Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Alergia e Imunologia DERMATITE ATÓPICA Definição e Epidemiologia: A dermatite atópica é uma doença inflamatória cutânea crônica caracterizada por xerose cutânea, prurido e eczema recorrente ou persistente. A dermatite atópica afeta 5-20% das crianças e 1-5% dos adultos e geralmente está associada à história pessoal de outras doenças alérgicas, como asma, rinite alérgica e urticária, e à história familiar de doenças alérgicas. Aproximadamente 30% dos pacientes com dermatite atópica têm asma ou rinite alérgica e 15% têm episódios de urticária. Além disso, 70% dos pacientes com dermatite atópica apresentam história familiar de atopia. A doença apresenta curso clínico crônico caracterizado por períodos de crises alternados por períodos de remissão clínica do eczema. As crises de eczema atópico geralmente são desencadeadas por exposição do indivíduo atópico a alérgenos ambientais. Fisiopatologia: A dermatite atópica é uma doença multifatorial, ou seja, depende de fatores genéticos, imunológicos e não imunológicos. Quanto aos fatores genéticos, sabe-se que a presença de história familiar de dermatite atópica pode estar associada à presença de mutação do gene que codifica a proteína filagrina, resultando em alteração da barreira epidérmica e aumento da penetração de alérgenos ambientais. Quanto aos fatores imunológicos, sabe-se que os pacientes com dermatite atópica apresentam disfunção dos toll like receptors na superfície celular das células dendríticas (células apresentadoras de antígenos), responsáveis por ativação do sistema imune adaptativo e, consequentemente, por destruição de antígenos mediada por linfócitos T. Assim, devido à disfunção destes receptores, há maior penetração de antígenos na derme, alterando a microbiota da pele e aumentando o risco de infecções bacterianas secundárias, causadas principalmente por Staphylococcus aureus, além de infecções virais secundárias, como HSV e molusco contagioso. O aumento da penetração de alérgenos na derme causa inflamação fraca, mas persistente da pele com ativação de linfócitos TH2, que secretam citocinas pró- inflamatórias, como IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-4 induz a produção e a liberação de anticorpos IgE alérgeno-específicos por linfócitos B, que quando entram em contato com o alérgeno e ligam-se a mastócitos e basófilos da derme, causam a liberação de mediadores inflamatórios, como histamina, prostaglandinas e leucotrienos, resultando em inflamação, eritema, edema e prurido (eczema). Manifestações Clínicas: Os critérios clínicos maiores para o diagnóstico de dermatite atópica são: - Prurido: manifestação clínica constante, presente em todas as fases da doença (aguda, subaguda e crônica). - Morfotopografia: localizações típicas das lesões eczematosas da dermatite atópica. → Criança: acometimento facial com lesões eczematosas agudas e subagudas na fronte e nas regiões malares. → Adulto: acometimento das regiões flexoras, da fossa cubital, da fossa poplítea e do pescoço com lesões eczematosas crônicas (liquenificação). - Tendência à cronicidade e/ou recorrências frequentes. Além destas manifestações clínicas, praticamente constantes, há também os critérios clínicos menores para o diagnóstico de dermatite atópica, tais como: - História pessoal ou familiar de doenças alérgicas. - Positividade de testes cutâneos para alérgenos ambientais específicos. - Dermografismo branco. - Xerose cutânea. - Ictiose cutânea associada. - Hiperlinearidade palmar. - Ptiríase alba. - Ceratose pilar. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Prega de Dennie-Morgan (dupla prega infrapalpebral). - Sinal de Hertogue (madarose do terço lateral das sobrancelhas). - Tendência a infecções cutâneas de repetição. - Tendência a dermatoses crônicas das mãos. - Alterações oculares. A dermatite atópica infantil inicia a partir do terceiro mês de vida, manifestando-se clinicamente como lesões eritematosas com vesículas e crostas, localizadas nas regiões malares, podendo estender-se para toda a face, o couro cabeludo, o pescoço, a fossa antecubital e a fossa poplítea. O prurido é variável, podendo, às vezes, ser intenso, causando agitação e irritabilidade da criança. A complicação mais frequente é a infecção secundária. Entretanto, na infância, mesmo havendo intensa coçadura, não há o desenvolvimento de liquenificação. Imagem: Dermatite atópica infantil. A dermatite atópica infantil apresenta curso clínico caracterizado por