Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2020 NPNN 2020 2 Palestrantes Dra. Ana Marta Gomes Dra. Ana Ventura Dra. Carla Moreira Dra. Catarina Almeida Dra. Catarina Ribeiro Dra. Clara Almeida Dra. Clara Santos Dra. Daniela Alferes Dra. Daniela Lopes Dr. João Carlos Fernandes Dr. Luís Costa Dra. Marina Reis Dr. Paulo Espiridião Dra. Rute Carmo Dra. Sara Rodrigues Dra. Sónia Sousa Dra. Susana Pereira 4 I. Alterações do Potássio 25 II. Alterações do sódio 38 III. Alterações equilíbrio ácido-base 55 IV. Exames complementares de diagnóstico em Nefrologia 71 V. Proteinúria e Hematúria 81 VI. Insuficiência renal 94 VII. Lesão renal aguda no doente internado 104 VIII. Substituição da função renal: A Diálise e o transplante 116 IX. Alterações renais nas doenças Sistémicas 128 X. Nefropatia Diabética 137 XI. Diuréticos 151 XII. Síndrome Cardio-renal 165 XIII. A Hipertensão arterial de causa renal 175 XIV. Fármacos e rim 194 XV. Infeções do tracto urinário 211 XVI. Litíase urinária 219 XVII Referenciação à Nefrologia Índice NPNN 2020 4 Alterações do Potássio I. NPNN 2020 5 1 ALTERAÇÕES DO POTÁSSIO 1- Conceitos Básicos A manutenção de um balanço de potássio normal é essencial para uma variedade de funções celulares e neuromusculares. A reserva de potássio de um adulto normal é aproximadamente 3000 a 4000 mEq, e noventa e oito por cento deste potássio é intra-celular, daí que nos distúrbios do potássio não é possível determinar o défice ou excesso deste ião no organismo e o tratamento envolve a determinação seriada do seu valor. 2- Factores envolvidos na homeostase do K+ A ingestão diária normal de potássio é cerca de 40-120 mEq/dia, é armazenado principalmente nas células e é excretado sobretudo na urina e em menor quantidade no suor e nas fezes. A alteração da concentração do potássio plasmático envolve a modificação de um ou mais destes processos. Dieta K+ plasmático células Suor Fezes Urina Os 3 mecanismos fisiológicos principais para a regulação do K+ envolvem: • Transporte celular (entrada/saída das células) • Eliminação urinária • Eliminação gastrointestinal De forma a minimizar aumentos transitórios da concentração plasmática do potássio, após a ingestão e antes da excreção, o organismo desenvolveu vários mecanismos fisiológicos para transportar o potássio para dentro das células. O transporte celular do potássio através da membrana celular faz-se pela bomba Na+K+- ATPase, que é activada pela acção da insulina e pela estimulação dos receptores NPNN 2020 6 2 β2-adrenergicos. É o principal mecanismo de adaptação às alterações rápidas da concentração do K+. Figura 1. Hormonas envolvidas na homeostase normal do potássio (Insulina, catecolaminas β- adrenérgicas, aldosterona) 3- Homeostasia renal do K+ Nas 4 horas seguintes à ingestão/administração de potássio o rim excreta cerca de 50% do valor total. O potássio é livremente filtrado no glomérulo. A maioria do K+ é reabsorvida no túbulo contornado proximal e na ansa de Henle, daí que em condições fisiológicas normais, a chegada de K+ ao túbulo distal é mínima e praticamente constante. A secreção de K+ ocorre no túbulo distal sobretudo na parte inicial do túbulo colector e no túbulo colector cortical. A secreção de K+ no túbulo distal é geralmente responsável pela maioria da excreção urinária do K+. A célula principal do túbulo colector é a responsável pela secreção deste ião e os reguladores fisiológicos mais importantes neste processo são a actividade mineralocorticóide e a chegada de Na+ e água ao túbulo distal. 1. Mineralocorticóides NPNN 2020 73 Os mineralocorticóides estimulam a secreção de potássio pelas células do ducto colector por três mecanismos principais: a. Aumentam a concentração intracelular de potássio por estimulação directa da bomba Na+/K+-ATPase. b. Aumentam a permeabilidade da membrana apical da célula principal ao K+. c. Estimulam a reabsorção do sódio na membrana apical, o que despolariza a célula relativamente ao lúmen tubular, aumentando o gradiente eléctrico, favorecendo a secreção de K+. A reabsorção do sódio pela membrana apical é feita por um canal de Na+ sensível ao amilorido. Figura 2. Célula principal do ducto colector 2. Aumento de sódio e água no túbulo colector O aumento do ião sódio no ducto colector estimula a absorção celular deste a este nível, despolarizando a célula, levando a que a bomba de Na+/K+-ATPase funcione a um ritmo mais rápido e, consequentemente, aumente a secreção do potássio. O aumento de fluxo tubular de água também aumenta a secreção do K+ porque dilui o K+, baixando a sua concentração luminal. Em condições normais estes dois factores (mineralocorticóides e sódio tubular) são inversamente regulados pelo volume arterial efectivo não havendo alterações na concentração plasmática do potássio. A redução do volume arterial efectivo está associada a um aumento da secreção de aldosterona (por estimulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona), de que resulta um aumento da secreção de potássio, contrariado pela redução do sódio no túbulo colector (por reabsorção no túbulo proximal). Por esta razão, a 2 β2-adrenergicos. É o principal mecanismo de adaptação às alterações rápidas da concentração do K+. Figura 1. Hormonas envolvidas na homeostase normal do potássio (Insulina, catecolaminas β- adrenérgicas, aldosterona) 3- Homeostasia renal do K+ Nas 4 horas seguintes à ingestão/administração de potássio o rim excreta cerca de 50% do valor total. O potássio é livremente filtrado no glomérulo. A maioria do K+ é reabsorvida no túbulo contornado proximal e na ansa de Henle, daí que em condições fisiológicas normais, a chegada de K+ ao túbulo distal é mínima e praticamente constante. A secreção de K+ ocorre no túbulo distal sobretudo na parte inicial do túbulo colector e no túbulo colector cortical. A secreção de K+ no túbulo distal é geralmente responsável pela maioria da excreção urinária do K+. A célula principal do túbulo colector é a responsável pela secreção deste ião e os reguladores fisiológicos mais importantes neste processo são a actividade mineralocorticóide e a chegada de Na+ e água ao túbulo distal. 1. Mineralocorticóides NPNN 2020 8 4 excreção renal de K+ e o seu valor plasmático são independentes do volume arterial efectivo. Só em determinadas condições patológicas é que a aldosterona e a chegada de sódio ao túbulo distal actuam da mesma forma, tais como os diuréticos (provocam depleção de volume provocando estimulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona, e aumentam a excreção de sódio estimulando a secreção de potássio no túbulo colector). No hiperaldosteronismo primário o defeito está no aumento da secreção de aldosterona, que provoca aumento da reabsorção de água e sódio e excreção de potássio; a hipervolémia consequente provoca também um aumento da excreção de água e sódio renal e a chegada de iões sódio ao túbulo distal, que potencia a excreção de potássio. O resultado final é a hipocaliémia. No hipoaldosteronismo o contrário acontece, há depleção de volume e retenção de potássio (pelo défice de aldosterona e pela menor chegada do sódio ao túbulo distal). Mineralocorticóides [Na+] tubo distal Secreção de K+ Exemplos Volume extra-celular ↑ ↓ ↑ S/alteração Hipervolemia Volume extra-celular ↓ ↑ ↓ S/alteração Desidratação ↑ Primário mineralocorticoides ↑ ↑ ↑ Hiperaldosteronismo 1ário Estenose da artéria renal ↓ Primário mineralocorticoides ↓ ↓ ↓ D. Addison ↑ [Na+] tubo distal ↑ ↑ ↑ Diuréticos ↓ [Na+] tubo distal ↓ ↓ ↓ Glomerulonefrite aguda Fig 3. Regulação da secreção de potássio NPNN 2020 9 5 Hipocaliémia K+ plasmático < 3,5 mEq/L 1. Mecanismos de hipocaliemia 1.1. Ingestão diminuída de K+ É uma causa rara de hipocaliémia. Numa dieta sem K+ o rim mantém uma excreção constante de cerca de 5-25 mEq/dia de K+. Esta incapacidade de o rim diminuir a excreção do K+ para quase zero poderá reflectir a prioridade emproteger o Causas de Hipocaliémia Ingestão diminuída Caquexia Anorexia Redistribuição celular Alcalose metabólica ou respiratória Aumento de insulina β2-agonistas Paralisia periódica hipocaliémica Intoxicação por cloroquina Perdas extra-renais Diarreia Uso de resina permutadora de iões Uso de laxantes Perdas cutâneas (queimaduras) Perdas renais Diuréticos tiazídicos ou de ansa Excesso de mineralocorticoides Síndrome de Liddle Síndrome de Gittelman ou Bartter Hipomagnesiemia Poliúria Fármacos (anfotericina B, L-dopa) NPNN 2020 10 6 organismo da hipercaliémia, mas que em situações de ingestão muito diminuída associada ou não a outros factores (ex. diuréticos), em que o consumo é inferior às perdas, pode levar a hipocaliémia. 1.2. Redistribuição celular do K+ A hipocaliémia pode resultar de um aumento do movimento do K+ para as células. As catecolaminas promovem a entrada o K+ para as células (por estimulação do receptor β2 adrenérgico) assim como a insulina. Ambos aumentam a actividade da bomba Na+/K+-ATPase. A alcaliemia, metabólica ou respiratória, promove a entrada de K+ para as células. Nos estados de alcalose, os iões H+ saem das células para o fluido extra- celular na tentativa de minimizar a elevação do pH. Para preservar a electroneutralidade do líquido extracelular o K+ entra para as células. Em geral este efeito é pequeno e a concentração de K+ sofre uma redução inferior a 0,4 mEq/L por cada aumento de pH de 0,1 unidades. Embora o efeito directo da alcaliemia seja reduzido, a hipocaliémia é frequente na alcalose metabólica. Possivelmente, a razão principal desta associação é a perda concomitante de H+ e K+ pela condição médica subjacente (vómitos, diuréticos, hiperaldosteronismo). A ingestão de alguns fármacos tais como a cloroquina ou a risperidona provoca hipocaliémia, presumivelmente, devido a um shift celular do K+. A ingestão de bário bloqueia os canais de K+ celulares que permitem a sua saída. A paralisia periódica hipocaliémica é uma doença rara caracterizada por fraqueza muscular ou paralisia devido à movimentação súbita do K+ para dentro das células. Pode ser familiar ou adquirida e é de transmissão autossómica dominante. Resulta da mutação do gene que codifica uma subunidade do canal de cálcio ou do sódio muscular. 