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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 4 2 EPIDEMIOLOGIA DO CÂNCER .......................................................... 5 3 FISIOPATOLOGIA DO CÂNCER ........................................................ 6 3.1 Como o organismo se defende? ................................................. 12 3.2 Estadiamento .............................................................................. 14 4 CLASSIFICAÇÃO DO CÂNCER ........................................................ 17 4.1 Uma classificação para o câncer no século xxi ........................... 17 5 NOÇÕES SOBRE TERAPÊUTICA ONCOLÓGICA .......................... 21 6 PRINCIPAIS TIPOS DE TUMORES .................................................. 25 6.1 Tumores mais frequentes ............................................................ 26 7 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO CÂNCER ....................................... 30 7.1 O câncer como problema médico ............................................... 31 8 ABORDAGEM PSICOSSOCIAL AO PACIENTE EM TRATAMENTO33 9 A EXPERIÊNCIA ONCOLÓGICA AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO .......................................................................... 38 9.1 O câncer na infância ................................................................... 38 9.2 A Criança com Câncer: ............................................................... 39 9.3 A Família da Criança Portadora de Câncer:................................ 40 10 O CÂNCER NA ADOLESCÊNCIA ................................................. 42 11 O CÂNCER NA VELHICE .............................................................. 44 12 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA SOBREVIVÊNCIA NO CÂNCER........ ....................................................................................................... 47 3 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................... 49 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 EPIDEMIOLOGIA DO CÂNCER Fonte: google.com.br A prevenção e controle do câncer representa um dos grandes desafios que a saúde pública enfrenta. A epidemiologia do câncer consiste na descrição da distribuição dos tipos mais incidentes de câncer, por meio do tempo, e tem sido uma das principais estratégias para o estabelecimento de diretrizes em políticas públicas e, principalmente, para o planejamento de ações de prevenção e controle do câncer. (SCHAVINSKI, 2019) A incidência do câncer é importante por possibilitar a definição dos fatores de risco e das prioridades em relação à prevenção, planejamento e gerenciamento dos serviços de saúde. A mortalidade por câncer, embora seja importante, não permite o entendimento da real magnitude do problema, pois existem centenas de tipos diferentes de tumores malignos, que apresentam letalidade maior ou menor. (SCHAVINSKI, 2019) Apesar dos desafios enfrentados nos cenários nacional e mundial, o reconhecimento de que o Brasil se situa entre os que mais têm avançado na 6 consolidação de um sistema integrado de vigilância de informações sobre câncer, tendo inclusive, nesse campo, contribuído com as experiências exitosas sobre as estimativas na região das Américas e no contexto mundial. (SCHAVINSKI, 2019) O registro estatístico do câncer é um desafio, principalmente para países em desenvolvimento como o Brasil. A estratégia tem sido manter e fortalecer centros de informação (Registros de Câncer de Base Populacional e Hospitalares – RCBP/RHC) que permitam monitorar a situação do câncer como parâmetro para todo o país. (SCHAVINSKI, 2019) 3 FISIOPATOLOGIA DO CÂNCER A palavra câncer vem do grego karkínos, que quer dizer caranguejo (Figura 1), e foi utilizada pela primeira vez por Hipócrates, o pai da medicina (Figura 2), que viveu entre 460 e 377 a.C. (MINISTÉRIO DA SAÚDE) O câncer não é uma doença nova. O fato de ter sido detectado em múmias egípcias comprova que ele já comprometia o homem há mais de 3 mil anos antes de Cristo. (MINISTÉRIO DA SAÚDE) Atualmente, câncer é o nome geral dado a um conjunto de mais de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células (Figura 3), que tendem a invadir tecidos e órgãos vizinhos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE) 7 O câncer surge a partir de uma mutação genética, ou seja, de uma alteração no DNA da célula, que passa a receber instruções erradas para as suas atividades. As alterações podem ocorrer em genes especiais, denominados proto-oncogenes, que a princípio são inativos em células normais. Quando ativados, os proto- oncogenes tornam-se oncogene, responsáveis por transformar as células normais em células cancerosas. (INCA,2019) Fonte: Inca.gov.br As células que constituem os animais são formadas por três partes: a membrana celular, que é a parte mais externa; o citoplasma (o corpo da célula); e o núcleo, que contém os cromossomos, que, por sua vez, são compostos de genes. Os genes são arquivos que guardam e fornecem instruções para a organização das estruturas, formas e atividades das células no organismo. Toda a informação genética encontra-se inscrita nos genes, numa "memória química" - o ácido desoxirribonucleico (DNA). É através do DNA que os cromossomos passam as informações para o funcionamento da célula. (INCA,2019) O processo de formação do câncer é chamado de carcinogênese ou oncogênese e, em geral, acontece lentamente, podendo levar vários anos para que 8 uma célula cancerosa se dê prolifere origem a um tumor visível. Os efeitos cumulativos de diferentes agentes cancerígenos ou carcinógenos são os responsáveis pelo início, promoção, progressão e inibição do tumor. (INCA,2019) A carcinogênese é determinada pela exposição a esses agentes, em uma dada frequência e em dado período de tempo, e pela interação entre eles. Devem ser consideradas, no entanto, as características individuais, que facilitam ou dificultam a instalação do dano celular. Esse processo é composto por três estágios (INCA,2019): Estágio de iniciação: os genes sofrem ação dos agentes cancerígenos, que provocam modificações em alguns de seus genes. Nessa fase, as células se encontram geneticamente alteradas, porém ainda não é possível se detectar um tumor clinicamente. Elas encontram-se "preparadas", ou seja, "iniciadas" para a ação de um segundo grupo de agentes que atuará no próximo estágio. (INCA,2019) Fonte: Inca.gov.br 9 Estágio de promoção: as células geneticamente alteradas, ou seja, "iniciadas", sofrem o efeito dos agentes cancerígenos classificados como oncopromotores. A célula iniciada é transformada em célula maligna,de forma lenta e gradual. Para que ocorra essa transformação, é necessário um longo e continuado contato com o agente cancerígeno promotor. A suspensão do contato com agentes promotores muitas vezes interrompe o processo nesse estágio. Alguns componentes da alimentação e a exposição excessiva e prolongada a hormônios são exemplos de fatores que promovem a transformação de células iniciadas em malignas. (INCA,2019) Fonte: Inca.gov.br Estágio de progressão: se caracteriza pela multiplicação descontrolada e irreversível das células alteradas. Nesse estágio, o câncer já está instalado, evoluindo até o surgimento das primeiras manifestações clínicas da doença. Os fatores que promovem a iniciação ou progressão da carcinogênese são chamados agentes oncoaceleradores ou carcinógenos. O fumo é um agente 10 carcinógeno completo, pois possui componentes que atuam nos três estágios da carcinogênese. (INCA,2019) Fonte: Inca.gov.br O câncer é causado por alterações da estrutura genética (DNA) das células, as chamadas mutações. Cada célula sadia possui instruções de como devem proceder, ou seja, como crescer e se dividir, o período de funcionamento e de sua morte. Na presença de qualquer erro nestas instruções pode surgir uma célula alterada que venha a se tornar cancerosa. (INCA,2019) Multiplicam-se de maneira desordenada e descontrolada, ou seja, elas se dividem mais rapidamente do que as células normais do tecido à sua volta, e o crescimento celular torna-se contínuo. O excesso de células vai invadindo progressivamente todo o organismo, adoecendo todo o corpo. Geralmente, têm capacidade 11 para formar novos vasos sanguíneos que as nutrirão e manterão as atividades de crescimento descontrolado. (INCA,2020) O acúmulo dessas células desordenadas dá origem aos tumores malignos. (INCA,2020) As células possuem a capacidade de se desprenderem do tumor e de se deslocar. Invadem inicialmente os tecidos vizinhos, podendo chegar ao interior de um vaso sanguíneo ou linfático e, através desses disseminar-se, chegando a órgãos distantes do local onde o tumor se iniciou, formando o que chamamos de as metástases. Dependendo do tipo da célula do tumor, alguns dão metástases mais rápido e mais precocemente, outros o fazem bem lentamente ou até não o fazem. (INCA,2020) As células cancerosas são, geralmente, menos especializadas nas suas funções do que as suas correspondentes normais. Conforme as células cancerosas vão substituindo as normais, os tecidos invadidos vão perdendo suas funções. Por exemplo, a invasão dos pulmões gera alterações