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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Alergia e Imunologia IMUNOTERAPIA Introdução: A imunoterapia é uma alternativa de tratamento para várias doenças alérgicas. A imunoterapia reduz o grau de sensibilização e de reatividade aos antígenos que desencadeiam a reação alérgica. Os principais critérios para a indicação de imunoterapia são: - Doença alérgica mediada por anticorpos IgE. - Falha da higiene ambiental (afastamento de alérgenos ambientais que desencadeiam crises da doença) no controle dos sintomas. - Falha do tratamento farmacológico de primeira escolha, considerando adequada adesão terapêutica, e/ou presença de reações adversas intoleráveis. - Disponibilidade de extratos de qualidade. Portanto, a imunoterapia representa uma estratégia de tratamento para doenças alérgicas, principalmente asma e rinite alérgica, que são mediadas por anticorpos IgE em pacientes que apresentam manifestações clínicas moderadas a graves que são refratárias aos tratamentos farmacológicos de primeira escolha. É importante explicar ao paciente que o início do efeito terapêutico da imunoterapia pode demorar e que o tratamento é prolongado, geralmente estendendo-se por no mínimo 3 anos. Benefícios: A imunoterapia continua representando o único tratamento modificador da história natural da doença alérgica. A imunoterapia associa-se a benefícios ao paciente que permanecem mesmo após o término do tratamento. A imunoterapia diminui a hiper-reatividade da mucosa nasal e da mucosa brônquica aos aeroalérgenos, previne novas sensibilizações (sensibilizações a novos aeroalérgenos) e previne o desenvolvimento de asma em pacientes com rinite alérgica. Todos estes benefícios da imunoterapia ocorrem devido à modulação de mediadores inflamatórios envolvidos no desencadeamento da reação alérgica, inibindo a inflamação responsável por desencadear os sinais e os sintomas da doença. A imunoterapia geralmente é indicada apenas para pacientes com monossensibilização (sensibilização a apenas 1 alérgeno) ou com bissensibilização (sensibilização a apenas 2 alérgenos). Entretanto, o objetivo da imunoterapia, em geral, é a dessensibilização do paciente a 1 único alérgeno. A imunoterapia baseia-se em administração de proteínas alergênicas em pequenas quantidades de forma gradual com o objetivo de induzir tolerância imunológica a esses alérgenos. Mecanismo de Ação: Os principais mecanismos de ação da imunoterapia são: - Estímulo à produção de linfócitos T reguladores. - Diminuição da secreção das citocinas IL-4 e IL-5, resultando em diminuição da produção de linfócitos TH2, que são as células responsáveis por mediar todo o processo de inflamação alérgica. - Aumento da produção das citocinas IL-10 e TGF-β, que apresentam ação anti- inflamatória. As citocinas IL-10 e TGF-β associam-se a aumento da tolerância imunológica aos alérgenos por meio de estímulo à produção de anticorpos IgG4, que ligam-se aos alérgenos, neutralizando-os e impedindo a sua ligação aos anticorpos IgE. A ausência de ligação dos alérgenos aos anticorpos IgE diminui o recrutamento e a ativação de células inflamatórias, como mastócitos, basófilos e eosinófilos, resultando em diminuição da liberação de histamina, prostaglandinas e leucotrienos mediada por mastócitos e basófilos e em diminuição da inflamação e da lesão tecidual mediada por eosinófilos. Ao iniciar a imunoterapia, os níveis plasmáticos de IgE alérgeno-específica inicialmente aumentam e posteriormente 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 diminuem. Este processo, em geral, consolida-se em aproximadamente 3 meses. A imunoterapia estimula a produção de anticorpos IgG4 alérgeno-específicos que, ao se ligarem aos alérgenos, os neutralizam, impedindo sua ligação aos anticorpos IgE e, consequentemente, reduzindo seus níveis plasmáticos. A tolerância imunológica ao alérgeno é induzida por aumento da produção de linfócitos T reguladores alérgeno-específicos que causam supressão da formação de linfócitos TH2 e de linfócitos B. Este processo, em geral, consolida-se em aproximadamente 6 meses. Rinite Alérgica: O tratamento inicial