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PROPEDÊUTICA NEUROLÓGICA I Funções superiores (cognição, consciência, compreensão, comunicação) INTRODUÇÃO A avaliação neurológica busca resposta a duas questões principais: (1) existe lesão neurológica? (2) qual a localização dessa lesão? Os achados são simétricos? Qual a fisiopatologia dos achados anormais? Qual é o diagnóstico diferencial preliminar? Para que essas perguntas sejam respondidas, é necessário conhecer tanto o exame neurológico “normal” (identificar tanto as alterações patológicas como aquelas que são, apenas, desvios da normalidade) quanto a anatomia topográfica e funcional do sistema nervoso. O exame neurológico completo, avaliando as diversas funções do sistema nervoso, é longo e, muitas vezes, desnecessário para se estabelecer o diagnóstico. Durante sua realização, o paciente pode se cansar e tornar-se pouco colaborativo o que dificulta o desenvolvimento do exame e pode, inclusive, prejudicar sua acurácia. SOLUÇÃO Breve exame neurológico seguido por em exame completo direcionado à queixa do paciente. A avaliação começa quando o paciente entra e continua durante toda a entrevista. Adotar uma rotina fixa (sequência de exames). Dificuldade em realizar diagnóstico neurológico: - Lesões em diferentes níveis podem causar os mesmos achados. - Fisiopatologia neurológica pode ter efeitos positivos e/ou negativos. - Perda de função motora ou sensorial pode ser transitória ou permanente. - Algumas estruturas do sistema nervoso têm efeitos inibitórios. - Muitas doenças têm exame neurológico normal (ex: epilepsia). ANATOMIA FUNCIONAL O conhecimento da topografia funcional do sistema nervoso é de suma importância para a realização de um exame neurológico adequado. ENCÉFALO: Origem das respostas complexas do SNC: raciocínio lógico-matemático, fala, movimentos complexos. Cada sub-região tem funções características. Divisão anátomo-funcional. Lobos frontais: funções cognitivas superiores Raciocínio lógico e abstrato; Memória; Comportamento social. Giro pré-central: área motora primária. Giro pós-central: área sensitiva primária. Áreas especializadas em funções altamente complexas Wernicke (entendimento da linguagem) e Broca (expressão da linguagem). DIENCÉFALO: Tálamo Processa os impulsos sensoriais e os retransmite para o córtex cerebral. Hipotálamo Mantém a homeostasia; Regula temperatura, FC e PA; Influencia o sistema endócrino; Regulação e integração de processos emocionais (raiva, impulso sexual), coordenando as manifestações periféricas das emoções. CEREBELO: Centro integrador da motricidade. Manutenção de equilíbrio, coordenação e marcha. MEDULA ESPINAL: Envolta pela coluna vertebral. Termina no nível de L1-L2. Fluxo de informações aferentes e eferentes do cérebro. Divisão em regiões bem definidas: a) Periferia substância branca medular (tratos ou vias neuronais descendentes e ascendentes). b) Centro (“H”) substância cinzenta (corpos neuronais): elaboração de respostas estereotipadas (reflexos) e modulação das vias ascendentes e descendentes. SNP: Origem dos 12 pares cranianos: Cérebro: 2 pares e Tronco encefálico: 10 pares. ANAMNESE NEUROLÓGICA A anamnese em neurologia deve ser a mais pormenorizada, ou seja, devem-se realizar uma identificação completa, pesquisar sinais, sintomas e antecedentes (pessoais e familiares). Todavia, é extremamente importante que o médico reconheça os principais sintomas de alerta neurológico ainda durante a anamnese, uma vez que estes indicarão a necessidade de um exame neurológico mais apurado. Dificuldades na anamnese neurológica: (1) Queixas vagas ou imprecisas. Ex: tontura. (2) Muitos pacientes com doenças neurológicas apresentam nível intelectual reduzido ou estão inacessíveis à anamnese – anamnese com familiares. Assim, embora as queixas neurológicas sejam extremamente diversificadas, serão abordadas a seguir algumas queixas que merecem uma análise mais apurada: Cefaléia Distúrbios motores (plegia e paresia) Episódios de perda ou rebaixamento do nível de consciência Distúrbios do movimento (movimentos involuntários e dismetrias) Amnésia Distúrbios de equilíbrio Convulsões Distúrbios sensitivos (parestesia e anestesia) Náusea e vômito Distúrbios visuais (ambliopia, amaurose, diplopia) Disfagia