1.3 Perdas extra-renais de K+ As perdas gastrointestinais de K+ são uma das causas mais frequentes de hipocaliémia. Pode ocorrer por diarreia, fístulas intestinais, pelo uso de sondas de drenagem (biliar, SNG, etc.), pela presença de adenomas vilosos ou pelo uso abusivo de laxantes. NPNN 2020 11 7 As resinas permutadoras de iões são usadas frequentemente no tratamento da hipercaliémia; do consumo abusivo destas substâncias pode resultar hipocaliémia, hipomagnesiemia e ocasionalmente alcalose metabólica. NOTA: Os vómitos causam por vezes hipocaliémia mas não se deve a perdas GI porque a concentração de K+ nas secreções gástricas é baixa (5-10 mEq/L). Os vómitos aumentam a excreção de bicarbonato, desta forma aumentando a chegada de NaHCO3 ao túbulo colector. O aumento do sódio no túbulo colector e o aumento de aldosterona (pela depleção de volume) provocam espoliação renal de K+. Raramente a hipocaliémia pode resultar de perdas cutâneas de K+. Em situações de exercício físico intenso num ambiente quente e húmido pode-se perder cerca de 10L de suor diários. Destas perdas pode resultar hipocaliémia apesar de a concentração de K+ no suor não ser superior a 5 mEq/L. As queimaduras extensas são também uma fonte de perda de fluidos e K+ significativa. 1.4. Perdas renais de K+ A. Aumento da actividade mineralocorticóide primária O aumento da actividade mineralocorticóide pode resultar de: -Aumento primário da secreção da renina plasmática (tumores produtores de renina, estenose da artéria renal) -Aumento primário da secreção da aldosterona (hiperaldosteronismo primário – adenoma, carcinoma, hiperplasia) -Aumento de outros mineralocorticóides (síndrome paraneoplásico, S. Cushing) -Síndrome de excesso aparente de mineralocorticóides O diagnóstico diferencial a ter em consideração num doente com hipertensão arterial, hipocaliémia e alcalose metabólica assenta nos níveis plasmáticos de renina e de aldosterona. Aproximadamente 15% dos doentes com estenose da artéria renal desenvolvem hipocaliémia em associação com níveis de renina e aldosterona aumentados. NPNN 2020 12 8 No síndrome de excesso aparente de mineralocorticóides os níveis de renina e aldosterona estão suprimidos. Trata-se de uma doença rara, autossómica recessiva. O receptor mineralocorticoide é capaz de se ligar ao cortisol e à aldosterona com a mesma afinidade. Em situações normais a ligação do cortisol a este receptor é impedida porque é rapidamente degradado pela enzima 11β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 2. Nesta patologia a actividade desta enzima está diminuída permitindo a activação persistente destes receptores pelo cortisol. B. Aumento do sódio no túbulo distal Os diuréticos tiazidicos e de ansa são a causa mais frequente de hipocaliémia. Um dos factores responsáveis é o aumento da concentração de sódio no túbulo colector (inibição da reabsorção de sódio e água) associado à depleção de volume induzida pelos diuréticos que estimula a produção de aldosterona, contribuindo conjuntamente para a hipocaliémia. A hipocaliémia secundária aos diuréticos é dose- dependente. No défice de magnésio há uma reabsorção diminuída de sódio tubular, aumentando desta forma a sua excreção e concentração tubular, daí a relação frequente entre a hipomagnesiemia e a hipocaliémia refractária ao tratamento. Em determinadas condições, tais como os vómitos e a Acidose Tubular Renal proximal, a hipocaliémia resulta da presença de bicarbonato excretado na forma de bicarbonato de sódio. No Síndrome de Liddle há um aumento da densidade e da actividade dos canais de sódio no ducto colector, havendo, desta forma, um aumento da reabsorção do Na+ e da excreção de K+. Este síndrome distingue-se do hiperaldosteronimo 1ário pela presença de níveis plasmáticos reduzidos de renina e aldosterona. 2. Manifestações Clínicas A gravidade das manifestações tende a ser proporcional ao grau e duração da hipocaliémia. Os sintomas habitualmente aparecem quando a concentração de K+ é inferior a 3 mEq/L ou há uma redução rápida dos valores. NPNN 2020 13 9 Manifestações clínicas da hipocaliémia aguda • Fraqueza muscular ou paralisia (incluindo íleo paralítico) • Arritmia cardíaca • Rabdomiólise, caimbras 3. Diagnóstico A abordagem do doente hipocaliémico deve incluir pelo menos: - História clínica (fármacos, vómitos, diarreia, etc.) - Exame físico (volume extracelular, TA) e resultados analíticos - Determinação da excreção urinária de potássio (um K+ < 20 mEq/L na urina de 24h sugere uma causa extra-renal de hipocaliémia) 1º → Se a perda de K+ é renal, vamos avaliar o volume vascular efectivo de forma a distinguir entre as situações causadas por um aumento primário de mineralocorticoides ou um aumento do Na+ no tubo colector. 2º → Se o doente se apresenta com um aumento do volume arterial efectivo, frequentemente com HTA, mede-se a renina e aldosterona. 3º → Se o doente está depletado de volume vamos medir o bicarbonato sérico: se for baixo é uma acidose tubular renal; se for alto, o que é muito mais comum, a hipocaliémia deve-se ao aumento do Na+ no tubo colector. Se a história clínica não permite diferenciar a causa da alcaliemia, mede-se o Cl- na urina: se o Cl- for baixo significa que há outro anião na urina que impediu a reabsorção do Na+ . NPNN 2020 14 10 ↑R, ↑A ↓R, ↑A ↓R, ↓A Fig 4. Diagnóstico [K+] urina Pressão arterial e volume arterial efectivo Baixo – Normal Perdas extra-renais [HCO3-] Baixo Elevado Estenose artéria renal Adenoma SR Hiperplasia SR Hiperaldosteronismo remediável S. Cushing Excesso aparente mineralocorticoidesS. Liddle [Cl-] urina Baixo Elevado Vómitos Diuréticos ↓ Mg2+ Bartter Gittelman ATR < 20 mEq/L > 20 mEq/L Alto Renina, Aldosterona Diarreia NPNN 2020 15 11 5. Tratamento A redução do K+ plasmático de 4 para 3 mEq/L deve-se à perda de cerca de 200 a 400 mEq de K+, assumindo que a distribuição de K+ dentro e fora das células é normal. Mas, como já referido, não é possível determinar o défice real de K+ dado a que é um ião maioritariamente intra-celular e há situações clínicas variadas que alteram a proporção da distribuição intra-extra celular do potássio. O tratamento da hipocaliémia consiste em repor o défice de K+ via oral ou endovenosa consoante a gravidade da hipocaliémia. Deve-se identificar e tratar, em simultâneo, a causa da hipocaliémia. Após o início do tratamento deve-se dosear frequentemente a sua concentração plasmática de forma a suspender ou manter o tratamento. No tratamento da hipocaliémia ligeira a moderada (3-3,4 mEq/L): 1. Nos doentes com hipocaliémia ligeira a moderada, sem perdas de K+ renais activas, poderão ser tratados com formulações orais de K+ na dose de 10 a 20 mEq de K+ 2-4x/dia (cerca de 80 mEq/dia). Devemo-nos assegurar que o doente tem trânsito intestinal activo. 2. Nos doentes com perda crónica de K+ (Tratamento crónico com diuréticos, S. Gittelman/Bartter, hiperaldosteronismo primário) o tratamento é de preferência com um diurético poupador de potássio. 3. Se um diurético poupador de potássio é usado em combinação com suplementação de potássio oral, é necessário a monitorização frequente dos valores do K+, especialmente se houver doença renal crónica ou uso de outros fármacos com potencial de causar hipercaliémia (IECA, ARA II, inibidores da renina). NPNN 2020 16 12 No tratamento da hipocaliémia severa (<3 mEq/L) ou sintomática (arritmias, fraqueza muscular, rabdomiólise): 1. É necessária monitorização cardíaca 2. O KCl pode ser dado por via oral cerca de 40 mEq 3-4 vezes por dia. Se existirem manifestações severas de hipocaliémia ou em doentes incapazes de ingestão, a via endovenosa é recomendável. 3. Em geral a administração em bólus e.v. está contra-indicada 4. A administração de soros com glicose está contra-indicada (potência a entrada celular de K+ agravando a hipocaliémia) 5. O ritmo de administração de KCl deve ser inferior a 10-20 mEq/hora excepto nos casos de arritmias com risco de vida. 6. A quantidade de KCl por litro de soro deve ser limitado para diminuir o risco e administração inadvertida de grandes quantidades de K+ (usar bombas perfusoras): a. Cada 1000cc de soro deve conter, no máximo, 60 mEq de KCl (habitualmente 40 mEq/L devido ao risco de flebite). b. Frascos de 100-200cc de soro a administrar em veia periférica, a quantidade de KCl não deve exceder os 10 mEq. c. Frascos de 100-200cc de soro a administrar em veia central, a quantidade de KCl não deve exceder os 40 mEq. 7. Se houver acidose e hipocaliémia concomitantes, significa que o défice de K+ é muito superior ao aparente (a acidose aumenta o K+ extra-celular e diminui o intracelular). Se a correcção da acidose exigir administração de bicarbonato, corrigir sempre primeiro a hipocaliémia ou vai-se agravar ainda mais a concentração sérica de K+. 8. Se coexistir hipomagnesiemia corrigir o défice com sulfato de magnésio. Em hipocaliémias refractárias ao tratamento com potássio deve-se dosear sempre o magnésio. NPNN 2020 17 13 Hipercaliémia K+ plasmático > 5,5 mEq/L 1. Pseudohipercaliémia A causa mais frequente de pseudohipercaliémia é a hemólise que pode ocorrer numa colheita de sangue. Em indivíduos normais, é libertado K+ das plaquetas e leucócitos antes da centrifugação do sangue colhido e o nível sérico aumenta cerca de 0,1-0,5 mEq/L. Habitualmente o aumento mantém os níveis de K+ dentro dos limites normais mas podem, no entanto, ocorrer erros na medição na presença de trombocitose ou leucocitose marcadas. 