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NUTRIÇÃO E DIETÉTICA I Paula Gabriela Loss Neto Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a importância da avaliação do consumo alimentar nesses estágios da vida. � Identificar os principais inquéritos alimentares aplicáveis para adultos e idosos. � Sintetizar as vantagens e desvantagens de cada método de avaliação do consumo alimentar. Introdução Os cuidados nutricionais começam muito antes do aconselhamento e da elaboração de dietas e planos alimentares. Um diagnóstico do es- tado nutricional e relacioná-lo ao consumo alimentar é básico para uma elaborar uma intervenção nutricional eficiente. Desta forma, a avaliação da ingestão alimentar é parte fundamental dos cuidados nutricionais, seja para verificar os níveis de adequação do consumo ou para embasar recomendações condizentes com o estilo de vida do paciente. Ao longo do tempo, inúmeras ferramentas auxiliares, técnicas e instrumentos têm sido estudados para aumentar a precisão e a qualidade dessa avaliação. Neste capítulo, você irá estudar os motivos pelos quais a avaliação do consumo alimentar é tão importante, também compreenderá os principais instrumentos desenvolvidos e suas peculiaridades, além de analisar as vantagens, as limitações e as aplicações de cada instrumento. A avaliação do consumo alimentar como parte fundamental do cuidado nutricional A avaliação do consumo alimentar é imprescindível sob dois aspectos: o individual e o coletivo. No âmbito do atendimento ao paciente, mensurar o seu consumo alimentar, em termos tanto qualitativos como quantitativos, é essencial para compreender o seu estado atual e poder, de fato, associá-lo à sua alimentação ou não. À medida que, no domínio coletivo, a avaliação da ingestão é fundamental para que pesquisadores em saúde pública e epidemiologistas consigam detectar se alterações em grupos populacionais — especialmente aqueles que apresentam altas taxas de prevalência de doenças — estão vin- culadas à ingestão alimentar. O estado nutricional de um indivíduo é consequência da correspondência entre o consumo de alimentos e as necessidades nutricionais. Para dimen- sionar a importância de um instrumento de avaliação adequado da ingestão alimentar, basta saber que uma boa investigação do consumo alimentar pode direcionar uma verificação de possíveis deficiências nutricionais. Elas, se detectadas, ainda nos primeiros estágios de progressão — anterior à mani- festação de qualquer sinal clínico — poderão ser tratadas antes da ocorrência de consequências mais severas. Vale considerar que o consumo individual tem por característica a in- constância, essa é uma das dificuldades na criação de um instrumento para verificar o consumo alimentar médio ou detectar padrões alimentares. Muitos fatores interferem na variação da ingestão alimentar do indivíduo, como por exemplo, a situação econômica e emocional, o comportamento alimentar, a sua cultura, qualquer situação que modifique o apetite e razões fisiológicas que alterem cronicamente ou transitoriamente a capacidade de consumir ou absorver nutrientes (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2012). Foram listados alguns fatores comuns que colocam os indivíduos em risco de desenvolvimento de deficiências nutricionais: � Dificuldades durante a deglutição; � Distúrbios gastrointestinais; � Função cognitiva prejudicada; � Depressão; � Jejum por via oral por mais de três dias; � Incapacidade ou falta de vontade de consumir alimentos; � Aumento ou diminuição nas atividades da vida diária; � Uso inadequado de suplementos; Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar2 � Irregularidade do hábito intestinal (p. ex., constipação, diarreia); � Limitações na alimentação por alergias ou intolerâncias; � Prejuízos neurológicos, inclusive com comprometimento da função sensorial; � Prejuízo visual (KRAUSE, 2012). Observando os fatores de risco destacados, pode-se concluir que muitos deles estão relacionados ao desgaste causado pela idade. A diminuição do apetite, da própria capacidade gustativa e da capacidade para deglutir são importantes fatores fisiológicos relacionados ao envelhecimento. Fatores psicossociais, também, são importantes e incluem o isolamento social, a viuvez e a depressão. Além de reduzirem a capacidade auditiva, visual e de mobilidade poderem prejudicar a comunicação, causando maior isolamento e levando a menor ingestão alimentar (ASSUMPÇÃO et al., 2014). Por isso, a avaliação eficiente do consumo alimentar, nessa fase da vida, com maior risco de desenvolvimento de deficiências nutricionais e desnutrição, é fundamental. Estas deficiências podem culminar no