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2019 Literatura Hispânica ii Prof.ª Mara Gonzalez Bezerra Prof.ª Luiziane da Silva Rosa Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof.a Mara Gonzalez Bezerra Prof.a Luiziane da Silva Rosa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: R788l Rosa, Luiziane da Silva Literatura hispânica II. / Luiziane da Silva Rosa; Mara Gonzalez Bezerra. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 252 p.; il. ISBN 978-85-515-0305-8 1. Literatura espanhola. – Brasil. 2. Literatura hispano-americana. – Brasil. I. Bezerra, Mara Gonzalez. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 860 III apresentação Caro acadêmico, neste livro didático você encontrará algumas informações e exemplos de textos representativos da literatura hispano- americana. Os países de fala espanhola nas Américas são: Argentina, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Peru, Chile, Equador, Bolívia, Venezuela, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica, Cuba, Honduras, Panamá, República Dominicana e México. E cada um visto geograficamente, com suas próprias variações linguísticas, sociais e culturais. A Unidade 1 aborda o reconhecimento cultural e literário dos povos originários, os primeiros encontros de culturas a partir dos relatos espanhóis, o Barroco hispano-americano e seus escritores. A Unidade 2 apresenta o reflexo social europeu como influência em movimentos independentistas e a incipiente formação de textos hispano-americanos com elementos locais, o gênero gauchesco é um exemplo. A Unidade 3 aponta para escritores em busca de uma literatura própria hispano-americana e que se torna reconhecida mundialmente, mas em busca de uma independência cultural. Estudar a literatura das Américas requer uma pesquisa contínua, um fato para o aluno de Letras-Espanhol. Ao desenvolver uma reflexão sobre qual é o papel da literatura na educação, percebemos que nos torna críticos e reflexivos na vida cotidiana. Certamente o assunto não se esgota aqui, a variedade e o conteúdo dos gêneros textuais publicados ao longo de séculos e os que ainda surgirão devem nos tornar um estudante “insatisfeito” com o desejo constante de saber mais. Bons estudos! Prof.a Dr.a Mara Gonzalez Bezerra Prof.a M.a Luiziane da Silva Rosa IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO ........................................... 1 TÓPICO 1 – O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO ........................................................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 A LITERATURA PRÉ-HISPÂNICA: O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS .................. 3 2.1 OS MAIAS ......................................................................................................................................... 6 2.1.1 Popol Vuh ................................................................................................................................ 9 2.2 OS ASTECAS .................................................................................................................................... 13 2.2.1 Netzahualcóyotl – Um Imperador Poeta Náuatle .............................................................. 15 2.3 OS INCAS ......................................................................................................................................... 16 2.3.1 Os Quipus e os Quellcas (Quicas) ........................................................................................ 18 2.4 OS GUARANIS ................................................................................................................................ 23 2.4.1 Outros povos originários ....................................................................................................... 24 3 A EXPANSÃO DA COROA ESPANHOLA ..................................................................................... 25 3.1 ISABEL E FERNANDO – OS REIS CATÓLICOS ........................................................................ 25 3.2 AS NAVEGAÇÕES, OS PLANOS E AS DESCOBERTAS MARÍTIMAS .................................. 28 3.3 O TRATADO DE TORDESILHAS – ESPANHA E PORTUGAL COMO POTÊNCIAS MARÍTIMAS ..................................................................................................................................... 28 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 31 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 33 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 34 TÓPICO 2 – AS MISSIVAS DO NOVO MUNDO ............................................................................ 37 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 37 2 AS NOTÍCIAS DO COLONIZADOR .............................................................................................. 37 2.1 CRISTÓVÃO COLOMBO ............................................................................................................... 39 2.2 HERNÁN CORTÉS NO MÉXICO ................................................................................................. 41 2.3 A TRADUÇÃO COMO UMA ESTRATÉGIA DA COLONIZAÇÃO ....................................... 42 2.4 FRANCISCO PIZARRO NO PERU ............................................................................................... 44 3 AS NARRATIVAS SOBRE AMÉRICA ............................................................................................. 46 3.1 BERNAL DÍAZ DEL CASTILLO .................................................................................................. 49 3.2 FRANCISCO LÓPEZ DE GÓMARA ........................................................................................... 50 3.3 FELIPE GUAMÁN POMA DE AYALA ........................................................................................ 51 3.4 INCA GARCILASO DE LA VEGA ............................................................................................... 52 3.5 ÁLVAR NÚÑEZCABEZA DE VACA ......................................................................................... 54 3.6 ALONSO DE ERCILLA Y ZÚÑIGA – A ÉPICA ........................................................................ 54 4 O BARROCO HISPANO-AMERICANO ......................................................................................... 56 4.1 O TEATRO COLONIAL – JUAN RUIZ DE ALARCÓN Y MENDOZA .................................. 61 4.2 AS LETRAS DE CARLOS DE SIGUËNZA Y GÓNGORA ........................................................ 64 4.3 AS LETRAS DO CONVENTO ....................................................................................................... 65 4.4 SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ – UMA ESCRITORA BARROCA ....................................... 66 4.5 SOR JUANA ESCREVE SOBRE A PRESENÇA AFRICANA NAS COLÔNIAS ESPANHOLAS ................................................................................................................................ 70 sumário VIII LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 73 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 76 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 77 UNIDADE 2 – PANORAMA DA LITERATURA HISPANO-AMERICANA DOS SÉCULOS XVIII E XIX ................................................................................................. 81 TÓPICO 1 – POR UMA IDENTIDADE LITERÁRIA LATINO-AMERICANA .......................... 83 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 83 2 A CORTE ESPANHOLA NOS TERRITÓRIOS HISPANO-AMERICANOS ANTES DAS INDEPENDÊNCIAS ................................................................................................................... 