2. Mecanismos de hipercaliémia 2.1. Redistribuição celular Alterações na redistribuição celular causa mais frequentemente hipercaliémia do que hipocaliémia. A destruição celular provoca a saída do potássio intra-celular para o plasma. Como causas temos a rabdomiólise, traumatismo tecidular, queimaduras, lise tumoral (após tratamento) ou coagulação intravascular disseminada massiva. O aumento da osmolaridade plasmática promove a saída do K+ das células, este mecanismo ocorre frequentemente nos diabéticos quando a glicemia sobe. Na acidose metabólica há saída de K+ das células de forma a manter a electroneutralidade entre o espaço intra e extracelular (devido ao excesso de iões H+ dentro da célula). O efeito na concentração plasmática depende do grau de acidemia e do estado de repleção corporal de K+. A hipercaliémia é mais grave em situações de acidose mais severa e em doentes com reserva corporal de K+ normal-alta. A Paralisia Periódica Familiar também tem uma variante hipercaliémica. Resulta de uma mutação do gene que codifica um dos canais do Na+ das células musculares. NPNN 2020 18 14 2.2. Diminuição da Excreção renal A diminuição da excreção renal do K+ deve-se a 3 mecanismos principais: A- Doença Renal A lesão renal aguda pode levar, em algumas situações, à diminuição da chegada de sódio e água ao túbulo colector, que consequentemente poderá diminuir a secreção de K+. Quando é oligúrica a hipercaliémia é um achado frequente. Na Doença renal crónica (DRC), em acréscimo à diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG), e portanto diminuição da chegada de sódio e água ao túbulo colector, o número total de nefrónios também está diminuído havendo menos túbulos colectores para secretar potássio. Esta situação é contra-balançada por vários mecanismos de defesa: - os ductos colectores remanescentes adquirem uma maior capacidade de excretar K+ - a redistribuição celular é mais rápida nos IRC - a excreção intestinal de K+ é maior (aumento de canais de K+) Dado estes mecanismos, a hipercaliémia é habitualmente incomum até que a TFG seja inferior a 5 ml/min. A ocorrência de hipercaliémia em doentes com TFG > 10 ml/min deve-se normalmente a níveis de aldosterona baixos ou a lesões no ducto colector. B- Disfunção do túbulo distal Determinadas doenças intersticiais podem afectar, especificamente, o túbulo distal, provocando hipercaliémia na ausência de insuficiência renal avançada e na presença de níveis de aldosterona normais. Existem situações geneticamente transmitidas, pseudohipoaldosteronismo tipo I e tipo II, que se acompanham também de hipercaliémia. C- Diminuição da actividade mineralocorticoide A redução da actividade mineralocorticoide pode resultar de uma anomalia em qualquer ponto do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Estes distúrbios podem ser resultado de uma patologia ou secundários a fármacos. Como exemplos temos a Doença de Addison e fármacos tais como os IECA, ARA II e a espironolactona. NPNN 2020 19 15 A heparina parece reduzir a secreção de aldosterona por inibição directa glandular. A hipercaliémia pela heparina só é evidente quando existe um distúrbio adicional, por exemplo, insuficiência renal. Fig 4. Fármacos que interferem no sistema renina-angiotensina-aldosterona podendo desta forma alterar a concentração de potássio plasmático. Na ausência de uma causa óbvia (lesão renal aguda oligúrica, diuréticos poupadores de K+, IECA’s, etc.), o síndrome de hipoaldosteronismo hiporeninémico, é a causa de 50% a 75% da hipercaliémia nos adultos. Esta patologia caracteriza-se por: - Insuficiência renal leve a moderada (clear creat 20-75 ml/min) - 50% têm diabetes mellitus, os restantes têm NTI crónica - Actividade da renina plasmática diminuída na maioria dos casos - Hipercaliémia, tipicamente assintomática NPNN 2020 20 16 3. Manifestações Clínicas Manifestações clínicas da hipercaliémia • Fraqueza muscular ou paralisia (>8 mEq/L) • Arritmia cardíaca (fibrilação ventricular,bradiarritmia) Alterações electrocardiográficas o Ondas T altas e pontiagudas o Desaparecimento da onda P o Alargamento do QRS o Paragem cardíaca 4. Diagnóstico A avaliação de um doente com hipercaliémia deve incluir: -História clínica completa (consumo de K+ diário e antecedentes de doença renal crónica, diabetes mellitus, fármacos) -Exame físico (fraqueza muscular, depleção de volume ou edema) -ECG -GSA (pH) -Bioquímica (glicose, ureia, creatinina, ionograma, cálcio, DHL, CK, mioglobina) Com esta informação, o diagnóstico pode ser simplificado considerando 3 grupos de condições clínicas, já expostas previamente: 1. Aumento da ingestão 2. Saída das células 3. Redução da excreção renal 5. Tratamento O tratamento da hipercaliémia varia com a gravidade do distúrbio electrolítico. Os sintomas severos não são normalmente evidentes até que a concentração plasmática do potássio seja superior a 7,0 mEq/L, embora varie de doente para doente. A presença de uma concentração plasmática de K+ superior a 8 mEq/L, de alterações no ECG marcadas ou de fraqueza muscular severa obrigam ao tratamento NPNN 2020 21 17 imediato englobando praticamente todas as abordagem descritas na seguinte tabela: Tratamento da hipercaliémia Antagonismo das acções na membrana celular Cálcio (gluconato/cloreto) Promoção da entrada de K+ para as células Glicose e insulina NaHCO3 (doentes seleccionados) Agonistas β2-adrenérgicos Remoção do excesso de K+ do organismo Diuréticos Resina permutadora de iões Hemodiálise Para que o tratamento seja eficaz é essencial a saída do K+ do organismo. Os fármacos que promovem a entrada K+ para as células têm apenas um efeito transitório havendo posteriormente, caso não haja excreção do excesso de K+, novo aumento dos níveis de K+. Esta excreção pode ser feita pelo rim, pelo intestino ou através da diálise. Fármacos de acção rápida e efeito transitório Estes fármacos permitem uma redução de K+ transitória até ao início do efeito das terapêuticas que permitem a remoção do excesso de K+ do organismo. Indicações para o seu uso: 1. Hipercaliémia e alterações electrocardiográficas 2. K+ superior a 6,5-7 mEq/L 3. Concentrações de K+ menores que 6,5 mEq/L mas com um esperado aumento rápido das concentrações (Síndrome de lise tumoral, “Crush syndrome”) Os doentes devem manter monitorização cardíaca contínua e o potássio sérico deverá ser determinado a cada hora após o início da terapêutica. NPNN 2020 22 18 Cálcio O cálcio antagoniza directamente as acções do K+ na membrana celular cardíaca. O efeito é iniciado poucos minutos após a administração mas a duração de acção também é curta (30 a 60 minutos), daí que esta terapêutica só está indicada nas manifestações severas de hipercaliémia (arritmias) potencialmente letais não sendo possível esperar 30 a 60 minutos até a insulina actuar. O cloreto de cálcio tem o triplo da concentração de cálcio elementar do gluconato de cálcio. Doses: - gluconato de cálcio: 10 mL de uma solução a 10% (1000 mg) infundida durante 2-3 minutos sob monitorização cardíaca. - cloreto de cálcio: 5-10 mL de uma solução a 10% (500 a 1000 mg) infundida durante 2-3 minutos sob monitorização cardíaca. As doses podem ser repetidas após 5 minutos se as alterações no ECG persistirem. Insulina com glicose A glicose é dada para prevenir as hipoglicemias, no entanto, se a glicemia for superior a 250 mg/dl, a insulina pode ser administrada isoladamente. A glicose sérica deve ser monitorizada 1 hora após a administração de insulina. O efeito da insulina inicia-se em 10-20 minutos, com o pico de acção aos 30-60 minutos, tendo efeito até 4 a 6 horas. Na maioria dos doente a concentração de potássio reduz 0,5 a 1,2 mEq/L. A administração de glicose sem insulina está contra-indicada. Dose: -10 unidades de insulina de acção rápida em 500cc de Soro glicosado a 10%. Perfusão durante 1 hora. - Alternativa: bólus de 10U de insulina seguida da administração de 50mL de glicose a 50%. Este regime promove uma descida mais eficaz dos níveis de K+, no entanto a hipoglicemia ocorre em cerca de 75% dos pacientes tipicamente 1 hora após. Para evitar pode-se proceder à perfusão contínua de SG a 10% a 50-75 mL/h com monitorização frequente dos níveis de glicemia. NPNN 2020 23 19 Agonistas beta-2 adrenérgicos São eficazes na redução da concentração do K+ em cerca de 0,5 a 1,5 mE/L. Habitualmente usa-se o salbutamol em concentrações cerca de 10 vezes superiores às usadas como broncodilatador. O pico do efeito ocorre 90 minutos após a nebulização. Dose: - Nebulização com 5-10 mg de salbutamol em 4cc de SF durante 10 minutos. Bicarbonato de sódio Este fármaco tem uma eficácia limitada, e portanto, não está recomendada a sua administração como único tratamento nos doentes com acidose ligeira ou moderada. Nos doentes com doença renal crónica avançada não tem mesmo efeito na redução das concentrações do K+. Deve ser usado quando coexiste acidose metabólica grave. Dose: - 50 mmoL endovenoso durante 5 minutos (precaução nos doentes hipervolémicos) Remoção do potássio Existem três alternativas para a remoção do potássio: resina permutadora de iões, diuréticos e hemodiálise. Diuréticos O seu uso apenas tem interesse nas situações de hipercaliémia crónica sobretudo se houver concomitantemente doença renal crónica. Resina Permutadora de iões (polistireno sulfonato de cálcio) Efeito tardio (várias horas após administração). Não tem interesse o seu uso em dose única e deve ser administrada juntamente com um laxante (lactulose). O uso de sorbitol está contra-indicado pelo risco de isquemia