crises agudas alternadas por períodos de remissão clínica, sendo mais comum durante os primeiros 2 anos de vida. Após os 2 anos de idade, a doença tende a melhorar, podendo desaparecer completamente ou persistir de forma discreta apenas com algumas lesões na face ou nas regiões de dobras. A dermatite atópica pré-puberal pode manifestar-se como uma continuação da dermatite atópica infantil ou desenvolver-se alguns anos após o seu desaparecimento. Nesta fase, as lesões acometem principalmente as regiões de dobras, como fossa cubital e fossa poplítea, a face, os punhos e o dorso das mãos e dos pés. Imagens: Dermatite atópica infantil. O quadro clínico caracteriza-se por áreas de liquenificação com escoriações devido ao prurido, ou seja, caracteriza-se como uma dermatite crônica. Há, entretanto, fases de agudização da doença caracterizadas por eritema, vesiculação e secreção. O prurido é variável, mas em relação à coçadura, raramente desenvolve-se infecções secundárias nesta fase. O quadro evolui com crises agudas alternadas por períodos de remissão clínica, podendo desaparecer ou piorar. Imagem: Dermatite atópica pré-puberal. A dermatite atópica do adulto manifesta-se por lesões que acometem principalmente as áreas de flexão, como pescoço, fossa antecubital e fossa poplítea, e a face, principalmente a região periorbital. As lesões caracterizam-se por liquenificação e escoriações, com prurido variável. A pele é seca e levemente descamativa, havendo dermografismo branco. A evolução caracteriza-se por crises agudas alternadas 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 por períodos de melhora, podendo, eventualmente, tornar-se generalizada. Imagem: Dermatite atópica do adulto. A dermatite atópica associa-se a prejuízos psicológicos significativos aos pacientes, principalmente aqueles que apresentam quadros clínicos mais graves, podendo associar-se ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas, como ansiedade, depressão e TDAH. Complicações: As principais complicações da dermatite atópica são as infecções secundárias. As principais são: - Infecção bacteriana: a bactéria Staphylococcus aureus coloniza > 90% das lesões da dermatite atópica; o microrganismo libera toxinas que atuam como superantígenos que ativam uma cascata inflamatória que inicia a crise aguda de eczema atópico; os principais fatores associados à infecção bacteriana secundária são a xerose cutânea, a perda da barreira cutânea e a coçadura resultante do prurido, que causa escoriação da pele e favorece a penetração da bactéria. - Herpes simples: a infecção por HSV é mais comum em pacientes com dermatite atópica do que na população geral; a infecção por HSV, denominada eczema herpético, dissemina-se rapidamente sobre a lesão da dermatite atópica. Além das infecções secundárias, há a possibilidade de outras doenças cutâneas associadas ao quadro de dermatite atópica, que devem ser suspeitadas quando o paciente apresenta piora do eczema, não responde ao tratamento convencional e/ou apresenta lesões que manifestam-se além das localizações clássicas da dermatite atópica. A principal doença cutânea associada à dermatite atópica é a dermatite de contato, que inclusive pode ser desencadeada em resposta a determinadas substâncias utilizadas no tratamento do eczema atópico. Diagnóstico: O diagnóstico de dermatite atópicaé clínico e baseia-se em anamnese, morfotopografia das lesões, presença de prurido, cronicidade e, eventualmente, quando a dermatite atópica associa-se a manifestações atópicas respiratórias, como asma e/ou rinite alérgica, aumento de IgE total. Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferenciais de dermatite atópica são outras dermatites eczematosas, dermatite seborreica, dermatite de contato e líquen simples crônico. Tratamento: A dermatite atópica é uma doença inflamatória crônica recidivante. Como não há possibilidade de cura definitiva da doença, o tratamento baseia-se no controle da inflamação, enquanto aguarda-se a remissão clínica do eczema. Assim, o tratamento objetiva diminuir a sintomatologia e a reação inflamatória, reconhecendo, afastando e/ou excluindo agentes irritantes, que agravam ou desencadeiam o eczema atópico. Quanto às medidas gerais para o tratamento da dermatite atópica, recomenda- se: - Banhos com água morna, de até 5 minutos, com uso de sabonetes neutros. - Hidratação: uso de cremes emolientes imediatamente após o banho e, se necessário, várias vezes ao dia. - Roupas 100% de algodão, que devem ser lavadas