83 3 O MOVIMENTO DAS INDEPENDÊNCIAS NAS COLÔNIAS HISPANO- AMERICANAS ...................................................................................................................................... 88 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 92 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 94 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 95 TÓPICO 2 – A FORMAÇÃO DE UMA LITERATURA HISPANO-AMERICANA .................... 97 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 97 2 A LITERATURA DO SÉCULO XVIII ............................................................................................... 97 3 A LITERATURA HISPANO-AMERICANA ENTRE O SÉCULO XVIII E O XIX .................... 100 4 O NEOCLASSICISMO ........................................................................................................................ 101 4.1 JOSÉ DE LIZARDI ........................................................................................................................... 101 4.2 ANDRÉS BELLO ............................................................................................................................. 104 4.3 JOSÉ JOAQUÍN OLMEDO ............................................................................................................. 106 4.4 SIMÓN BOLÍVAR ........................................................................................................................... 107 5 A TRANSIÇÃO LITERÁRIA DO SÉCULO XVIII PARA O XIX ................................................ 110 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 111 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 113 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 114 TÓPICO 3 – A LITERATURA HISPANO-AMERICANA DO SÉCULO XIX ............................... 117 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 117 2 GÊNEROS E AUTORES HISPANO-AMERICANOS DO SÉCULO XIX .................................. 118 3 O ROMANTISMO ................................................................................................................................ 120 3.1 ESTEBAN ECHEVERRÍA ............................................................................................................... 122 3.2 MARIANO MELGAR .................................................................................................................... 127 3.3 JOSÉ MÁRMOL .............................................................................................................................. 129 3.4 DOMINGO F. SARMIENTO ......................................................................................................... 130 4 OS RELATOS DAS EXPEDIÇÕES MILITARES AO INTERIOR DO PAÍS ............................. 132 5 O REALISMO ........................................................................................................................................ 135 5.1 ESTEBAN ECHEVERRÍA .............................................................................................................. 136 6 A POESIA GAUCHESCA .................................................................................................................... 138 6.1 JOSÉ HERNÁNDEZ ........................................................................................................................ 141 6.2 RAFAEL OBLIGADO ...................................................................................................................... 142 6.3 ESTANISLAO DEL CAMPO ......................................................................................................... 144 6.4 EDUARDO GUTIÉRREZ ............................................................................................................... 146 7 O MODERNISMO ............................................................................................................................... 152 7.1 JOSÉ MARTÍ ..................................................................................................................................... 154 7.2 RUBÉN DARÍO ............................................................................................................................... 156 IX 8 A TRADIÇÃO ....................................................................................................................................... 159 9 AS CORRENTES IMIGRATÓRIAS .................................................................................................. 160 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 163 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 166 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 167 UNIDADE 3 – O PANORAMA DA LITERATURA HISPANO-AMERICANA ENTRE OS SÉCULOS XX e XXI ............................................................................................... 169 TÓPICO 1 – A LITERATURA HISPANO-AMERICANA NA VIRADA DO SÉCULO XX ....... 171 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................171 2 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NA LITERATURA HISPANO-AMERICANA ................... 171 3 O MODERNISMO E SEUS MOVIMENTOS APÓS 1900 ........................................................... 172 3.1 CÉSAR VALLEJO ............................................................................................................................. 174 4 A VANGUARDA HISPANO-AMERICANA ................................................................................... 176 4.1 POR DENTRO DA VANGUARDA ............................................................................................... 179 4.2 VICENTE HUIDOBRO ................................................................................................................... 180 4.3 JORGE LUÍS BORGES .................................................................................................................... 182 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 187 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 190 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 191 TÓPICO 2 – O SÉCULO XX – A TEXTUALIDADE HISPANO-AMERICANA .......................... 193 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 193 2 AFIRMAÇÃO DE UMA LITERATURA HISPANO-AMERICANA .......................................... 193 3 A LITERATURA HISPANO-AMERICANA E O BOOM HISPANO-AMERICANO .............. 195 4 DEPOIS DA VANGUARDA HISPANO-AMERICANA OU UMA LITERATURA CONTEMPORÂNEA .......................................................................................................................... 197 4.1 JUAN CARLOS ONETTI ................................................................................................................ 197 4.2 AUGUSTO ROA BASTOS .............................................................................................................. 199 4.3 JUAN RULFO ................................................................................................................................... 200 4.4 JULIO CORTÁZAR ......................................................................................................................... 203 4.5 MARIO VARGAS LLOSA ............................................................................................................... 205 4.6 PABLO NERUDA ............................................................................................................................ 206 5 O REALISMO MARAVILHOSO E O REALISMO MÁGICO .................................................... 