respiratórias, a invasão do cérebro pode gerar, alterações neurológicas, etc. (INCA,2020) 12 Fonte: Inca.gov.br Sendo assim, as células cancerosas apresentam quatro características que as distinguem das células normais: proliferação descontrolada, diferenciação e perda de função, poder de invasão e capacidade de sofrer metástases. (INCA,2020) 3.1 Como o organismo se defende? No organismo, existem mecanismos de defesa naturais que o protegem das agressões impostas por diferentes agentes que entram em contato com suas diferentes estruturas. Ao longo da vida, são produzidas células alteradas, mas esses mecanismos de defesa possibilitam a interrupção desse processo, resultando em sua eliminação. A integridade do sistema imunológico, a capacidade de reparo do DNA danificado por agentes cancerígenos e a ação de enzimas responsáveis pela transformação e eliminação de substâncias cancerígenas introduzidas no corpo são exemplos de mecanismos de defesa. (INCA,2020) 13 Esses mecanismos, próprios do organismo, são na maioria das vezes geneticamente pré-determinados, e variam de um indivíduo para outro. Esse fato explica a existência de vários casos de câncer numa mesma família, bem como o porquê de nem todo fumante desenvolver câncer de pulmão. (INCA,2020) O sistema imunológico desempenha um importante papel nesse mecanismo de defesa. Ele é constituído por um sistema de células distribuídas numa rede complexa de órgãos, como o fígado, o baço, os gânglios linfáticos, o timo e a medula óssea, e também circulando na corrente sanguínea. Esses órgãos são denominados órgãos linfoides e estão relacionados com o crescimento, o desenvolvimento e a distribuição das células especializadas na defesa do corpo contra os ataques de "invasores estranhos". Dentre essas células, os linfócitos desempenham um papel muito importante nas atividades do sistema imune, relacionadas às defesas no processo de carcinogênese. (INCA,2020) Cabe aos linfócitos a atividade de atacar as células do corpo infectadas por vírus oncogênicos (capazes de causar câncer) ou as células em transformação maligna, bem como de secretar substâncias chamadas de linfocinas. As linfocinas regulam o crescimento e o amadurecimento de outras células e do próprio sistema imune. Acredita-se que distúrbios em sua produção ou em suas estruturas sejam causas de doenças, principalmente do câncer. (INCA,2020) A compreensão dos exatos mecanismos de ação do sistema imunológico contribuirá para a elucidação de diversos pontos importantes para o entendimento da carcinogênese e, portanto, para novas estratégias de tratamento e de prevenção do câncer. (INCA,2020) 14 3.2 Estadiamento A necessidade de se classificar os casos de câncer em estádios baseia-se na constatação de que as taxas de sobrevida são diferentes quando a doença está restrita ao órgão de origem ou quando ela se estende a outros órgãos. (INCA,2019) Estadiar um caso de câncer significa avaliar seu grau de disseminação. Para tal, há regras internacionalmente estabelecidas, as quais estão em constante aperfeiçoamento. (INCA,2019) O estádio de um tumor reflete não apenas a taxa de crescimento e a extensão da doença, mas também o tipo de tumor e sua relação com o hospedeiro. (INCA,2019) A classificação das neoplasias malignas em grupos obedece a diferentes variáveis: localização, tamanho ou volume do tumor, invasão direta e linfática, metástases a distância, diagnóstico histopatológico, produção de substâncias, manifestações sistêmicas, duração dos sinais e sintomas, sexo e idade do paciente, etc. (INCA,2019) Diversos sistemas de estadiamento poderiam ser concebidos, tendo por base uma ou mais das variáveis mencionadas. (INCA,2019) O sistema de estadiamento mais utilizado é o preconizado pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC), denominado Sistema TNM de Classificação dos Tumores Malignos. Esse sistema baseia-se na extensão anatômica da doença, levando em conta as características do tumor primário (T), as características dos linfonodos das cadeias de drenagem linfática do órgão em que o tumor se localiza (N), e a presença ou ausência de metástases a distância (M). Estes parâmetros recebem graduações, geralmente de T0 a T4, de N0 a N3 e de M0 a M1, respectivamente. (INCA,2019) Além das graduações numéricas, as categorias T e N podem ser subclassificadas em graduações alfabéticas (a, b, c). Tanto as graduações numéricas como as alfabéticas expressam o nível de evolução do tumor e dos linfonodos comprometidos. O símbolo "X" é utilizado quando uma categoria não pode ser devidamente avaliada. (INCA,2019) 15 Quando as categorias T, N e M são agrupadas em combinações pré- estabelecidas, ficam distribuídas em estádios que, geralmente, variam de I a IV. Estes estádios podem ser subclassificados em A e B, para expressar o nível de evolução da doença. (INCA,2019) Entretanto, existem sistemas de classificação que utilizam algarismos romanos sem que estes resultem da combinação de valores de T, N e M, como ocorre no estadiamento da doença de Hodgkin e dos linfomas malignos. Estes também são subclassificados em Ae B, significando, respectivamente, ausência ou presença de manifestações sistêmicas. (INCA,2019) Grupos que se dedicam ao estudo de tumores específicos costumam desenvolver sistemas próprios de estadiamento, mesmo que o tumor já possua regras de classificação pela UICC. Isto não significa que os sistemas sejam incompatíveis, mas que se complementam. É o caso, por exemplo, dos sistemas de estadiamento que expressam a classificação do tumor através de letras maiúsculas (A, B, C, D), tal como ocorre nos tumores de próstata, bexiga e intestino. Outro exemplo se verifica com o estadiamento dos tumores ovarianos (UICC e Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia - Figo), atualmente compatibilizados. (INCA,2019) O estadiamento pode ser clínico e patológico. O estadiamento clínico é estabelecido a partir dos dados do exame físico e dos exames complementares pertinentes ao caso. O estadiamento patológico baseia-se nos achados cirúrgicos e no exame anatomopatológico da peça operatória. É estabelecido após tratamento cirúrgico e determina a extensão da doença com maior precisão. O estadiamento patológico pode ou não coincidir com o estadiamento clínico e não é aplicável a todos os tumores. (INCA,2019) Independentemente do tipo de sistema utilizado para a classificação anatômica do tumor, este deve ser classificado quanto ao grau de diferenciação histológica, que varia de Gx a G4. Por vezes, a própria denominação patológica do tumor inclui a sua diferenciação - é o caso do adenocarcinoma gástrico classificado como "difuso de Lauren" (mal diferenciado) ou do "tipo intestinal de Lauren" (bem diferenciado). (INCA,2019) 16 Tendo em vista que um órgão pode apresentar vários tipos histológicos de tumor, é de se esperar que os sistemas de estadiamento variem com a classificação histopatológica do mesmo. Por exemplo, os sistemas de estadiamento do câncer gástrico da UICC e da SJCG só são aplicáveis ao adenocarcinoma de estômago. (INCA,2019) O estadiamento implica que tumores com a mesma classificação histopatológica e extensão apresentam evolução clínica, resposta terapêutica e prognóstico semelhantes. (INCA,2019) A determinação da extensão da doença e a identificação dos órgãos por ela envolvidos auxiliam nas seguintes etapas: (INCA,2019) Obtenção de informações sobre o comportamento biológico do tumor; Escolha da terapêutica; Previsão das complicações; Obtenção de informações sobre o prognóstico do caso; Avaliação dos resultados do tratamento; Investigação em oncologia: pesquisa clínica, publicação de resultados e troca de informações. Os parâmetros de estadiamento devem incluir os fatores relacionados ao tumor e ao hospedeiro, quais sejam: (INCA,2019) Órgão e tecido de origem do tumor; Classificação histopatológica do tumor; Extensão do tumor primário: tamanho ou volume; invasão de tecidos adjacentes; comprometimento de nervos, vasos ou sistema linfático; Locais das metástases detectadas; Dosagem de marcadores tumorais; Estado funcional do paciente. 