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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA DE ALIMENTOS CURSO DE ENGENHARIA DE ALIMENTOS ESTUDO DIRIGIDO IT213 - TECNOLOGIA DAS FERMENTAÇÕES INDUSTRIAIS Prof. Romulo Cardoso Valadão Alunos e Matrícula: Ana Luiza Silva - 201621503-6 Vítor Patrício - 201721027-5 Seropédica/RJ 2020.5 1. INTRODUÇÃO De acordo com o item 2.1 do Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados (RTIQ) da IN nº 46/2007, “entende-se por Leites Fermentados os produtos adicionados ou não de outras substâncias alimentícias, obtidas por coagulação e diminuição do pH do leite, ou reconstituído, adicionado ou não de outros produtos lácteos, por fermentação láctica mediante ação de cultivos de microrganismos específicos”. E conforme o item 2.1.1, “entende-se por Iogurte, Yogur ou Yoghurt daqui em diante o produto incluído na definição 2.1. cuja fermentação se realiza com cultivos protosimbióticos de Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, aos quais se podem acompanhar, de forma complementar, outras bactérias ácido-lácticas que, por sua atividade, contribuem para a determinação das características do produto final”. E ainda, o produto deve conter no mínimo 107 UFC de bactérias lácticas/g de forma viável. De acordo com a composição química originam-se os iogurtes com creme (matéria gorda mínima de 6%); integral (matéria gorda mínima de 3%); parcialmente desnatado (matéria gorda máxima de 2,9%) e desnatado (matéria gorda máxima de 0,5%); e de acordo com os ingredientes saborizantes aqueles de sabor natural, adicionados de frutas ou aromatizados (BRASIL, 2000). De acordo com a tecnologia de fabricação e características físicas do gel, são destacados três tipos de iogurte (SPREER & MIXA 1998): iogurte tradicional (set yogurt), iogurte batido (stirred yogurt) e iogurte líquido (fluid yogurt). No iogurte batido (stirred yogurt), o leite é colocado em um tanque fermentador ou incubadora, depois de completar a fermentação, o iogurte é batido, ocorrendo a quebra do coágulo e posteriormente embalado. O produto é re-solidificado a uma textura semi-sólida através da utilização de agentes espessantes. Esse produto apresenta um gel menos firme que o iogurte tradicional. No presente estudo, será abordado as características gerais e propriedades do processo na elaboração de iogurte batido, conforme as características citadas anteriormente. 2. FLUXOGRAMA E ETAPAS DO PROCESSO A seguir é apresentado o fluxograma de processo na produção do iogurte batido (Figura 1) e suas respectivas etapas, conforme elaborado por uma adaptação de Silva et al. (2012). Figura 1 - Fluxograma da produção de iogurte batido. Fonte: adaptado de Silva et al. (2012). 2.1. Etapas 2.1.1. Recepção do leite O leite utilizado para fabricação de iogurte deve apresentar boa qualidade ser higienicamente produzido e manipulado, de composição físico-química normal, isento de antibióticos e preservativos e não deve ser utilizado congelado, a fim de evitar defeitos na textura do produto (UFSM, 2007). O leite para fabricação de iogurte deve preencher algumas condições como: • Acidez inferior a 20º Dornic; • Aroma e sabor normais; • Alto teor de sólidos solúveis; • Ausência de substâncias inibidoras de enzimas; • Ausência de microrganismos patogênicos; • Teor de gordura padronizado. 2.1.2. Padronização do leite A padronização do leite é muito importante, pois nessa fase alguns fatores irão afetar diretamente a qualidade do iogurte. Parâmetros sensoriais e tecnológicos como o aroma, sabor, consistência, viscosidade, aparência, livre de soro de leite e vida longa de prateleira. Para que seja atingida a mesma qualidade entre um lote e outro de iogurte, a padronização do leite se torna necessária. Uma centrífuga ou padronizadora pode ser utilizada para a clarificação do leite, onde ocorre a separação das partículas sólidas através da força centrífuga para desnatar o leite, retirando sua gordura e também para padronizar o leite, separando o teor de gordura desejado e deixando somente o necessário para cada processo. No iogurte batido, o teor comumente utilizado é de 3% a 4% de gordura, sendo entre 55 a 65 °C a temperatura do leite indicada para os processos usados na centrífuga. 