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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Geriatria DIABETES MELLITUS EM IDOSOS Introdução: O diabetes mellitus (DM) em idosos associa- se à maior prevalência de complicações relacionadas à evolução da doença, tais como doenças cardiovasculares, doenças cerebrovasculares, retinopatia diabética, nefropatia diabética e neuropatia diabética, e ao tratamento da doença, tais como risco aumentado de hipoglicemia e, consequentemente, de quedas. Em idosos, o DM geralmente manifesta-se em associação a outras comorbidades, como HAS, insuficiência cardíaca, dislipidemia, doença renal crônica, osteopenia/osteoporose, etc, que dificultam ainda mais o manejo terapêutico da doença. O diabetes mellitus (DM) em idosos associa- se a aumento do risco de sarcopenia e dinapenia, síndrome da fragilidade do idoso, morbimortalidade cardiovascular e cerebrovascular e morte prematura. O DM em idosos associa-se a aumento do risco de quedas secundárias a doença arterial periférica, neuropatia diabética, sarcopenia e dinapenia, alterações visuais (retinopatia diabética), polifarmácia e hipoglicemia. Metas Terapêuticas: As metas terapêuticas do paciente idoso com DM dependem de seu status funcional, que basicamente classifica-se em: - Independência funcional. - Dependência funcional: → Fragilidade: cansaço, fraqueza, perda de peso, diminuição da mobilidade, aumento do risco de quedas e institucionalização. → Demência: comprometimento cognitivo grave, alteração de personalidade, desorientação em espaço e tempo que impactam no autocuidado. - Cuidados de fim de vida: doenças graves, neoplasias, expectativa de vida < 1 ano. O tratamento do diabetes mellitus (DM) em idosos deve considerar características individuais de cada paciente, como a presença de comorbidades, o status cognitivo, o status funcional e a situação financeira. O tratamento objetiva minimizar os riscos de hipoglicemia, principalmente em idosos com comorbidades e menor status funcional ou em uso de drogas com maior risco de causar hipoglicemia, como insulina e sulfonilureias. Em pacientes idosos com comorbidades, as metas terapêuticas de HbA1c devem ser mais flexíveis, o tratamento do diabetes mellitus (DM) deve evitar a hipoglicemia e a terapia anti-hiperglicemiante deve ser combinada ao tratamento da dislipidemia, com estatinas, e da HAS, com drogas anti- hipertensivas. Como o envelhecimento está associado ao aumento do risco de prejuízo visual, prejuízo cognitivo e prejuízo funcional, os familiares do paciente idoso com diabetes mellitus (DM) devem ter papel ativo no plano de tratamento. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Tratamento: Além do tratamento farmacológico, deve-se sempre recomendar tratamento não farmacológico, objetivando a melhora da qualidade de vida do paciente idoso, por meio de mudanças de estilo de vida, como dieta e atividade física individualizadas, considerando as comorbidades e o status funcional de cada paciente. Segundo as recomendações mais atuais, o tratamento do diabetes mellitus (DM) em idosos objetiva minimizar os sintomas relacionados à hiperglicemia e evitar a terapia intensiva para o controle da glicemia e da HbA1c em pacientes com expectativa de vida < 10 anos, devido à idade avançada (≥ 80 anos), idosos que residem em instituições de longa permanência (ILPs) e pacientes com doenças crônicas, como câncer, demência, insuficiência renal crônica em estágio terminal, DPOC grave ou ICC. A metformina é a droga de primeira escolha para o tratamento do diabetes mellitus tipo 2 em pacientes idosos funcionalmente independentes. Entretanto, em pacientes idosos com múltiplas comorbidades e, principalmente, com insuficiência renal crônica, a metformina deixa de ser o antidiabético oral de primeira escolha. A metformina pode ser utilizada em pacientes com doença renal crônica e TFG entre 30 e 60 mL/min, mas em pacientes com TFG < 45 mL/min, a dose deve ser reduzida à metade. A metformina é contraindicada em pacientes com TFG < 30 mL/min, devido ao alto risco de hipoglicemia. O uso da droga pode causar deficiência de vitamina B12 a longo prazo, havendo necessidade de realizar dosagem dos níveis séricos de vitamina B12 a cada 6 meses para monitorização. O uso das sulfonilureias, especialmente das sulfonilureias de primeira geração, como a 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 glibenclamida, é pouco indicado em pacientes idosos, devido ao alto risco de hipoglicemia e, consequentemente, de quedas. Além disso, as sulfonilureias também podem causar ganho de peso como efeito adverso, sendo contraindicadas em idosos com sobrepeso/obesidade. A pioglitazona é uma droga com baixo risco de causar hipoglicemia que, entretanto, está associada a ganho de peso, retenção hídrica e descompensação de IC e aumento do risco de fraturas, sendo contraindicada em idosos com sobrepeso/obesidade, insuficiência cardíaca, osteopenia/osteoporose e com alto risco de quedas. Os agonistas do GLP1, os inibidores da DPP4 e os inibidores do SGLT2 são drogas com baixo risco de causar hipoglicemia e com vários benefícios em