Buscar

As oportunidades da aplicação da mediação no âmbito empresarial - cap 3

Prévia do material em texto

1.3 
AS OPORTUNIDADES DA APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO NO 
ÂMBITO EMPRESARIAL 
Claudia Frankel Grosman 
Sandra Regina Garcia Olivan Bayer 
INTRODUÇÃO 
A mediação é uma das formas utilizadas para gerir conflitos no contexto empresarial. Essa gestão é 
conduzida por um terceiro, capacitado e imparcial, que tem a função de guardião do procedimento de 
mediação, assegurando às partes e aos seus advogados uma comunicação produtiva e eficiente, em um 
espaço de confidencialidade, no sentido de alcançar um resultado possível e sustentável ao longo do 
tempo, que seja de concordância das partes e validado por seus advogados. As questões a serem 
cuidadas na mediação podem envolver assuntos internos ou externos à empresa. 
Os advogados têm usado a mediação como uma ferramenta para colaborar nas negociações entre 
seus clientes e outras partes (parceiros, sócios, terceiros). O intuito é oferecer aos clientes um serviço de 
excelência, de forma preventiva em momentos de impasse ou de crise. A mediação cabe a qualquer 
momento do conflito e evita a escalada do mesmo. 
Onde a mediação empresarial difere dos outros procedimentos de resolução de conflitos? Nela, o 
protagonismo é dado às partes, garantindo a confidencialidade, a autonomia da vontade (em todos os 
momentos do procedimento), a não obrigatoriedade de um acordo e a liberdade para cuidar de vários 
assuntos em um mesmo ambiente, mesmo aqueles que não caberiam dentro do contexto judicial, como 
questões de comunicação. 
Além disso, na maioria das vezes a mediação reduz consideravelmente os custos financeiros além 
dos irreparáveis e incalculáveis custos emocionais. 
Neste artigo serão abordadas algumas situações do âmbito empresarial, nas quais a mediação 
mostra-se cabível, útil e adequada. Analisa algumas possibilidades, nas quais a mediação adequa-se mais 
naturalmente, em especial nos casos em que a base do conflito cria entre as partes um vínculo 
continuado. 
A análise será feita sem a preocupação de descrever os procedimentos e as técnicas da mediação. O 
esforço, de fato, será encontrar as oportunidades valiosas. 
Nesse sentido, empresas apresentam relações continuadas quase sempre mediáveis, tanto 
internamente (por exemplo, casos de relações entre sócios, de conflitos entre funcionários ou outros 
atores internos) quanto no exterior da empresa (relações comerciais entre empresas e consumidores 
finais ou com terceiros que, embora sem vínculos comerciais, possuam interesses atingidos direta ou 
indiretamente pela atividade empresarial). 
Cabe lembrar, ainda, que a mediação poderá ser privada, mas ela também é uma etapa processual, 
prevista no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 334. Assim, apesar de não tratarmos da 
mediação processual no presente texto, importa saber que empresas que são partes em processos 
judiciais deverão passar por pelo menos uma audiência de conciliação ou mediação judicial, quando 
designadas pelo juiz do caso. 
MEDIAÇÃO SOCIETÁRIA 
Qualquer empresa é constituída e gerida por seres humanos, o que traz para o mundo empresarial 
uma instabilidade natural nas suas relações internas e externas. Diferenças individuais convivem dentro 
de um mesmo ambiente: a empresa. Estas questões, se geridas de forma saudável, podem agregar valor 
à empresa e seus stakeholders. 
Sócios ou sociedades eventualmente desfazem-se de uma relação antiga de sucesso e/ou parceria 
por conta de questões pontuais, às vezes pessoais, que ganham tamanha força que parecem cegar os 
envolvidos. Os resultados podem ser desastrosos. As pessoas podem não perceber que existem soluções 
possíveis de serem pensadas e elaboradas por elas próprias quando cuidadas em um ambiente seguro, 
confidencial e respeitoso. 
Pessoas fazem a diferença para a empresa quando conseguem cuidar dos momentos de impasse, de 
indisposição, procurando ajuda antes de uma deterioração maior. A ideia da mediação nesses casos é 
pensar na solução sem foco na destruição do outro, mas sim no contexto geral e possível para todos os 
envolvidos. 
São conhecidos alguns casos de sócios que conseguiram pensar em novos modelos de negócio, 
conjuntamente com seus advogados, ao mesmo tempo em que eliminaram situações que os 
incomodavam. Muitos deles puderam construir na mediação o início de uma nova fase que, ao longo do 
tempo, foi consolidada. Alguns dos acordos previam um acompanhamento ao longo do tempo pelos 
advogados, até a maturação da confiança que foi abalada. Na mediação, os acordos podem ser muito 
amplos e envolver vários assuntos ao mesmo tempo. 
Uma empresa familiar, por exemplo, tem o grande desafio de manter-se por várias gerações, lidando 
com fatores delicados como: conflito entre gerações e de conhecimento, entrada de herdeiros na 
empresa sem qualificação adequada ao cargo, a inclusão de novos membros no sistema familiar durante 
a vida, entre outros. Estas questões devem ser cuidadas para não se transformarem em armadilhas para 
a empresa e, consequentemente, a família. 
O Brasil tem entre 6 a 8 milhões de empresas, sendo que 90% delas são empresas familiares. Seja grande, 
média ou pequena, as empresas familiares têm um papel significativo no desenvolvimento econômico, 
social e até político de vários países.... Mesmo diante de números positivos, a preocupação para manter 
uma empresa familiar é grande. Só para ter ideia, de cada 100 empresas familiares brasileiras, 30% 
chegam na segunda geração e apenas 5% na terceira geração. Os números comprovam que muitas não 
conseguem sobreviver a esta passagem ou chegam lá com muita dificuldade.1 
Kignel e Werner, de forma clara e didática, explicam o mundo da empresa familiar e suas várias 
questões: 
Guardadas as proporções, os avanços e retrocessos, os acertos e erros que vivenciamos são igualmente 
existentes no microcosmo do mundo individual que dividimos com nossos próximos, ao qual 
denominamos família. A essas relações, extremamente complexas, agregam-se as necessidades 
econômicas que são vividas dentro de uma empresa familiar. 
Os mais nobres sentimentos humanos de amor, carinho, respeito, exemplo, moral e tantos outros que 
buscamos preservar e transmitir aos nossos filhos acabam convivendo lado a lado com a vida empresarial 
na qual prevalece eficiência, competitividade, competência e, por que não dizer, a própria necessidade de 
manutenção de um negócio. 
A empresa familiar é, assim, o somatório de elementos racionais e irracionais em uma convivência 
baseada simultaneamente em emoções e na sobrevivência da empresa.2 
 