2.1.3. Formulação Nessa etapa, são adicionados ao leite os aditivos e ingredientes necessários para a elaboração do iogurte. Antes da adição, é realizada uma pré-mistura, para facilitar a homogeneização de todos os aditivos adicionados ao leite. O leite possui um teor de sólidos totais que varia de 10 a 14%. No caso do iogurte, a recomendação é que esses teores possam estar na faixa de 14 a 15%. Esse acréscimo nos teores de sólidos tem como objetivo aumentar (melhorar) a consistência e a viscosidade do produto final. Segundo a legislação, podem ser adicionados os seguintes insumos: leite em pó – 2 a 4% (integral, desnatado ou semidesnatado), gelatina, açúcar, glicose, leite condensado, espessantes como carragena, ágar-ágar, alginatos, goma xantana etc. No caso de utilizar açúcar, este deve ser adicionado ao leite antes do aquecimento, normalmente de 8 a 12%. Pode haver ou não a etapa de adição de aditivos, como os estabilizantes e os açúcares. Os estabilizantes podem ser usados nos iogurtes frutados e devem ser adicionados em iogurtes pasteurizados, já que eles incrementam a viscosidade e ajudam na prevenção da separação do soro do iogurte. Já os açúcares, servem para complementar o açúcar das frutas em iogurtes frutados, quando estas estão em baixa qualidade e também para dar sabor ao iogurte. Os adoçantes são utilizados em produtos para diabéticos. Segue como ocorre a formulação do leite, conforme a Figura 2: Figura 2 - Formulação do leite para o processamento. 2.1.4. Homogeneização (50-55 ºC/5 min) Depois, ocorre a etapa de homogeneização que previne a formação de aglomerados sólidos durante a incubação e assegura que a gordura do leite seja distribuída uniformemente. A homogeneização vai levar à redução do tamanho dos glóbulos de gordura tornando a consistência mais lisa, melhorando a estabilidade e consistência de produtos de leites fermentados. Normalmente as temperaturas de homogeneização são aplicadas entre 50-55 °C durante 5 minutos, dessa forma toda a gordura se encontra no estado líquido. Verifica-se que esta, já é uma etapa de pré-aquecimento que auxilia na etapa de pasteurização posteriormente. Embora a homogeneização aconteça na primeira fase, a segunda fase tem duas funções básicas: melhora a eficiência do processo e previne a aglutinação dos glóbulos de gordura que possa ocorrer após a primeira fase (CHANDAN & O‟RELL, 2006). Dentre várias vantagens do processo de homogeneização para os produtos lácteos fermentados podemos citar: melhora a consistência e sabor, diminui a perda de soro, impede a formação de sobrenadantes de gordura (nata) e proporciona aumento da digestibilidade da parte lipídica do produto no organismo. 2.1.5. Pasteurização (90-95 ºC/5 min) Após a homogeneização da mistura é realizado o tratamento térmico, que tem como objetivo destruir os microrganismos patogênicos e desnaturar as proteínas do soro – albumina e globulina (70-95% de desnaturação), as quais precipitam junto com a caseína tornando a massa menos arenosa, melhorando as propriedades do leite como substrato para as bactérias da cultura láctea inoculada. Outra vantagem é assegurar que o coágulo do produto fermentado seja firme e impedir ou reduzir a formação de sinérese (separação da massa do produto do soro do leite) no produto final. O tratamento térmico estimula o início do crescimento da cultura láctica por redução do conteúdo de oxigênio do leite, além disso, influisobre o aumento da viscosidade do iogurte e na obtenção de uma boa textura. No