intestinal. NPNN 2020 24 20 Dose: oral – 15g 3x/dia, enema (se a via oral não é possível) – 50g em 150cc de água à temperatura corporal, permanecendo pelo menos 30 a 60 min. O enema pode ser repetido a cada 2-4 horas. Diálise Se as medidas já mencionadas forem ineficazes, se a hipercaliémia é severa e se espera um aumento da concentração de potássio deve-se fazer hemodiálise. Com a hemodiálise consegue-se remover cerca de 25 a 50 mEq de K+ por hora. NPNN 2020 25 Alterações do Sódio II. NPNN 2020 26 SÓDIO BALANÇO DE ÁGUA As membranas celulares são permeáveis à água e a manutenção da água dentro das células depende da relação entre os solutos (proteínas, fosfatos, sódio, potássio) intracelulares e extracelulares. Uma partícula osmoticamente activa não atravessa livremente as membranas celulares e retém água no local onde se encontra (intracelular, extracelular ou intravascular). O potássio e fosfatos são as principais osmóis efectivos intracelulares enquanto que o sódio é o do espaço extracelular. A água desloca-se livremente entre os vários compartimentos corporais de forma a manter a osmolaridade sérica igual em todos os compartimentos. A osmolaridade sérica ( osmolaridade = concentração de solutos ou partículas de um fluído) é determinada pela concentração em mmol/L dos principais solutos séricos, de acordo com a equação seguinte: Osm sérica = (2* [Na] ) + ([Glucose]mg/dl /18) + (BUNmg/dl /2.8) BUN: blood urea nitrogen A contribuição da glucose e do BUN para a osmolaridade sérica é geralmente pouco importante. Numa situação normal, 95% da tonicidade do plasma é da responsabilidade do sódio daí que todas as hipernatrémias cursam com hipertonicidade (tonicidade=osmolaridade efectiva). No entanto, as hiponatrémias podem cursar com hipotonicidade, normotonicidade ou mesmo hipertonicidade do plasma. A concentração de sódio sérica e, consequentemente, a osmolaridade sérica são reguladas pela homeostasia da água, que é controlada pelo mecanismo da sede, pela hormona antidiurética (ADH – antidiuretic hormone) e pelos rins. Este sistema de regulação é tão eficiente que a osmolaridade plasmática é mantida dentro de um intervalo muito estreito (variações de 1-2%) apesar das grandes variações diárias na ingestão de sal e água.A capacidade de diluir ou concentrar a urina permite uma grande flexibilidade no volume de urina. Quando há uma sobrecarga de água os mecanismos de diluição permitem excretar 20 a 25 litros de água por dia e, em momentos de privação, o volume de urina pode ser reduzido até 500ml/dia. Uma desregulação no balanço de água manifesta-se por alterações na concentração de sódio – hipernatrémia ou hiponatrémia, pois as membranas celulares são funcionalmente impermeáveis ao sódio. Daí que, o sódio contribui para a tonicidade e induz o movimento de água através das membranas celulares. NPNN 2020 27 Mecanismos para manutenção da osmolaridade plasmática Retirado Comprehensive Clinical Nephrology Hormona anti-diurética – ADH ou vasopressina A ADH tem um papel primordial na determinação da concentração urinária. É produzida no hipotálamo, tem uma semi-vida de 15-20 minutos e actua a nível do túbulo colector do nefrónio. Estímulo osmótico para libertação de ADH – As substâncias que se confinam ao espaço extra- celular (sódio, manitol) provocam o movimento osmótico da água de dentro para fora das células, por serem osmóis efectivos, levando à diminuição do volume celular. Este mecanismo, a nível do hipotálamo, estimula a libertação de ADH. Os osmorreceptores localizados no hipotálamo são sensíveis a alterações da osmolaridade tão pequenas como 1%. O limiar para libertação da ADH é 280-290mosm/kg. Este sistema é tão eficiente que, geralmente, a osmolaridade plasmática não varia mais que 1-2% apesar das grandes flutuações na ingestão de água. Estímulo não osmótico para libertação de ADH – Há vários outros estímulos para a secreção de ADH. A diminuição do volume circulante efectivo (ex. insuficiência cardíaca congestiva, cirrose, vómitos) estimula os barorreceptores dos seios carotídeos e aumenta a secreção de ADH. O nível de ADH atinge valores muito superiores com hipovolémia do que com hiperosmolaridade, contudo uma diminuição significativa do volume sanguíneo (7%) é necessária para activar esta resposta. Outros estímulos não osmóticos incluem náuseas, dor pós-operatória e gravidez. HIPONATRÉMIA Sódio <135meq/L NPNN 2020 28 A hiponatrémia representa um excesso relativo de água em relação ao sódio e pode estar associada a tonicidade baixa, normal ou aumentada. Em contraste com a resposta de indivíduos normais, os doentes que desenvolvem hiponatrémia tipicamente tem uma incapacidade de excretar água, na maior parte das vezes, devido a uma supressão insuficiente da secreção de ADH. A diminuição da perfusão tecidular é um potente estímulo para a secreção de ADH e a redução do volume circulante efectivo pode ocorrer em duas situações: depleção real do volume ou em doentes edemaciados (insuficiência cardíaca, cirrose e síndrome nefrótico). Assim, a retenção de água e hiponatrémia podem ocorrer em doentes com um distúrbio que cause redução do volume arterial efectivo. A hiponatrémia dilucional, de longe a mais frequente, é causada pela retenção de água. Se a ingestão de água excede a capacidade dos rins para a excretar, ocorre diluição dos solutos corporais resultando em hipo-osmolaridade e hipotonicidade. A hipotonicidade, por seu lado, pode originar edema cerebral potencialmente fatal. Efeitos da hiponatrémia no cérebro e respostas adaptativas A hiponatrémia hipotónica pode estar, também, associada a situações de osmolaridade normal ou aumentada se quantidades suficientes de solutos que conseguem atravessar as membranas NPNN 2020 29 celulares (ex. ureia, etanol) estiverem retidos. As hiponatrémias não-hipotónicas podem ser: hiponatrémias hipertónicas (ou translocacionais), hiponatrémias isotónicas ou pseudohiponatrémias. Pseudohiponatrémia Ocorre em situações em que a concentração de sódio está artificialmente diminuída em consequência da redução da fracção aquosa sérica por aumento de proteínas (mieloma múltiplo) ou de lípidos. A determinação directa da concentração de sódio através de eléctrodos ião- específicos eliminou quase por completo este artefacto. Hiponatrémia hiperosmolar (ou translocacional ou hipertónica) Há situações em que a hiponatrémia se associa a uma osmolaridade sérica elevada. A causa principal desta situação é a hiperglicemia marcada em doentes com cetoacidose diabética ou estados hiperosmolares hiperglicémicos. A glucose não se move através das membranas celulares na ausência de insulina e na presença de hiperglicemia ocorre saída de água intracelular para o meio extracelular, como resultado ocorre desidratação intra-celular e diminuição do sódio sérico. Daí que na hiperglicemia a concentração plasmática de sódio diminui 2,4mmol/L por cada 100mg/dl de elevação da glicemia. Hiponatrémia iso-osmolar (ou isotónica) Resulta da passagem de solutos iso-osmóticos sem sódio para o espaço extra-celular – recessão transuretral da prostática ou vesical, histeroscopia, laparoscopia. Hiponatrémia hipo-osmolar ou hipotónica Na maior parte das situações de hiponatrémia hipotónica ocorre uma secreção inapropriada de ADH, com excepção dos indivíduos com polidipsia primária (doenças psiquiátricas, uso de anti- psicóticos, lesões hipotalámicas) que se tornam hiponatrémicos porque não conseguem excretar as enormes quantidades de líquidos que ingerem (o rim é capaz de excretar até 20L de água/dia), em situações de muito baixa ingestão de sódio (dieta “chã e bolachas”, bebedores de cerveja) e insuficiência renal avançada. Abordagem diagnóstica de hiponatrémias NPNN 2020 30 Hipovolémia devido a perdas gastrointestinais (vómitos, diarreia) ou renais (diuréticos tiazídicos). Nestas situações há uma depleção de volume real. Normovolémia na maior parte dos casos associam-se a SIADH (síndrome de secreção inapropriada da ADH). As principais causas de SIADH são: doença do sistema nervoso central, malignidade, fármacos e pós-cirurgia. Alterações hormonais (insuficiência adrenal, hipotiroidismo e gravidez) podem, também, estar associados a hiponatrémia euvolémica. Achados no SIADH o Osmolaridade sérica diminuída o Osmolaridade urinária inapropriadamente elevada (acima de 100mosmol/kg e geralmente acima de 300mosmol/kg) o Concentração do sódio urinário normalmente acima de 40meq/L o BUN e acido úrico diminuídos o Creatinina sérica normal o Balanço acido-base e potássio sérico normais o Funções tiroideia e adrenal normais o Exclusão de uso de diuréticos Hipervolémia devido a insuficiência cardíaca, cirrose ou síndrome nefrótico. Nestas situações há uma depleção do volume circulante efectivo com diminuição da perfusão tecidular devido a diminuição do débito cardíaco ou a vasodilatação sistémica associada à cirrose. Acresce que os celulares (ex. ureia, etanol) estiverem retidos. As hiponatrémias não-hipotónicas podem ser: hiponatrémias hipertónicas (ou translocacionais), hiponatrémias isotónicas ou pseudohiponatrémias. Pseudohiponatrémia Ocorre em situações em que a concentração de sódio está artificialmente diminuída em consequência da redução da fracção aquosa sérica por aumento de proteínas (mieloma múltiplo) ou de lípidos. A determinação directa da concentração de sódio através de eléctrodos ião- específicos eliminou quase por completo este artefacto. Hiponatrémia hiperosmolar (ou translocacional ou hipertónica) Há situações em que a hiponatrémia se associa a uma osmolaridade sérica elevada. A causa principal desta situação é a hiperglicemia marcada em doentes com cetoacidose diabética ou estados hiperosmolares hiperglicémicos. A glucose não se move através