pacientes idosos (perda de peso, proteção cardiovascular e proteção renal), entretanto são de uso limitado devido ao seu alto custo e à ausência de sua disponibilidade no SUS. Os inibidores do SGLT2 apresentam risco de causar hipovolemia e hipotensão arterial, aumentando o risco de quedas em idosos, devendo ser utilizados com atenção em idosos frágeis. Além disso, os inibidores do SGLT2 também causam poliúria, devendo ser evitados em idosos com incontinência urinária. A insulinoterapia está associada a alto risco de hipoglicemia em pacientes idosos, especialmente naqueles com esquemas complexos de múltiplas injeções diárias de insulina (insulina NPH + insulina regular). Recomenda-se que, quando possível, sejam utilizadas formulações de insulina de ação longa ou ultralonga, que podem ser 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 aplicadas apenas 1 vez ao dia, minimizando o risco de hipoglicemia. Outra possível estratégia terapêutica em pacientes idosos é o uso de insulina NPH apenas à noite para o controle da glicemia de jejum associado ao uso de outros antidiabéticos orais durante o dia para o controle da glicemia pós-prandial. O uso de insulina em pacientes idosos, especialmente naqueles com limitações funcionais, deve ser controlado por familiares e/ou cuidadores bem treinados, visto que envolve a aplicação de múltiplas injeções subcutâneas em doses exatas ao longo do dia, de forma a controlar adequadamente a glicemia e prevenir a ocorrência de hipoglicemia. Caso Clínico 1: Mulher, 62 anos, dona de casa, viúva, independente, ativa, hipertensa há 15 anos e diabética há 10 anos, em uso de metformina XR 1,0 g 2x/dia, clortalidona 25 mg/dia e losartana 50 mg/dia, vem à consulta para revisão. Ao exame: BEG, LOC, MUC, IMC de 31 kg/m2, PA de 120/80 mmHg, HGT de 280 mg/dL, ausculta cardíaca e pulmonar normais, abdômen sem alterações, extremidades com pulsos cheios e simétricos, sem edema de MMII e teste do monofilamento de 10 g normal. Exames laboratoriais: glicemia de jejum de 220 mg/dL, HbA1c de 8,5%, colesterol total de 200 mg/dL, HDL-c de 40 mg/dL e triglicerídeos de 250 mg/dL, creatinina de 0,9 mg/dL, EQU com glicosúria (++), albuminúria de 60 mg/g. - Paciente independente, com meta terapêutica de HbA1c de 7,0-7,5%. Em uso de metformina em dose máxima (2,0 g/dia). Necessidade de otimizar o controle glicêmico e reduzir a HbA1c em ≥ 1,0%. - TFG de 72 mL/min e microalbuminúria (nefropatia diabética + nefropatia hipertensiva). - Dislipidemia, LDL-c de 110 mg/dL. Paciente de alto risco cardiovascular, com meta terapêutica de LDL-c de 70 mg/dL. Necessidade de iniciar tratamento com estatina para reduzir o LDL-c. As opções de estatina são: → Sinvastatina (disponível no SUS). → Atorvastatina.→ Rosuvastatina. - Associar outro antidiabético oral ou injetável. As opções são: → Sulfonilureias: sem benefício de proteção cardiovascular e renal; risco de causar ganho de peso e hipoglicemia; glibenclamida disponível no SUS. → Pioglitazona: melhora do perfil lipídico; risco de causar ganho de peso e fraturas ósseas; baixo custo. → Inibidor da DPP4: efeito neutro no peso; sem benefício de proteção cardiovascular e renal; alto custo. → Inibidor do SGLT2: benefício de proteção cardiovascular e renal (paciente com microalbuminúria); perda de peso (paciente obesa); alto custo. → Agonista do GLP-1: benefício de proteção cardiovascular e renal (paciente com microalbuminúria); perda de peso (paciente obesa); alto custo; injetável. Caso Clínico 2: Homem, 88 anos, casado, agricultor aposentado, portador de HAS e DPOC em tratamento há 20 anos com losartana 50 mg/dia, anlodipino 10 mg/dia e formoterol + budesonida 400/12 mcg 2x/dia, com controle adequado. Apresenta DM tipo 2 diagnosticado há 6 meses após realizar HGT de 180 mg/dL em evento comunitário. Prescrito insulina humana NPH 10 UI SC à noite e glibenclamida 10 mg/dia na época. Vem apresentando tonturas, mal-estar, sudorese fria, especialmente no início da manhã, com melhora após alimentar-se. Ao exame: idoso frágil, em uso de andador e com necessidade de ajuda de familiares para seu cuidado, IMC de 23 kg/m2, PA de 110/70 mmHg, HGT de 70 mg/dL, ausculta cardíaca e pulmonar normais. Exames laboratoriais: glicemia de jejum de 130 mg/dL, HbA1c de 7,5%, creatinina de 1,2 mg/dL e EQU sem alterações. - Paciente idoso frágil, com meta terapêutica de HbA1c de 8,0%. Apresentando episódios recorrentes de hipoglicemia, pois está em uso de combinação de drogas associadas a alto risco de hipoglicemia. - A glicemia de jejum e a HbA1c apresentam valores adequados, pois o paciente está 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 apresentando episódios frequentes de hipoglicemia, o que diminui o valor da glicemia média estimada. - Diagnóstico de DM tipo 2 há apenas 6 meses. O tratamento de primeira escolha baseia-se em uso de metformina XR, que apresenta baixo risco de causar hipoglicemia. - TFG de 58 mL/min. Autorizado a iniciar tratamento com metformina XR em dose terapêutica. - Suspender uso de glibenclamida e insulina e iniciar uso de metformina XR.
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