aquecimento devem ser rigorosamente observados a temperatura e o tempo em que o leite deve permanecer. Outro objetivo do emprego da pasteurização é a desativação de enzimas endógenas, principalmente as lipases, inibindo, dessa forma, a oxidação das gorduras e, consequentemente, evitando uma característica sensorial bastante indesejável ao produto final que é a rancificação. As condições recomendadas são: 95 ºC/1,5 min; 90 ºC/ 3,5 min; 85 ºC/8 min ou 80 ºC/30 min, sendo que este parâmetro pode variar de acordo com cada indústria. O aquecimento mais indicado é por meio de banho-maria ou tanques de parede dupla (encamisados) (UFSM, 2007). O tratamento térmico pode ser conduzido utilizando métodos em batelada ou contínuos. O binômio 85 ºC por 30 minutos é usado no processo em batelada, onde o leite é tratado termicamente, resfriado e fermentado no mesmo tanque. Este sistema produz um iogurte de boa qualidade, mas envolve um ciclo de produção lento, é de baixa produtividade e caro em termos de espaço requerido para a construção e custo energético (VARNAM & SUTHERLAND, 1994). Portanto, na maioria das indústrias produtoras de iogurte o tratamento térmico é feito a 90-95 ºC por 5 minutos utilizando-se trocadores de calor a placas. Este equipamento consiste de um pacote de placas finas construídas em aço inoxidável com corrugação, para promover melhor troca térmica entre os fluidos, montadas como um conjunto em um único pedestal. O meio aquecedor pode ser água quente ou vapor sob vácuo (CHANDAN & O‟RELL, 2006). 2.1.6. Resfriamento (42ºC/5-10min) A mistura é resfriada até a temperatura de 42 ºC em torno de 5 a 10 minutos, sendo este binômio tempo-temperatura, ideal para a inoculação do fermento, para a melhor atuação dos microrganismos. 2.1.7. Fermentação - inoculação do fermento (42 ºC/4-6 h) Após o tratamento térmico, a mistura é transferida para os tanques de fermentação. Nesse local, a mistura deverá ser conservada a uma temperatura média de 40 a 42 ºC, porque é essa a temperatura ideal para a inoculação (adição) do fermento lácteo comercial. Uma prática necessária a ser realizada antes da adição do fermento no tanque é que esse produto contido no envelope deverá ser primeiro diluído e homogeneizado em uma pequena quantidade da mistura, para que, desse modo, haja uma distribuição uniforme e, em seguida, acrescentada ao volume da massa contida no interior do tanque de fermentação. Na sequência do processo, a mistura contida na fermenteira ou iogurteira será submetida em agitação constante por um período de 2 a 4 minutos para melhor distribuir o fermento à massa como um todo. A concentração de inoculação do fermento lácteo varia de 1 a 3% e deve seguir orientação do fabricante, tendo um tempo necessário para ocorrer à fermentação em torno de 4 a 6 horas. Vale salientar que o fermento láctico só deve ser adicionado exclusivamente em leite pasteurizado, conforme visto na Figura 3. Figura 3 - Tanques de fermentação e adição da inoculação do fermento lácteo. No início do processo de fermentação, o pH do leite encontra-se próximo à neutralidade, pH 6,7 a 6,8. Essa condição favorece o crescimento (em maior quantidade), das bactérias Streptococcus thermophilus, tornando-se essas as primeiras bactérias a desenvolver- se e preparar, assim, as condições propícias (produção de ácido fórmico e pirúvico – começo da acidificação, abaixamento do pH para 6,0) ao desenvolvimento do Lactobacillus bulgaricus, que é o principal produtor de compostos responsáveis pelo sabor e o aroma característico do iogurte (acetaldeído, diacetil etc.). Com o prosseguir da fermentação láctica, os Lactobacillus hidrolisam certas proteínas que fornecerão ao Streptococcus os peptídeos e os aminoácidos essenciais (glicina e valina, por exemplo) à continuação do seu desenvolvimento. Nesse momento, é considerado como ocorrência de simbiose entre os