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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Reumatologia SÍNDROME DE SJÖGREN Definição: A Síndrome de Sjögren é uma doença sistêmica autoimune crônica que caracteriza-se por acometimento inflamatório das glândulas exócrinas, principalmente das glândulas salivares e das glândulas lacrimais. A inflamação das glândulas exócrinas causa redução da secreção salivar e lacrimal, resultando em xerostomia e xeroftalmia. Entretanto, como a Síndrome de Sjögren é uma doença sistêmica, também há manifestações clínicas extra-glandulares. Epidemiologia: A Síndrome de Sjögren representa uma das doenças reumáticas autoimunes mais frequentes na população, com prevalência de aproximadamente 0,5-1,0% na população mundial e incidência que aumenta com a idade. A doença geralmente manifesta-se após os 40 anos de idade e é muito mais comum em mulheres (9:1). A Síndrome de Sjögren pode ser classificada em primária ou secundária. A doença primária manifesta-se em pacientes previamente hígidos, já a doença secundária manifesta-se em pacientes que já apresentam outras doenças sistêmicas autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica. Fisiopatologia: A Síndrome de Sjögren caracteriza-se por reação inflamatória sistêmica autoimune mediada por autoanticorpos, que são produzidos em resposta a determinados gatilhos ambientais em indivíduos geneticamente suscetíveis. Os principais fatores genéticos associados ao desenvolvimento da doença são os marcadores genéticos HLA-DQ2 e/ou HLA- DR3, presentes em aproximadamente 50% dos pacientes com Síndrome de Sjögren, e de outros polimorfismos genéticos. Quanto aos fatores ambientais, acredita-se que os principais gatilhos responsáveis pela produção dos autoanticorpos anti-SSA e anti-SSB sejam as infecções por CMV, EBV e HHV-6. Manifestações Clínicas: As principais manifestações clínicas da Síndrome de Sjögren são a xerostomia (ressecamento da boca) e a xeroftalmia (ressecamento dos olhos), presentes em quase todos os pacientes portadores da doença. Além de manifestações clínicas glandulares, associadas ao acometimento das glândulas salivar a lacrimar, há também manifestações clínicas extra-glandulares, como artralgias e artrites. Manifestações Glandulares: As principais manifestações clínicas glandulares são: - Xerostomia: caracteriza-se por secura da boca, sensação de diminuição da produção de saliva, necessidade de ingerir líquidos para mastigar e deglutir alimentos secos, alteração do paladar e intolerância a alimentos apimentados; ao exame físico, pode haver mucosa eritematosa, atrofia de papilas gustativas, cáries dentárias, úlceras orais e candidíase oral de repetição. Imagem: Xerostomia. - Hipertrofia de glândulas parótidas: geralmente bilateral, associada ao acometimento inflamatório agudo das glândulas salivares, resultando em edema e, consequentemente, em aumento de volume das glândulas bilateralmente. - Xeroftalmia: caracteriza-se por secura dos olhos, devido à diminuição da produção de secreção lacrimal, com consequente lesão ao epitélio da córnea e da conjuntiva, resultando em ceratoconjuntivite seca, que pode evoluir com complicações como úlcera de córnea e infecções como conjuntivite 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 bacteriana; o paciente queixa-se de secura dos olhos, sensação de areia ou de corpo estranho, ardência, prurido, visão borrada e fotossensibilidade. Imagem: Xeroftalmia. Manifestações Extra-Glandulares: As principais manifestações clínicas extra- glandulares são: - Sistêmicas: febre, fadiga, fraqueza, perda de peso, alterações do sono. - Cutâneas: xerodermia (ressecamento da pele), prurido cutâneo e liquenificação secundária ao prurido crônico; a presença de púrpuras palpáveis e não palpáveis associa- se