207 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 214 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 219 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 220 TÓPICO 3 – A LITERATURA CONTEMPORÂNEA HISPANO-AMERICANA ........................ 223 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 223 2 A LITERATURA DA AMÉRICA CENTRAL E MÉXICO .............................................................. 223 3 A LITERATURA RIO-PLATENSE ..................................................................................................... 226 3.1 JOSEFINA PLÁ ................................................................................................................................ 227 3.2 SUSY DELGADO ............................................................................................................................. 227 4 A LITERATURA ANDINA ................................................................................................................. 230 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 234 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 237 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 238 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 241 X 1 UNIDADE 1 O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a história e a contribuição literária dos povos originários; • refletir sobre a importância dos gêneros textuais e literários utilizados pelos europeus para descrever o novo mundo; • compreender a participação de pessoas autóctones e estrangeiras na formação de uma literatura crioula. Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO TÓPICO 2 – AS MISSIVAS DO NOVO MUNDO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 1 INTRODUÇÃO Bem-vindo ao Tópico 1! Começamos a jornada com os povos originários, os habitantes do continente antes da chegada do europeu. As pesquisas de historiadores e arqueólogos comprovam que estes povos tinham um desenvolvimento cultural, social, literário, artístico e humano e alguns com maior expressão. Para este tópico foi realizado um recorte a partir da literatura e dos gêneros textuais desenvolvidos durante o período denominado pré-colombiano, da conquista e o colonial. Iremos destacar alguns autores e textos importantes, mas sem esgotar cada tema, porque o importante é adquirir uma base para o entendimento de como a literatura hispano-americana se desenvolveu a partir do encontro entre europeus e povos originários. Por isso, não deixe de ler os textos indicados, assim como as leituras complementares para saber mais. Cada gênero textual e literário apresentado irá somar para que você, leitor, obtenha no fim do estudo um panorama cronológico do desenvolvimento da literatura hispano-americana. Para tanto, discutiremos, neste primeiro tópico: • Os primeiros gêneros textuais das civilizações da Mesoamérica. • Aproximação aos maias e astecas, incas e guaranis. • A importância dos códices, ou códex, para o registro da oralidade e escritura. • A influência da cultura e da língua espanhola nos textos nativos. • Autores e textos representativos do período colonial hispânico. 2 A LITERATURA PRÉ-HISPÂNICA: O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS Neste tópico abordaremos a forma como antigos impérios mantiveram viva a memória, a preservação de tradições e culturas a partir de meios pictográficos, objetos como cordas e, principalmente, a tradição oral passada de geração a geração. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 4 O período pré-colombiano se refere àqueles que já habitavam as Américas antes de 1492, e se tem notícias de pesquisas históricas que comprovam que outros povos, como os navegadores vikings, estiveram na América muito antes dos espanhóis, mas sem repercussão. DICAS Assista ao filme Eréndira, la indomable (2007). Sob direção de Juan Carlos Mora Cattlet, narra a vida de Eréndira Ikikunari, uma jovem tarasca que desafiou e lutou contra os conquistadores espanhóis. Mostra a história do ponto de vista dos indígenas. Disponível na íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=hpthoMJyQwk.As diversas civilizações que povoaram o continente americano em nada ficavam para trás das europeias. A chegada dos espanhóis ao continente americano foi um marco histórico e social, e o mundo não seria o mesmo após Colombo e suas caravelas. O estudo relacionado à literatura hispano-americana é extenso. As fontes e referências são muitas e compõem um vasto leque de publicações literárias, além de artigos científicos, pesquisas sobre sítios arqueológicos e resultados. A própria internet possibilita o acesso a material que dificilmente seria encontrado impresso, por isso sugerimos sempre, ao longo dos estudos, que você desenvolva um estudo interdisciplinar para apreciação sob diversos prismas do mesmo tema, porém sempre procurando em fontes responsáveis pela divulgação de notícias e arquivos. Antes de comentar sobre cada povo é importante começar a esclarecer sobre a literatura oral e a importância dos códices. Por outro lado, nas últimas décadas do século XX, a História Oral começou a estreitar laços com a Literatura. Daí em diante a abordagem interdisciplinar tem se constituído em um dos principais caminhos para a História Oral, não apenas História Oral no diálogo História/ Literatura, mas também no diálogo entre História e iconografia (SILVA; SILVA, 2009, p. 187). É indiscutível que a organização social e as artes dos povos originários, como maias, astecas e incas, principalmente, além de outros povos minoritários, mas não menos importantes na sua cultura, causaram um certo estupor para o recém-chegado. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 5 A escrita de cartas, relatos e crônicas sobre o cotidiano recém-descoberto, enviados para seus superiores, continha uma variedade muito grande de temas, como a descrição de aparências, as tradições, os costumes, comidas, animais, as riquezas etc. Os cronistas recolheram as histórias contadas oralmente e tiveram um trabalho de escrever apresentações do novo mundo, assim descreveram as formas de gravar textos em suportes diferentes de papel, como os quipus incaicos. Os glifos astecas foram também alvo de curiosidade e muitos dos códices foram destruídos ou espoliados e enviados para a Europa pelo colonizador sem nenhum pudor. Glifos são signos da cultura maia, asteca e olmeca (entre outros povos pré- hispânicos da Mesoamérica) que carregam algumas características. Basicamente existiam cinco categorias de glifos: os de representação numérica (numéricos), os de representação temporal com o uso de datas (calendário), os de representação de objetos (pictográfico), os de representação de ideias (ideográfico) e os de representação de sons e escrita (fonético). NOTA É importante ressaltar que o gênero epistolar foi frequentemente utilizado para descrever o novo mundo, e como se sabe, sobre ele há também um peso histórico e social, já que o registro escrito trazia a visão do europeu na nova terra. Certamente você já deve ter ouvido ou lido algo sobre a carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei Dom Manuel, em Portugal, escrita em Porto Seguro, no final do mês de abril de 1500. A carta, considerada o primeiro marco literário do país, também é conhecida como “Carta de Achamento do Brasil”. Ela narra como foi o encontro com os índios, como aconteceu a primeira missa, como foi a recepção e tentativa de domesticação dos índios, enfim, as primeiras impressões. Um pouco antes da chegada de Cristóvão Colombo até 1500, tantas