17 O conhecimento do diagnóstico histopatológico do tumor não é pré-requisito para seu estadiamento. Em consulta de primeira vez, suspeitado o diagnóstico de neoplasia maligna, o médico deve, a partir do conhecimento da história natural do tumor, identificar queixas e buscar sinais que se associam ao mesmo, procurando assim avaliar a extensão da doença. (INCA,2019) Às vezes, o estadiamento só pode ser estabelecido por meio de procedimentos cirúrgico-terapêuticos, como no caso de tumor de ovário, no qual é indicada cirurgia para ressecção do tumor e inventário da cavidade abdominal. (INCA,2019) Enfim, o estadiamento de uma neoplasia maligna requer, por parte do médico, conhecimentos básicos sobre o comportamento biológico do tumor que se estadia e sobre o sistema de estadiamento adotado. (INCA,2019) Um estadiamento bem conduzido leva a condutas terapêuticas corretamente aplicadas. (INCA,2019) 4 CLASSIFICAÇÃO DO CÂNCER 4.1 Uma classificação para o câncer no século XXI Apesar de todos os avanços da medicina, o câncer continua a ser uma doença fortemente estigmatizada. Diante desse diagnóstico, é razoável que o paciente queira se submeter a um ou mais tratamentos que “cortem o mal pela raiz”. Mas, por incrível que pareça, muitos tumores malignos são pouco agressivos e não precisam de tratamento. São os tumores de comportamento indolente, que se desenvolvem lentamente e não se espalham para outros tecidos e órgãos. Apesar desse conhecimento, ainda é muito difícil aceitar a opção de conviver com o tumor quando o laudo de exames aponta a presença de um carcinoma. Por conta dessa diferença no comportamento dos tumores malignos, apesar de todos serem classificados como câncer, um grupo de estudiosos propõe uma mudança na 18 nomenclatura, em busca de uma classificação mais contemporânea para determinados tipos da doença. (INCA, 2012) Em março de 2012, o Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos (NCI) reuniu especialistas para discutir a questão do sobrediagnóstico: quando são detectados tumores que, sem tratamento, não se tornariam clinicamente aparentes ou causariam mortes. Esses tumores são descobertos, em sua maioria, a partir de estratégias de rastreamento (realização de exames de diagnóstico em uma determinada população assintomática). O sobrediagnóstico normalmente leva ao tratamento desses tumores, o que é conhecido como sobretratamento. “Essa situação não é exclusiva da oncologia. As tecnologias de rastreamento acabam detectando alterações com as quais os pacientes viveriam normalmente sem nunca descobri-las e morreriam por outras causas”, comenta Carlos José de Andrade, chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital do Câncer I do INCA. (INCA, 2012) No final de agosto deste ano, profissionais da Universidade da Califórnia, da Universidade do Texas e do Cancer Research Center, em Washington, publicaram no Journal of American Medical Association artigo sobre seu ponto de vista acerca dessa questão. O texto sintetiza as recomendações do grupo de trabalho formado a partir da reunião promovida pelo NCI, com o intuito de desenvolver uma estratégia para aprimorar a abordagem para rastreamento e prevenção do câncer. Entre as recomendações está uma mudança na terminologia do câncer, que passaria a ser aplicada somente para descrever “lesões com razoável probabilidade de progressão letal se deixadas sem tratamento”. “Essa discussão é muito importante e precisa ser levantada. Hoje está tudo em um mesmo pacote. Doenças com comportamentos completamente distintos são classificadas como câncer”, considera Antonio Carlos Lima Pompeo, diretor-responsável por uroncologia da Sociedade Brasileira de Urologia e professor da Faculdade de Medicina do ABC. (INCA, 2012) Os especialistas acreditam que há pelo menos duas possibilidades de mudança. A primeira se refere a condições pré-malignas, como o hoje chamado carcinoma ductal in situ (tipo de câncer de mama) e a neoplasia intraepitelial da 19 próstata, que não deveriam ser classificados como câncer nem ter as palavras “carcinoma” e “neoplasia” em seus nomes. Os pesquisadores acreditam que, assim, os pacientes ficariam menos assustados e buscariam menos tratamentos desnecessários e potencialmente prejudiciais, que podem incluir a remoção de mamas. “Esses tumores já não são reconhecidos como câncer, mas como pré- câncer. Eles são localizados no órgão afetado, não possuem a característica de invadir outros tecidos e não causam metástases. A mudança na nomenclatura traria mais tranquilidade também para os médicos na hora de observar uma condição como esta”, afirma Ruffo de Freitas Júnior, diretor da Escola Brasileira de Mastologia da Sociedade Brasileira de Mastologia. (INCA, 2012) A segunda mudança sugerida se referea tumores indolentes e de baixo risco. Para isso, os pesquisadores acreditam que testes de diagnóstico molecular precisarão ser adotados e validados para identificação desses tipos de câncer. Eles passariam a ser chamados de lesões indolentes de origem epitelial – IDLE, na sigla em inglês. O grupo de especialistas aponta como passíveis de reclassificação tumores encontrados por meio de testes de rastreamento para detecção precoce de câncer de mama, próstata, tireoide e pulmão. Este último passou a contar com estratégias de rastreio por meio de tomografias de baixa dosagem para fumantes de alto risco nos Estados Unidos. “Apesar de realmente haver a possibilidade de alguns tumores no pulmão terem característica indolente, hoje em dia não há nenhuma ferramenta confiável que consiga definir o comportamento biológico de um câncer no pulmão. Isso torna impossível qualquer mudança na nomenclatura desses tumores neste momento”, contrapõe Gustavo Prado, consultor da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. (INCA, 2012) O grupo não propõe uma mudança imediata na terminologia, mas sim a abertura do debate sobre a necessidade de se buscar uma classificação mais contemporânea que responda às tecnologias de diagnóstico e rastreamento disponíveis atualmente. “No caso do câncer de mama, apesar de não haver consenso dentro da Sociedade Brasileira de Mastologia, acredito que já haja a possibilidade de mudança de nomenclatura, em especial do carcinoma ductal in situ. A nomenclatura dá ao oncologista clínico e ao cirurgião a sensação de que já 20 é câncer, remetendo assim a tratamentos mais agressivos. A retirada do termo ‘carcinoma’ também geraria menos estresse para os pacientes”, considera Ruffo de Freitas Júnior. (INCA, 2012) O advento de tecnologias de rastreamento ultrassensíveis nos últimos anos ampliou a probabilidade de se detectarem tumores com comportamento indolente que provavelmente nunca causariam nenhum problema significativo. “Algumas estratégias de rastreamento, como do câncer do colo do útero e de intestino, mostraram-se efetivas em reduzir o número de diagnósticos tardios. Outras, como de mama e de próstata, ampliaram a identificação de tumores em estágios muito iniciais, mas sem ter impacto na redução de diagnósticos tardios. Esses tumores muito iniciais acabam levando a tratamentos muitas vezes desnecessários. Por isso, é importante se discutir a efetividade dessas estratégias e testar todas as tecnologias disponíveis”, afirma Carlos José de Andrade. (INCA, 2012) Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), acredita que essa proposta ainda precisa ser muito discutida e que há riscos com a mudança. “Podemos perder muitos pacientes no acompanhamento, já que há o risco de eles ignorarem a doença, uma vez que ‘não se trata de um câncer’. Mesmo para um carcinoma ductal in situ há possibilidade de evolução, e é preciso que o médico faça um acompanhamento muito próximo do paciente para detectar qualquer possibilidade de alteração para um comportamento mais agressivo”, comenta o presidente da SBOC. Anderson acredita que a conscientização para derrubar o estigma atrelado ao câncer possa ser um caminho menos radical para enfrentar o problema do sobretratamento. Em sua opinião, com menos medo da doença, os pacientes estariam mais dispostos a se submeter a esquemas terapêuticos menos agressivos. (INCA, 2012) “Independentemente de mudança na nomenclatura, é preciso que as pessoas estejam conscientes sobre a existência de diferentes tipos de câncer numa mesma localização e de diferentes comportamentos da doença. Os pacientes devem estar muito bem informados sobre a sua condição”, destaca Carlos José de Andrade. (INCA, 2012) 21 5 NOÇÕES SOBRE TERAPÊUTICA ONCOLÓGICA Google.com.br Após o diagnóstico da doença, o médico discutirá com o paciente as opções de tratamento, que dependerão do tipo e estágio do tumor, localização, estado de saúde geral do paciente e dos possíveis efeitos colaterais. (ONCOGUIA, 2020) Os principais tipos de tratamentos contra o câncer são: Cirurgia: A cirurgia oncológica é o mais antigo tipo de terapia contra o câncer. É o principal tratamento utilizado para vários tipos de câncer e pode ser curativo quando a doença é diagnosticada em estágio inicial. A cirurgia também pode ser realizada com objetivo de diagnóstico, como na biopsia cirúrgica, alívio de sintomas como a dor e em alguns casos de remoção de metástases quando o paciente apresenta condições favoráveis para a realização do procedimento. (ONCOGUIA, 2020) http://www.oncoguia.org.br/conteudo/cirurgia/136/50/ 22 Quimioterapia: O tratamento quimioterápico utiliza medicamentos anticancerígenos para destruir as células tumorais. Por ser um tratamento sistêmico, atinge não somente as células cancerosas como também as células sadias do organismo. De forma geral, a quimioterapia é administrada por via venosa, embora alguns quimioterápicos possam ser administrados por via oral e pode ser feita aplicando um ou mais quimioterápicos. A quimio de acordo com seu objetivo, pode ser curativa (quando usada com o objetivo de obter o controle completo do tumor), adjuvante (quando realizada após a cirurgia, com objetivo de eliminar as células cancerígenas remanescentes, diminuindo a incidência de recidiva e metástases à distância), neoadjuvante (quando realizada para reduzir o tamanho do tumor, visando que o tratamento cirúrgico possa ter maior sucesso) e paliativa (sem finalidade curativa, é utilizada para melhorar a qualidade da sobrevida do paciente). (ONCOGUIA, 2020) Radioterapia: É o uso das radiações ionizantes para destruir ou inibir o crescimento das células anormais que formam um tumor. Existem vários tipos de radiação, porém as mais utilizadas são as eletromagnéticas (Raios X ou Raios gama) e os elétrons (disponíveis em aceleradores lineares de alta energia). Embora as células normais também possam ser danificadas pela radioterapia, geralmente elas podem se reparar, o que não acontece com as células cancerígenas. A radioterapia é sempre cuidadosamente planejada de modo a preservar o tecido saudável, tanto quanto possível. No entanto, sempre haverá tecido saudável que será afetado pelo tratamento, provocando possíveis efeitos colaterais. Existem vários tipos de radioterapia e cada um deles têm uma indicação específica dependendo do tipo de tumor e estadiamento da doença: radioterapia externa, radioterapia conformacional 3D, radioterapia de intensidade modulada (IMRT), radiocirurgia http://www.oncoguia.org.br/conteudo/quimioterapia/3701/50/ http://www.oncoguia.org.br/radioterapia 23 estereotáxica (Gamma Knife) e braquiterapia. A radioterapia pode ser utilizada como o tratamento principal do câncer, como tratamento adjuvante (após o tratamento cirúrgico), como tratamento neoadjuvante (antes do tratamento cirúrgico), como tratamento paliativo, para alivio de sintomas da doença como dor ou sangramento e para o tratamento de metástases. (ONCOGUIA, 2020) Hormonioterapia: É uma modalidade terapêutica que tem como objetivo impedir a ação dos hormônios em células sensíveis. Algumas células tumorais possuem receptores específicos para hormônios, como os de estrógeno, progesterona e andrógeno e em alguns tipos de câncer, como o de mama e de próstata, esses hormônios são responsáveis pelo crescimento e proliferação das células malignas. Portanto a hormonioterapia é uma forma de tratamento sistêmico que leva à diminuição do nível de hormônios ou bloqueia a ação desses hormônios nas células tumorais, com o objetivo de tratar os tumores malignos dependentes do estímulo hormonal. A hormonioterapia pode ser usada de forma isolada ou em combinação com outras formas terapêuticas. (ONCOGUIA, 2020) Terapia Alvo: É umtipo de tratamento sistêmico que utiliza medicamentos alvo moleculares que atacam especificamente ou ao menos preferencialmente determinados elementos encontrados na superfície ou no interior das células cancerosas. Cada tipo de terapia alvo funciona de uma maneira diferente, mas todos alteram a forma como uma célula cancerígena cresce, se divide, se auto repara, ou como interage com outras células. Os medicamentos alvo moleculares podem ser utilizados de forma isolada ou em combinação com outras formas terapêuticas. (ONCOGUIA, 2020) 24 Imunoterapia: É um tratamento biológico cujo objetivo é potencializar o sistema imunológico, utilizando anticorpos produzidos pelo próprio paciente ou em laboratório. O sistema imunológico é responsável por combater infecções, além de outras doenças. Atuando no bloqueio de determinados fatores, a imunoterapia provoca o aumento da resposta imune, estimulando a ação das células de defesa do organismo, fazendo que essas células reconheçam o tumor como um agente agressor. (ONCOGUIA, 2020) Medicina Personalizada: É um conceito que visa tratar a saúde do paciente de maneira exclusiva, analisando cada caso individualmente, levando em conta informações individualizadas em relação à história e dados clínicos, genéticos (genes), genômicos (DNA) e ambientais do paciente. A medicina personalizada considera cada paciente único e pode ser utilizada para entender a genética de uma pessoa e compreender a biologia do tumor. Com base nessas informações, os médicos esperam identificar estratégias de prevenção, rastreamento e tratamento que possam ser mais eficazes e com menos efeitos colaterais do que seria esperado em tratamentos convencionais. (ONCOGUIA, 2020) Transplante de Medula Óssea: A medula óssea é encontrada no interior dos ossos e contêm as células-tronco, responsáveis pela formação dos componentes do sangue: hemácias (glóbulos vermelhos), leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas. O transplante de medula óssea (TMO) é a coleta da medula óssea para o tratamento de alguns tipos de câncer, por exemplo, leucemias, linfomas e mieloma múltiplo. Após quimioterapia em altas doses, associada ou não à radioterapia, o paciente (receptor) recebe a medula óssea por meio de uma transfusão, provenientes do próprio paciente ou de um doador. O transplante de medula óssea pode ser: http://www.oncoguia.org.br/imunooncologia/ http://www.oncoguia.org.br/conteudo/o-que-e/6864/840/ 25 alogênico (quando a medula ou as células precursoras provêm de outro indivíduo (doador), o doador e o receptor são pessoas diferentes) ou autólogo (quando a medula ou as células precursoras provêm do próprio indivíduo transplantado, o doador e o receptor são a mesma pessoa). (ONCOGUIA, 2020) É importante que todas as opções de tratamento sejam sempre discutidas com o médico, bem como sua eficácia e seus possíveis efeitos colaterais, para ajudar a tomar a decisão que melhor se adapte às necessidades de cada paciente. (ONCOGUIA, 2020) 6 PRINCIPAIS TIPOS DE TUMORES O câncer é o principal problema de saúde pública no mundo e já está entre as quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos de idade) na maioria dos países. A incidência e a mortalidade por câncer vêm aumentando no mundo, em parte pelo envelhecimento, pelo crescimento populacional, como também pela mudança na distribuição e na prevalência dos fatores de risco de câncer, especialmente aos associados ao desenvolvimento socioeconômico. Verifica-se uma transição dos principais tipos de câncer observados nos países em desenvolvimento, com um declínio dos tipos de câncer associados a infecções e o aumento daqueles associados à melhoria das condições socioeconômicas com a incorporação de hábitos e atitudes associados à urbanização (sedentarismo, alimentação inadequada, entre outros) (BRAY et al., 2018). A mais recente estimativa mundial, ano 2018, aponta que ocorreram no mundo 18 milhões de casos novos de câncer (17 milhões sem contar os casos de câncer de pele não melanoma) e 9,6 milhões de óbitos (9,5 milhões excluindo os cânceres de pele não melanoma). O câncer de pulmão é o mais incidente no mundo (2,1 milhões) seguido pelo câncer de mama (2,1 milhões), cólon e reto (1,8 milhão) e próstata (1,3 milhão). A incidência em homens (9,5 milhões) representa 53% dos casos novos, sendo um pouco maior nas mulheres, com 8,6 milhões (47%) de casos 26 novos. Os tipos de câncer mais frequentes nos homens foram o câncer de pulmão (14,5%), próstata (13,5%), cólon e reto (10,9%), estômago (7,2%) e fígado (6,3%). Nas mulheres, as maiores incidências foram câncer de mama (24,2%), cólon e reto (9,5%), pulmão (8,4%) e colo do útero (6,6%) (BRAY et al., 2018). 6.1 Tumores mais frequentes No mundo, o câncer de pulmão configura-se entre os principais em incidência, ocupando a primeira posição entre os homens e terceira posição entre as mulheres. O total de casos novos estimados para essa doença, em 2018, no mundo, representou 1,37 milhão de casos novos em homens e 725 mil casos novos em mulheres, correspondendo a um risco estimado de 35,5/100 mil homens e 19,2/100 mil mulheres. As maiores taxas de incidência de câncer de pulmão foram observadas na Micronésia, Polinésia, e em países do Leste Europeu em homens e na América do Norte e nos países do Oeste Europeu nas mulheres (BRAY et al., 2018; FERLAY et al., 2018). Observa-se, no mundo, um declínio na tendência das taxas de incidência para esse câncer nos homens, ao contrário do que vem sendo observado com relação às taxas de incidência nas mulheres. Essa diferença é reflexo dos padrões de adesão e cessação do tabagismo (LORTET-TIEULENT et al., 2015; INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). Outros fatores de risco são exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos (asbesto, sílica, urânio, cromo e radônio) e altas doses de suplementos de betacaroteno em fumantes e ex-fumantes (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2019a; INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). 