comprometimento do organismo em resistir a infecções, danificar a cicatrização, piorar o desfecho, em caso de doenças ou acidentes, além de aumentar, de forma geral, as taxas de morbimortalidade (KRAUSE, 2012). Dessa forma, é necessário um método para triar e avaliar o risco nutricional e propor medidas corretivas. Os cuidados nutricionais compõem um processo, e podem ser organizados por etapas: 1. Avaliação do estado nutricional; 2. Identificação do diagnóstico nutricional; 3. Intervenções, como fixação de metas, fornecimento de alimentos e nutrientes, orientações, aconselhamento, coordenação de cuidados; 4. Monitoramento e avaliação da eficácia das intervenções (AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2010). Como visto, a avaliação do consumo alimentar é parte integrante do primeiro item da série de cuidados nutricionais. Sua execução afeta todo o processo, podendo comprometer o resultado das intervenções, se não foi realizada da forma mais apropriada. Da mesma maneira, a avaliação do estado nutricional é parte integrante dos cuidados nutricionais, e tem por objetivo principal identificar os pacien- tes que estão em risco nutricional e monitorar a sua evolução. É importante lembrar que um parâmetro isolado não é um indicador fidedigno do estado 3Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar nutricional de um indivíduo, assim, recomenda-se a utilização de uma série de instrumentos para promover a precisão do diagnóstico. A análise da história clínica, dietética e psicossocial, o registro de dados antropométricos e bioquímicos, bem como, a avaliação da interação entre medicamentos e nutrientes são exigidos para determinar um diagnóstico nutricional adequado (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Uma resolução elaborada pelo Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) estabelece quais sãos os procedimentos para atuação profissional, destacando a importância da realização de uma investigação precisa dos hábitos alimen- tares, observando o número, o tipo e a composição das refeições, restrições e preferências alimentares do paciente, bem como as flutuações do seu apetite. Ainda, a resolução orienta que, além das refeições, propriamente ditas, deve ser avaliada a questão dos procedimentos em relação ao preparo e ar- mazenamento das preparações, como a higiene, as condições estruturais e os comportamentos (BRASIL, 2008). Cabe considerar a questão da observação da ingestão alimentar sob um olhar mais amplo: os hábitos alimentares estão muito envolvidos com os aspectos ambientais nos quais o indivíduo está inserido, sejam eles antropológicos, psicológicos ou socioeconômicos. Nesse sentido, uma avaliação de consumo alimentar não se limita à mera quantificação de nutrientes: é um trabalho em conjunto com o paciente para identificação de elementos demográficos, sociais, culturais, ambientais e cognitivo-emocionais da alimentação cotidiana (TORAL; SLATER, 2007). Isso permite não só um diagnóstico nutricional adequado, como também, gera informações para a criação de intervenções que possuirão maior adesão, por parte do paciente. Na esfera da avaliação do consumo alimentar individual, a primeira con-sideração que deve ser compreendida é a definição da finalidade a ser alcan- çada com as informações obtidas, pois isso norteará a escolha do método de avaliação do consumo. Assim, como o estado geral do indivíduo e os motivos pelos quais o paciente busca orientação nutricional, também são fatores que auxiliam essa seleção (DWYER, 1999). De forma geral, considerando a prática clínica, são três os objetivos da investigação da ingestão alimentar: 1. Verificação, em termos quantitativos, do consumo de nutrientes; 2. Investigação do consumo de alimentos específicos ou de grupos alimentares; 3. Identificação de um padrão alimentar individual. Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar4 Quando o profissional estabelece mais de um objetivo para sua investigação, pode ser necessária a aplicação de mais de uma técnica de avaliação. Fatores como tempo de consulta e a capacidade cognitiva do paciente devem ser levados em consideração — especialmente no caso de consultórios — para não tornar a consulta muito extensa ou cansativa. Os inquéritos alimentares e as técnicas de aplicação Veja, agora, quais são os métodos mais utilizados para investigar o consumo alimentar e como cada um se aplica a um objetivo. Avaliação da ingestão de nutrientes de forma quantitativa Para avaliar o consumo de nutrientes sob o caráter quantitativo, é preciso obter informações fidedignas sobre o consumo para, posteriormente, compará-las aos valores recomendados para indivíduos