1. SEBRAE/SC. “No Brasil 90% das empresas são familiares”, Folha de Londrina, 2005. Disponível em 
http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410, acesso em 18/07/2014. 
 
2. KIGNEL, Luiz; WERNER, René A. ...e Deus Criou a Empresa Familiar: uma Visão Contemporânea. São Paulo: Integrare 
Editora, 2007, p. 20. 
Dessa forma, fica visível a oportunidade da mediação num ambiente de vínculos mais antigos do que 
as próprias pessoas que o vivenciam, ao mesmo passo que assuntos de natureza empresarial ali se 
imiscuem. É somente a separação entre as pessoas e os problemas que acaba permitindo uma visão 
objetiva para os problemas empresariais que devem ser resolvidos, para o bem de todos, de maneira 
pragmática e voltada ao futuro. 
A mediação pode levar essas pessoas de volta ao foco, já que, ao prejudicar a empresa não estão 
prejudicando somente os outros, mas a si mesmos, numa estratégia kamikaze. Não é estranho ouvir, no 
ambiente das empresas familiares em conflito a seguinte frase: “eu posso perder tudo, mas ele também 
perderá”. Na verdade, a mediação pode possibilitar a mudança dessa posição, de forma a possibilitar 
ganhos mútuos. 
Nesse sentido, ensina Francisco Cahali: 
instaurada a controvérsia entre sócios, ou entre grupos empresariais coligados, a mediação encontra 
espaço para a pacificação do conflito e, especialmente, para encontrar soluções com benefícios 
recíprocos,desviando-se das soluções adjudicadas que, pela demora, custo e circunstâncias podem 
comprometer definitivamente o negócio.3 
MEDIAÇÃO ENTRE FUNCIONÁRIOS 
A mediação entre funcionários, ou entre times e departamentos de uma mesma empresa, dá-se hoje 
de várias formas. Algumas empresas trabalham com um gestor de conflitos interno, treinado para este 
fim, chamado de facilitador. Quando se trata de um conflito mais complexo, o próprio gestor de conflitos, 
o departamento de recursos humanos ou o departamento jurídico sugere uma mediação com a 
participação de um mediador externo. 
As empresas também investem em programas de sensibilização para seus funcionários, através de 
cursos de curta duração. Importante dizer que as técnicas de mediação, ensinadas durante o curso, são 
apresentadas dentro do contexto da empresa. Os funcionários passam a testar na prática a experiência 
aprendida, até que ela se torne usual. 
Além do facilitador e do mediador, as empresas podem também contratar escritórios especializados 
em gestão de conflito. 
Diferentes equipes de uma mesma construtora, por exemplo, trabalham no mesmo 
empreendimento. Se os funcionários tiverem receio de conversar sobre as dificuldades e suas possíveis 
soluções, a chance de o problema estourar em outro departamento ou mesmo fora da empresa é 
grande. Este fato resultaria em prejuízo para todos os envolvidos, inclusive os próprios funcionários. 
No exemplo dado, atuamos em um caso de crise entre departamentos que prejudicava o ambiente 
de trabalho e o objetivo do empreendimento. “O clima estava pesado”. Atuamos em duas fases: 
sensibilização e acompanhamento das equipes técnica e financeira. Como resultado as equipes 
melhoraram a comunicação, passaram a trabalhar no mesmo andar e o feedback foi que o ambiente 
melhorou muito. 
A cultura da mediação levada para dentro da empresa, cria um ambiente propício para solução de 
problemas. 
MEDIAÇÃO TRABALHISTA 
A situação da mediação entre funcionários difere, contudo da situação de conflitos entre 
funcionários e seus empregadores, seja o conflito coletivo ou individual, tendo em vista que tais conflitos 
são especificamente tratados pela legislação trabalhista. Por esse motivo, a mediação trabalhista não foi 
 