microrganismos. No entanto, com a contínua produção do ácido lático proporcionando ainda mais o abaixamento do pH, essa condição passa a inibir o crescimento do Streptococcus thermophilus, que só resiste até 90º Dornic de acidez. E, pela condição do Lactobacillus bulgaricus ser mais resistente à acidez, em até 140º Dornic no término do processo, ou seja, pelo fato dessa bactéria (Lactobacillus bulgaricus) não morrer com essa faixa de acidez presente na mistura, há um número maior (quantitativamente existente) dele em relação ao Streptococcus thermophilus. Com o decorrer do processo de fermentação, ambas as bactérias são inibidas quando o meio atinge um pH de 4,3. Com o aumento da acidez o pH fica próximo de 4,6, que é o ponto isoelétrico da proteína do leite, e ocorre a coagulação. No final da fermentação, a proporção entre os dois microrganismos é de 1:1, como pode ser observado na Figura 4, em que F: fator de multiplicação em função de t: tempo de fermentação (UFSC, 2008). Figura 4 - Fator de multiplicação x tempo de fermentação. Fonte: UFSC. 2.1.8. Resfriamento (10 ºC/1h) Posteriormente ao período de incubação com duração média de 4 a 6 horas, o produto é submetido ao resfriamento na própria fermenteira, passando de 40 a 42 ºC para 10 ºC. Esse processo não deverá ocorrer de forma brusca (rápida), o que deve acontecer em um espaço de tempo de aproximadamente 1 hora. Tal procedimento tem por objetivo evitar a retração da coalhada para não ocorrer seu dessoramento (defeito no produto acabado). Essa etapa é considerada um dos pontos mais críticos e difíceis de ser controlado na produção do iogurte. Tem como função reduzir a atividade metabólica dos microrganismos controlando a acidez do produto, ou seja, evitar a contínua formação de ácido lático e, consequentemente, aumento da acidez do produto acabado. A falta dos cuidados necessários nessa etapa poderá resultar em alterações indesejáveis ao produto elaborado como aroma e acidez muito elevadas. A seguir é detalhado o processo mencionado. A primeira etapa consiste em abaixar a temperatura a 18-20 ºC em no máximo 30 minutos. No caso do iogurte batido, pode-se fazer, nessa temperatura, a adição de ingredientes tais como: frutas, corantes, cereais, mel, etc., que devem ser homogeneizados na massa. Na segunda etapa, a redução da temperatura da massa deve atingir a temperatura de 10 ºC. O aparecimento do sabor característico do iogurte ocorre durante as 12 horas posteriores ao resfriamento, proporcionando as características finais de um bom iogurte. Ao término dessa fase, o produto deverá apresentar um pH de 4,5-4,6 ou uma acidez de 70-72 ºD, e apresentar uma massa com consistência firme, lisa, compacta (sem separação do soro), aroma e sabor característicos. O próximo passo será a quebra da coalhada com agitação, visando obter uma massa de textura homogênea. A agitação deve ocorrer preferivelmente a temperaturas menores que 40 ºC para se obter um coágulo consistente durante o armazenamento. A agitação feita a altas temperaturas resulta no aparecimento de partículas do coágulo e separação do soro devido à destruição irreversível da estrutura gel (UFSM, 2007). Os sistemas mais modernos, utilizados em indústrias com produção em larga escala, são os resfriadores de placas e os tubulares, que são mais rápidos e eficientes, no entanto, convencionalmente, os métodos de resfriamento são: circulação de água refrigerada ou circulação de ar refrigerado (processo é mais demorado do que o processo que utiliza água fria). 2.1.9. Quebra do gel Logo após o término do período de resfriamento da massa a uma temperatura média de 10 ºC por 1 hora (conforme visto anteriormente) e pH 4,65, tem início uma nova etapa no procedimento de fabricação do iogurte, que é a “quebra do gel”. Ação essa realizada pelas hélices localizadas no interior dafermenteira e, com movimentos lentos circulatórios acionados por controle automático do equipamento ou de forma manual, vão modificando a estrutura coloidal da massa. O que possibilita uma melhor reabsorção do soro pelas micelas de caseína evitando a sinérese. 