outras cartas e relatos de viagens foram escritos e são também considerados textos literários. A respeito do relato de viagem é interessante dizer que o registro de um diário, pela sua composição, é uma variante da autobiografia (GUZMÁN- RUBIO, 2011) e, como variação, terá a percepção ou experiência do autor como composição essencial da obra. La escritura diarística, por su intención de contar vivencias reales, es una variante de la autobiográfica. Lo que la diferencia de esta es su pretensión de simultaneidad y un mayor apego a la verdad, puesto que las entradas de un diario no se consignan como una evocación lejana, sino poco tiempo después de ocurridos los hechos, aunque más tarde se corrija su relato (GUZMÁN-RUBIO, 2011, p. 117). UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 6 Nesse sentido, a experiência vivenciada em terras hispano-americanas foi contada pelo olhar de quem esteve naquele contexto. Isso, pressupõe um olhar individual, um ponto de vista ideológico de alguém que não foi um habitante autóctone e escreveu com um estilo literário europeu. Tanto a carta quanto o diário de viagem carregam consigo dados precisos que remetem à temporalidade, isto é, há uma precisão cronológica e delimitação temporal exatas, de acordo com Guzman-Rubio (2011). Podemos nos localizar na época em que está narrada aquela história, e por isso esses gêneros são mais fiéis ao caráter temporal. Assim, quando falamos em uma literatura deixada por um povo originário, é importante esclarecer sob qual ponto de vista está sendo analisado, uma vez que pode não coincidir com os demais escritos ou registros. Dessa forma, concordamos com León-Portilla (2012) quando sugere que, ao estudar a literatura dos povos americanos, é imprescindível fazer-se algumas perguntas, tais como: O que representava o livro para o habitante mesoamericano? (incluímos também outros povos originários), Como era a leitura dos conteúdos? Quais eram seus significados? Qual foi o impacto da conquista nesses livros? Como esses dois mundos, o velho mundo e o novo mundo, relacionavam-se e se inter-relacionavam com os textos? O encontro de dois mundos irá se traduzir em um choque cultural. Ainda longe de uma transculturação, a cultura europeia e a dos povos originários irão assimilar aspectos do outro, como os linguísticos, sociais e culturais, porém a cultura espanhola é a que irá se impor, principalmente pela língua castelhana. DICAS Para você conhecer um pouco mais sobre esses gêneros, indicamos buscar na internet as cartas que os escrivães e navegadores escreviam para os reis. Observe como são retratados os índios, a paisagem, as situações e os próprios europeus naquela época. Um exemplo são as primeiras cartas escritas por Cristóvão Colombo, que iremos abordar mais adiante o tema. Acesse o site: http://www.biblioteca.org.ar/libros/131757.pdf 2.1 OS MAIAS Os maias, que criaram seu império na América Central, legaram um conjunto arquitetônico e literário cuja preservação permite ainda que se aprecie e se entenda um pouco sobre este povo. O povo maia viveu na região denominada Mesoamérica, que hoje compreende alguns territórios do México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 7 A civilização maia resguarda ainda a presença na atualidade, principalmente na arquitetura (com suas monumentais pirâmides e plataformas cerimoniais), na história e nos traços fenotípicos de seu povo. A escrita deixada pelos maias é o único sistema quase totalmente decifrado dentre as demais civilizações mesoamericanas. Isto porque as primeiras inscrições desse sistema de escrita datam do século III a.C. e foi usada até pouco tempo depois da chegada dos espanhóis. Das características dessa escrita destaca-se o uso de logogramas complementados por um jogo de glifos silábicos, muito similares à escrita japonesa e bem distantes do alfabeto fonético espanhol. Alguns pesquisadores afirmam que a forma é muito similar à escrita egípcia, por utilizar desenhos similares ao hieróglifo. No entanto, o alfabeto maia não é similar ao alfabeto espanhol. A língua escrita maia estudada hoje em dia, mas que foi pioneira na América, consistia em uma mistura de aspectos da língua maia com o espanhol pós-conquista. Os livros que se conservam não são fáceis de interpretar, sobretudo pelo caráter mitológico e religioso, mas também contextual. Até mesmo os primeiros maiasque tiveram acesso a esses registros ou ajudaram a escrevê-los tiveram dificuldades de interpretar. No entanto, muitos pesquisadores concordam que uma marca estilística do texto é a inspiração poética e patriótica retratando ciência, religião e história da época. Com relação às produções literárias, muito pouco se tem notícia, mas o marco da literatura está nos Códices Maias. Códices, do latim, significa "livro", "bloco de madeira", “manuscrito”, são os objetos com os registros escritos de antigas civilizações. Os maias usavam para escrever um papel fabricado à base de fibras vegetais com capa de madeira. Muitos foram destruídos com o tempo e também pelos conquistadores espanhóis. Estuda-se comumente quatro relíquias: o Códice de Dresde, o Códice Tro-Cortesiano, o Códice Peresiano e o Códice Grolier, que se encontram respectivamente em Dresden (Alemanha), Madri (Espanha), Paris (França) e Cidade de México (México). DICAS Você pode saber mais sobre os CÓDICES a partir dos textos de Miguel León- Portilla, importante escritor e historiador mexicano. Ele aborda em seu livro enciclopédico Códices: los antiguos libros del nuevo mundo (2003) a escrita pré-hispânica e colonial de povos da Mesoamérica. O autor esclarece o que são códices, quem os fez, como se liam e como se classificam. Leia uma resenha sobre o tema: • BRISENO, María Elena. Códices: los antiguos libros del nuevo mundo. Anales del Instituto de Investigaciones Estéticas, México, v. 24, n. 81, p. 175-178, nov. 2002. https://bit.ly/2p1tPEr. Acesso em: 7 dez. 2018. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 8 Os livros de Chilam Balam, Popol Vuh e Los Anales de los Cakchiqueles foram escritos respectivamente em “maya yucateco”, “quiché” e “cakchiquel” utilizando o alfabeto latino trazido pelos espanhóis. Tras la conquista española, la tradición y la ciencia de los pueblos mayas fue transcrita de los textos originales pictográficos y del recuerdo memorizado a caracteres latinos en las diferentes lenguas de la zona. Así ocurrió con los varios libros del Chilam Balam, escritos en maya, y con el Popol Vuh, escrito en quiche (BELLINI, 1997, p. 39). Existe um códice da época da conquista, o Códice de Calkíni, e outros vêm sendo estudados, como a obra dramática El Rabinal Achí, escrito em quiché, que representa a rivalidade entre dois lugares, suas guerras, a captura e morte de um de seus guerreiros e o cotidiano. No próximo item veremos um pouco desse legado maia a partir do livro sagrado de conselhos, o Popol Vuh, que trata da essência e escrita maia da época. Sem dúvida, é um imenso registro dos primeiros povos mesoamericanos. DICAS DICAS Herbert M. Herget (Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, 1885-1955) foi um notável artista que trabalhou para a revista National Geographic. Ele fez ilustrações sobre o povo maia intituladas "Portraits of Ancient Mayas" (1935) e "Life and Death in Ancient Maya Land" (1936) retratando a sociedade, os hábitos e a hierarquia política. Você pode encontrar cada ilustração detalhadamente em: https://goo.gl/4hg3Z1. Além de documentários, sugerimos que você assista ao filme Apocalypto, de 2006. Foi escrito, produzido e dirigido por Mel Gibson em parceria com Farhad