 
3. CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 66. 
 
tratada pela Lei de Mediação (Lei 13.140/15), que no parágrafo único de seu artigo 42 previu que “A 
mediação nas relações de trabalho será regulada por lei própria.” E assim ocorreu, com a chamada 
Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que inclui os meios “alternativos” de solução de conflito na 
resolução de questões trabalhistas. 
De todo modo, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho também criou procedimento próprio para 
os casos referentes ao Direito do Trabalho, devido às suas especificidades, por meio da Resolução 
174/2016, que estabelece, da mesma forma que a resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, 
uma política de tratamento adequado de conflitos, só que, no caso, especificamente sobre conflitos 
trabalhistas. Da mesma maneira, paralela à da Justiça comum, na Justiça do Trabalho estabeleceu-se criar 
centros de conciliação, a exemplos dos CEJUSCS, com a diferença, contudo, de que somente servidores 
ativos e inativos da Justiça do Trabalho, assim como magistrados aposentados, podem exercer a função 
de conciliadores e mediadores. 
Dessa forma, podemos afirmar que a mediação trabalhista tornou-se uma realidade no Brasil, o que 
é compatível com a flexibilização do direito do trabalho, que deve ocorrer desde a fase da negociação do 
contrato até o momento da resolução de conflitos surgidos com o término da contratação. 
MEDIAÇÃO COMERCIAL 
A mediação comercial, na definição de Fernanda Levy, é aquela “atinente a conflitos externos que 
surgem nas relações entre a empresa e seus fornecedores, compradores etc.”,4 de tal modo que 
podemos entender compreendidas, nesse âmbito, uma grande gama de relações de natureza comercial, 
que a empresa possui de forma a possibilitar o objetivo final da sua atividade. 
As empresas não são autossuficientes, precisam constantemente contratar outros parceiros para o 
fornecimento de produtos e serviços necessários à realização de seu fim. E mais, esse fim não é atingido 
na atividade por si só, mas na sua relação com seus destinatários, seja dos produtos que fabrica ou dos 
serviços que possa prestar. 
A mediação comercial possui um componente extraordinário, nesse ponto: essas relações 
comerciais típicas da atividade empresarial são objeto de contratos. Esses contratos, por sua vez, 
possuem, mesmo que somente pro forma, cláusulas de soluções de disputas. Apesar de no Brasil ainda 
ser comum, nesses contratos, a adoção somente de cláusulas de eleição de foro (nas quais as partes 
escolhem a Comarca que terá competência territorial para conhecer ação judicial a ser proposta em caso 
de conflito), esse é o espaço que proporciona a grande oportunidade para mediação comercial. 
Para o início de uma mediação comercial não há obrigatoriedade de previsão contratual. Basta que, 
no surgimento de um conflito, as partes optem, de comum acordo, pela realização de um procedimento 
de mediação. Nesse sentido, as partes escolhem um mediador ou uma instituição gestora para dar início 
à mediação. 
Contudo, cláusulas especiais para resolução de conflitos têm sido frequentemente embutidas nos 
contratos comerciais como cláusulas de arbitragem, de mediação e mistas/escalonadas (cláusulas med-
arb ou arb-med) que mesclam a solução pela arbitragem e pela mediação, prevendo, por vezes, a 
realização de uma fase de negociação prévia. Nas cláusulas mistas/escalonadas, a mediação precede ou é 
realizada durante a arbitragem. Também pode ser prevista a formação de um dispute board (DB) ou 
Comitê de Resolução de Disputas em casos de contratos de fornecimento de serviços de alta 
complexidade e de longa duração como o de infraestrutura, que consiste na formação de um comitê de 
especialistas no assunto que o contrato versa com a função de acompanhar a execução do mesmo, 