27 No mundo, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres. Em 2018, ocorreram 2,1 milhões de casos novos, o equivalente a 11,6% de todos os cânceres estimados. Esse valor corresponde a um risco estimado de 55,2/100 mil. As maiores taxas de incidência esperadas foram na Austrália e Nova Zelândia, nos países do Norte da Europa e na Europa Ocidental (BRAY et al. 2018; FERLAY et al., 2018). Independentemente da condição socioeconômica do país, a incidência desse câncer se configura entre as primeiras posições das neoplasias malignas femininas. Observou- -se um declínio na tendência das taxas de incidência em alguns países desenvolvidos, parte atribuída à diminuição do tratamento da reposição hormonal em mulheres pósmenopausa (BRAY et al. 2018; FERLAY et al., 2018). Não existe somente um fator de risco para câncer de mama, no entanto a idade acima dos 50 anos é considerada o mais importante (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). Outros fatores que contribuem para o aumento do risco de desenvolver a doença são fatores genéticos (mutações dos genes BRCA1 e BRC2) e fatores hereditários (câncer de ovário na família) (BRAY et al. 2018; FERLAY et al., 2018), além da menopausa tardia (fatores da história reprodutiva e hormonal), obesidade, sedentarismo e exposições frequentes a radiações ionizantes (fatores ambientais e comportamentais) (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). O câncer de cólon e reto abrange os tumores que se iniciam na parte do intestino grosso (chamada cólon) e no reto (final do intestino, imediatamente antes do ânus) e ânus. Também é conhecido como câncer colorretal. É passível de tratamento e, na maioria dos casos, é curável, quandodetectado precocemente e ainda não atingiu outros órgãos. Grande parte desses tumores inicia-se a partir de 28 pólipos, que são lesões benignas que podem crescer na parede interna do intestino grosso (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). Os principais fatores relacionados ao maior risco de desenvolver câncer de cólon e reto são: idade igual ou acima de 50 anos, obesidade, inatividade física, tabagismo prolongado, alto consumo de carne vermelha ou processada, baixa ingestão de cálcio, consumo excessivo de álcool e alimentação pobre em frutas e fibras. Existem fatores de origem hereditária que aumentam o risco, os quais incluem histórico familiar de câncer colorretal e/ou pólipos adenomatosos, algumas condições genéticas como a polipose adenomatosa familiar e o câncer colorretal hereditário sem polipose, histórico de doença inflamatória intestinal crônica (colite ulcerativa ou doença de Crohn) e diabetes tipo 2; e ainda fatores como a exposição ocupacional à radiação ionizante (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2019a; INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). O câncer de estômago mais frequente é o do tipo adenocarcinoma, responsável por 95% dos casos. O adenocarcinoma de estômago atinge, na maioria dos casos, homens com idade entre 60 e 70 anos. Outros tipos de tumores, como linfomas e sarcomas, também podem ocorrer no estômago (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). A infecção pela bactéria Helicobacter Pylori é o principal fator de risco para o câncer de estômago (INFECTION WITH HELICOBACTER PYLORI..., 1994; INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019; PLUMMER et al., 2015). Outros fatores risco relacionados ao desenvolvimento de câncer de estômago são: excesso de peso e obesidade; consumo de alimentos preservados no sal; alimentação com baixa ingestão de frutas, vegetais e fibra 29 integral, o consumo excessivo de álcool e tabaco, algumas exposições ocupacionais, como, por exemplo, a exposição de trabalhadores rurais a agrotóxicos; e a exposição para a produção da borracha. Existem também os 38 fatores hereditários que contribuem para o desenvolvimento desse câncer como: o câncer hereditário difuso gástrico, o adenocarcinoma gástrico e a polipose proximal do estômago (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). De todos as neoplasias malignas diagnosticadas no mundo, o câncer de pele não melanoma é o tipo mais frequente em ambos os sexos (BRAY et al. 2018; FERLAY et al., 2018). São mais comuns em pessoas de pele clara acima dos 40 anos com exceção daquelas já portadores de doenças cutâneas. Porém, esse perfil de idade vem se modificando com a constante exposição dos jovens aos raios solares (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2019). Os principais tipos de câncer de pele não melanoma são: o carcinoma de células escamosas; o carcinoma basocelular – que são a maioria dos casos –; e o câncer de pele melanoma (que se forma nos melanócitos), que cresce e se espalha mais rapidamente, apesar de ser menos comum (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2019a; NATIONAL CANCER INSTITUTE, [20-- ]). 30 7 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO CÂNCER O câncer encerra em sua história um estranho paradoxo relacionado ao fato de que, à medida que a medicina foi alargando os conhecimentos e desenvolvendo tecnologias cada vez mais poderosas contra seus nefastos efeitos, o pavor das populações em relação a ele também se ampliou. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) Durante muito tempo quase nada se sabia sobre a doença, e era nula a capacidade dos médicos em evitar o sofrimento e as mortes que causava. No entanto, o câncer era pouco percebido na sociedade, fazendo parte de um grande rol de mazelas que impingiam sofrimento e morte. Às suas vítimas, só restavam a agonia e muitas vezes à execração social causada pelo temor de sua contagiosidade. A partir de meados do século XX essa situação começou a se transformar. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) A doença é conhecida desde longa data. Egípcios, persas e indianos, 30 séculos antes de Cristo, já se referiam a tumores malignos, mas foram os estudos da escola hipocrática grega, datados do século IV a. C., que a definiram melhor, caracterizando-a como um tumor duro que, muitas vezes, reaparecia depois de extirpado, ou que se alastrava para diversas partes do corpo levando à morte. Então denominado de carcicoma ou cirro, o câncer era visto pelos hipocráticos como um desequilíbrio dos fluidos que compunham o organismo. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) No início do período cristão, a medicina galênica reforçou a ideia do câncer como desequilíbrio de fluidos. Essa noção manteve-se presente na medicina ocidental até o século XVII, sendo que, a partir do século XV, a descoberta do sistema linfático fez com que a doença fosse relacionada ao desequilíbrio da linfa nos organismos. Pensar a doença como desequilíbrio de fluidos representava pensá-la como um problema orgânico mais geral, em que os tumores eram apenas as manifestações visíveis. Tal concepção desaconselhava intervenções cirúrgicas ou medicamentosas, postulando que as terapêuticas voltadas para a obtenção do equilíbrio corpóreo – como as sangrias – eram mais adequadas ao restabelecimento completo do doente. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) 31 Somente no século XVIII, o câncer passou a ser visto como uma doença de caráter local. Para essa mudança mostrou-se fundamental o desenvolvimento da anatomia patológica e dos conhecimentos sobre as células. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) 7.1 O câncer como problema médico As últimas décadas do século XIX marcam um período de grandes transformações na medicina brasileira. Num contexto de crise sanitária e modernização material vivido em nossas principais capitais, teve início um processo de mudanças surgido no campo do ensino médico e, posteriormente, radicalizado com o surgimento de novos paradigmas científicos que transformariam as antigas artes de curar em ciências da saúde. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) Data de 1880 o início do processo de reforma do ensino médico na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Empreendida na gestão do Visconde de Sabóia (1880-1889), as alterações curriculares visaram sintonizar a formação médica com o que vinha ocorrendo na Europa. Para tanto, o ensino de cunho prático passou a ser mais valorizado e foram criadas novas cadeiras – como a oftalmologia, clínica de crianças, medicina legal, obstetrícia e psiquiatria – e laboratórios direcionados à prática da medicina experimental. Como resultado, a formação generalista existente até então foi substituída por uma crescente especialização aos poucos direcionada à medicina de cunho experimental em franco desenvolvimento nos países europeus. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) No que concerne aos conhecimentos médicos, esse momento foi marcado pela chegada ao país dos primeiros ecos da medicina dos micróbios. Fruto da aproximação entre a medicina experimental, a química e a biologia, a microbiologia teve grande desenvolvimento a partir dos trabalhos do químico francês Louis Pasteur. Os estudos sobre os micróbios não demorariam a chegar ao Brasil, se transformando em objeto de estudos de alguns médicos na Faculdade de Medicina. De forma geral, a medicina e a saúde pública brasileiras muito se beneficiariam do desenvolvimento dos conhecimentos microbiológicos. A utilização 32 de vacinas e soros, contra as doenças transmissíveis, o isolamento de portadores de doenças contagiosas, as diversas formas de destruição de vetores de doenças transmissíveis – principalmente os mosquitos – e os diagnósticos bacteriológicos foram armas utilizadas pela saúde pública nas grandes campanhas sanitárias ocorridas no início do século XX, que lograram melhorar as condiçõesde saúde das principais capitais do Sudeste brasileiro. Mas as transformações na atuação médica não se limitaram à ação preventiva contra as epidemias. No campo da cirurgia, a assepsia e as novas técnicas de anestesia possibilitaram aos médicos intentar com sucesso ações mais demoradas e invasivas. Além disso, tanto os laboratórios de pesquisa como as enfermarias e consultórios cada vez mais se beneficiariam das novidades tecnológicas provenientes da utilização da energia elétrica na atividade