2.1.10. Adição de aromas Em seguida a etapa de quebra do gel, o produto é transferido para tanques de inox de menor capacidade para realizar adição de aromas, sabores e ou pedaços de frutas. Vale salientar que nos pequenos laticínios a adição desses ingredientes é realizada também diretamente na fermenteira após a quebra do gel. Conforme visto na Figura 5. Figura 5 - Adição de aromas e sabores. 2.1.11. Envase Após adição dos diferentes aromas e sabores, o produto desce, por gravidade, por meio de tubulações para o setor de envase que é realizado em equipamentos automáticos específicos para diferentes tipos de produtos e embalagens. Conforme visto na Figura 6. Figura 6 - Envase do produto final. 2.1.12. Armazenamento e comercialização Depois de envasados, os produtos seguem para câmara fria, onde deverão ser armazenados a uma temperatura de resfriamento em torno de 4 a 5 ºC, permanecendo nesse local até o momento de serem transportados em caminhões isotérmicos com destino ao mercado consumidor. Por ser um alimento rico em nutrientes, inclusive sacaroses, e por conter os microrganismos fermentativos, o iogurte, mesmo armazenado sob temperatura de refrigeração entre 4 a 5 ºC, continua de forma lenta no processo de acidificação (abaixamento do pH). Por essa razão, esse produto deverá ser consumido em um período de no máximo 10 dias, com objetivo de evitar o consumo de um alimento com sabor muito acidificado. Conforme visto na Figura 7. Figura 7 - Câmara de resfriamento e transporte dos iogurtes. 3. TIPOS DE BIORREATORES, CARACTERÍSTICAS E CONDUÇÃO DO PROCESSO Dentre outros equipamentos utilizados na fabricação do iogurte tem-se como principal a fermenteira, também conhecida por iogurteira. Essa é dotada de paredes duplas, conforme demonstrado na imagem a seguir, e funciona por circulação de água ou vapor quente ou fria, programada em função das etapas de fabricação do produto, que necessita das variações térmicas considerando o binômio tempo X temperatura. As fermenteiras disponíveis no mercado vão das mais simples (com pequena capacidade de até 100 litros de leite), dotadas de agitador manual, até as mais sofisticadas (com capacidade de até 5.000 litros de leite), que são operadas por painel eletrônico com total controle do tempo e temperatura da água circulante, bem como programação para funcionamento automático da pá de mexedura. Segue um exemplo mais simples de fermenteira na Figura 8. Figura 8 - Funcionamento interno de uma fermenteira com entradas e saídas de fontes de calor e frio. Como explicado na etapa de processo de fermentação, ocorre a produção de ácido láctico como produto principal e a produção de pequenas quantidades de outros subprodutos que influenciam profundamente nas características organolépticas do iogurte. O acetaldeído é produzido em maiores quantidades seguido por acetona, 2-butanona, diacetil e acetoína. O ácido láctico resultante da fermentação contribui para a desestabilização da micela de caseína, provocando sua coagulação no ponto isoelétrico (pH 4,6-4,7) e conduzindo à formação de um gel, o iogurte. Além disso, a fermentação láctica beneficia o valor nutricional do produto final. No entanto, independentemente do tipo de iogurte a ser fabricado, as reações bioquímicas responsáveis pela formação do gel/coágulo são exatamente as mesmas. As únicas diferenças existentes entre o iogurte firme e o batido são as propriedades reológicas do coágulo. Para um bom desenvolvimento do processo de fermentação do leite, as culturas devem ser resistentes à degradação, apresentar um poder acidificante médio, capacidade de desenvolvimento em simbiose e de produzirem substâncias