formular recomendações e decisões para as partes. 
Qualquer breve contrato de compra e venda de um parafuso, por uma empresa, para a fabricação 
 
4. LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas Escalonadas – A Mediação Comercial no Contexto da Arbitragem. São 
Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 130. 
 
de seus produtos, pode conter uma cláusula de resolução de conflitos por meio de mediação. Mas como 
foi dito anteriormente, o maior benefício da mediação ocorre nas relações comerciais de longo termo. 
Um pequeno conflito entre duas empresas pode ser facilmente resolvido numa demanda simples, 
judicial ou arbitral, mas cabe ao advogado e ao empresário analisar quais outros eventuais 
relacionamentos entre essas mesmas empresas poderão ser afetados pela quebra da relação amigável 
entre elas. É possível que outras relações entre empresas do mesmo grupo sejam atingidas pela quebra 
de diálogo e confiança. Se pensarmos em relações entre empresas multinacionais, as perdas indiretas 
podem ser enormes e ultrapassar as fronteiras nacionais, apesar de o conflito ser inicialmente quase 
insignificante. 
Essas relações valiosas para a atividade empresarial beneficiam-se sobremaneira pela previsão 
contratual da realização de mediação anterior à busca de uma solução adjudicada para o conflito, seja 
judicial, seja arbitral. Nesse sentido, muitas Câmaras arbitrais, entre nós, já possuem regulamento 
próprio para procedimento de mediação e amplo quadro de mediadores, de tal forma que os contratos 
comerciais, agora, já podem contar com a opção da mediação institucional, regulada pela Câmara, assim 
como ocorre na arbitragem. 
MEDIAÇÃO E AS RELAÇÕES CONSUMERISTAS 
Da mesma forma que ocorre na situação anterior, as relações com os consumidores são também da 
empresa com o mundo externo, com a diferença,aqui, de que se tratam dos destinatários finais da 
atividade objeto da empresa.5 
Por tratar-se de relação com parte que não está desenvolvendo atividade de natureza comercial, a 
legislação prevê uma série de medidas protetivas ao consumidor em relação ao fornecedor, em função 
da sua hipossuficiência, mesmo que esse seja uma pessoa jurídica. Nesse caso, uma cláusula contratual 
que obrigasse a mediação seria considerada leonina ou abusiva e, portanto, nula6. Assim sendo, a 
mediação pode estar prevista no contrato, mas como uma possibilidade pela qual o consumidor pode ou 
não optar, quando do surgimento de controvérsia, não podendo ser a ele imposta. É conhecida a 
chamada “cláusula de cortesia” pela qual os fornecedores comprometem-se a tratar extrajudicialmente 
do conflito, caso seja da vontade dos consumidores, depois de surgido o conflito. Assim, o consumidor se 
sente convidado, e não forçado a uma mediação, o que seria contrário ao princípio da autonomia da 
vontade. 
Dentro desse contexto, a sociedade vê com bons olhos a tentativa de solução pacífica de um 
conflito. As empresas têm meios de iniciar procedimentos preventivos já nas suas ouvidorias e até 
mesmo em seus departamentos de “pós-venda” ou SAC, atendimento a clientes, entre outros. O 
fundamental é, de toda forma, que essa política de pacificação e excelência de serviços ganhe efetiva 
aplicação na vida real com a consequente satisfação e fidelização do cliente. 
Em caso de nossa experiência assessorando um departamento de atendimento a clientes, com 
vários chamados de pós venda após entrega de apartamento pela construtora, havia diversos tipos de 
reclamação: de canos furados por obras internas nos apartamentos pelos contratados dos moradores, 
depósitos com mofo ou pintura mal feita, insatisfação quanto a localização das garagens, até danos nos 
apartamentos por obras vizinhas, etc.). Todos os chamados tinham um tom pesado e a empresa tinha 
 