da rinite alérgica baseia- se em evitar a exposição ao alérgeno, administração de anti-histamínicos orais para o alívio das crises e administração de corticoides tópicos intranasais para a prevenção de novas crises (tratamento de manutenção). Outras alternativas terapêuticas são uso de anti-histamínico tópico intranasal, uso de corticoides sistêmicos para o alívio das crises em pacientes com manifestações clínicas graves e refratárias ao tratamento inicial e uso de antileucotrienos para o alívio das crises e a prevenção de novas crises. A próxima etapa de tratamento da rinite alérgica, em pacientes refratários aos tratamentos anteriores, baseia-se em imunoterapia. As duas formas de imunoterapia recomendadas para o tratamento da rinite alérgica são a imunoterapia sublingual e a imunoterapia subcutânea. A imunoterapia sublingual apresenta alta eficácia para o tratamento de rinite sazonal e de rinite perene tanto em crianças quanto em adultos (nível de evidência I e grau de recomendação A). A imunoterapia subcutânea apresenta maior eficácia apenas para o tratamento de rinite sazonal (nível de evidência I e grau de recomendação A) e de rinite perene (nível de evidência I e grau de recomendação B) em adultos. A eficácia da imunoterapia é definida por redução significativa dos sinais/sintomas de rinite alérgica e por redução da necessidade de uso de medicamentos para o alívio de crises. Quanto a efeitos adversos, a imunoterapia subcutânea associa-se principalmente a reações cutâneas leves e raramente a anafilaxia. As reações adversas, em 80% dos casos, ocorrem em até 30 minutos após a administração da imunoterapia. A imunoterapia sublingual é mais segura que a imunoterapia subcutânea, estando associada a menores taxas de reações adversas graves. As reações locais em mucosa oral, caracterizadas por edema e prurido, e a dor abdominal são comuns nas primeiras 3 semanas de imunoterapia sublingual, mas respondem à administração de anti-histamínicos orais. Os principais fatores de risco para reações adversas sistêmicas à imunoterapia são: - Presença de sintomas atuais de alergia. - Presença de quadro de infecção atual. - História de reações sistêmicas prévias. - Asma não controlada. - Uso de β-bloqueador. - Prática de atividade física intensa. Contraindicações: As contraindicações absolutas à imunoterapia são: - Asma não controlada. - Doença autoimune ativa. - Neoplasia maligna. - Gestação (contraindicação ao início da imunoterapia). - Crianças < 2 anos de idade. - AIDS. As contraindicações relativas à imunoterapia são: - Asma parcialmente controlada. - Doença autoimune em remissão clínica. - Uso de β-bloqueador. - Doenças cardiovasculares. - Crianças entre 2 e 5 anos de idade. - Infecção por HIV com contagem de linfócitos T CD4+ > 200 células/mm3. - Doenças psiquiátricas. - Infecções crônicas. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Imunodeficiência. - Imunossupressão. Indicações: As principais indicações à imunoterapia são: - Adultos. - Crianças > 5 anos de idade. - Asma, rinite alérgica e/ou conjuntivite alérgica moderadas/graves refratárias ao demais tratamentos. Há muitos estudos sobre imunoterapia que indicam redução significativa dos sinais/sintomas nasais e oculares, melhora da qualidade de vida dos pacientes e vantagem da imunoterapia comparada ao tratamento farmacológico considerando custos financeiros. Resposta Terapêutica: As possíveis falhas da imunoterapia associam-se ao desenvolvimento de novas sensibilizações alérgicas, à manutenção da exposição a agentes desencadeantes de alergia não alergênicos, à não inclusão de alérgenos clinicamente relevantes ou à dose inadequada. O sucesso do tratamento imunoterápico éinfluenciado principalmente por qualidade dos extratos alergênicos utilizados e por tipo de paciente alérgico selecionado. Após a introdução da imunoterapia, é possível classificar os pacientes em respondedores e não respondedores. Os principais fatores que devem ser levados em consideração ao avaliar a imunoterapia em pacientes alérgicos são: - Avaliar se o paciente apresenta comorbidade de asma e, neste caso, realizar controle da doença antes de iniciar a