do sexo e faixa etária em questão. Considerando este objetivo, os dados obtidos devem ser reflexo da dieta cotidiana do indivíduo e não de um dia em especial. Isso acontece porque é conhecido que os efeitos de um consumo inadequado surgirão após um tempo prolongado de repetição dos comportamentos de risco alimentar (INSTITUTE OF MEDICINE, 2000). A comparação com os valores necessários para o indivíduo raramente é um número individual, devido à dificuldade técnica em obter essa infor- mação. Por isso, utiliza-se estimativas desenvolvidas, por meio de grandes estudos populacionais, para analisar a probabilidade do consumo verificado pelo instrumento de avaliação estar adequado ou não. Essas estimativas são propostas pelas Dietary Reference Intakes (DRIs), utilizando a metodologia prescrita pelo Institute of Medicine (IOM) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (INSTITUTE OF MEDICINE, 2000) retratado, também, em literatura nacional (MARCHIONI; SLATER; FISBERG, 2003). Os instrumentos de avaliação mais pertinentes para este objetivo são aqueles que conseguem coletar as informações de consumo de forma mais detalhada, principalmente, em relação aos alimentos e quantidades consumidas. Assim, os instrumentos mais adequados são o Recordatório de 24 horas (R24h) e o diário alimentar (FISBERG; MARTINI; SLATER, 2005). 5Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar Recordatório de 24 horas Este tipo de recordatório compreende a especificação e quantificação de todos os alimentos e bebidas consumidas nas 24 horas anteriores à entrevista ou com maior frequência, no dia anterior. Esta última maneira de realizar o questionamento auxilia no processo de recordação, porque existem mais parâmetros temporais que podem ser utilizados: o paciente pode fazer uma espécie de linha do tempo recordando o seu dia e lembrando das refeições por eventos, como a hora em que acordou, frequentou alguma aula ou trabalho, além do horário em que foi dormir (KRAUSE, 2012). A entrevista que coleta os dados do recordatório é pessoal e conduzida pelo nutricionista. Isto significa que para uma entrevista de qualidade, o profissional deve ser capaz de estabelecer uma comunicação eficiente e empática, que estimule o paciente a dialogar. Como toda a comunicação depende do emissor e do recep- tor, o método não poderia ser diferente de uma via de mão dupla. Logo, mesmo um especialista treinado pode sofrer prejuízos em sua entrevista devido a uma dificuldade do entrevistado em recordar, com detalhes, a sua ingestão alimentar. Essas dificuldades variam entre indivíduos e têm relação com vários fatores, como a idade, escolaridade, capacidade cognitiva, entre outros (KRAUSE, 2012). Cabe ressaltar que a idade é um dos elementos mais impactantes na con- dução da entrevista, podendo ser necessário que um cuidador ou responsável forneça as informações requeridas. Também, vale para indivíduos com algum tipo de limitação cognitiva. Desta forma, para conduzir a entrevista, o nutri- cionista deve dominar o entendimento a respeito dos costumes e hábitos da população com a qual trabalha, principalmente, sobre o modo como costumam ser preparados os alimentos (KRAUSE, 2012). Outro fator que pode alterar os resultados da entrevista, é a postura do profissional. Se o nutricionista manifestar reações acerca das escolhas de ali- mentos ou quantidades consumidas, é possível que o paciente omita as próximas informações. Uma postura neutra, empática e respeitosa são pré-requisitos para obtenção de respostas não tendenciosas. Esse é um ponto ainda mais delicado quando se trata de relatar hábitos de consumo ou alimentos socialmente cen- surados. É importante saber que existirão pacientes com padrões alimentares muito diferentes do tradicional e alguns até demonstrando comportamento de risco para anorexia, bulimia ou compulsão alimentar. Por isso, o vínculo e a postura do profissional são tão importantes para que o paciente se sinta à vontade de compartilhar os aspectos de sua vida (KRAUSE, 2012). A precisão da entrevista, também, depende da definição detalhada sobre o volume e tamanho da porção consumida — algumas preparações ainda Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar6 poderão exigir conhecimento sobre como ocorreu seu preparo (p. ex., se a preparação foi assada ou frita) (KRAUSE, 2012). Para facilitar o processo de quantificação, podem ser utilizados álbuns com fotografias de porções, modelos ou medidas caseiras. Assim, o consumo pode ser anotado em unidades, como fatia média ou fatia grande, ou, ainda, uma maçã grande. Atualmente, com o auxílio de tabelas de medidas caseiras — algumas com fotos e de softwares que