das membranas celulares na ausência de insulina e na presença de hiperglicemia ocorre saída de água intracelular para o meio extracelular, como resultado ocorre desidratação intra-celular e diminuição do sódio sérico. Daí que na hiperglicemia a concentração plasmática de sódio diminui 2,4mmol/Lpor cada 100mg/dl de elevação da glicemia. Hiponatrémia iso-osmolar (ou isotónica) Resulta da passagem de solutos iso-osmóticos sem sódio para o espaço extra-celular – recessão transuretral da prostática ou vesical, histeroscopia, laparoscopia. Hiponatrémia hipo-osmolar ou hipotónica Na maior parte das situações de hiponatrémia hipotónica ocorre uma secreção inapropriada de ADH, com excepção dos indivíduos com polidipsia primária (doenças psiquiátricas, uso de anti- psicóticos, lesões hipotalámicas) que se tornam hiponatrémicos porque não conseguem excretar as enormes quantidades de líquidos que ingerem (o rim é capaz de excretar até 20L de água/dia), em situações de muito baixa ingestão de sódio (dieta “chã e bolachas”, bebedores de cerveja) e insuficiência renal avançada. Abordagem diagnóstica de hiponatrémias NPNN 2020 31 níveis séricos de ADH tendem a variar com o grau de severidade destas situações, pelo que o desenvolvimento de hiponatrémia é um sinal de mau prognóstico. A hiponatrémia também pode ocorrer nos doentes com insuficiência renal crónica avançada. Estes doentes podem parecer euvolémicos, mas se retêm sódio e água podem desenvolver edema (hipervolémia) O diagnóstico da causa de hiponatremia baseia-se fundamentalmente na história clínica e exame objectivo. A bioquímica sérica (ionograma, ureia, creatinina, glucose), osmolaridade sérica, osmolaridade urinária e concentração urinária de sódio podem esclarecer os casos em que a informação clínica não é indicativa do diagnóstico, assim como a resposta à expansão de volume com solução isotónica salina também pode ser definidora da patologia de base. Manifestações clínicas de hiponatrémia Ligeiras: tonturas, lapsos de memória, distúrbios da marcha Moderadas: confusão e letargias Graves: convulsões, coma As manifestações da hiponatrémia estão relacionadas com o sistema nervoso central e são mais notórias quando a diminuição da concentração do sódio sérico é mais pronunciada e rápida. A maior parte dos doentes com sódio sérico superior a 125mmol/L são assintomáticos. A hiponatrémia hipotónica causa entrada de água no cérebro resultando em edema cerebral. Dado que a caixa craniana limita a expansão cerebral, desenvolve-se hipertensão intracraniana com risco de lesão cerebral. Contudo, um mecanismo de adaptação inicia-se e solutos deixam o tecido cerebral dentro de horas, provocando a perda de água e melhorando o edema cerebral. Este processo de adaptação cerebral explica as poucas manifestações clínicas que surgem em casos de hiponatrémia grave com instalação lenta. Ao Invés, a adaptação cerebral é também responsável pelo risco de desmielinização osmótica. Tratamento da hiponatrémia A escolha do tratamento da hiponatrémia baseia-se na presença de sintomas neurológicos e na causa e gravidade da hiponatrémia. Em todos os doentes devemos seguir estas regras de segurança: • Aumento do sódio sérico inferior a 10meq/L nas primeiras 24 horas • Aumento do sódio sérico inferior a 18meq/L nas primeiras 48 horas A taxa de correcção da hiponatrémia é importante porque a correcção demasiado rápida pode causar desmielinização osmótica provocando lesões neurológicas graves e irreversíveis. As mulheres na pré-menopausa parecem ter um risco acrescido desta complicação. Um grupo de NPNN 2020 32 doentes que parece não ter risco desta complicação são doentes com hiponatrémia hiperaguda (corredores de maratona, doentes psicóticos, abuso de ecstasy) uma vez que, nestes casos, a hiponatrémia desenvolveu-se num período de poucas horas devido à ingestão exagerada de água e, por isso, o cérebro não teve tempo para desencadear os mecanismos de adaptação. A desmielinização osmótica tipicamente ocorre nos doentes em que a concentração de sódio aumentou mais de 10-12meq/L nas primeiras 24horas e mais de 18meq/L nas primeiras 48horas. NPNN 2020 33 A desmielinização osmótica afecta principalmente a ponte e daí também ser chamada de desmielinólise pôntica. Ocorre em todas as idades. Os sintomas são bifásicos. Inicialmente há uma encefalopatia generalizada que se associa a uma correcção demasiado rápida do sódio sérico. Dois a 3 dias após correcção surgem alterações comportamentais, paralisia de nervos cranianos, fraqueza progressiva que culmina em tetraplegia e síndrome locked in. As lesões podem não ter tradução imagiológica até duas semanas após o início do evento. A maioria dos doentes com hiponatrémia tem uma evolução crónica apresentando um sódio sérico acima dos 120meq/L e encontrando-se assintomática (em alguns doentes podem estar presentes anormalidades neurológicas subtis quando o sódio sérico está entre 120 e 130meq/l). O tratamento inicial tipicamente consiste na correcção lenta da hiponatrémia através da restrição da ingestão de água ou soro isosalino ou diurético de ansa dependendo da situação. Em estados edematosos (cirrose, ICC, síndrome nefrótico) e de SIADH (excepto em situações de hemorragia subaracnoideia uma vez que a restrição de líquidos pode agravar o vasospamo), a restrição de ingestão de líquidos é a primeira medida para correcção da hiponatrémia. Em geral, a ingestão de líquidos diária deve ser inferior a 800ml. Se necessário podem utilizar-se diuréticos de ansa. No SIADH pode, também, associar-se suplementos orais de sódio. Em casos de depleção de volume utiliza- se soro fisiológico. Os doentes com sintomas moderados de hiponatrémia geralmente apresentam sódio sérico inferior a 120meq/L, nestes casos o tratamento varia dependendo da causa. Nos doentes com SIADH com sintomas moderados recomenda-se a administração de soro hipertónico a 3% (3% = 900ml SF + 5amp (100ml) de NaCl a 20%), com o objectivo de aumentar o sódio sérico 1meq/L em cada hora durante 3-4horas. O tipo e o ritmo do soro administrado devem ser ajustados tendo em conta as regras de segurança mencionadas acima. Para isso devem repetir-se as determinações de sódio sérico cada 2-3horas. A maioria dos doentes com depleção de volume deve ser tratada com soro fisiológico pois, após a normalização volémica, a libertação de ADH é adequadamente suprimida; isto pode conduzir a uma correcção demasiado rápida da hiponatrémia ao se utilizarem soros hipertónicos. Deve sempre respeitar-se as regras de segurança e as determinações do sódio sérico cada 2-3horas. Se o doente apresenta sintomas de hiponatrémia grave (convulsões, doentes com lesões intra- cerebrais que não toleram graus ligeiros de edema cerebral) é necessário uma intervenção urgente com soro hipertónico (3%). Um regime eficaz é um bólus de 100ml de soro hipertónico (pode aumentar o sódio sérico entre 1,5 a 2meq/L) reduzindo o edema cerebral. Se os sintomas neurológicos persistem ou agravam-se, um novo bólus pode ser administrado (máximo 3 bólus espaçados de 10min). Após este esquema inicial pode iniciar-se correcção com soro hipertónico em administração contínua (1 a 2ml/h por quilo). A taxa de correcção nas primeiras horas pode, NPNN 2020 34 no máximo, atingir 2mmol/L e deve-se sempre respeitar as regras de segurança e as determinações do sódio sérico cada 2-3horas. Nestes casos, não esquecer o uso de anti- convulsivantes e a protecção da via área. Tratamento da doença de base Em algumas circunstâncias a doença de base pode ser corrigida rapidamente permitindo a rápida correcção da hiponatrémia: Administração de corticóides a doentes com insuficiência supra-renal que vão suprimir a ADH directamente. A presença de hipercaliémia pode levar a suspeitar desta situação. Reversão rápida do SIADH em situações auto-limitadas (ex. náuseas, dor, cirurgia), ou após suspensão de terapêutica farmacológica responsável pelo síndrome, como a desmopressina, clorpropamida e inibidores da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina). Noutras situações associadas a hiponatrémia, a sua correcçãopermite uma normalização do sódio mais lenta, ex: reposição de hormona tiroideia, tratamento de tuberculose ou meningite e suspensão de fármacos com duração de acção superior. HIPERNATRÉMIA Sódio >145meq/L A hipernatrémia é um problema relativamente comum e pode ter origem na administração de soros hipertónicos ou, muito mais vulgarmente, pela perda de água livre. Contudo, raramente a ingestão de sal e a perda de água resultam em hipernatrémia, isto porque a elevação da osmolaridade sérica estimula a libertação de hormona antidiurética e a sede, o que vai minimizar a perda e aumentar a ingestão de água conduzindo a uma diminuição do sódio sérico. Assim, a hipernatrémia é observada essencialmente em pessoas que não expressam sede: crianças e adultos com alterações do estado mental. Os idosos são aqueles que parecem ter maior limitação na ingestão de água devido a alterações mentais, grau de dependência e, por outro lado, por aparente estimulação osmótica diminuída cujo mecanismo é desconhecido. Os doentes hospitalizados, quer sejam jovens ou idosos, podem tornar-se hipernatrémicos como resultado de uma prescrição inadequada de fluidos ou alteração do mecanismo da sede. Para além disso, muitos idosos hospitalizados têm depleção de volume devido a perdas de água e sódio secundárias a diuréticos, vómitos e diarreia. Em contraste, um doente ambulatório que se encontre consciente, que não tenha sede e que apresenta um sódio sérico superior a 150meq/l tem com certeza uma lesão hipotalâmica. DOENTES EM RISCO DE DESENVOLVER HIPERNATRÉMIA SEVERA Doentes idosos ou crianças Doentes hospitalizados: com fluidos