Distúrbios auditivos (hipoacusia, anacusia e zumbidos) Dor facial ou de qualquer outro tipo Distúrbios da comunicação (disfasia e disartria) Distúrbio do sono Distúrbios esfincterianos Dentro dos antecedentes pessoais, merecem destaque: condições de parto e gestação; desenvolvimento neuropsicomotor; histórico vacinal; enfermidades pregressas. EXAME NEUROLÓGICO Antes da realização do exame neurológico, deve ser feito o exame físico completo, o que auxilia o examinador a afastar ou confirmar suas hipóteses diagnósticas. O exame neurológico em si pode ser didaticamente subdividido em: I. Funções superiores: Consciência, Cognição, Compreensão e Comunicação (fala e linguagem). II. Motricidade. III. Sensibilidade. IV. Pares cranianos. • Dados positivos • Diagnóstico sindrômico • Há uma doença do sistema nervoso? • Diagnóstico topográfico • Onde está o problema? • Diagnóstico etiológico • Que tipo de problema? EXAME DO ESTADO MENTAL E DAS FUNÇÕES CORTICAIS SUPERIORES MINIEXAME DO ESTADO MENTAL (MEEM): O MEEM pode ser utilizado como uma ferramenta de triagem, pois possui boa sensibilidade (93,6%), ainda que baixa especificidade (46,1%), para detectar um possível comprometimento cognitivo em pacientes sem alteração do nível de consciência. Assim, o MEEM é especialmente útil para detectar quais pacientes necessitam de um exame cognitivo mais apurado. Avaliam-se, nesse exame, os seguintes domínios cognitivos: • Orientação • Retenção • Atenção e cálculo • Memória • Linguagem • Distúrbios da comunicação verbal: fala espontânea, compreensão oral, repetição, nomeação, leitura, escrita. Os valores de normalidade são influenciados pelo nível de escolaridade, nível socioeconômico e idade do paciente. A avaliação do MEEM pode ser complementada por outros testes, como o de “fluência verbal” e o “teste do relógio. O MEEM pode ser comprometido por confusão mental (uma alteração temporária do estado mental) como delirium ou embriaguez. EXAME DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA: Consciência é definida como o completo e permanente conhecimento de si mesmo e do ambiente (tempo, pessoas, desejos, atitudes, espaço, fatos, emoção, abstração, cálculo, lógica, julgamento, compreensão). Dessa forma, entende-se por “rebaixamento do nível de consciência” a perda de tais características. A fim de padronizar-se a avaliação do grau de consciência de um indivíduo, surgiram diversas escalas que procuram quantificar o grau de consciência. Uma das mais utilizadas é a escala de Glasgow, que leva em consideração três parâmetros (abertura dos olhos, resposta verbal e resposta motora). Em 2018 a escala foi atualizada com a adição de mais um parâmetro: a reatividade pupilar. O nível de consciência pode variar desde o normal até o coma dépassé, atravessando alguns estágios intermediários: LETARGIA o paciente parece sonolento, mas abre os olhos, olha para o examinador e responde as perguntas. OBNUBILAÇÃO definido como a incapacidade de manter o estado de vigília sem que um estímulo externo seja aplicado; é indistinguível do sono normal, porém persiste continuamente. TORPOR sono semelhante ao normal, porém o paciente não alterna a posição no leito espontaneamente, despertando apenas com estímulos vigorosos e repetitivos; nos casos mais graves, há alteração das frequências cardíaca e respiratória. COMA SUPERFICIAL não há comunicação com o meio, o paciente apresenta atividade motora somentepor meio de estímulos dolorosos e os reflexos do tronco encefálico estão preservados. COMA PROFUNDO o paciente não apresenta reação aos estímulos dolorosos, os reflexos do tronco encefálico estão deprimidos ou abolidos e pode haver distúrbios das funções autonômicas. COMA DÉPASSÉ estado que pode ser reversível, no qual o paciente deve encontra-se obrigatoriamente em apneia associada à falência das funções autonômicas (p. ex.: hipotermia intensa e intoxicação por barbitúricos). MORTE ENCEFÁLICA falência total e irreversível das funções encefálicas. EXAME FÍSICO DO PACIENTE EM COMA REFLEXOS DE INTEGRIDADE DO TRONCO ENCEFÁLICO Reflexo pupilar Com uma luz adequada, deve-se iluminar a pupila do paciente. A resposta esperada é a miose tanto da pupila irradiada (reflexo fotomotor direto) como da pupila