5. Segundo o artigo 2º Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica 
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” 
 
6. A nulidade é entendida por analogia à previsão da abusividade da cláusula compulsória da arbitragem, (artigo 51, 
VII, da Lei nº 8.078/90), visto que não existe regra expressa sobre mediação consumerista. A abusividade estaria na 
imposição ao consumidor, por contrato de adesão, de um meio extrajudicial de resolução de conflito (o que é o caso 
da mediação e arbitragem, embora muito distintos entre si), o que supostamente afrontaria o princípio 
constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário. 
 
dificuldade no atendimento. A relação era de desgaste desde o início. Acompanhamos a equipe de 
atendimento ao cliente nas negociações e percebemos uma grande mudança no destino das reclamações 
quando os clientes se sentiam ouvidos na primeira conversa. O intuito aqui foi de exercitar “in loco” 
habilidades comunicacionais. Após essa etapa, estudamos os casos vivenciados e elaboramos 
procedimentos internos para um melhor custo benefício para ambos os lados. 
Esta reorganização dos processos internos e a elaboração de um sistema preventivo não apenas 
colabora na resolução de conflitos pontuais, mas evita sua reincidência e custos desnecessários. 
MEDIAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL 
Em tempos de crise, crescem os números de procedimentos de recuperações e até mesmo de 
falências de empresas. Quando a falência pode ser evitada, normalmente a empresa em dificuldades 
procura, via judicial ou extrajudicial, seus credores para a realização de um plano que preveja a forma de 
pagamento de suas obrigações, de modo a impedir a sua bancarrota. 
Nos dois ambientes, mas sobretudo no extrajudicial, a elaboração desse plano é feita mediante 
negociação entre as partes que podem aproveitar-se enormemente do trabalho de um mediador que 
organize essa conversa e cuide para que se mantenha produtiva, sobretudo por estarmos diante de 
conflitos "multipartes", em que muitos credores precisam ser ouvidos e terem suas necessidades 
contempladas ao mesmo tempo. Além disso, no procedimento judicial, participa o administrador judicial, 
nomeado pelo juiz para o acompanhamento da legalidade do procedimento, dentre outras funções 
previstas em lei. 
A Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, a chamada de Lei de Falência, regulamenta os 
procedimentos tanto de recuperação judicial, como extrajudicial. Do mesmo modo, o Conselho Nacional 
de Justiça redigiu a Recomendação nº 58, de 22 de outubro de 2019, no sentido de "Recomendar a todos 
os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação judicial e 
falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da Lei nº 
13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e 
qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, 
fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo" (art. 1º).7 
No procedimento judicial, o plano de recuperação judicial elaborado pelo devedor, em princípio, 
deve ser aceito, modificado ou rejeitado pela chamada assembleia geral de credores, que inclui todos os 
credores, segundo a convocação do juiz e é presidida pelo administrador judicial. Na prática, contudo, 
antes de o plano ser apresentado ao juiz, já é ele negociado pelos advogados. E nesse momento, na 
criação do plano, um mediador pode ser de grande valia, pois tem um olhar imparcial para o todo e ao 
longo da negociação cuida dos impasses trazendo foco para o resultado almejado. Ainda é possível ser 
iniciado procedimento de mediação posteriormente, mas o momento da composição do plano parece ser 
a melhor oportunidade, na prática. 
Mas é sobretudo na recuperação extrajudicial que a mediação se mostra ainda mais profícua, visto 
que pode, pelo bom trabalho de construção de um plano de recuperação, evitar a judicialização do 
conflito multipartes. A confecção de tal plano deverá obedecer aos restritos critérios legais, previstos nos 
artigos 161 e seguintes da lei, bem como as previsões da Recomendação 58/2019 do CNJ, a fim de que 
obtenha a devida homologação judicial, ao final. 
 
