avaliar a função hepática. 
Distúrbios hepatocelulares: 
Entre as doenças hepatocelulares que podem causar icterícia estão hepatite viral, efeitos tóxicos de fármacos ou toxinas ambientais, alcoolismo e cirrose terminal. 
(HARRISON, 2020)
Quando o médico estabelece que um paciente tem doença hepatobiliar, os testes apropriados para hepatite viral aguda incluem um ensaio para anticorpo IgM contra hepatite A, ensaios para antígeno de superfície e anticorpo IgM nuclear contra hepatite B, um ensaio para RNA do vírus da hepatite C e, dependendo das condições clínicas, um ensaio para anticorpoIgM contra hepatite E. Também é possível que haja indicação para investigação das hepatites virais D e E, do vírus de Epstein-Barr (EBV) e do citomegalovírus (CMV). 
A lesão hepatocelular induzida por fármacos pode ser classificada como previsível ou imprevisível. As reações farmacológicas previsíveis são dependentes da dose e afetam todos os pacientes que ingerem uma dose tóxica do fármaco em questão. O exemplo clássico é a hepatotoxicidade do paracetamol. As reações farmacológicas imprevisíveis, ou idiossincrásicas, não dependem da dose e ocorrem em uma minoria dos pacientes.
Distúrbios colestáticos: 
Quando o padrão dos exames hepáticos sugere distúrbio colestático, a próxima etapa é determinar se a colestase é intra ou extra-hepática. 
O próximo exame a ser solicitado é ultrassonografia. A ultrassonografia (US) é um exame de baixo custo, que não expõe o paciente à radiação ionizante e é capaz de detectar dilatação da árvore biliar intra e extra-hepática com alto grau de sensibilidade e especificidade. A ausência de dilatação biliar sugere colestase intra-hepática, enquanto a presença de dilatação biliar indica colestase extra-hepática. 
(HARRISON, 2020) editado 
 
Os próximos exames apropriados incluem TC, colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM), colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), colangiografia transepática percutânea (CTP) e ultrassonografia endoscópica (USE).

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