hipertónicos, alimentação parenteral, diurese osmótica, lactulose, ventilação mecânica NPNN 2020 35 Alteração do estado mental Diabetes mellitus não controlada Distúrbios poliúricos Adapatado Comprehensive Clinical Nephrology Abordagem diagnóstica da hipernatrémia Retirado Comprehensive Clinical Nephrology Tal como na hiponatrémia, os doentes com hipernatrémia dividem-se em 3 categorias de acordo com o seu estado de volémia: Hipernatrémia hipovolémica Os doentes com hipernatrémia hipovolémica tem perdas sustentadas de água e sódio, mas com uma perda relativamente maior de água. No exame objectivo tem sinais de hipovolémia (hipotensão ortostática, taquicardia, veias colapsadas, diminuição do turgor cutâneo e, as vezes alterações mentais). Estes doentes têm, geralmente, perdas hipotónicas pelos rins ou pelo tracto gastrointestinal. Hipernatrémia hipervolémica A hipernatrémia com aumento do sódio corporal total é a forma menos comum de hipernatrémia. Resulta da administração de soluções hipertónicas como NaCla3% (intra-amniótico NPNN 2020 36 -abortamentos, para tratamento de acidose metabólica, hipercaliémia e paragem cardio- respiratória) e comprimidos de sódio. Hipernatrémia euvolémica A maior parte dos doentes com hipernatrémia secundária a perda de água estão euvolémicos com sódio corporal total normal porque a perda de água sem sódio não provoca contracção de volume. A perda de água por si só não provoca hipernatrémia a não ser que seja acompanhada de diminuição da ingestão de água. Dado que a hipodipsia é pouco comum, a hipernatrémia normalmente desenvolve-se em pessoas que não têm acesso á água (crianças, idosos dependentes, hospitalizados). A defesa contra o desenvolvimento de hiperosmolaridade requer a estimulação apropriada da sede e a capacidade de beber água. As perdas de água extra-renais ocorrem através da pele e tracto respiratório/ gastrointestinal. As perdas de água renais que conduzem a hipernatrémia euvolémica resultam de um defeito na produção ou libertação da ADH (diabetes insipidus central) ou uma falência do túbulo colector em responder ao estímulo da ADH (diabetes insipidus nefrogénica). Se as funções hipotalâmicas e renais estiverem intactas, a osmolaridade urinária na presença de hipernatrémia deve ser acima de 600mosmol/kg. Manifestações clínicas Tal como na hiponatrémia, as manifestações clínicas de hipernatrémia reflectem essencialmente o comprometimento do sistema nervoso central e são mais notórias quando a concentração de sódio é muito elevada ou ocorre rapidamente (período de horas). A “desidratação” cerebral induzida pela hipernatrémia pode causar ruptura vascular, com hemorragia cerebral subaracnóideia e lesões neurológicas permanentes ou morte. Se a hipernatrémia se desenvolve lentamente o cérebro tem capacidade de se adaptar, primeiro através da entrada de electrólitos para as células e, posteriormente, pela acumulação nas células cerebrais de solutos orgânicos que retêm água. Se a hipernatrémia se desenvolve rapidamente, este mecanismo adaptativo não é activado oportunamente e surgem sintomas. A maioria dos doentes não hospitalizados são crianças ou idosos. Os sintomas mais frequentes nas crianças são taquipneia, fraqueza muscular, irrequietude, insónia, letargia e mesmo coma. Geralmente não ocorrem convulsões excepto em caso de sobrecarga inadvertida de sódio ou rehidratação intensa. Ao contrário das crianças, os idosos geralmente têm poucos sintomas até que o sódio exceda os 160mmol/L. Inicialmente pode estar presente sede intensa, mas esta dissipa-se à medida que o distúrbio progride e está ausente em doentes com hipodipsia. O nível de consciência correlaciona-se com a gravidade da hipernatrémia. Fraqueza muscular, confusão e NPNN 2020 37 coma são muitas vezes manifestações de patologias concomitantes, além da própria hipernatrémia. A hipernatrémia pode ocorrer em doentes hospitalizados de todas as faixas etárias. As manifestações clínicas são ainda mais difíceis de valorizar quando existem alterações neurológicas prévias. Tal como nas crianças, a administração rápida de sódio nos adultos pode provocar convulsões e coma. A prescrição de soros em doentes hospitalizados deve ser revista em intervalos regulares de acordo com o estado clínico do doente e os dados laboratoriais. Tratamento da hipernatrémia O tratamento da hipernatrémia implica a correcção da causa subjacente e administração de água e soros, quando necessário. Deve preferir-se, quando possível, a via oral para administração de fluidos. Se for necessária a correcção por via parenteral, devem-se usar soros hipotónicos (soro glicosado a 5% ou soro heminormal). Caso se trate de uma situação de hipernatrémia hipovolémica pode utilizar-se soro fisiológico até correcção da volémia. Em situações de hipernatrémia hipervolémica, os diuréticos de ansa estão indicados. O ritmo de correcção deve ser proporcional ao ritmo de instalação da hipernatrémia e depende da presença de sintomas neurológicos. Em todos os doentes devemos seguir esta regra de segurança: • Diminuição do sódio sérico inferior a 10meq/L nas primeiras 24 horas • Diminuição do sódio sérico máxima de 2meq/L nas primeiras duas horas É fundamental a determinação do sódio sérica cada 2-3horas numa primeira fase e o ritmo de administração do soro deve ser tanto mais lento quanto mais hipotónico for o soro. Bibiliografia Adrogué H, Madias N. Hyponatremia. N Eng J Med 2000; 342; 1581-1589 Adrogué H, Madias N. Hypernatremia. N Eng J Med 2000; 342; 1493-1499 Sterns R. Causes of hyponatremia. UptoDate 19.1 Sterns R. Evaluation of the patient with hyponatremia. UptoDate 19.1 Sterns R. Overview of the treatment of hyponatremia. UptoDate 19.1 Sterns R. Treatment of hyponatremia: Syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion (SIADH) and reset osmotat. UptoDate 19.1 Rose B. Causes of hypernatremia. UptoDate 19.1 Rose B. Evaluation of the patient with hypernatremia. UptoDate 19.1 Parikh C, Berl T. Disorders of Water Metabolism. Comprehensive Clinical Nephrology: 8:100-116 NPNN 2020 38 Alterações do equilíbrio ácido base III. NPNN 2020 39 ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDOBASE Objectivos: • Conhecer as causas dos principais desequilíbrios àcido-base • Compreender os mecanismos fisiopatológicos dos principais desequilíbrios àcido- base • Saber abordar um doente com desequilíbrios àcido-base O estado ácido base do organismo é regulado de forma a manter o pH arterial entre limites muito estreitos (7.35 e 7.45) e o pH intracelular entre 7.0 e 7.3. Diariamente são geradas substâncias ácidas e alcalinas da dieta e do metabolismo que rapidamente alterariam o pH do organismo. A defesa imediata contra estas substãncias são os chamados tampões fisiológicos intra e extracelulares que minimizam a alteração do pH. Estes tampões são moléculas capazes de aceitar ou ceder hidrogeniões, e são constituídos na sua maioria pelas proteínas, fosfatos e pelo sistema bicarbonato-ácido carbónico. Estes tampões são saturáveis e portanto têm uma capacidade limitada para atenuar as alterações do equilíbrio ácido-base. Eles minimizam as alterações ácido-base, mas não são capazes de remover os ácidos e bases do organismo A remoção é efectuada pelo pulmão e pelo rim. O pulmão actua regulando a PaCO2 e o rim regulando a concentração de bicarbonato. O rim actua a dois níveis: reabsorvendo o bicarbonato filtrado no tubulo proximal e regenerando bicarbonato através da excreção de acidez titulável, sob a forma de amónia. A compensação respiratória demora apenas 12 a 24 horas, enquanto a renal é mais lenta demorando até 5 dias. Quando há diminuição da taxa de filtração glomerular a capacidade do rim regular o equilibrio ácido base fica comprometida. NPNN 2020 40 Neste capítulo propomos uma forma sistematizada de analizar e abordar um doente com alteração do equilibrio ácido base: História clinica Antecipação dos desequilibrios ácido-base Análise dos dados da gasometria Há perigo eminente? A compensação é adequada? Qual o disturbio primário Estado hemodinâmico oxigenação Electrólitos Verificar variação HCO3- e PaCO2 Qual a causa do distúrbio? História clinica GAP aniónico Com os dados da história clinica, conseguimos a maioria das vezes antecipar o distúrbio. Exemplos a considerar: Situação Alteração Previsível Sépsis Acidose Metabólica Vómitos Alcalose Metabólica Diuréticos Alcalose Matabólica Coma Diabético Acidose Metabólica Paragem Cardio-Respiratória Acidose Respiratória e Acidose Metabólica DPOC Acidose Respiratória Hiperventilação Alcalose Respiratória Overdose de Opiácios Acidose Respiratória Passamos em seguida à análise dos dados da gasimetria de sangue arterial para determinar o distúrbio primário. As alterações do equilibrio ácido base podem ter na sua origem uma causa respiratória ou metabólica (desequilíbrio primário). NPNN 2020 41 A hipoventilação de causa respiratória ou central, leva a uma retenção primária de CO2 e a consequente diminuição do pH. Daqui resulta uma acidose respiratória. A compensação renal consiste no aumento de bicarbonato. A hiperventilação tem o efeito oposto. Quando há um aumento da produção de ácidos ou perda de bicarbonato o pH também diminuí, resultando acidose metabólica. A compensação pulmonar consiste na hiperventilação de forma a diminuir a Pa CO2. A alcalose metabólica terá o efeito oposto, ou seja, hipoventilação e retenção de CO2. ↑ ↓ ↑ ↓ pH ↓ ventilaçãoRetenção de HCO3-Alcalose Metabólica ↑ ventilaçãoPerda de HCO3-Acidose Metabólica Consumo de HCO3-Perda de CO2Alcalose Respiratória Produção de HCO3-Retenção de CO2Acidose Respiratória Resposta compensadora Distúrbio primárioDistúrbio Do Eq. AB É importante na análise imediata dos dados da gasimetria, avaliar