medica. (TEIXEIRA, FONSECA; 2007) 33 8 ABORDAGEM PSICOSSOCIAL AO PACIENTE EM TRATAMENTO Intervenções psicossociais são definidas como intervenções não farmacológicas que incluem componentes psicológicos, sociais e educacionais. Possuem formatos e focos de atenção bastante heterogêneos e procuram combinar diversas técnicas para atingir seus objetivos. Podem ser administradas individualmente ou em grupo, variando de uma a múltiplas sessões (Souza, 2009). As intervenções psicológicas estão entre as terapias não médicas mais populares para o câncer. Dentre as intervenções que apresentam bons resultados encontram-se as de base cognitivo-comportamental (com a aplicação de técnicas como imaginação guiada/visualização, reestruturação cognitiva), as comportamentais (com técnicas de autocontrole, relaxamento, ensaio comportamental, treino em resolução de problemas e em habilidades de comunicação), o uso de material educativo, a psicoeducação e o trabalho em grupo suportivo-expressivo (Baum & Andersen, 2001; Moyer et al., 2012; Osborn et al., 2006; Sharpe & Curran, 2006). Segundo Moyer et al. (2012), as intervenções são em geral direcionadas para as seguintes dimensões: preocupações físicas; habilidades funcionais; bem- estar familiar; bem- -estar emocional; satisfação com o tratamento; sexualidade e intimidade; funcionamento social. Tal lista está em consonância com o modelo proposto por Lo et al. (2014) para atendimento em cuidados paliativos. Os autores construíram a intervenção denominada CALM (Managing Cancer And Living Signally), a qual se baseia em quatro domínios: 1. Controle de sintomas e a comunicação com os profissionais; 2. Autoconceito e relacionamento com pessoas próximas; 3. Bem-estar espiritual e crenças/valores que fornecem significado e propósito de vida; 4. Preparação para o futuro, sustentando a esperança e enfrentando a mortalidade. 34 Na aplicação da intervenção CALM, todos os domínios são explorados, mas a discussão dos domínios depende das preocupações mais incidentes demonstrada por cada pessoa atendida. Observa-se que parece haver na literatura uma certa preferência por intervenções multicomponentes, nas quais diferentes técnicas são agrupadas, de acordo com o objetivo a ser alcançado, constituindo-se um programa de intervenção psicoeducacional – individual ou em grupo. A avaliação de eficácia das intervenções deve considerar a demanda--alvo, sendo comum, conforme Moyer et al. (2009), verificar-se: estados de humor; autoimagem; dor; efeitos colaterais dos tratamentos; medo de recorrência; percepção de suporte social; funcionamento sexual; satisfação conjugal; distúrbios do sono; qualidade de vida. A seguir serão apresentados, em ordem cronológica, estudos sobre intervenções. Em 1999, Sheard & Maguire realizaram duas metanálises e analisaram intervenções para tratar ou prevenir ansiedade e depressão em oncologia. A maioria das pesquisas incluiu pacientes sem condição psicopatológica identificada, sendo consideradas preventivas. Métodos para triagem de necessidade de atendimento foram usados em três estudos sobre ansiedade e em quatro sobre depressão. Verificaram que as intervenções alcançavam melhores resultados quando atendidos pacientes com necessidade de suporte psicológico, como também que o impacto da assistência foi maior para o manejo da ansiedade do que da depressão. Como a necessidade de auxílio apareceu como variável moderadora dos resultados das intervenções, os autores indicaram o uso de métodos de triagem e, até mesmo, o uso de protocolos que definam qual o tipo de intervenção é mais indicado para cada tipo de paciente/demanda. Para tratamento da ansiedade, encontraram maior efeito em intervenções com as seguintes características: terapia em grupo, psicoeducação, técnicas de relaxamento, duração total entre quatro e sete horas (divididas em diferentes encontros) e participação de terapeuta experiente. Para depressão, apesar dos efeitos observados serem fracos, a participação de um terapeuta mais experiente mostrou contribuição significativa para melhorar o efeito das intervenções, assim 35 como constatou-se algum resultado com grupo psicoeducacional e duração maior que oito encontros. Newell et al. (2002) Em revisão sistemática, Newell et al. (2002) analisaram pesquisas sobre a efetividade de intervenções para melhorar aspectos psicológicos. Para lidar com aspectos emocionais e afetivos relacionados ao câncer, recomendaram procedimentos como aconselhamento não estruturado e musicoterapia. Para o manejo do distress, o aconselhamento estruturado mostrou-se efetivo e para a melhoria das estratégias de enfrentamento indicaram terapia de grupo. Ademais, recomendaram aconselhamento (estruturado ou não) para melhorar o relacionamento social dos pacientes oncológicos, o que, segundo os autores, não foi alcançado com nenhuma outra estratégia de intervenção. Newell et al. (2002) salientaram que o pouco rigor metodológico da maioria dos estudos e as falhas na descrição dos resultados dificultaram a realização de recomendações mais detalhadas sobre a efetividade das intervenções psicológicas em oncologia, em especial para tratamento dos transtornos de humor. Em metanálise sobre efeitos de intervenções psicossociais na qualidade de vida, Rehse & Pukrop (2003) identificaram que, no geral, as intervenções psicossociais tiveram impacto positivo sobre a qualidade de vida dos pacientes com câncer. Constaram que o tamanho do efeito aumentava quando: 1. Apenas homens são tratados, provavelmente porque utilizam menos sua rede de suporte social e podem se sentir incomodados por demonstrarem necessidade de ajuda diante do sexo feminino; 2. É utilizado um programa educacional estruturado, no lugar de empregar isoladamente estratégias para desenvolver suporte social, treino em enfrentamento e psicoterapia (não verificaram diferença significativa entre essas estratégias quando comparadas isoladamente); 3. Realizam-se intervenções com pelo menos 12 semanas de duração em vez de intervenções mais curtas; 4. Mede- se a qualidade de vida com base no autorrelato e não pela classificação de um observador; 5. A medida da qualidade de vida refere-se mais ao ajustamento funcional do que ao ajustamento emocional. Um dado interessante apresentado por Rehse & Pukrop (2003) foi que a duração da intervenção foi a variável moderadora mais importante, enquanto a 36 qualidade da relação entre o paciente e o psicólogo foi o melhor preditor de sucesso da intervenção. O investimento na vinculação e boa relação profissional-paciente demonstrou ser fator chave para o sucesso das terapêuticas utilizadas. Ao final, os autores sugeriram que abordagens multidisciplinares envolvendo educação em saúde e tratamento psicológico parecem mais efetivas; que os homens deveriam ser mais encorajados a participar; e que as intervenções deveriam durar pelo menos 12 semanas. Em 2006, na metanálise desenvolvida por Osborn et al. estudou-se o efeito de intervenções cognitivo-comportamentais e educativas e obteve-se resultados mais animadores do que nas metanálises anteriores, talvez pelo crescente refinamento metodológico dos estudos ao longo dos anos. Identificaram que intervenções com base em terapia cognitiva- -comportamental individualmostraram efeito grande e significativo para ansiedade e depressão e percepção de qualidade de vida. Comparando pesquisas com follow-up de curto prazo (< oito meses) com as de longo prazo (> oito meses), verificaram que nenhuma intervenção produziu efeito a curto ou longo prazo para depressão; entretanto intervenções cognitivo- comportamentais mantiveram seus efeitos a curto prazo para ansiedade, e tanto a curto quanto a longo prazo na qualidade de vida. Sobre as características e qualidade metodológica dos estudos, felizmente, Moyer et al. (2009a, b) pontuaram que entre 1980 e 2005 houve melhoria, mas salientaram que ainda existe a necessidade de aproximar a academia da prática para que as evidências produzidas sejam aplicadas efetivamente na assistência. Também sinalizaram que mais estudos são necessários para estabelecer se tipos específicos de intervenção devem ser direcionados a demandas particulares e características pessoais ou se podem ser generalizadas para a maioria dos pacientes. Sobre isso, em nova revisão, Moyer et al. (2012) concluíram que desenvolver e indicar intervenções para demandas específicas aumenta a chance de sucesso com o tratamento. Outro aspecto é a importância de serem instituídas estratégias para favorecer a adesão do paciente às intervenções psicossociais, pois não há cultura de busca por essa modalidade assistencial. 