realizam a conversão das medidas caseiras e porcionamentos comuns de marcas comerciais para gramas, este trabalho tem sido aprimorado e otimizado (KRAUSE, 2012). Diário ou registro alimentar A informação do diário alimentar, também, se refere à ingestão atual do indivíduo, porém, em vez de uma entrevista estruturada, o indivíduo registra, utilizando-se de um formulário, especialmente desenvolvido para este fim, todos os alimentos ingeridos, inclusive, os consumidos fora de casa. A duração da aplicação do diário alimentar pode ser de três, cinco ou sete dias. Períodos maiores do que sete dias podem diminuir a adesão e o comprometimento com a fidedignidade dos registros (DODD et al., 2006). Para melhor detectar o hábito alimentar, independentemente do número de dias escolhidos, a aplicação do diário deve se dar em dias alternados, incluindo um dia do final de semana (DODD et al., 2006). A forma de registro dos itens consumidos pode ocorrer de duas formas: 1. O indivíduo detalha o tamanho da porção consumida; 2. O indivíduo pesa os alimentos antes de consumi-los e existindo sobras, as pesa da mesma maneira, registrando todas essas informações no diário alimentar. Esta última forma de aplicação, considerando-se a metodologia mais cus- tosa de ser aplicada no dia a dia, possui uma aplicação mais restrita, sendo utilizada, na maioria das vezes, nos estudos em que a precisão da ingestão é fator primordial. Em todo o caso, o indivíduo fará o registro detalhado que incluirá o nome do alimento ou da preparação, (os ingredientes e a forma de preparo). As marcas dos alimentos e o tipo (se era light, diet ou regular) também devem ser anotados. A adição de sal, açúcar, óleos e molhos, além dos detalhesda ingestão (p. ex., se o alimento foi consumido com a casca ou não) precisam ser 7Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar registrados. Para auxiliar na estimativa, medidas caseiras podem ser utilizadas, bem como, modelos fotográficos. Com isso, os registros deverão ser realizados momento do consumo, pois o objetivo do registro alimentar é minimizar os rumos advindos das falhas de memória (DODD et al., 2006). Avaliação do consumo de alimentos ou grupos alimentares A análise quantitativa auxilia na verificação da adequação da ingestão de nutrientes, porém não é o único prisma de avaliação do hábito alimentar. Também, é muito relevante observar a frequência do consumo de alguns alimentos ou grupos de alimentos. Isto é interessante, principalmente, para o caso de alimentos que, quando consumidos em excesso, podem comprometer a qualidade da dieta e para aqueles que são fontes de nutrientes de interesse ou compostos bioativos. Para atingir este objetivo, geralmente, se utiliza o Questionário de Fre- quência Alimentar (QFA). É salientado que o emprego individual, para avaliar o consumo de alimentos ou grupos de alimentos, tem objetivos diferentes do uso desse mesmo questionário em estudos epidemiológicos, em que os QFAs têm ampla aplicação. Questionário de frequência alimentar O QFA, como você acabou de ver, tem ampla aplicação nos estudos epidemio- lógicos, especialmente, para investigação da relação entre a ingestão de um alimento/grupo de alimentos e a ocorrência de algum desfecho clínico. Os des- fechos mais comuns são os relacionados às doenças crônicas não transmissíveis. Devido à facilidade de sua aplicação, é comumente utilizado em pesquisas, uma vez que o custo e a logística para coletar e analisar inquéritos alimentares, como o R24h e o diário alimentar, podem ser elevados. Contudo, a precisão, como método de pesquisa, é questionada em intensos debates na literatura. Por exemplo, associações realizadas por estudos com o QFA entre dieta e o desenvolvimento de câncer, acabaram não se repetindo nos recentes resultados observados em grandes estudos de coorte. O QFA é constituído por uma lista de alimentos estipulados e as opções de frequência de consumo (p. ex., o número de vezes ao dia, semana, mês ou ano que o indivíduo consome aquele alimento). Também, é possível adicionar uma porção média de referência para que seja registrada se a sua ingestão foi maior ou menor do que os valores disponibilizados em medidas caseiras. Nesse Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar8 caso, ele é denominado Questionário Quantitativo de Frequência Alimentar (QQFA) (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). A escolha dos alimentos que irão compor a lista será dirigida pela hipó- tese que se busca confirmar e por procedimentos metodológicos (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). O QFA escolhido deve ser validado para a população em questão, isto implica procedimentos