7Deixamos aqui, propositalmente, de mencionar os projetos de lei, resolução do CNJ e portaria de varas 
especializadas de Direito empresarial de diversos tribunais, que foram criados pontualmente para tratar desse 
tema durante a Pandemia da Covid-19, por entendermos que limitaria o texto no tempo, por terem prazo de 
vigência estabelecido. Vários textos normativos foram, de fato, produzidos, no sentido de facilitar as 
recuperações de empresários prejudicados pelas medidas locais de "quarentena", na tentativa de evitar um 
grande número de falências, em boa parte deles prevendo a negociação assistida por terceiro e a mediação 
como expediente a ser usado para auxiliar na solução dos conflitos advindos dessa situação momentânea. 
MEDIAÇÃO E OS TERCEIROS INTERESSADOS 
Quando trata de relações com terceiros interessados, se refere ao grupo ou indivíduo que pode 
afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos da empresa. O fato é que a empresa, além de seu 
próprio contexto, está no mundo. O seu ambiente, sobretudo, mas não somente o físico, é altamente 
afetado pelas suas atividades. 
Um bom exemplo é a relação com vizinhos de uma obra de um shopping center. É possível imaginar 
que esses vizinhos podem atrapalhar a empresa e a empresa pode atrapalhá-los, se não conseguirem 
conviver em harmonia. Em muitos casos, por falta de conversa e de cuidado recíproco, o conflito pode 
gerar grandes prejuízos a ambos os lados. 
Questões ambientais são outro exemplo no qual uma atividade empresarial pode atingir terceiros de 
maneira direta e sensível com impacto prejudicial à qualidade de vida de toda uma coletividade. Nessas 
situações, a possibilidadeda mediação deve levar em consideração o impacto gerado, a sua duração, a 
sua gravidade, e até mesmo a atitude preventiva da empresa. Muitas empresas que atuam no setor 
petrolífero trabalham com a diminuição do impacto da atividade para comunidades vizinhas por meio de 
procedimentos de mediação coletiva com seus representantes. Nessas oportunidades, em que há grande 
número de envolvidos, é cada vez mais comum a utilização da metodologia da construção de consenso, 
com a produção de um compromisso final, “representativo do pensamento de todos”.8 A ideia é a de não 
existir uma minoria “perdedora”, mas uma construção que contemple os aspectos com os quais todos 
possam conviver. 
Não é difícil perceber que tal natureza de conflitos é bastante delicada e tão melhor será o 
resultado alcançado quanto antes sejam tomadas as iniciativas de facilitação da comunicação entre os 
dois ou mais polos de interesse. A atitude preventiva, anterior ao início da criação do impacto 
ambiental, é uma demonstração inicial de boa-fé, que propicia uma maior abertura do diálogo.9 
CONCLUSÃO 
A mediação empresarial preserva as relações existentes, tem foco no positivo e no futuro, mesmo 
que passeie pelo passado e que a decisão seja a de interromper a relação ora existente. Até para 
interromper uma relação continuada ao longo do tempo é importante que isso seja feito de forma 
tranquila, para evitar impactos e desgastes futuros. O importante é buscar o real interesse, bem como 
novas possibilidades para os envolvidos. Quando devidamente assistidos por seus patronos nas 
questões jurídicas e regidos por um terceiro imparcial, sem foco nas noções de certo ou errado, a 
mediação possibilita um resultado interiorizado e comprometido e muitas vezes algo não pensado 
antes. 
A mediação empresarial não é a única forma de cuidar das diferenças e nem a mais adequada para 
todos os casos. Apesar do problema em discussão, nem todas as pessoas querem participar da mediação. 
No entanto, por conta do princípio da autonomia da vontade (voluntariedade somada ao protagonismo 
das partes) este processo mostra-se prejudicado sem a vontade de todas as partes envolvidas. 
Esse “querer” é um ponto delicado e de difícil trato. Várias vezes advogados empresariais 
procuraram mediadores para tentar viabilizar uma mediação que foi inicialmente recusada por seus 
clientes. É preciso explicar aqui que, em momentos de grande tensão, o “querer” das pessoas pode estar 
acobertado pelo “não querer”. Nesses casos, o especialista em mediação e o advogado que presta um 
serviço de excelência ao seu cliente podem fazer a diferença. A mediação quando vivenciada faz com que 
 
8. ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO Mariana Hernandez (Orgs). Tribunal Multiportas: Investindo no 
Capital Social para Maximizar o Sistema de Solução de Conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012, p. 22. 
 
9. Contudo, não podemos esquecer que, ao tratar tal mediação de um bem indisponível (o meio ambiente), o diálogo 
deve ser composto, também, com as autoridades locais e com o Ministério Público. 
 
os participantes vivenciem a oportunidade de protagonizar. Ninguém melhor para resolver a questão do 
que aquele que a vivencia. 
A influência de questões culturais e as reações humanas ao momento de litígio devem ser 
compreendidas. Alguns entendem que sentar para conversar pode demonstrar uma fraqueza que seria 
prejudicial no futuro. Outros reagem com comportamentos de fuga (distanciando-se, evitando ou 
abandonando) ou de ataque (ameaçando, blefando, coagindo, gritando, fazendo alianças ou gestos 
hostis). Reações como estas, que são naturais, muitas vezes distanciam as pessoas de uma melhor 
solução. 
O conflito pode ser altamente produtivo, mas se mal administrado pode gerar uma situação 
complexa, nada usual, que coloca o indivíduo fora da zona de conforto. O desafio e arte da mediação 
empresarial é conciliar a visão econômica da atividade empresarial, de modo pragmático, e a visão 
emocional dos sujeitos envolvidos. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO Mariana Hernandez (Orgs). Tribunal Multiportas: 
Investindo no Capital Social para Maximizar o Sistema de Solução de Conflitos no Brasil. Rio de 
Janeiro: Editora FGV, 2012, p. 22. 
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 66. 
KIGNEL, Luiz; WERNER, René A. ...e Deus Criou a Empresa Familiar: uma Visão Contemporânea. São 
Paulo: Integrare Editora, 2007, p. 20. 
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas Escalonadas – A Mediação Comercial no Contexto da 
Arbitragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 130. 
SEBRAE/SC. “No Brasil 90% das empresas são familiares”, Folha de Londrina, 2005. Disponível em 
http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410, acesso em 18/07/2014. 
REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS 
Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, artigo 2º e 51. 
Lei de Mediação, Lei nº 13.140, artigo 42. 
Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017. 
Lei de Falências, Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 
Recomendação nº 58, de 22 de outubro de 2019. 
 
http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410

Mais conteúdos dessa disciplina