a quadros de vasculite cutânea; fenômeno de Raynaud. - Respiratórias: ressecamento da mucosa nasal, podendo causar dor, prurido e sangramentos de repetição, além de alteração do olfato; ressecamento dos seios paranasais, podendo causar sinusites agudas e crônicas; ressecamento de faringe, laringe e traqueia, podendo causar rouquidão e tosse seca crônica; infiltrado inflamatório brônquico, podendo causar quadro de DPOC; infiltrado inflamatório pulmonar, podendo causar quadro de fibrose pulmonar intersticial; alveolite, bronquiolite e/ou bronquite linfocíticas. - Genitourinárias: secura vaginal, podendo causar dor, prurido, dispareunia e candidíase vaginal de repetição, além de irritação uretral; nefrite intersticial crônica, podendo causar aumento de creatinina, acidose tubular renal, diabetes insipidus nefrogênico, hipocalemia e glomerulonefrite. - Gastrointestinais: disfagia, devido à diminuição da secreção de saliva; infiltração linfocítica da mucosa gástrica, causando gastrite atrófica e anemia perniciosa; síndrome de má absorção intestinal; hepatite autoimune e cirrose biliar primária; pancreatite, devido à infiltração linfocítica aguda. - Musculoesqueléticas: artralgia e artrite periférica, simétrica, não erosiva, com acometimento articular semelhante ao da artrite reumatoide, em pequenas articulações; mialgia e miosite; fadiga; as manifestações clínicas articulares de artrite reumatoide ocorrem na Síndrome de Sjögren secundária. - Hematológicas: anemia, citopenias e linfoma não Hodgkin. O linfoma não Hodgkin, sendo o linfoma MALT o mais comum, representa a complicação clínica mais importante da Síndrome de Sjögren. - Neurológicas: neuropatia periférica. Achados Laboratoriais: Os principais achados laboratoriais da Síndrome de Sjögren são: - Fator reumatoide (FR) positivo em 90% dos casos. - Anticorpos antinucleares (FAN) positivos em 80% dos casos. - Autoanticorpos anti-SSA positivos em 60% dos casos. - Autoanticorpos anti-SSB positivos em 40% dos casos. Os anticorpos anti-SSA são mais específicos para Síndrome de Sjögren primária e lúpus eritematoso sistêmico. Os anticorpos anti- SSB são mais específicos para Síndrome de Sjögren primária. Outros achados laboratoriais comuns em pacientes com Síndrome de Sjögren são hipergamaglobulinemia, anemia, leucopenia, plaquetopenia, aumento de PCR e VHS, hipocomplementenemia, imunocomplexos circulantes e crioglobulinemia. Exames Específicos: Para o diagnóstico de Síndrome de Sjögren, deve-se confirmar objetivamente a xerostomia e a xeroftalmia relatadas pelo paciente. Para isso, realiza-se exames específicos, tais como: - Teste de Schirmer: introdução de papel- filtro no saco conjuntival na porção lateral da 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 conjuntiva inferior, mantendo os olhos do paciente fechados por 5 minutos, e remoção do papel-filtro com avaliação do comprimento da área umedecida; o comprimento ≤ 5 mm indica produção diminuída de secreção lacrimal. - Escore de Rosa-Bengala: aplica-se solução de corante nos olhos, que impregna o epitélio desvitalizado da córnea e da conjuntiva; analisa-se os olhos e realiza-se o escore de desvitalização epitelial resultante de diminuição da secreção lacrimal. - Biópsia de glândula salivar menor: presença de múltiplos focos de infiltrado inflamatório linfocítico (sialodenite linfocítica focal). - Sialografia de parótidas: radiografia com contraste das glândulas parótidas para observação da anatomia dos ductos salivares; observa-se alterações na anatomia das glândulas parótidas do paciente com Síndrome de Sjögren, como dilatação ductal. - Cintilografia de glândulas salivares: indica hipocaptação ou hipoexcreção do radiofármaco pelas glândulas salivares. - Fluxometria de saliva: avaliação da produção de saliva calculando o volume da