37 Em metanálise produzida por Schneider et al. (2010), confirmou-se que o sucesso da intervenção tem relação com o nível de distress, aumentando quando utilizadas estratégias de triagem. Por outro lado, sinalizaram que mais do que identificar o nível de sofrimento, a identificação de fatores de risco para distress poderia auxiliar na prevenção de sofrimento psíquico ao longo do tratamento. Nesse sentido, Souza & Seidl (2014) desenvolveram instrumento para identificar risco psicológico incluindo os seguintes preditores: percepção da doença, suporte social emocional e instrumental, enfrentamento e nível de distress no momento da avaliação. Iniciativas nesse sentido, voltadas à psicoprofilaxia através da avaliação e intervenção precoce, podem qualificar a assistência em psico-oncologia como um todo. Quando se trata de pacientes paliativos, os autores Nissim et al. (2011) e Lo et al. (2014) demonstraram que intervenções psicológicas individuais são mais indicadas. Ambos os estudos se referem ao modelo de psicoterapia CALM, o qual é semiestruturado, breve (3 a 8 sessões durante 6 meses) e aborda questões práticas, relacionais e existenciais. Embora seja individual, é encorajado que o cuidador principal participe de ao menos uma sessão. Os benefícios dessa intervenção para pacientes em final de vida incluem redução dos sintomas depressivos, manejo da ansiedade diante da morte iminente e aumento do bem- estar espiritual. Incluindo as terapias complementares, Irwin & Hirst (2017) descreveram que existem benefícios para o manejo de ansiedade em pacientes em cuidados paliativos com musicoterapia, hipnoterapia, acupuntura, meditação, massagem, aromaterapia e arteterapia. Vale salientar que o efeito das intervenções psicossociais no processo de ajustamento do paciente com câncer pode ir além da saúde mental, incluindo melhorias na condição física e até mesmo aumento do tempo livre da doença. Tais aspectos estão sendo bastante estudados por pesquisas na área da análise biocomportamental e psiconeuroendocrinoimunologia. Para alcançar tais resultados, os autores também orientam o encaminhamento precoce para intervenções que promovam adaptação psicológica e sugerem que as intervenções foquem em aspectos cognitivos (percepção e enfrentamento), comportamentais 38 (relaxamento, comportamentos em saúde) e interpessoais (assertividade, manejo da raiva e suporte social) (Antoni, 2013; Fu et al., 2016). 9 A EXPERIÊNCIA ONCOLÓGICA AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO 9.1 O câncer na infância Google.com.br O câncer é a principal doença causadora de morte em crianças com menos de 15 anos de idade (op.cit). O que diferencia a manifestação do câncer infantil do adulto é que o primeiro geralmente afeta o sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação, já o segundo afeta as células do epitéleo que recobre diferentes órgãos do corpo humano. (Instituto Nacional de Câncer [INCA], 2OO7) No caso do câncer infantil, ainda não são claros os fatores de risco que podem desencadear ou ativar a doença, ao contrária dos cânceres dos adultos, que além do fator hereditário, também é influenciado por fatores ambientais, hábitos alimentares, estilo de vida e aspectos emocionais. Sendo assim, como a prevenção 39 ainda não é possível, o diagnóstico precoce do câncer infantil torna-se ainda mais importante. (ABC, 2007) Os tipos mais comuns de neoplasias infantis são as leucemias, os tumores do sistema nervoso central e os linfomas. As leucemias caracterizam-se pelo acúmulo de células imaturas anormais na medula óssea, sobrepondo-se ao número de células normais, que prejudicam a produção das células sanguíneas, já que, é na medula óssea que são produzidas as células que compõem o sangue. São elas: os eritrócitos (glóbulos vermelhos), que abastecem os tecidos com oxigênio retirado dos pulmões; os leucócitos (glóbulos brancos), que produzem anticorpos que protegem o organismo de infecções; e as plaquetas, que auxiliam a coagulação sanguínea. A leucemia é classificada como linfoide ou mielóide dependendo do tipo de célula sanguínea que tem sua produção reduzida ou impedida. (ABC, 2007; INCA, 2007) 9.2 A Criança com Câncer: A infância é um período crucial na vida de qualquer sujeito. É na infância, a partir das vivências das relações familiares e sociais como um todo, que o indivíduo constrói sua relação com o próprio corpo, com o mundo externo, e a partir daí adquire uma estrutura de personalidade que vai ser a base para todas as suas experiências futuras. A doença é um evento inesperado e indesejável, e o câncer, dependendo do tipo e da precocidade do diagnóstico, pode causar sequelas físicas e psíquicas que serão marcantes para a criança. Além disso, ela tem sua rotina completamente alterada e todos os hábitos comuns próprios da infância tornam-se algo distante para ela devido às limitações que a doença e o tratamento impõem. A reação da criança em relação ao diagnóstico dependerá da reação de seus pais. A respeito disso, Dávila (2006) afirma que quando uma criança é diagnosticada com câncer, são os pais os primeiros a necessitarem de ajuda, pois visto que a criança desconhece a doença, são eles quem vão transmitir ao filho todos os sentimentos provocados pela descoberta do diagnóstico, e quando a 40 família está bem orientada, os efeitos da doença são menos prejudiciais, pois os pais saberão manejar a situação da melhor maneira possível para que ela não seja tão sofrida para a criança. Para o autor, a criança somente se depara realmente com a doença, no momento em que ela começa a sofrer os efeitos do tratamento, pois ela passa a ter sua vida limitada, não podendo realizar as atividades que costumava anteriormente. Ainda que a criança não tenha sido informada do diagnóstico ela também reagirá, não ao diagnóstico, mas a uma situação, um clima que se instalará no ambiente familiar, já que os pais sabem da existência da doença e seu comportamento falará de alguma forma que algo está errado. Romano (1999, p.32) diz que (...) a ignorância sobre a verdadeira condição é que alimenta a fantasia dos doentes, mobilizando sentimentos irracionais, e até desproporcionais de medo. O conhecer os dissipa (se não, atenua), reforçando sentimentos de cooperação, confiança e esperança. Sendo assim, não revelar o que está acontecendo à criança, não impede que está sofra e pode até ser pior, pois ao saber que algo não vai bem e ao mesmo tempo não saber o que se passa,faz com que a criança imagine e fantasie inúmeras situações, que podem até mesmo ser piores que a situação real. Após o impacto do diagnóstico, a criança deve lidar com a incerteza em relação ao futuro. A sensação de perda de controle também é outra questão com a qual a criança terá que lidar tendo em vista que ela passará a depender dos outros para muitas tarefas que antes realizava sozinha, perderá sua privacidade, terá que se submeter a normas e tratamentos impostos pela equipe cuidadora, terá suas atividades limitadas e a superproteção de seus pais (Pedreira & Palanca, 2007). 9.3 A Família da Criança Portadora de Câncer: O câncer infantil, quando confirmado, não é exclusivo da criança, mas também de seus pais, já que estes também terão suas vidas transformadas tanto 41 na rotina doméstica quanto nos aspectos financeiro, profissional, assim como na vida conjugal. (Cavicchioli, 2005). Segundo Gotflieb (citado por Tomaz, 1997), após confirmada a neoplasia de seus filhos, os pais experimentam choque e desesperança. Além disso, questionam-se do motivo pelo qual seus filhos são portadores de tal doença apesar de todo cuidado que ofereceram a eles desde o nascimento, o que leva a um auto- culpabilização em relação à doença de seus filhos, ou uma atribuição aos médicos da culpa pela demora do diagnóstico. Após o choque do diagnóstico, como responsáveis por seus filhos, os pais devem tomar importantes decisões em relação ao tratamento dos mesmos, que no geral são longos, invasivos, com efeitos colaterais bastante desagradáveis, limitam atividades cotidianas e em muitos casos provocam mutilações. Além disso, um câncer infantil sempre é permeado pelo risco de morte, e em alguns casos leva a óbito. Diante disso, diferentes reações são manifestadas. A questão é que diante da agressividade provocada pela doença, o bem-estar da criança passa a ser responsabilidade dos pais, já que apesar da equipe ser responsável pela realização dos procedimentos referentes ao tratamento, são os pais quem decidem se eles serão realizados ou não. (Cavicchioli, 2005). 42 10 O CÂNCER NA ADOLESCÊNCIA Google.com.br O câncer na adolescência tem impacto no desenvolvimento físico e emocional (SEITZ; BESIER; GOLDEBECK, 2009). Em trabalho de revisão, os aspectos psicossociais apontam: qualidade de vida, ajustamento psicológico, sistemas de suporte, alterações da imagem corporal, sexualidade, educação, esperança e complicações do tratamento (ABRAMS; HA- ZEN; PENSON, 2007). A produção de conhecimento sobre o impacto do câncer infanto-juvenil após a descoberta da doença é abordada pela literatura nacional, apontando suas repercussões individuais e familiares como recidivas e cuidados paliativos (CICOGNA; NASCIMENTO; LIMA, 2010; REMEDI et al., 2009), porém pouco enfoque tem sido destinado às vivências iniciais no processo de descoberta do diagnóstico. Considerando a repercussão e importância do câncer na adolescência, o Sistema Único de Saúde (SUS), compreendido como “uma nova formulação política e organizacional que visa à prevenção de doenças e a proteção e recuperação da 43 saúde” (SANTOS; QUIN- TANILHA; DALBELLO-ARAUJO, 2010, p. 181), tem que desenvolver alternativas para atender a essa demanda. O sujeito na adolescência, compreendida não como uma fase da vida, e sim como uma construção histórica (OZELLA, 2003), não é visto em nossa sociedade como seres passíveis de adoecer. Atualmente, o adolescente é visto como um ser em fase de crescimento físico, emocional e intelectual. Entretanto, com o surgimento da doença, esse desenvolvimento é interrompido e surge a possibilidade da morte, constituindo assim, nesse processo, o adoecer e adolescer. Concorda-se com a crítica de igualdade entre os adolescentes descrita por Bock, Gonçalvez e Furtado (2001). Os pacientes, ao experenciarem o câncer, vão construir, por meio de suas vivências hospitalares e pela proximidade com as demais enfermidades, novas concepções sobre o processo saúde-doença. Dessa forma, os sujeitos sócios-históricos inseridos em espaços sociais terão acesso diferenciado aos serviços de saúde. 