se o doente corre perigo eminente. O risco é sobretudo relacionado com a condição hemodinâmica do doente (hupotensão grave), a presença e gravidade da hipóxia e as alterações iónicas associadas. Os valores do pH só colocam a vida em risco quando as variações são extremas e podem comprometer os processos enzimáticos. Em seguida vamos avaliar se o distúrbio está compensado. Os níveis de compensação esperados em face de um distúrbio primário estão determinados e podem ser avaliados. NPNN 2020 42 Por cada ↑ de 10 mEq/l de HCO3-, ↑ 7 mmHg da PaCO2Alcalose metabólica Por cada ↓ de 10 mEq/l de HCO3-, ↓ 12 mmHg da PaCO2Acidose metabólica Por cada ↓ de 10 mmHg da PaCO2, ↓ 4 mEq/l de HCO3-Alcalose respiratória crónica Por cada ↓ de 10 mmHg da PaCO2, ↓ 2 mEq/l de HCO3-Alcalose respiratória aguda Por cada ↑ de 10 mmHg da PaCO2, ↑ 3,5 mEq/l de HCO3- Acidose respiratória crónica Por cada ↑ de 10 mmHg da PaCO2, ↑ 1 mEq/l de HCO3-Acidose respiratória aguda Níveis de compensação Uma regra simples para a acidose e alcalose metabólica é que a PaCO2 esperada é igual aos 2 últimos dígitos do pH. Quando a compensação não é a esperada, significa que há um distúrbio misto. Isto pode acontecer por patologia respiratória ou renal associada que impede a compensação ideal do dísturbio, ou se coexistem situações patológicas que proporcionam mais que um distúrbio, por exemplo um doente com intoxicação alcoólica e vómitos pode apresentar uma acidose metabólica (cetoacidose alcoólica) e uma alcalose metabólica pelos vómitos. É importante notar que a compensação respiratória ou renal do desequilíbrio não conduz à correcção do valor do pH, portanto se tivermos uma alteração do HCO3- ou da PaCO2, com pH normal, isso significa que há um distúrbio misto. Em seguida vamos determinar a causa do distúrbio, para poder proceder à sua correcção. NPNN 2020 43 ACIDOSE METABÓLICA Como vimos, a causa é habitualmente antecipável pela história clinica. O cálculo do GAP aniónico é um procedimento essencial para ajudar a determinar/confirmar a etiologia no caso das acidoses metabólicas. Mesmo nos outros distúrbios o GAP aniónico deve ser calculado, pois ele pode ajudar a identificar um desequilibrio oculto. O conceito de GAP aniónico baseia-se no facto do organismo manter sempre a electroneutralidade. Ou seja, a soma das cargas positivas é igual às cargas negativas. [Na+] + [outros catiões] = [Cl-] + [HCO3-] + [outros catiões] Na prática clinica diária só se medem o sódio, o cloro e o bicarbonato, portanto há um “défice” de aniões (GAP aniónico) que corresponde aos aniões não medidos. O valor normal do GAP aniónico varia entre 8 e 12. As cargas negativas não medidas, em condições normais, correspondem maioritáriamente à albumina, daí que o valor do GAP aniónico deve ser corrigido para o valor da albumina: por cada diminuição de 1g de albumina o valor do GAP aniónico dimunui 2,5. Valorizamos o valor do GAP aniónico quando ele é maior que 5 que o GAP normal (corrigido para a albumina). Este valor significa sempre que há acidose metabólica, mesmo com pH normal. Quando há acidose metabólica, há diminuição do bicarbonato. A compensação da diminuição das cargas negativas pode ser à custa de um aumento do cloro, e nesse caso o valor do GAP aniónico não se altera, ou à custa de outros aniões não medidos que desta forma vão aumentar o valor do GAP aniónico. A etiologia da acidose metabólica pode ser por aumento de ácidos (endógenos ou exógenos), por perda de bicarbonato ou ainda pela incapacidade do rim reabsorver ou regenerar bicarbonato. NPNN 2020 44 Acidose Metabólica Ânion-gap 8 a 12 Na Bicabornato 24 140 106 Cloro Catiões Aniões Ânion-gap 8 a 12 Na 4 Bicabornato 140 126 Cloro Catiões Aniões Ânion-gap 30 Na 140 4 Bicabornato 106 Cloro Catiões Aniões Acidose metabólica com GAP normal Hiperclorémica Acidose metabólica com GAP aumentado Normoclorémica As primeiras são acidoses com GAP aumentado, correspondendo o aumento dos aniões não medidos a ácidos orgânicos (láctico, cetoácidos, ..). As segundas são acidoses metabólicas com GAP normal, pois associam-se a aumento de cloro que compensa aperda de aniões. Com esta forma de abordagem, as causas de acidose metabólica são mais simples: Acidose Metabólica - causas Aumento da produção de ácidos Endógenos: Acidose láctica Cetoacidose Insuficiência renal avançada Exógenos: Metanol Etilenoglicol Salicilatos Perda de bicarbonatos Digestiva Acidose tubular renal tipo II Diminuição da excreção de ácidos/ incapacidade de formar HCO3- Insuficiência renal Acidose tubular renal tipo I e IV Ac. Metabólica com GAP aumentado Ac. Metabólica com GAP normal NPNN 2020 45 Conjugando o valor do GAP aniónico e os dados da história clinica, a etiologia da acidose metabólica é clara na maioria dos casos. A excepção, são as acidoses tubulares renais, que podem não ter uma história clinica clarificadora. Estas acidoses são habitualmente moderadas (excepto a tipo I que pode ser mais grave) e crónicas, permitindo uma análise mais atempada e detalhada para a sua etiologia. Segue-se um resumo das características principais de cada uma das acidoses tubulares renais e das patologias associadas mais frequentes. ATR tipo II (proximal) •Incapacidade em reabsorver o HCO3- filtrado •Pode coexistir S. Fanconi (alteração da reabsorção de glicose, fosfato, ác. úrico, aminoácidos) •Hipocalémia •A terapêutica com bicarbonato aumenta o pH da urina e agrava a hipocalémia ATR tipo I (distal) •Diminuição da secreção de H+ no tubo distal •Nefrolitíase /nefrocalcinose •Sintomas osteoarticulares •Hipocalémia •Corrige-se com citrato de potássio ATR tipo IV •Diminuição da excreção de H+ e K+ no tubo distal •Hipercalémia •Habitualmente não necessita terapêutica Doenças genéticas Disproteinémias Fármacos Doenças autoimunes Hipergamaglobulinémia Fármacos Diabetes Hipoaldosteronismo Fármacos A avaliação da função do tubulo proximal e o potássio sérico, são pistas para o diagnóstico. Por vezes são necessário estudos mais detalhados, que saem do âmbito deste capitulo. Apresenta-se um algorítmo simples de abordagem das acidoses tubulares renais: NPNN 2020 46 Acidose tubular renal Função túbulo proximalNormal K+ sérico Diminuído ATR tipo I Aumentado ATR tipo IV Anormal ATR tipo II O tratamento das acidoses metabólicas incluí: 1. Tratamento imediato das situações de perigo iminente - optimização do estado hemodinãmico - correcção da hipóxia - correcção das alterações electrolíticas 2. Correcção da causa 2.1. O tratamento das acidoses metabólicas com GAP aumentado, faz-se corrigindo o distúrbio primário (por ex. insulina para a cetoacidose diabética). A administração de bicarbonato só deve efectuar-se em situações de acidose extrema que coloque o doente em risco (pH<7,0) e de forma a elevar o HCO3- para 8 a 10mEq/L. A rapidez de administração vai depender da gravidade da acidemia e da situação cardíaca do doente. Pode administrar-se uma dose inicial de 1mEq/Kg e reavaliar o pH. Temos à disposição ampolas de 20ml, de bicarbonato de sódio a 8,4%, com 20mEq de bicarbonato; e frascos de 500ml, de bicarbonato de sódio a 1,4% com 83mEq de bicarbonato. NPNN 2020 47 2.2. O tratamento das acidoses metabólicas com GAP normal faz-se corrigindo o disturbio primário e administrando bicarbonato para repor o défice. O objectivo é manter o HCO3- maior que 20mEq/L. NPNN 2020 48 ALCALOSE METABÓLICA Objectivos: Conhecer as causas de alcalose metabólica Compreender os mecanismos que perpetuam a alcalose metabólica Abordagem da alcalose metabólica Definição A alcalose metabólica manifesta-se por um aumento da concentração de bicarbonato e habitualmente associa-se a hipocalémia. Compensação respiratória A primeira compensação do organismo ao aumento do bicarbonato é a hipoventilação, com aumento da PaCO2. Por cada aumento de 10meq de HCO3- a PaCO2 aumenta 7mmHg. . Fisiopatologia Na clínica da alcalose metabólica interessa, além da identificação da causa é necessário identificar os mecanismos de manutenção, já que a resposta fisiológica do organismo ao excesso de HCO3- é o aumento da excreção renal (maior filtração glomerular, menor reabsorção tubular). O que, em termos práticos, significa que para tratarmos a alcalose temos que corrigir a causa e os mecanismos que contribuiram para a sua perpetuação. Causas de alcalose metabólica 1. Perda de valências ácidas NPNN 2020 49 Gastrointestinal Vómitos Drenagem gástrica Tratamento com antiácidos Renal Diuréticos da ansa e tiazidas Hipercalcémia Hipocalémia 2. Ganho de HCO3- Administração de bicarbonato Pós-hipercapnia 3. Hiperaldosteronismo primário Mecanismos de perpectuação (situações em que o rim perde capacidade de excretar bicarbonato de forma eficiente) Contracção de volume Insuficiência renal Deplecção de Cl- ou K+ PaCO2 elevada Hiperaldosteronismo O rim corrige a alcalose metabólica excretando o excesso de bicarbonato na urina. Se um sujeito normal ingerir diariamente 1000meq de bicarbonato durante 2 semanas, todo o excesso de bicarbonato é excretado na urina e não se desenvolve alcalose metabólica. As alterações que causam alcalose metabólica estão associadas a ganho de bicarbonato muito menor, o que significa que para se desenvolver alcalose metabólica o rim tem que perder a capacidade de excretar o excesso de bicarbonato. A redução da taxa de filtração glomerular (TFG) e o aumento da reabsorção tubular de bicarbonato contribuem para este processo. O aumento da reabsorção tubular é o NPNN 2020 50 mecanismo mais importante, já que a diminuição da TFG isolada, como a insuficiência renal crónica, habitualmente não cursa com alcalose. A deplecção de volume arterial efectivo aumenta a reabsorção de HCO3- no tubo proximal na tentativa de preservar volume. O hiperaldosteronismo