complexos e, relativamente, longos de avaliação da precisão do instrumento. Os recursos tecnológicos estão aprimorando e otimizando a avaliação dietética, tanto por um aumento na precisão e rapidez com que os dados estão sendo computados e repassados como pela redução dos custos relacionados a essa coleta de dados. Estudos apontam que diários eletrônicos podem ser mais precisos em comparação com registros manuscritos. Aplicativos e softwares, que permitem o registro fotográfico por meio de aparelhos celulares, também, já se encontram disponíveis (KRAUSE, 2012). Avaliação do padrão alimentar A obtenção de informações sobre o comportamento alimentar é muito im- portante para a avaliação nutricional e não constitui, apenas, dados sobre as escolhas alimentares em si, mas tudo o que esteja ligado ao hábito alimentar. Por isso, é influenciada por elementos demográficos, econômicos, culturais e psicológicos (TORAL; SLATER, 2007). Para atingir este objetivo, a história alimentar é um dos métodos mais empregados na prática clínica. Abrangente, permite que o profissional avalie padrões alimentares atuais e do passado, correlacionando-os com outros aspectos clínicos do indivíduo. História alimentar Esta técnica se caracteriza por uma longa entrevista cujo principal objetivo é o levantamento de dados sobre os hábitos alimentares atuais e passados. Número de refeições realizadas em um dia, local das refeições, preferências e aversões alimentares, além da utilização de suplementação nutricional são exemplos de informações coletadas. contudo, elas não se limitam ao consumo alimentar: dados sobre tabagismo, realização de atividade física, entre outras informações, também são coletadas. Assim, utiliza-se um formulário similar ao R24h para permitir o registro de dados referentes ao consumo habitual de alimentos, fornecendo detalhes sobre o tipo, quantidades ingeridas, frequência e variações sazonais (final de semana 9Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar e férias, ou aquelas decorrentes de alterações da rotina, como mudança do local de trabalho ou estudo) (TAPSELL; BRENNINGER; BARNARD, 2000). Dife- rentemente desse método, que pode ser iniciado com o questionamento sobre o que paciente comeu no dia anterior, o formulário da história alimentar busca informações sobre os costumes adquiridos e pode ser iniciado perguntando sobre o que o paciente costuma ingerir quando acorda ou como, geralmente, é o seu café da manhã. Desta forma, pode se proceder para todas as refeições. É importante perceber que estes instrumentos qualitativos possuem uma forma de interpretação diferenciada das ferramentas quantitativas. Como visto, os instrumentos quantitativos podem ter seus resultados comparados com os valores indicados de consumo de nutrientes. O mesmo procedimento não pode ser realizado com o QFA ou com a história alimentar. A interpre- tação mais adequada dos resultados obtidos por esses métodos, parte da identificação dos alimentos/grupos de alimentos consumidos pelo paciente, levando ao estabelecimento de um padrão alimentar que possa ser analisado, segundo comportamentos de risco para o desenvolvimento de doenças ou deficiências, frequentemente, a longo prazo (TAPSELL; BRENNINGER; BARNARD, 2000). Para ponderar essas informações qualitativas, as referências mais indicadas são os guias alimentares e recomendações publicadas por órgãos de saúde, bem como aqueles instrumentos que possuem o objetivo de orientar a população sobre alimentação saudável, por via de diretrizes. No Brasil, pode ser utilizado o guia alimentar para a população brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde. O material proposto pela OMS, denominado estratégia global para a promoção da alimentação saudável atividade física e saúde, também, é uma referência idônea para este fim. Vantagens e limitações de cada método de avaliação do consumo alimentar Toda ferramenta clínica tem uma especificidade, sensibilidade e aplicação específicas. E, é claro, mesmo levando em conta todas as vantagens, cada instrumento que foi conhecido possui limitações. De forma geral, todo o instrumento pode ser alvo das fontes de erro na avaliação do consumo alimentar. Como você pôde perceber, ao longo desse estudo sobre como ocorre a aplicação de cada instrumento, os elementos que podem afetar a realização dos inquéritos dietéticos são numerosos, além disso, de natureza diversa (KRAUSE, 2012). Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar10 Pode-se categorizar as fontes de erros mais comuns inerentes à aplicação dos instrumentos de aferição do hábito/consumo alimentar em três categorias, como poderão ser observadas na Figura 1: Figura 1. Fontes de erro na investigação do consumo alimentar. Entrevistado Entrevistador Método do inquérito As interações entre o próprio instrumento para a captação de informações e os elementos fornecedor e receptor, ao mesmo tempo que são essenciaispara a realização da avaliação do consumo dietético, consistem em fontes de erro. dependendo do tipo de erro, a ingestão alimentar será subestimada ou superestimada. Você poderá verificar cada fonte de erro e suas peculiaridades: Entrevistado: quando o método escolhido depende da memória do paciente, cabe considerar que ele pode esquecer de referir os alimentos consumidos ou o tamanho exato das porções. Da mesma forma, pode, ainda, haver relatos de alimentos que, na verdade, não foram consumidos. É importante dimen- sionar que muitos fatores se relacionam aos processos cognitivos relativos à memória, os maiores exemplos são: idade, nível educacional e o ambiente do local da entrevista. Além da memória, há a interferência das omissões. O fato de o entrevistado ter em mente uma dieta ideal ou o que ele deveria estar fazendo, pode levá-lo a omitir alimentos que ele considera inadequados ou superestimar o consumo daqueles que ele considera adequados. Este processo nem sempre é totalmente consciente, pois estudos apontam que indivíduos obesos tendem a subestimar seu consumo alimentar de forma sistemática (KRAUSE, 2012). 11Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar Da mesma forma, é importante observar, com cautela, a aplicação de instru- mentos em pacientes idosos, tanto na aplicação do instrumento em si, quanto o tempo durante a quantificação das preparações. A aplicação dos instrumentos poderá ser prejudicada por deficit oriundo da senilidade. Lembre-se de que nem todo idoso terá problemas com a memória ou perda da capacidade cognitiva. Compete avaliar pela observação da aptidão para comunicação do paciente, a forma como ele relata fatos passados, da sua independência e rotina, se há condições de, por exemplo, realizar a aplicação um R24h ou se uma checagem do padrão alimentar por intermédio da história alimentar será mais produtiva. Ainda, se o idoso estiver acompanhado, a solicitação para diário alimentar ou um R24h, novamente, podem ser considerados. O registro das preparações, também, demanda alguns cuidados: alterações de consistência, como a liquidificação — que por sua vez exige a diluição do preparado — pode empobrecer o valor nutricional das preparações e isso deve ser registrado a fim de não superestimar o consumo do idoso. Neste artigo, você poderá conferir como o trabalho verificou a ingestão de nutrientes dos idosos, além de conferir, com maiores detalhes, os desafios na adequação do consumo alimentar de idosos e quais fatores estão associados. https://goo.gl/5XLW6Q Entrevistador: não apenas o entrevistado pode vir a ser uma fonte de erro, o entrevistador, ao conduzir o inquérito, também pode se transformar em uma. As reações verbais e as não verbais diante do relato de um indivíduo, a forma de conduzir as perguntas e a incapacidade de criar vínculo com empatia no seu relacionamento com o paciente podem gerar omissões e influenciar as respostas, sendo este um erro de difícil estimativa e controle (KRAUSE, 2012). Método: a forma de coletar e manipular as informações obtidas por meio do inquérito, também, podem induzir a erros de análise. Isso ocorre por fatores inerentes à correta identificação dos alimentos ou preparações culinárias e uso do instrumento inadequado (KRAUSE, 2012). Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar12 Técnicas para minimizar e prevenir os erros de medida em inquéritos alimentares Sejam sistemáticos ou aleatórios, as chances de falhas podem ser minimizadas pela adoção de mecanismos de controle nas etapas de coleta e de análise dos dados dietéticos. Primeiramente, cabe considerar que o profissional deve possuir uma base de dados — como uma tabela de composição dos alimentos ou software com essa informação atualizada —, bem como estar em dia com a literatura em relação aos elementos dietéticos impactantes na prevenção de doenças. Para o desenvolvimento de canal de comunicação adequado com o paciente, deve-se construir uma relação cordial e respeitosa, observando os princípios da ética. O nutricionista deve esclarecer quais são os motivos e os objetivos a serem atingidos com a avaliação do consumo alimentar. Com o avanço tecnológico das plataformas digitais, muitos sites e softwares surgiram como formas de auxílio nos cálculos de ingestão dietética. Contudo, cabe ao nutricionista verificar a confiabilidade das informações fornecidas, espe- cialmente, no que tange aos valores de