44 11 O CÂNCER NA VELHICE Google.com.br A ocorrência das doenças reflete o modo de viver das pessoas; a forma pela qual o indivíduo se insere em seu espaço social e com ele se relaciona é o que desencadeia o processo patológico e, a partir daí, define diferentes riscos de adoecer e morrer. Os fatores de risco para o câncer, numa determinada população, estão associados às características biológicas e comportamentais dos indivíduos que a compõem, assim como às condições sociais, ambientais, políticas e econômicas em que estão inseridos (MENDONÇA; NORONHA; ALMEIDA, 2006). De acordo com Duarte, Nogueira-Costa e Viana (2006), a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de câncer devido à duração da carcinogênese, à vulnerabilidade dos tecidos do idoso aos carcinógenos ambientais e a outras transformações que favorecem o desenvolvimento e o crescimento de tumores. 45 Sendo assim, embora o câncer ocorra em toda idade, a maioria das neoplasias acomete desproporcionalmente os pacientes idosos. (VERAS.R, 2009) Por outro lado, em se tratando de idosos, observa-se que, em muitos casos, o diagnóstico do câncer é dificultado por ser uma doença cujos sintomas comumente são discretos (como, por exemplo, fadiga, inapetência e dor articular) e não ser tão diferente de outras doenças preexistentes ou crônicas. Pode estar, ainda, relacionado às alterações da idade, dificultando, desse modo, o diagnóstico médico. (VERAS.R, 2009) Os idosos buscam colocar o câncer dentro da normalidade, na tentativa de sentir-se “normais”, ou seja, não portadores de uma doença estigmatizante, que traz dor e sofrimento, conforme a cultura popular. Assim, igualando-se com os outros, sendo-como-o-outro, os idosos podem se identificar com outras pessoas que também têm câncer e justificar para si mesmos que não são diferentes dos demais. (VERAS.R, 2009) Nesse sentido, ao comparar o câncer com uma “gripe forte”, o idoso faz referência a uma doença comum, corriqueira, já que todas as pessoas estão sujeitas a contrair gripe, parecendo querer sentir-se “normal”, como qualquer outra pessoa, ressalvando-se o fato de que uma “gripe forte” se traduz numa enfermidade que requer mais cuidados. (VERAS.R, 2009) Os idosos com câncer procuram, assim, a semelhança com os outros, pois eles são no mundo como outras pessoas, e não tão diferentes ou estranhos. Eles compartilham essa vivência de maneira única, mas não exclusiva. Desse modo, saber que outras pessoas também têm câncer parece amenizar o sofrimento vivido por eles. Os idosos referem, além disso, a possibilidade que todos temos de desenvolver o câncer, dependendo da exposição aos agentes carcinógenos. Entre as causas do câncer estão os fatores externos, que correspondem aos carcinógenos químicos (como o fumo e o amianto), físicos (como a luz ultravioleta, a radiação ionizante) e biológicos (como as infecções causadas por determinados vírus, bactérias ou parasitas), além dos fatores genéticos e determinados hábitos de vida, os quais podem agir em conjunto ou em sequência, para iniciar ou promover o processo de carcinogênese. (VERAS.R, 2009) 46 Os idosos consideram o câncer também como uma “provação” a ser enfrentada. Percebemos que a crença em Deus influencia na aceitação da doença; os idosos a aceitam porque a consideram como algo “enviado por Deus”, que está além de sua própria vontade, portanto não há possibilidade de “negociação”. Nesse sentido, consideram que a doença e o destino são determinados por Deus. De acordo com o pensamento de Merleau Ponty, pode-se concluir que cada ser tem sua forma de experienciar o câncer, o qual pode ser percebido a partirde diferentes aspectos. Desse modo, ao considerar a doença como uma determinação divina, ressalta-se sobremaneira a facticidade atribuída pelos idosos à significação do câncer. 47 12 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA SOBREVIVÊNCIA NO CÂNCER Quando se questiona a prevalência de sintomas ou distúrbios psiquiátricos entre os sobreviventes oncológicos, Stein, Syrjala e Andrykowski (2008) mencionam a questão de estimativas amplas, bastante divergentes entre uma pesquisa e outra, sugerindo uma dificuldade significativa para se estimar a presença de efeitos psicológicos a longo prazo em decorrência da doença. Além disso, os critérios de classificação não são semelhantes em cada pesquisa, podendo o desempenho ser avaliado por escalas diferentes de mensuração ou por meio de indicadores qualitativos. Apesar da possibilidade de apresentarem efeitos tardios, sejam positivos ou negativos, Zelter (1993) sugere que a ocorrência de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos entre os sobreviventes seja semelhante à da população geral. Por sua vez, Deimling et al. (2002) propõem que a prevalência de transtornos psiquiátricos é de 47% durante a fase do diagnóstico do câncer, reduzindo para 37% seis anos após o tratamento. Para sobreviventes de câncer na infância, há estudos que pontuam a possibilidade de os mesmos apresentarem maior controle emocional e motivação quando comparados a seus pares (Gray et al., 1992). A presença de distúrbios psiquiátricos graves, como depressão maior ou PTSD, são pouco frequentes em pacientes com câncer e/ou sobreviventes; apesar disso, quando comparado à população geral, pacientes/sobreviventes podem apresentar ligeiramente maior risco; reforçando esta ideia, em relação ao transtorno de estresse pós-traumático, a maioria dos estudos sugere a prevalência de 5 a 15%, sendo maior do que o encontrado na população geral – 1 a 4% (Stein, Syrjala, & Andrykowski, 2008). Em relação à incidência de transtorno depressivo, a literatura evidencia dados divergentes. Os sobreviventes com maior possibilidade de um diagnóstico de depressão são aqueles com sequelas em função do câncer. Entretanto, não se diferencia o grau de depressão devido ao tipo específico de câncer (Ciaramella & Poli, 2001, conforme citado por Deimling & cols, 2002). Já um estudo realizado por 48 Bressoud et al. (2007), com sobreviventes de osteossarcoma, não demonstrou relação entre sintomas depressivos e o tipo de cirurgia (de amputação ou preservando o membro acometido) ou entre depressão e a capacidade funcional. Na investigação da relação entre transtorno depressivo e sobreviventes de câncer na infância e adolescência, Mulhern, Fairclough, Smith e Douglas (1992) destacaram alguns fatores de risco para a ocorrência deste transtorno em sobreviventes, tais como duração de internação, gravidade dos sintomas físicos e depressão materna. Em contrapartida, outros fatores foram considerados como sendo fatores de proteção, pois diminuiriam a possibilidade de o sobrevivente apresentar este transtorno, como a presença de status socioeconômico mais elevado, o apoio social para a mãe (ou família) e a habilidade social da criança. Contudo, de modo geral, pesquisas envolvendo equipes multidisciplinares demonstram que não existe comprovação de depressão severa ou de maior índice de suicídio entre sobreviventes de câncer infantil (Tetelbom, Falceto, Gazal, Shansis, & Wolf, 1993). Pacientes que receberam intervenção cognitivo-comportamental reportam, significativamente, menos depressão imediatamente após a intervenção ou também dois anos após a abordagem do profissional, quando comparados aos que não tiveram essa forma de intervenção. Assim, a intervenção cognitivo-comportamental pode favorecer a diminuição dos índices de depressão também em sobreviventes. Abordagens em terapia de grupo parecem ter melhor efetividade do que abordagens individuais no acompanhamento psicossocial, provavelmente em consequência da influência do papel do grupo (Kissane, 2010). 49 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Antoni MH. Psychosocial Intervention Effects On Adaptation, Disease Course And Biobehavioral Processes In Cancer. Brain, Behavior, and Immunity, 30(Suppl), 2013. S88-S98. ABRAMS, A. N.; HAZEN, E. P.; PENSON, R. T. Psychosocial issues in adolescents with cancer. Cancer Treatment Reviews, New York, v. 33, n. 7, p. 622-30, nov. 2007. AMERICAN CANCER SOCIETY. Cancer facts & figures 2019. Atlanta: American Cancer Society, 2019a. Baum A & Andersen BL. Psychosocial interventions for cancer. Washington: American Psychological Association, 2001. BRAY, F. et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: a cancer journal for clinicians, Hoboken, v. 68, n. 6, p. 394-424, nov. 2018. 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