secreção salivar produzida em determinado intervalo de tempo; os pacientes com Síndrome de Sjögren apresentam produção de saliva diminuída. Diagnóstico: O diagnóstico da Síndrome de Sjögren baseia-se em achados clínicos, principalmente xerostomiae xeroftalmia, achados laboratoriais, principalmente anticorpos anti-SSA e/ou anti-SSB, e exames específicos que confirmem objetivamente os achados clínicos de xerostomia e/ou xeroftalmia. Os critérios diagnósticos mais utilizados atualmente são os do American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism (ACR/EULAR) de 2016, que baseiam-se na presença de pontuação ≥ 4 para confirmar o diagnóstico de Síndrome de Sjögren primária. O diagnóstico de Síndrome de Sjögren secundária baseia-se apenas no achado clínico de xerostomia e/ou xeroftalmia em pacientes que já apresentam outra doença sistêmica autoimune crônica, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, etc. Diagnóstico de Síndrome de Sjögren Primária (ACR/EULAR) Critério Diagnóstico Pontuação Biópsia de glândula salivar com sialodenite linfocítica focal e escore focal ≥ 1 foco/4 mm2 3 pontos Anticorpo anti-SSA positivo 3 pontos Escore de Rosa-Bengala ≥ 5 em no mínimo 1 olho 1 ponto Teste de Schirmer ≤ 5 mm em no mínimo 1 olho 1 ponto Fluxo salivar não estimulado ≤ 0,1 mL/minuto 1 ponto A presença de pontuação ≥ 4 confirma o diagnóstico de Síndrome de Sjögren Primária. A sialodenite linfocítica focal é definida como a presença de aglomerado de ≥ 50 células mononucleares/linfócitos T geralmente de localização periductal ou perivascular na biópsia de glândula salivar menor. Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferenciais de Síndrome de Sjögren são: - Uso de medicamentos que causam quadro de xerostomia e/ou xeroftalmia, como antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos, anticolinérgicos, diuréticos, etc. - Doenças que causam infiltração não linfocítica das glândulas exócrinas, como amiloidose, sarcoidose, tuberculose, doença do enxerto versus hospedeiro e linfomas. - Infecções virais crônicas, como HIV e hepatite C. - Diabetes mellitus. Complicações: A Síndrome de Sjögren geralmente apresenta evolução clínica benigna e insidiosa. As principais exceções à evolução benigna da doença são o desenvolvimento de manifestações clínicas extra-glandulares e o desenvolvimento de linfoma. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 O linfoma não Hodgkin representa a principal complicação da Síndrome de Sjögren e deve ser suspeitado em pacientes que apresentam anemia, linfopenia, febre, linfadenopatia, vasculite cutânea e neuropatia periférica. Os principais achados clínicos de linfoma associado à Síndrome de Sjögren são: - Hipertrofia persistente de glândulas parótidas, especialmente em pacientes que apresentavam hipertrofia intermitente. - Glândulas de consistência endurecida e/ou nodular. - Presença de vasculite cutânea ou de púrpura palpável. - Hipocomplementenemia e crioglobulinemia. - Manifestações sistêmicas, como febre, fadiga, fraqueza e perda de peso. Tratamento: O tratamento da Síndrome de Sjögren baseia-se em evitar o uso de medicamentos que causam xerostomia e/ou xeroftalmia, cessação do alcoolismo e do tabagismo, uso de sintomáticos para as manifestações clínicas glandulares (xerostomia e xeroftalmia), por meio de estimulação ou de substituição das secreções glandulares, e terapia específica para as manifestações clínicas extra-glandulares, havendo necessidade de uso de corticoides e imunossupressores em casos graves. O tratamento das manifestações clínicas musculoesqueléticas, como artralgia, artrite, mialgia e miosite, baseia-se no uso de AINES e hidroxicloroquina. Nos quadros clínicos mais graves, indica-se o uso de prednisona.
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