Sarfinia. O filme retrata um povo nativo americano antes da chegada dos espanhóis, especificamente sob o ponto de vista de um guerreiro. O filme teve muitas críticas por expor a violência, mas ao mesmo tempo justificada por conta dos ritos religiosos desses povos e o deslocamento de tribos por conta de guerras internas. Boa parte do filme é falado em maia iucateco. Acesse: https://archive.org/details/videoplayback_20160530 e confira! TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 9 DICAS Assista ao filme 1492, a conquista do Paraíso, de 1992, dirigido por Ridley Scott. É um longa-metragem épico e de aventura com Gérard Depardieu, Sigourney Weaver, entre outros atores. O filme trata da chegada de Cristóvão Colombo à América e como se deu essa ocupação. Disponível em: https://bit.ly/2SJiJ2P. 2.1.1 Popol Vuh O Popol Vuh é o livro de conselhos dos índios quichés (Popol significa “comunidade” ou “conselho” e Vuh significa “livro”). Foi transmitido pela língua oral até provavelmente o século XVI, e os primeiros registros escritos encontrados carregam certos traços de mestiçagem espanhola, embora tenha sido escrito por índios na língua quiché, com caracteres latinos. Isso quer dizer que embora tenha sido registrado na sua escrita, o livro ainda carrega fortes traços da língua oral daquele povo. A obra é um clássico da história universal. Digamos que é uma Bíblia Indígena semelhante à parte do que conhecemos hoje como o Gênesis. As narrativas apresentam diversas características de cunho histórico, religioso e mitológico do povo maia. O livro foi traduzido para o espanhol pelo padre Francisco Ximénez, pertencente à Paróquia de Santo Tomás Chuilá, atualmente Chichicastenango, Guatemala. A parte traduzida foi incorporada em outro livro que ele estava escrevendo, o Primer Tomo de la Crónica de la Província de Chiapa y Guatemala. A obra foi traduzida ao espanhol e a diversas línguas. A Ediciones Libertador tem impresso um livro intitulado Popol Vuh. Libro Sagrado de los Mayas. O livro resgata o verdadeiro compêndio da mitologia maia e de seu livro sagrado de conselhos. Facilmente se encontra uma versão na internet para leitura. Popol Vuh pode ser caracterizado por três partes. A primeira trata da história da criação do mundo e do homem. A segunda se refere às aventuras de personagens míticos como Hunahpú, Ixbalanqué e Ixquix e suas lutas com os gênios do mal, os senhores de Xibalbá. É importante considerar que deuses (maiores e menores), profetas e sábios se misturam com fábulas que envolviam animais, forças da natureza e outros símbolos da natureza, como árvores, fogo e céu. Essa parte, representativa e simbólica, foi tranquilamente interpretada nos estudos da língua quiché. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 10 FIGURA 1 – PORTADA DO LIVRO POPOL VUH FONTE: <https://goo.gl/oRVaWP>. Acesso em: 24 jun. 2018. DICAS Para conhecer um pouco mais da cultura maia, povo guatemalteco e do legado do Popol Vuh, acesse o link pertencente à Universidade Francisco Marroquín: https:// bit.ly/2D3q6PC. Especifi camente sobre a criação dos homens, o livro Popol Vuh narra a história da seguinte maneira: Primeira criação: os deuses criaram a Terra e a população de animais dando-lhes a cada um uma linguagem, mas como não foram capazes de pronunciar os nomes divinos, foram castigados por isso, destruindo sua “linguagem”. Segunda criação: esses deuses, chamados de construtores ou formadores, criam as fi guras humanas de barro que falam, mas lhes falta a habilidade de pensar. Não satisfeitos com essa fi gura, a igual que a primeira, resolveram destruí-las. Terceira criação: corresponde à fabricação de bonecos que lembravam a forma humana. Esses bonecos falavam e tiveram uma linhagem, mas como careciam de sangue, acabaram secos. Atribui-se esse estágio a uma espécie de ensaio da existência da humanidade sobre a Terra. Os utensílios de cozinha e os animais domésticos se revoltaram contra esses manequins e uma espessa chuva os destruiu. Os que sobreviveram fugiram para os montes convertidos em macacos. Quarta criação: depois de celebrar novo conselho, por fi m, os deuses fi zeram defi nitivamente o homem como o conhecemos: os primeiros pais da humanidade. Para isso, fortaleceram-no com alguns ingredientes-chave, como uma substância branca extraída do milho, para dar-lhe forma. Depois, TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 11 recorreram de desbravarem os espaços da Terra, agradeceram sua criação aos deuses, comprovando que tinham inteligência para compreender os segredos do universo. DICAS Veja a bela narrativa do Popol Vuh sobre o mito da criaçãoneste vídeo: El Mito de la Creación Maya Quiché, Popol Vuh, disponível em https://bit.ly/1JQ5eXq, ou leia a obra Popol Vuh na íntegra: https://bit.ly/2mAYgxU. FIGURA 2 – CENA DO MITO DA CRIAÇÃO MAIA FONTE: <https://bit.ly/1JQ5eXq>. Acesso em: 30 mar. 2019. Como podemos inferir, o Popol Vuh é uma obra de caráter simbólico, composta pela história do povo quiché, desde a Pré-História até a pós-vinda dos europeus. Aporta um material valiosíssimo porque não temos somente a história dos povos autóctones da América, mas temos também o legado que deixaram de conhecimento no campo das artes, ciências e cultura em geral. A linguagem do livro-conselho é metafórica, por isso as imagens são fundamentais para interpretar ou fazer analogias ao nosso tempo. A metáfora é parte do estilo de escrita usado para enriquecer a fábula, que tem como objetivo apresentar uma moral ou conselho. A linguagem do Popol Vuh é intrigante por explicar racionalmente o universo com imagens metafóricas, oferecendo assim uma das maiores riquezas semânticas dentre os escritos antigos. Talvez por essa razão é que a obra seja lembrada e estudada por sociólogos, historiadores, antropólogos e linguistas, porque aporta uma visão misteriosa de um povo originário a partir de uma linguagem poética. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 12 Em comparação, Popol Vuh foi colocado como obra emblemática igual às obras teogônicas da humanidade, por tal profundidade de ideias ao abordar gêneses e as deidades. Também foi comparada com grandes obras que registravam antigas epopeias da Índia e da Grécia, dado ao seu valor literário, a luta entre homens e a presença de divindades. A seguir está um fragmento da primeira criação: He aquí el relato de cómo todo estaba en suspenso, todo tranquilo, todo inmóvil, todo apacible, todo silencioso, todo vacío, en el cielo, en la tierra. He aquí la primera historia, la primera descripción. No había un solo hombre, un solo animal, pájaro, pez, cangrejo, madera, piedra, caverna, barranca, hierba, selva. Sólo el cielo existía. La faz de la tierra no aparecía; sólo existían la mar limitada, todo el espacio del cielo. No había nada reunido, junto. Todo era invisible, todo estaba inmóvil en el cielo. No existía nada edificado. Solamente el agua limitada, solamente la mar tranquila, sola, limitada. Nada existía. Solamente la inmovilidad, el silencio, en las tinieblas, en la noche. [...] Entonces vino la Palabra; vino aquí de los Dominadores, de los Poderosos del Cielo, en las tinieblas, en la noche: fue dicha por los Dominadores, los Poderosos del Cielo; hablaron: entonces celebraron consejo, entonces pensaron, se comprendieron, unieron sus palabras, sus sabidurías. Entonces se mostraron, meditaron, en el momento del alba; decidieron construir al hombre, mientras celebraban consejo sobre la producción, la existencia, de los árboles, de los bejucos, la producción de la vida, de la existencia, en las tinieblas, en la noche, por los Espíritus del Cielo llamados Maestros Gigantes (ASTURIAS; MENDOZA, s.d., s.p.). Não podemos deixar de mencionar outro livro marcante da Mesoamérica: o livro de Chilam Balam. Este livro se tornou conhecido por narrar o desespero dos indígenas frente à ocupação espanhola que foi, segundo o próprio livro, profetizada por um sacerdote. No entanto, cabe esclarecer que é uma obra contestada, já que houve diferentes escritores (e povos) com diferentes escritas nas primeiras décadas da conquista espanhola, criando assim outras versões. Não há um estilo ou gênero definido, já que comporta uma miscelânea de temas da história, medicina, religião, rituais, calendários, astronomia e artes. Digamos que é um tratado que registra o conhecimento e sabedorias maias da época. Ao que tudo indica, Chilam Balam foi escrito por sacerdotes maias que transcreveram os textos para hieróglifos em lugares sagrados e acrescentaram notícias dos conhecimentos de cada um desses locais. Geralmente eram consultados ou lidos em rituais específicos ou em ocasiões especiais. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 13 Os livros da pós-conquista não existem mais e os fragmentos literários encontrados são cópias do século XVI. Ainda assim são grandes registros que comportam um legado muito significativo para compreender não só a história, mas a literatura daquele povo. NOTA 2.2 OS ASTECAS Outro povo originário da região do México é o povo asteca, que se autodenominava mexica, em língua Náuatle. Esse povo se estabeleceu no centro do vale mexicano e guatemalteco que hoje compreende as regiões de Veracruz, Puebla, Oaxaca, Guerrero, Chiapas e parte da Guatemala. Pertence aos povos pré-colombianos da Mesoamérica e dominou grande parte deste território. A sociedade asteca considerava a hierarquia como base das regras do cotidiano. Ela compreendia desde os guerreiros a imperadores e sacerdotes. A vestimenta e o acesso a alimentos e bebidas se diferenciavam conforme o status social. Em certas ocasiões, a vestimenta mudava para representar os deuses em rituais religiosos. O povo asteca surpreendeu os colonizadores por seu desenvolvimento tecnológico em física, principalmente na observação dos astros (Sol, Lua, Vênus e, talvez, Marte). Nomeavam estrelas e constelações, conheciam a existência de cometas, a frequência dos eclipses de Sol e Lua e criaram um calendário bem complexo, incluindo prognósticos meteorológicos. Não é à toa que esse conhecimento também tenha permeado em seus registros escritos. O conhecimento sobre a natureza também propiciou a esse povo um amplo conhecimento em medicina, distinguindo propriedades curativas em diversos minerais e plantas. O povo asteca é conhecido por realizar o sacrifício humano (como retirada de membros e músculos) como oferenda aos seus deuses, o que denota o bom conhecimento em anatomia. As técnicas de cultivo de plantas e as técnicas de ourives permitiram a esse povo obter as mais significativas joias, materiais de adornos e de trabalho. Arte e técnica podem ser observadas nos resquícios arqueológicos em sua arquitetura rodeada de templos e espaços para os rituais. É bem certo que na atualidade pouco resta desse imenso legado arquitetônico, mesmo na Plaza de las Tres Culturas, atual capital do México e antiga Tenochtitlán, embora muitas escavações tenham nos presenteado com o pouco que sabemos do império asteca. Contudo, é possível observar o plano arquitetônico desde as rochas, pilastras e pirâmides, bem como o tipo de material utilizado. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 14 Os astecas já falavam uma língua semelhante ao náuatle mil anos antes da chegada dos espanhóis. A língua náuatle ainda é falada pelos indígenas atualmente e os resquícios da fonética podem ser encontrados no espanhol atual dessa região. A escrita misturava pictogramas, ideogramas e símbolos fonéticos, o que pode ser observado nos raros códices ainda presentes. Um deles é o Códice Borbónico, um dos poucos códices conservados antes da invasão espanhola de Cortés, em 1519, onde houve grande saqueio. De acordo com Léon-Portilla (2012, p. 66), “o código foi enviado à Espanha durante o período colonial, [...] as tropas francesas, durante a invasão napoleônica na Espanha, o levaram consigo como despojo”, para o Palácio Bourbon, em Paris. É um livro-calendário de duas partes: a primeira é o Tonalamalt, livro dos destinos, e a segunda é o Xiuhpohualli, o livro de calendário de festas. DICAS Você pode saber mais sobre o Códice Borbónico no link https://goo.gl/D2rGow. FIGURA – CÓDICE BORBÓNICO FONTE: <https://goo.gl/djC3qr>. Acesso em: 24 jun. 2018. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 15 Os poucos registros escritos existentes se baseiam na poesia. Dizemos de poucos registros não destruídos pelos espanhóis, porque, como bem sabemos, os astecas, embora resistentes à força bélica,sofreram com as invasões e a insistência da imposição cultural dos europeus. Você sabia? Os poemas eram recitados ou cantados (teocuícatl) ao ritmo de instrumentos musicais de percussão. Algumas vezes incluíam palavras com significado que serviam para marcar ritmo. Esses cânticos frequentemente eram dedicados aos deuses, mas também tratavam de outros temas, como amizades, amores, guerra, morte e vida. Especificamente, os cantos dedicados aos guerreiros eram chamados de Yaocuícatl. NOTA O que se sabe da produção literária dos mexicas é o que permaneceu na tradição oral, até porque somente alguns registros foram traduzidos para o alfabeto ocidental ou conservados tal como eram. Mesmo assim, esses registros ainda são uma incógnita por causa do estado de conservação ou porque parecem estar incompletos. Até mesmo o sacerdote Ángel María Garibay Kintana (1892-1957), um dos principais estudiosos da cultura mexica, e historiadores e antropólogos mexicanos, como Miguel León-Portilla, considerados grandes especialistas que procuraram entender a literatura náuatle não só na era Pré- colombiana, não tiveram tanta sorte com os resquícios deixados, embora tenha sido possível reacender todo o legado literário desse povo. 2.2.1 Netzahualcóyotl – Um Imperador Poeta Náuatle Netzahualcóyotl (1402-1472) de Texcoco, México, foi um poderoso imperador asteca, guerreiro, filósofo e um proeminente poeta. Famoso pela forma como defendeu seu reino e desenvolveu as artes, realizou grandiosas construções arquitetônicas. Na obra Cantares Mexicanos, Tomo I e Tomo II, edição de Miguel León- Portilla (2011), publicada pela UNAM e totalmente digital, são apresentados seus poemas em uma edição bilíngue, na língua náuatle e traduzidos para o espanhol. Leia os versos a seguir do imperador poeta traduzidos do náuatle para a língua espanhola pelo padre Ángel María Garibay (1892-1962), um importante pesquisador e referência para os estudos de poesia náuatle, assim como Miguel UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 16 León-Portilla (1926), ambos têm publicado e organizado livros e publicado os poemas com tradução para a língua espanhola, em que resgatam o valor da poesia pré-hispânica como integrante da literatura hispano-americana: ¿CAN NELPA TONYAZQUE? Língua Náuatle ¿A DÓNDE IREMOS? Tradução para o espanhol [...] ¿Can nelpa tonyazque canon aya micohua? ¿Ica nichoca? Moyoliol xi melacuahuacan: ayac nican nemiz. Tel ca tepilhuan omicoaco, netlatiloc. Moyoliol xi melacuahuacan: ayac nican nemiz. (Cantares Mexicanos, f. 70r) [...] ¿A dónde iremos donde la muerte no exista? Más, ¿por ésto viviré llorando? Que tu corazón se enderece: aquí nadie vivirá para siempre. Aún los príncipes a morir vinieron, los bultos funerarios se queman. Que tu corazón se enderece: aquí nadie vivirá para siempre. (Poemas, p. 9) QUADRO 1 – POESIA EM LÍNGUA NÁUATLE E A TRADUÇÃO EM LÍNGUA ESPANHOLA FONTE: <https://bit.ly/2COtRpr>. Acesso em: 1 abr. 2019. O poeta compartilha as suas inquietações no poema, reconhece que ele mesmo, um príncipe, está sujeito aos acontecimentos naturais. O poeta apresenta um desenvolvimento rítmico, os versos desenvolvem um tema universal em que a única certeza do poeta é a dor e a finitude da vida. Um tema universal e que pode ser visto tanto em poesia indígena ou na poesia do Barroco da Contrarreforma. 