imunoterapia. - A imunoterapia é eficaz apenas para a dessensibilização a aeroalérgenos, tais como ácaros, pólens e epitélios de animais. - A imunoterapia é indicada para casos de rinite alérgica moderada à grave, quando os sintomas não são controlados por higiene ambiental e por tratamento farmacológico otimizado. - A imunoterapia pode ser administrada por via sublingual ou por via subcutânea. - A duração mínima do tratamento deve ser de 3 anos para que a imunoterapia mantenha o efeito terapêutico após sua suspensão. - Os efeitos adversos locais, em mucosa oral, são comuns principalmente na imunoterapia sublingual. - As reações adversas sistêmicas são raras na imunoterapia sublingual, sendo mais comuns na imunoterapia subcutânea. - A imunoterapia deve ser supervisionada por um especialista. - O paciente deve permanecer sob supervisão de um especialista por no mínimo 30 minutos após a aplicação, período no qual há maior probabilidade de reação adversa sistêmica. Imunoterapia Alimentar: A imunoterapia oral com alimentos baseia-se em administração do alimento em quantidades muito baixas, aumentando progressivamente a quantidade até atingir dose de manutenção com o objetivo de prevenir os sinais/sintomas alérgicos em exposições futuras ao mesmo alimento. As principais indicações de imunoterapia oral para alimentos são: - Alergia à proteína do leite de vaca (APLV), amendoim e ovo em pacientes > 4 anos de idade. - Quadros persistentes e/ou graves (anafilaxia) de alergia alimentar. - Diâmetro dos testes cutâneos em ascensão. - Níveis de anticorpos IgE alérgeno- específicos em ascensão. - Persistência de alta reatividade para caseína e ovomucoide em crianças maiores (ausência de dessensibilização ao alimento com o aumento da idade). Há vários estudos indicando sucesso da imunoterapia oral com alimentos, com taxas de dessensibilização de até 100%, entretanto nem todos os pacientes apresentam manutenção da tolerância imunológica ao alérgeno alimentar. Os marcadores de tolerância imunológica avaliados são diminuição do diâmetro dos testes cutâneos e diminuição dos níveis de anticorpos IgE alérgeno-específicos. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais fatores de risco para reações adversas à imunoterapia oral com alimentos são: - Prática de exercício físico após a ingestão do alimento. - Ingestão do alimento com o estômago vazio. - Infecções, principalmente virais. - Asma não controlada. - Sensibilização alérgica a pólen. - Menstruação. As principais reações adversas à imunoterapia oral com alimentos são: - Urticária. - Sibilância. - Anafilaxia. - Intolerância gastrointestinal: náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. - Esofagite eosinofílica. Além da imunoterapia oral, há também a imunoterapia sublingual com alimentos, que demonstrou eficácia e segurança principalmente para dessensibilização ao amendoim, aumentando o limiar de tolerância imunológica ao amendoim, ou seja, aumentando a quantidade ingerida de amendoim necessária para o desenvolvimento de reação alérgica. Entretanto, a imunoterapia oral ainda mostrou-se superior à imunoterapia sublingual. Outra alternativa de imunoterapia para alergia alimentar é a imunoterapia epicutânea, que demonstrou eficácia e segurança para dessensibilização ao leite de vaca, com aumento de 12 vezes da dose tolerada após 3 meses de tratamento. A dessensibilização ao amendoim por meio de imunoterapia epicutânea também demonstrou ser segura, mas pouco eficaz. Terapias Adjuvantes: Os principais objetivos de adicionar uma terapia adjuvante à imunoterapia são: - Redução de reações adversas. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Supressão da reação alérgica aguda. - Aumento da tolerância imunológica nos casos de imunoterapia oral com alimentos, modulando a resposta alérgica subjacente. A terapia adjuvante com omalizumabe associada à imunoterapia oral com alimentos aumentou as taxas de tolerância imunológica a vários alimentos, principalmente leite de vaca, amendoim e ovo. A terapia adjuvante com lactobacilos associada à imunoterapia oral com alimentos também aumentou as taxas de tolerância imunológica a vários alimentos.