secundário também contribui porque aumenta a reabsorção de Na+ no tubo colector cortical, o lúmen tubular fica mais electronegativo, criando-se assim um gradiente favorável à secreção de H+ e K+. A deplecção de Cl- também tem um papel importante no aumento da reabsorção de HCO3- no nefrónio distal. A reabsorção de Na+ neste segmento não é seguida pelo Cl-, há falta de Cl-, o que aumenta o gradiente eléctrico que promove da secreção de H+. O resultado final é a reabsorção quase completa do bicarbonato filtrado e o achado paradoxal de uma urina ácida num doente que está alcalémico. A hipocalémia é um estímulo potente para a secreção de H+. A hipocalémia condiciona acidose intracelular, por entrada de H+ para a célula e saída de K+, esta acidose intracelular estimula, nas células tubulares, a produção e excreção de NH4+ que em si gera mais HCO3-, perpetuando a alcalose. A hipercapnia compensatória também aumenta a reabsorção de bicarbonato no nefrónio distal. Abordagem do doente com alcalose metabólica 1. Integrar o quadro clínico e laboratorial Clinicamente e para efeitos práticos podemos considerar quatro grupos: Doentes com depleção de volume, hipocalémia e hipoclorémia NPNN 2020 51 É o tipo mais comum. Normalmente a causa é a perda de ácido pelo tubo digestive em consequência de vómitos ou drenagem gástrica. Estes doentes apresentam aumento da reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal em resposta à deplecção de volume. A deplecção de volume leva ao aumento da aldosterona que estimula a secreção de H+ e K+ no tubo colector, contribuindo para perpetuar a alcalose. O uso de diuréticos também causa deplecção de volume e de potássio e desta forma associam-se frequentemente a alcalose metabólica. As drogas aniónicas, como a carbenicilina, também se associam a alcalose metabólica. Estes fármacos são livremente filtrados e não reabsorvidos, como têm carga negativa impedem a reabsorção de Na+, desta forma maisNa+ chega ao tubo distal o que aumenta a secreção de K+ e H+. A hipocalémia e a deplecção de volume perpetuam a alcalose metabólica. A hipercalcémia estimula a secreção renal de H+ e a reabsorção de HCO3- resultando em alcalose metabólica. A desidratação e a insuficiência renal que habitualmente se associam à hipercalcémia contribuem para a perpetuar a alcalose. Doentes com expansão de volume, hipocalémia Estes doentes têm aumento primário de mineralocorticóides e não respondem à reposição de volume. A etiologia do aumento de mineralocorticoides pode ser diferenciada medindo a renina plamática. Administração exógena de bicarbonato A administração de bicarbonato nos casos de acidose metabólica pode resultar em alcalose metabólica. Isto ocorre particularmente nos casos de acidose láctica ou cetoacidose diabética, em que o bicarbonato endógeno é substituido por lactato ou β-hidroxibutirato. Não há perda de bicarbonato e quando o distúrbio de base é corrigido o bicarbonato volta a ser regenerado. Assim, o NPNN 2020 52 bicarbonato administrado contribui para o excesso de bicarbonato, podendo provocar alcalose metabólica. Um problema semelhante ocorre quando se administram grandes quantidades de bicarbonato a doentes com insuficiência renal, incapazes de excretar o excesso de bicarbonato. Alcalose pós-hipercápnia A acidose respiratória crónica está associada a um aumento da excreção renal de H+ e retenção de bicarbonato, que representam a resposta compensatória apropriada à acidose. O tratamento destes doentes com ventilação mecânica pode levar à redução rápida da PaCO2 corrigindo a acidose respiratória, mantendo-se o bicarbonato sérico elevado, já que a excreção renal é mais lenta. Desta forma desenvolve-se alcalose metabólica com aumento rápido de pH intracerebral o que pode originar alterações neurológicas graves e morte. 2. Examinar os gases do sangue Há perigo iminente? Como está o K+? Como está o pH? Qual é a alteração primária? A compensação é adequada? Há aumento do gap aniónico? 3. Identificar distúrbios mistos Depois de identificar o distúrbio primário, vamos verificar se a compensação é apropriada. Nos casos de alcalose metabólica, sabemos que por cada aumento de 10 mEq de bicarbonato a PaCO2 aumenta 7mmHg. Se a PaCO2 não aumenta de forma apropriada significa que coexiste alcalose respiratória. NPNN 2020 53 Em seguida vamos calcular o gap aniónico. Se há aumento do gap aniónico, calculamos a variação do bicarbonato. Se a variação do gap aniónico for maior que a variação do bicarbonato é porque há acidose metabólica. 4. Medir os electrólitos na urina Como vimos, a etiologia da alcalose metabólica é habitualmente clara atendendo à história clínica e exame físico do doente. No entanto, há casos em que a história é inexistente ou não é clarificadora, como na ingestão surreptícia de diuréticos ou vómitos induzidos. Nestes casos, a medição do Na+, Cl- e pH urinários podem ser úteis no dianóstico diferencial das causas de alcalose. Quando o doente tem vómitos recentes o pH urinário é elevado, dado o aumento da filtração e excreção de bicarbonato, e por isso o Na+ na urina também se encontra elevado. O Cl- na urina, neste caso, é baixo. Quando o doente deixa de vomitar e há deplecção de volume, há retenção de Na+ e bicarbonato, assim, o pH na urina é baixo, o Na+ é baixo e o Cl- é baixo. Como a chegada de Na+ ao tubo distal está diminuida, menos K+ será secretado. Se o Na+, K+ e Cl- na urina estão todos elevados devemos pensar em: uso de diuréticos, deficiência de magnésio ou alterações tubulares raras como os Síndromes de Bartter ou Gitelman. Na+ urina Cl- urina K+ urina pH urina Vómitos recentes alto baixo alto alto Vómitos tardios baixo baixo baixo baixo Diuréticos alto alto alto Tratamento da alcalose metabólica NPNN 2020 54 O tratamento da alcalose metabólica deve considerar o tratamento da causa e a correcção dos mecanismos que perpetuam a alcalose, ou seja corrigir o défice de volume e Cl- e o défice de K+, o que começa pela administração de soro fisiológico e cloreto de potássio. O doente com insuficiência cardíaca congestiva, síndrome nefrótico ou cirrose, desenvolvem muitas vezes alcalose metabólica secundária ao uso de diuréticos. Nestes casos a administração de soro fisiológico não está indicada pois iria agravar mais os edemas. O tratamento da alcalose, nestes casos, pode fazer-se com acetazolamida (250 a 375mg PO). A acetazolamida é um diurético inibidor da anidrase carbónica que aumenta a excreção de bicarbonato. A acetazolamida também pode ser usada nos doentes com edemas por cor pulmonale e hipercapnia crónica. A correcção da alcalose é particularmente importante nestes doentes porque o aumento do pH é em si próprio depressor do centro respiratório. O uso de acetazolamida tem que ser cauteloso e monitorizado de forma estricta pois pode agravar a acidose nestes doentes. Os casos de aumento primário de mineralocorticoides não respondem a estas medidas. O tratamento consiste nestes casos na correcção da causa primária. NPNN 2020 55 Exames complementares de diagnóstico em Nefrologia IV. NPNN 2020 56 EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO EM NEFROLOGIA A doença renal pode apresentar-se de diferentes formas: sinais/sintomas que indiciem doença renal subjacente (hematúria macroscópica, edema, dor no flanco/cólica renal), doença sistémica associada a doença renal ou assintomático com alterações em exames de rotina (aumento da creatinina sérica ou alterações do exame de urina). A história clínica, exame objectivo e exames complementares de diagnóstico (ECD) são fundamentais para o diagnóstico de doença renal. Permitem ainda determinar a etiologia e a gravidade da mesma. 1. AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL A determinação da taxa de filtração glomerular (TFG) é clinicamente usada para avaliar a gravidade e evolução da doença renal. Contudo, não fornece qualquer informação acerca da sua etiologia. O valor normal da TFG é de cerca de 130 e 120 ml/min/1,73m2 para homens e mulheres, respetivamente, mas varia com a idade, sexo, área de superfície corporal, atividade física, dieta e outras variáveis individuais. A TFG é igual à soma das taxas de filtração de cada um dos nefrónios funcionantes e é um índice da massa renal funcionante. Contudo, não há uma correlação exata entre a perda de massa renal (perda de nefrónios) e a perda de TFG, dado que o rim se adapta à perda de alguns nefrónios. Por exemplo, a perda de metade dos nefrónios funcionantes (ex: nefrectomia unilateral) leva a uma descida na TFG, que pode ser só de 20-30% e não de 50%, devido a uma hiperfiltração compensatória dos nefrónios restantes. A medição da TFG é complexa, morosa, e pouco exequível na prática clínica, pelo que esta é habitualmente estimada a partir de marcadores séricos – TFG estimada (TFGe). O marcador de filtração ideal para estimar a TFG seria um soluto que fosse livremente filtrado no glomérulo, não tóxico, não secretado nem reabsorvido nos túbulos renais e não modificado durante a excreção pelo rim. O gold-standard de marcadores de filtração exógenos é a inulina, que se trata de uma substância inerte fisiológica (polissacarídeo) que preenche os critérios enunciados anteriormente. Sendo assim, a quantidade de inulina filtrada é igual à quantidade de inulina excretada na urina, podendo ser medida. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO EM NEFROLOGIA NPNN 2020 57 TFG x SIn = UIn x V <-> TFG=(UIn x V)/SIn SIn- concentração sérica de inulina UIn- concentração urinária de inulina V-volume de inulina O clearance da inulina (Clin) reflecte com precisão a TFG, mas não é usado na prática clínica por ser complicado, moroso e caro. Os métodos mais comuns utilizados para estimar a TFG
Compartilhar