com sabão neutro. - Corte das unhas, com o objetivo de evitar escoriações da pele e, assim, prevenir infecções secundárias. - Controle do ambiente, evitando ao máximo todos os possíveis agentes irritantes. Quanto aos medicamentos tópicos utilizados para o tratamento da dermatite atópica, recomenda-se: 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Corticoesteroides tópicos: → Representam os medicamentos mais úteis no tratamento da dermatite atópica, podendo ser utilizados em todas as formas clínicas da doença. → Crianças < 2 anos: corticoesteroides de baixa potência, como desonida 0,05% e hidrocortisona 1-2%. → Crianças > 2 anos e doença leve: corticoesteroides de baixa potência, como hidrocortisona 1-2%. → Doença moderada: corticoesteroides de média potência, como desonida 0,1% e mometasona 0,1%. → Doença grave (agudização ou lesão crônica liquenificada): corticoesteroides de alta potência, como betametasona, e muito alta potência, como clorobetasol. → Os corticoides de alta potência e muito alta potência podem ser utilizados apenas em pacientes adolescentes e adultos. → Os corticoides tópicos nunca devem ser retirados abruptamente, havendo necessidade de diminuição gradual da dose/potência e/ou da frequência de aplicação. - Imunomoduladores tópicos: → Inibidores da calcineurina: tacrolimus 0,03% e 1% e pimecrolimus 1%. → Representam alternativa ao uso de corticoides tópicos, apresentando vantagem de não causar os efeitos adversos associados ao uso dos corticoides tópicos (ex. atrofia da pele, estrias e telangiectasias). → Às vezes, podem causar sensação de ardência ou queimação ao serem aplicados. → Apresentam alto custo. → Indicados para o tratamento de formas localizadas e menos intensas de dermatite atópica, em áreas com maior probabilidade de efeitos adversos ao uso de corticoides tópicos, principalmente face, ou como drogas poupadoras de corticoides em pacientes que já estão em uso crônico de corticoides e apresentando efeitos adversos associados ao seu uso prolongado. - Antibióticos tópicos: → Indicados para o tratamento de infecções bacterianas secundárias. → Recomenda-se mupirocina 2%, que não deve ser empregada em áreas > 20% de superfície corporal, devido ao risco de nefrotoxicidade. → Alternativas ao uso de mupirocina 2%: ácido fusídico 2% ou gentamicina 0,1%. - Antissépticos: → Indicados no tratamento de crises agudas de dermatite atópica com infecção secundária. → Recomenda-se uso de permanganato de potássio diluído na proporção de 1 g para 20 L de água ou água boricada 2%. Quanto aos medicamentos sistêmicos utilizados para o tratamento da dermatite atópica, recomenda-se: - Corticoesteroides sistêmicos: → Indicados no tratamento de dermatite atópica aguda em pacientes que não respondem aos tratamentos tópicos, apresentando inflamação e prurido intensos. → A droga de primeira escolha é a prednisona 1-2 mg/kg/dia, com redução gradual da dose à medida em que houver melhora do quadro clínico. - Antibióticos sistêmicos: → Indicados no tratamento de infecções bacterianas secundárias. → Os antibióticos sistêmicos de primeira escolha são as cefalosporinas VO. - Anti-histamínicos orais: → Indicados para o alívio e o controle do prurido. → Os anti-histamínicos de 1ª geração, que apresentam efeito sedativo, podem ser utilizados à noite. → Os anti-histamínicos de 2ª geração, que não apresentam efeito sedativo, podem ser utilizados pela manhã. → Outra alternativa para o controle do prurido é o uso de doxepina 10-50 mg/dia VO, antidepressivo tricíclico que apresenta efeito anti-histamínico potente. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Fototerapia: → Apresenta benefícios em todas as formas clínicas de dermatite atópica. → Pode ser realizada em pacientes > 12 anos de idade. → Recomenda-se fototerapia UVA e/ou UVB. - Imunossupressores: → Indicados no tratamento de dermatite atópica grave e refratária aos demais tratamentos. → Os imunossupressores são contraindicados quando houver suspeita de infecção secundária. → Recomenda-se o uso de ciclosporina, metotrexato ou azatioprina. - Imunobiológicos: → Dupilumabe: anticorpo monoclonal anti IL- 4; reduz todos os efeitos da IL-4, principal citocina envolvida na fisiopatologia da dermatite atópica; aprovado para o tratamento de pacientes > 12 anos com dermatite atópica moderada à grave. → Outros imunobiológicos em estudo: anti IL-13. Além do tratamento medicamentoso, alguns pacientes com dermatite atópica também podem beneficiar-se de psicoterapia.
Compartilhar