responsáveis pela viscosidade, sabor e aroma do iogurte (UFSC, 2008). De acordo com Alvarenga (1995), a nível operacional, o uso de um tanque de volume adequado, provido de camisa para circulação de vapor ou água em diversas temperaturas, facilita o processo, pois neste recipiente pode-se pasteurizar o leite e outros ingredientes (com uso de vapor ou água quente na camisa), resfriá-lo (circulação de água fria na camisa) até a temperatura de fermentação, conduzir a fermentação, se esta for ocorrer no tanque (mantendo- se o tanque fechado) e, finalmente, resfriar o produto ao fim do processo, com circulação de água fria (aproximadamente 20 °C), conforme a Figura 9 a seguir. Figura 9 - Tanque encamisado de aço inox Para maior funcionalidade, este equipamento pode contar com um agitador ligado a um pequeno motor, de modo a oferecer duas opções de trabalho: uma faixa de 30-50 rotações por minuto (rpm) e outra na faixa de 15-20 rpm. A primeira velocidade é destinada a promover a mistura do leite aos ingredientes complementares (açúcar, mel, polpa de frutas, cereais e outros), devendo estar acionada durante todo o processo de pasteurização e, a segunda, mais baixa, é empregada apenas durante a adição de polpa de frutas e outros ingredientes ao fim do resfriamento A tubulação de saída de produto dos tanques deve possuir diâmetro não inferior a 5 cm, o que facilita a retirada do produto viscoso para a embalagem final. 4. CINÉTICA FERMENTATIVA DO PROCESSO Para entender a cinética fermentativa do produto e a relação simbiótica entre as bactérias (detalhada no fluxograma na etapa de fermentação), Yamaguchi et al. (2016) observou em seu estudo com iogurtes, como ocorre a produção de ácido láctico e o crescimento bacteriano durante a fermentação. É verificado o estudo cinético, a partir dos resultados obtidos referente à acidez titulável e à contagem de bactérias lácticas foi possível determinar as velocidades específicas de produção de ácido láctico (µp) (Equação 1) e de crescimento celular (µx) (Equação 2), conforme Borzani et al. (2001). Equação 1 (µp). Equação 2 (µx). Onde: X: concentração microbiana; dP dt : velocidade instantânea de produção de ácido láctico; dX dt : velocidade instantânea de crescimento celular. A contagem de bactérias lácticas obtida ao final da fermentação foi de 7.107 UFC/L e sua curva de crescimento pode ser visto na Figura 10. Este resultado é satisfatório visto que a mínima quantidade de colônias para que o produto seja considerado probiótico é de 107 UFC/L (COOK et al., 2012). Observa-se na Figura 10, que houve crescimento na primeira meia hora de processo e após o desenvolvimento das bactérias se manteve estável até a contagem final. Figura 10 - Curva de crescimento de bactérias lácticas. Fonte: Yamaguchi et al. (2016). De acordo com Martin (2002), o desenvolvimento dos microrganismos possui relação com o pH, e que o microrganismo probiótico Streptococcus sp. resiste a um pH de no máximo 4,3 enquanto que o Lactobacillus sp. tolera valores entre 3,5–3,8. Sendo assim, levando em consideração o pH final encontrado de 4,9, poderia ter ocorrido maior crescimento dos microrganismos probióticos até atingir seus respectivos pH’s de inibição caso o processo tivesse sido prolongado. De acordo com a Figura 11, observa-se que a maior concentração de ácido láctico obtida se deu em 3,5 h de fermentação, atingindo 9,88 g/L. Os resultados mostram a necessidade de pelo menos 3 h de fermentação para que o produto obtivesse características de iogurte. Figura 11 - Acidez titulável durante a fermentação. Fonte: Yamaguchi et al. (2016). Verificou-se uma queda do pH de 5,9 para 4,9 após 4 h de fermentação, conforme Figura 12. De acordo com este valor, nota-se a necessidade de prolongar o tempo de fermentação a fim de atingir pH definido na legislaçãoque é de 3,6–4,5. Porém como a acidez atingiu valor de 9,27 g/L (Figura 11) ao final do processo, teor este acima da faixa prevista pela legislação que é de 8 a 9 g/L (BRASIL, 2005), optou-se por cessar o processo neste tempo, evitando-se assim a descaracterização do produto. Figura 12 - Variação do pH durante a fermentação. Fonte: Yamaguchi et al. (2016). Em relação às velocidades específicas de produção de ácido lático (Figura 13) e crescimento de bactérias lácticas (Figura 14), ambas tiveram maior velocidade específica na primeira meia hora de fermentação de 0,0634 g de ácido láctico/UFC.h e 0,301.h-1 para produção de ácido láctico e crescimento celular, respectivamente. Houve um decréscimo nas velocidades específicas até 2,5 h de processo fermentativo, voltando a aumentar posteriormente, atingindo no final do processo 0,0285 g de ácido láctico/UFC.h para a produção de ácido láctico e 0,1674.h-1 para o crescimento das bactérias ácido lácticas. Figura 13 - Velocidades específicas de produção de ácido láctico. Fonte: Yamaguchi et al. (2016). Figura 14 - Velocidades específicas de crescimento de bactérias lácticas. Fonte: Yamaguchi et al. (2016). 5. PRINCIPAIS CONTAMINANTES E GARGALOS OPERACIONAIS Embora seja um produto de relativa facilidade de elaboração, algumas possíveis falhas operacionais nas etapas de fabricação do iogurte podem levar a defeitos no produto que não mais poderão ser corrigidos e, por consequência, não aceito pelo mercado consumidor. A seguir, no Quadro 1, estão relacionados alguns defeitos apresentados pelo produto acabado. Quadro 1 - Tipos de defeitos apresentados pelo produto processado e as possíveis causas correlacionadas Defeitos Possíveis causas Sabor amargo • Demasiado tempo de conservação. • Excesso de fermento adicionado à massa. • Contaminação por bactérias proteolíticas. Gosto a bolor • Contaminação por bolores. • Utilização de frutas de má qualidade para os iogurtes de frutas – erro na seleção e higienização da matéria prima. Sabor de malte • Contaminação por leveduras. Sabor metálico • Excesso de sorbato de potássio (conservante). Ausência de sabor e aroma • Desequilíbrio da flora, excesso de Streptococcus. • Período de incubação curta e temperatura insuficiente (menor). • Baixo teor de matérias. Baixa acidez • Utilização de pequena quantidade do inoculante; • Período de incubação excessivamente curta; Excesso de acidez • Taxa de fermentação muito alta. • Incubação muito prolongada, ou a temperatura alta. • Tempo e temperatura da etapa de resfriamento errado (muito lento). • Temperatura de conservação muito elevada. Rancidez • Contaminação através das bactérias lipolíticas. Sabor oxidado • Má proteção contra a luz (embalagens de vidros, por exemplo). • Presença de metais (ferro, cobre). Sabor de cozido a queimado • Tratamento térmico muito severo. Sabor de gordura • Teor de matéria gorda muito elevada. Sinérese - decantação • Má fermentação (defeito do fermento). • Temperatura de incubação muito elevada. • Iniciar o resfriamento antes do final do período de incubação. • Tempo de conservação muito prolongada. • Temperatura de pasteurização muito baixa. • Má incorporação das frutas ou das polpas de frutas. • Agitação dos iogurtes. • Baixo teor de matéria seca. Produção de gás • Contaminação por leveduras ou coliformes. Colônias na superfície • Contaminação por leveduras ou bolores. Camadas de natas • Má ou ausência do processo de padronização e ou homogeneização. Produto não homogeneizado • Separação das partes do produto. Falta de firmeza • Pequena quantidade de fermento. • Utilização de leite mamitoso. • Má incubação. • Agitação antes da coagulação se completar. • Pequeno teor de sólidos totais. Muito líquido • Má incubação. • Pouco teor de sólidos totais. • Fermentos de má qualidade. • Frutas ou aromas não suficientemente concentrados. Textura arenosa • Demasiado aquecimento do leite. • Homogeneização a uma temperatura muito elevada. • Acidificação irregular e muito fraca. • Textura granulosa. • Teor em matéria gorda muito elevada. • Má escolha dos fermentos. Fonte: Munck e Rodrigues (2004). 