contralateral (reflexo fotomotor consensual). Aferência NC II e Eferência NC III. Reflexo córneo-palpebral Realizado com uma mecha de algodão seco, tocando alternadamente as córneas e observando-se a presença de fechamento palpebral ou o desvio conjugado dos olhos para cima. Reflexo oculocefálico Realiza-se a movimentação da cabeça no eixo horizontal (rotação da cabeça) e no eixo vertical (flexão e extensão do pescoço). A resposta normal é o deslocamento ocular no sentido contrário aos movimentos realizados, mantendo a fixação do olhar em um ponto específico. Ex.: o examinador rotaciona a cabeça do paciente para a esquerda observando o desvio conjugado do olhar para a direita; quando isso não ocorre e os olhos se deslocam com a cabeça, observa-se o sinal dos “olhos de boneca”. Reflexo vestíbulo-calórico Cabeça do paciente elevada à 30º do plano horizontal. Com o auxílio de uma seringa, injetar lentamente 50 mL de água a 4ºC sobre a membrana timpânica do paciente. A resposta normal é o desvio conjugado do olhar para o lado contralateral com nistagmo batendo em direção à orelha injetada. Reflexo vestíbulo-ocular Estabiliza os olhos e o corpo durante o movimento da cabeça. N vestibular – núcleos vestibulares no bulbo – centros superiores. Estabilidade da imagem na retina: ao movimentar a cabeça, os olhos se movem para compensar o movimento e manter a imagem “parada”. EXAME DA LINGUAGEM A linguagem é uma das mais funções mais elaboradas que o raciocínio humano foi capaz de criar ao longo do tempo. Sua execução depende do funcionamento harmônico de diversos sistemas, manifestando-se por uma extensa gama de sinais e sintomas, sendo comumente necessário o auxílio de um fonoaudiólogo experiente para sua correta avaliação. Classicamente, distinguem-se três modalidades de linguagem – a percepção, a expressão oral e a expressão escrita –, as quais devem ser avaliadas separadamente. A seguir, são descritas as principais afecções da linguagem que, muitas vezes, podem ser identificadas ainda durante a anamnese. Disfonia Distúrbio do timbre e da intensidade do som produzido (rouquidão). Ocorrem por comprometimento da inervação motora das cordas vocais. Afonia Ausência completa da voz. Dislalia Distúrbio da articulação da palavra que decorre de causas múltiplas, excluídas as perturbações neurológicas. Troca de fonemas (personagem cebolinha). Disartria Distúrbios da articulação das palavras ocasionados por alterações neurológicas, em nível periférico ou central. As palavras podem ser anasaladas, mal articuladas ou pouco nítidas, mas o aspecto simbólico central da linguagem permanece intacto Taquilalia Aceleração da fala. Bradilalia Lentificação em pronunciar palavras. Gagueira Interrupção da fala, com tal frequência e anormalidade que chamam a atenção e interferem na comunicação. Afasia Distúrbio na produção ou compreensão da linguagem. Geralmente causada por lesões no hemisfério cerebral dominante. Afasia de Wernicke Afasia sensorial. Dificuldade de compreensão da palavra escrita ou falada. A fala é fluente, espontânea, rápida, contudo falta significado nas sentenças. Afasia de Broca Afasia motora. Dificuldade na expressão oral e/ou gráfica. Há compreensão da linguagem falada. Esses pacientes falam pouco, têm consciência de seu déficit e, por isso, sofrem. Afasia mista Desintegração da função da linguagem, com incapacidade do paciente para entender ordens verbais e para a expressão oral e gráfica. AGNOSIA E APRAXIA Distúrbios cognitivos que se refletem sobre o sistema motor ou sensitivosensorial e impedem a realização de tarefas simples que exijam movimentos coordenados ou a interpretação consciente e adequada de informações captadas pelos sistemas sensitivos e sensoriais. AGNOSIA: ● Dificuldade de reconhecer objetos ou sons por meio de estímulos sensitivos (táteis) ou sensoriais (auditivos ou visuais). ● Ausência de alterações ópticas, auditivas ou táteis. ● Causa: lesões cerebrais focais. ● Estereoagnosia: perda da capacidade de reconhecer objetos apenas pela palpação. APRAXIA: ● Incapacidade de executar certos atos motores de maneira adequada (p. ex.: abotoar a camisa, amarrar os sapatos, etc.) mesmo com os órgãos de execução intactos.
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