preparações culinárias e medidas caseiras. Agora que você já conhece as maiores dificuldades e fontes de erro para se obter um registro de consumo alimentar fidedigno, serão analisadas as vantagens e limitações de cada instrumento (KRAUSE, 2012): R24h A aplicação rápida e um período curto de tempo para recordar são fatores que estimulam o indivíduo a participar mais ativamente da entrevista, sendo uma das vantagens da aplicação do R24h. Outros fatores, também, favorecem a sua aplicação, como o fato de o indivíduo não precisar ser alfabetizado para responder ao recordatório e a coleta de informações se dar após o fato, além do método não influenciar na escolha alimentar. Porém, pelo mesmo motivo, ele acaba possuindo um forte vínculo com a memória, o que causa uma de suas limitações. Entretanto, a limitação mais significativa é o fato de um único dia poder insuficiente para representar a ingestão cotidiana do paciente. Em populações com alto grau de variabilidade, entre os dias e com rotinas agitadas, certamente não será captado o consumo médio do indivíduo, tendo sua aplicabilidade prejudicada (FISBERG; MAR- CHIONI; COLUCCI, 2009). 13Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar Registro alimentar O método do registro tem por vantagem não depender da memória, eliminando este detalhe. Em contrapartida, exige o registro no momento em que ocorre. Isso, requer um tanto de disciplina e capacidade cognitiva, por parte do in- divíduo, como também, este registro pode acabar influenciando o consumo alimentar, estimulando uma alteração comportamental durante o período preenchido no formulário. QFA O QFA, raramente, pode ser aplicado para verificar o nível de adequação da ingestão de um determinado nutriente, devido à sua baixa precisão, em termos quantitativos, uma vez que não é composto por uma avaliação quantitativa direta das porções individuais consumidas, mas por um número limitado de alimentos, o que pode não incluir o que é, de fato, consumido pelo paciente. Desta forma, se reconhece que este instrumento não é recomendado para avaliar a ingestão quantitativa e, sim, fornecer dados qualitativos a respeito do hábito alimentar. Por ser barato e prático, é utilizado em estudos epidemio- lógicos que possuirão o cuidado, em sua metodologia, de validar o questio- nário ou de utilizar um dado válido para a população em questão (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). História alimentar A história alimentar tem por vantagem a redução das variações cotidianas, pois leva em conta a variação sazonal. Isso, é particularmente útil quando se lida com indivíduos que têm suas rotinas interrompidas por eventos pontuais ou por dias com rotinas muito diferenciados entre si, como no caso de plantonistas ou de pessoas que trabalham viajando. As maiores limitações deste método encontram-se na necessidade de um profissional bem treinado para extrair as informações do indivíduo, além de auxiliar na recordação dos fatos e na dependência da capacidade cognitiva do paciente, como também do tempo de entrevista que pode ser bem prolongado (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Inquéritos alimentares para adultos e idosos na avaliação do consumo alimentar14 AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION (ADA). Nutrition assessment. In: ADA Nutrition Care Manual On-line. Chicago: American Dietetic Association, 2010. ASSUMPÇÃO, D. et al. Qualidade da dieta e fatores associados entre idosos: estudo de base populacional em Campinas,São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 30, supl. 8, p. 1680-1694, 2014. Disponível em: <https://doi.org/101590/0102-311X00009113>. Acesso em: 08 nov. 2018. BRASIL. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução CFN nº 417/2008. Dispõe sobre procedimentos nutricionais para atuação dos nutricionistas e dá outras providências. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <http://www.cfn.org.br/novosite/pdf/res/2008/res417. pdf>. Acesso em: 08 nov. 2018. DODD, K. W. et al. Statistical methods for estimating usual intake of nutrients and foods: a review of the theory. Journal of the American Dietetic Association, v. 106, n. 10, p. 1640-1650, 2006. DWYER, J. Dietary Assessement: modern nutrition in health and disease. 10. ed. Phila- delphia: Lippincot Williams & Wikins, 1999. FISBERG, R. M.; MARCHIONI, D. M. L.; COLUCCI, A. C. A. Avaliação do consumo alimentar e da ingestão de nutrientes na prática clínica. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 53, n. 5, p. 617-624, 2009. FISBERG, R. M.; MARTINI, L. A.; SLATER, B. Métodos de inquéritos alimentares. 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