6. APROVEITAMENTO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS INERENTES À PRODUÇÃO O iogurte pode ser considerado o produto fermentado mais importante no mercado brasileiro, depois do queijo. De acordo com o Dairy Index da Tetra Pak, o aumento do consumo global de produtos lácteos deverá ser de 36% até 2024, o que implica em maior processamento de leite, correspondendo a cerca de 710 milhões de toneladas de leite líquido processados (TETRA PAK, 2014). O consumo médio de água no setor de laticínios está entre 1,0 e 6,0 litros de água/kg de leite recebido. Na produção de leite e iogurtes, esse consumo pode variar entre 0,6 a 4,1 litros de água/litro de leite processado, incluindo água de resfriamento, o que gera cerca de 3L de efluente/kg de leite processado. Parte desta água consumida é utilizada no processamento (resfriamento, geração de vapor etc.), e a maior parte é utilizada na limpeza de superfícies que entram em contato com o iogurte, como tanques de fermentação, máquinas de envasamento, etc. Estes efluentes apresentam alto teor de orgânicos, nitrogênio e fósforo (principalmente em função do uso de produtos para limpeza e desinfecção), grandes variações no pH (residuais de soluções ácidas e alcalinas das operações de limpeza), e variações na temperatura provocadas por etapas específicas do processamento (MAGANHA, 2008). A maior preocupação é decorrente da alta concentração de matéria orgânica, com elevada DBO e DQO, que são parâmetros para a quantificação do potencial poluidor dos efluentes industriais. Por isso, esses efluentes líquidos apenas podem ser descartados no meio ambiente após sofrerem tratamento adequado para se encaixarem dentro dos padrões estabelecidos pela legislação ambiental vigente. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ● ALVARENGA, M.B. Manual de produção de iogurte. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil; Rio de Janeiro: EMBRAPA-CTAA, 1995. 23.p. ● BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Reforma Agrária, Resolução nº 5 de 13 de novembro de 2000. Oficializa os “Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ) de Leites Fermentados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2000. ● BRASIL, Ministério da Agricultura. Regulamento técnico de identidade e qualidade de bebidas lácteas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Seção I, p. 07.a. Brasília, 24 ago. 2005. ● BRASIL, Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alimentos. Alimentos com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde, novos alimentos/ingredientes, substâncias bioativas e probióticos. Atualizado em agosto de 2007. IX – Lista das alegações de propriedades funcionais aprovadas. Disponível em: < http://anvisa.gov.br/alimentos/comissões/ tecno_lista_alega.htm>. Acesso em 18/02/08. 2007. ● BORZANI, W; AQUARONE, E.; SCHMIDELL, W.; LIMA, U. A. Biotecnologia industrial. Engenharia Bioquímica. v.2, ed. Edgard Blücher. São Paulo, 2001. ● COOK, M.T. Tzortzis, G.; Charalampopoulos, D.; Khutoryanskiy V. V. Microencapsulation of probiotics for gastrointestinal delivery. Journal of Controlled Release, v.162, p.56-67, 2012. ● CHANDAN, R.C.; O‟RELL, K.R. Principles of yogurt processing. In: Manufacturing yogurt and fermented milks. Blackwell Publishing, p.195-209, 2006. ● MAGANHA, M. F. B. Guia Técnico Ambiental da Indústria de Produtos Lácteos. Cetesb, 2008. Disponível em <https://cetesb.sp.gov.br/consumosustentavel/wp- content/uploads/sites/20/2013/11/laticinio.pdf>.Acesso em: 02 de dez de 2020. ● MARTIN, A. F. Armazenamento do iogurte comercial e o efeito na proporção das bactérias lácticas.(Dissertação de Mestrado). 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