2.3 OS INCAS Os incas se adaptaram muito bem à geografia da cordilheira San Juan de Los Andes, na América do Sul. Essa adaptação está impregnada em sua história, modos de vida, política e tradições. Eles habitavam os territórios que hoje conhecemos como Peru, Equador, ocidente da Bolívia, norte da Argentina, norte do Chile e o sul da Colômbia. Há estudos que indicam a presença inca na dominação marítima da região, chegando possivelmente até a atual Polinésia, teoria que faz sentido com a presença de povos na Ilha de Páscoa, que fica entre o Chile e a Oceania. A teoria coincide também com histórias incas que dão nomes às ilhas polinésias. O povo inca é conhecido por sua rica história, influência artística, religião, arquitetura e cultura, mas também pelos mistérios deixados principalmente no Peru e na cidade sagrada de Cusco. Para se ter uma ideia, a arte inca data de 3.000 a.C. a 1.500 d.C., o que de fato se percebe por ditos resquícios. Mesmo após TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 17 a chegada do espanhol Francisco Pizarro, no ano de 1532, é perceptível a forte influência desse povo no artesanato, na arquitetura, na culinária e na oralidade. A tradição oral da cultura inca traz relatos interessantes, principalmente da evangelização indígena, marcada por muitos conflitos e imposições. Os casos mais famosos de que se tem notícias resultam do espanhol Francisco Pizarro e do índio Atahualpa, quando o desconhecimento dos europeus impôs o catolicismo de forma violenta ou criando “imagens cristianizantes” (LÉON-PORTILLA, 2012), que demonizavam as referências de mitos e lendas indígenas, como podemos observar neste relato: O capelão de Francisco Pizarro, frei Vicente Valverde, auxiliado pelo intérprete indígena, Felipe de Huancavilca, falou com o inca Atahualpa. Entre outras coisas, o frade lhe disse que vinha convertê- lo à verdadeira religião, pois nem ele, nem seus súditos, conheciam Deus. Atahualpa o interrompeu, respondendo que sabia a quem devia adorar, ao Sol e aos seus deuses: [...] Perguntou o dito inca ao frei Vicente quem lhe havia dito [o que tinha afirmado sobre um Deus muito grande]. Responde frei Vicente que o havia dito o Evangelho, o livro. E disse Atahualpa: Dá-me-o, a mim, o livro, para que me diga. E assim, foi-lhe dado e o tomou nas mãos, começou a folhear as folhas do dito livro. E disse o inca: O quê? Como não me diz? Nem fala comigo o dito livro! Falando com grande majestade, assentado em seu trono, o dito inca Atahualpa jogou o dito livro das suas mãos. A reação de Atahualpa diante do livro que nada lhe dizia trouxe consigo dramáticas consequências. O padre Velarde, que não só sabia o que era um livro, como também quis interpretar o ato de Atahualpa como um desprezo à Bíblia, exclamou: 'Aqui, cavalheiros, com estes índios gentios que são contra nossa fé"! Ignorar o que era um livro foi um bom pretexto para o ataque de surpresa que tinha previsto Pizarro, Atahualpa ficou preso como refém e, como bem sabemos pela história, nem todo o ouro que depois ele entregou a Pizarro serviu para salvar a sua vida (LÉON-PORTILLA, 2012, p. 20). Quando dizemos que o resultado do encontro destes mundos foi violento, diferente em diversos aspectos, não devemos nos esquecer de que o maior propósito era a captação das riquezas, principalmente o ouro por parte dos invasores. A saga do ouro levou ao descobrimento de outras áreas indígenas até aquele momento não exploradas pelos próprios conquistadores. O saqueio, como visto por historiadores e antropólogos, levou a uma modificação extrema não só no aspecto religioso da população indígena, mas também na economia, na cultura, na mestiçagem do homem branco com o indígena. Em outras palavras, a corrida ao ouro provocou devastadoras modificações e até genocídio de boa parte da população indígena. Observemos esse fragmento: Esplendores de Potosí el ciclo de la plata Dicen que hasta las herraduras de los caballos eran de plata, en la época del auge de la ciudad de Potosí. De plata eran los altares de las iglesias y las alas de los querubines en las procesiones, en 1658 para la celebración de Hábeas Christi, las calles de la ciudad fueron desempedradas, desde la matriz hasta la iglesia de Recoletos, totalmente cubiertas con barras de plata. En Potosí la plata levantó UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 18 templos y palacios, monasterios y garritos, ofreció motivo a la tragedia y a la fiesta derramó sangre y vino, encendió la codicia y desató el despilfarro. Convertido en piñas y lingotes,las vísceras de cerro rico alimentaron sustancialmente el desarrollo de Europa. “Vale un Perú” fue el elogio máximo de las personas o a las cosas desde que Pizarro se hizo dueño del Cuzco. Vena yugular del Virreinato manantial de la plata de América, Potosí contaba con 120.000 habitantes según el censo de 1573. Era una de las ciudades más grandes y más ricas del mundo, diez veces más habitada que Boston, en tiempos en que Nueva York ni siquiera había empezado a llamarse así (GALEANO, 2003, p. 37). Embora o fragmento pareça um relato desde a perspectiva indígena, não se difere muito dos outros tantos relatos extraídos dos textos que ficaram para a posteridade. 2.3.1 Os Quipus e os Quellcas (Quicas) Falar de como escreviam os incas é se aproximar também da sua língua originária: o Quéchua ou quíchua. De acordo com o Dicionário de Conceitos (2015, s.p.), Quéchua é um conceito “com vários usos, que partem de uma mesma referência” e que se remetem aos “povos aborígines que habitavam na Zona de Cuzco durante o processo de colonização do território que hoje pertence ao Peru”, mas também se pode afirmar que são os descendentes que vivem no Equador, Colômbia, Bolívia, Chile e na Argentina, principalmente nas zonas próximas às Cordilheiras dos Andes. A língua também confere identidade aos povos de etnias fincadas na Cordilheira dos Andes. A língua dos quéchua falada hoje contém resquícios daquela língua falada no período incaico, obviamente com suas variantes e influência do espanhol. De acordo com o Atlas Sociolinguístico de Pueblos Indígenas de América Latina (UNICEF, 2011), estima- se que 14 milhões de pessoas falem quéchua em suas diferentes variedades, embora seja difícil ainda de precisar um número exato, devido às várias condicionantes sociais, como localização geográfica, variantes linguísticas, comunidades linguísticas existentes, influência do espanhol sobre esses povos etc. NOTA Assim como muitas línguas originárias da América do Sul, o quéchua também trouxe sua história pautada na oralidade, tendo poucos registros escritos. Os registros orais que temos atualmente dão conta de dizer que a literatura inca continha poesia religiosa, narrações sobre o cotidiano, a natureza e lendas. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 19 DICAS Leia sobre o Atlas Linguístico da América Latina: O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apresenta periodicamente Atlas que buscam entender alguns povos originários, principalmente dos países emergentes. O Atlas Linguístico de América Latina de 2011 e de 2009 é um deles e contém um vasto material não só linguístico, mas também histórico e que visa atender aos direitos dos povos indígenas (documento firmado em diferentes países no ano de 2007). Acesse o link da UNICEF e confira esse importante estudo feito em dois tomos: https://uni.cf/2zXUZTv. Outros nomes que aparecem em muitos estudos da área são: Cristóbal de Molina, cronista cusquenho que transcreveu Fábulas y ritos incas (1573), o inca Garcilaso de La Vega (1539-1616) e o também cronista indígena Felipe Guamán Poma de Ayala, com a emblemática Nueva Crónica y Buen Gobierno (escrito entre 1600 e 1615), que traz a história e a sociedade pós-conquista. Um pouco mais adiante, falaremos um pouco mais sobre Guamán Poma de Ayala. O que se tem de registro oral foi traduzido por espanhóis pós-conquista e também por índios evangelizados, como Juan Santa Cruz Pachacuti Yamqui Salcamaygua ou Santa Cruz Pachacuti, defensor da Coroa espanhola e que escreveu Relaciones de Antiguedades de este reino del Pirú (1613). A obra se encontra digitalizada na Biblioteca de Espanha e no livro são escritos alguns trechos sobre a religião e a filosofia quéchua, além de alguns poemas da tradição oral. Veja uma amostra do fac-símile na figura a seguir: FIGURA 4 – FAC-SÍMILE DO LIVRO DE SANTA CRUZ PACHACUTI FONTE: <https://bit.ly/2NDJhDq>. Acesso em: 11 set. 2018. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 20 Como podemos perceber, a oralidade influenciou sobremaneira no registro e na memória desse povo, mas havia também registros escritos em sistemas próprios dos incas que, para muitos investigadores (como historiadores, antropólogos e linguísticas), tais registros estão nos quipus e para poucos estudiosos estão também nos quellcas (ou quilcas). O primeiro registro compreende um sistema de escrita semelhante aos ábacos matemáticos, e o segundo é o sistema de escrita adotado pelos incas de acordo com os últimos estudos. O desacordo entre os estudiosos está justamente na inexistência, em termos de textos literários originários, de uma literatura inca ou quéchua, seja uma literatura originária do povo ou em língua quéchua. Tal desacordo se sustenta porque os registros que ficaram são transcrições realizadas pelos espanhóis, a partir da tradição oral quéchua, que como também dissemos anteriormente, são registros escritos a partir de outra perspectiva, de quem observa e não de quem vivencia ou é nativo. Contudo, é graças a esses registros que hoje entendemos um pouco mais do que costumavam escrever e oralizar. Dentre os textos literários incas, deixados como referências, estão as poesias e poemas sobre a natureza (plantas, flores animais e o cotidiano de base agrícola) e também uma obra de teatro chamada Ollantay, de estrutura dramática adaptada ao estilo ocidental europeu, como explica Silva-Santisteban (2012, p. 1): Así como podemos considerar la Tragedia del fin de Atau Wallpa una pieza quechua indígena contaminada (por motivos históricos y culturales) con elementos occidentales; las piezas del teatro sacramental y religioso quechuas como Rapto de Proserpina y sueño de Endimión y El pobre más rico como dramas de completa enajenación cultural; el Ollantay podemos estimarlo una comedia de fusión cultural mestiza. Desde su publicación en 1853 por Johann Jacob von Tschudi como apéndice en su Die Quechua Sprache, Ollanta ha sido la pieza más difundida, editada y traducida de toda la literatura quechua. [...] Ollanta se inscribe, probablemente, como una de las creaciones más recientes de ese privilegiado conjunto de dramas quechuas escritos probablemente a partir de mediados del siglo XVII hasta el primer tercio del siglo siguiente, alimentados, sobre todo, por el teatro de Pedro Calderón de la Barca. Sua origem é bastante controversa, por sinal, tendo inclusive três diferentes teses de constituição. Contudo, todas concordam com os personagens e argumentos, sendo muito pouco modificada. Da história de amor presente na peça surge o inca Túpac Yupanqui. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 21 DICAS Você pode encontrar facilmente na Biblioteca Universitária Virtual do governo argentino uma versão ao castelhano de Ollantay, disponível em: https://bit.ly/2KPxj5L. Você pode ainda aprofundar sua leitura com o artigo: • SILVA-SANTISTEBAN, Ricardo. Ollanta: Drama Quichua en Tres Actos y en Verso / traducción del quechua de Constantino Carrasco (1876). Ed. Ricardo Silva-Santisteban. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2012. https://bit.ly/2SxwSjp. Acesso em: 1º dez. 2018. Ainda que estejamos falando de um texto que traz a voz do inca, é importante dizer que não se trata de uma literatura originária, mas sim de mestiçagem que apareceu por volta do século XVI, no período republicano peruano. É, portanto, uma literatura que não se pode caracterizar devidamente, já que mistura cantos, danças, ritos religiosos, lírica e até mesmo doutrinação, entre outros estilos e gêneros identifi cados na cultura europeia, mas que até então não haviam sido decifrados. FIGURA 5 – EXEMPLO DE QUIPUS FONTE: <https://bit.ly/2U7qwJ5>. Acesso em: 1º dez. 2018. Quando falamos de algo bem original, tratando-se do povo inca, estamos falando também dos quipus. Os quipus eram fi os coloridos amarrados de diversas formas e tamanhos,que serviam para contar mais que para signifi car ideias abstratas. As cordas com os nós variavam de tamanho, que podia ser de 20 até mil cordas. De acordo com alguns estudiosos, entre eles William Burns Glynn, os nós, nas cordas, indicavam quantidade, mas também poderiam indicar objetos e dali defendeu a sua tese de que havia uma linguagem secreta que indicava também fatos, situações e acontecimentos passados. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 22 De acordo com a tese de Burns, a escritura inca (pictográfica, epigráfica, nilalográfica) é também "acrofônica", ou seja, quando uma palavra guarda relação com outros critérios e estão relacionadas com os números e as dez consoantes encontradas por ele, muito similares à escrita do antigo Egito. Essa escrita, a qual também se encontra na grafia dos primeiros judeus (cuneiforme), verifica-se que não havia a predominância de vogais. Burns dá o exemplo de "Mando Capac" que se transcreveu como "mnk kpk" e nos nós quipus estaria representado pela contagem "397 787". FIGURA 6 – ADAPTADA DA OBRA DE ARTURO MALLMA CORTEZ, A ESCRITURA SECRETA DE LOS INCAS FONTE: <https://bit.ly/2Qkiivg>. Acesso em: 20 jun. 2018. De acordo com Bravo (2012, s.p.), Burns acredita que a cultura inca tinha um sistema de escrita de moldes geométricos e sustenta esta tese a partir dos tecidos incas, nas anotações de Garcilaso de La Vega e demais cronistas espanhóis que testemunharam essa forma de escrita: El profesor Burns ha descubierto un alfabeto incaico de diez consonantes, cada una de las cuales, en el orden correlativo, se corresponde con cada uno de los números del sistema decimal. Este investigador a través de la adecuada discriminación de las opiniones de los cronistas ha establecido, dentro de muchas conclusiones, dos importantes: la primera, que cuando los españoles decían que los naturales del Perú no tenían escritura, lo que querían decir era No tenían escritura como la de nosotros; y la segunda que en los lexicones confeccionados por los españoles, se encuentra una serie de palabras que sí indican el oficio y la actividad de escribir. Quillca: letra o carta mensajera, libro o papel. Quillcanigui: pintar o escribir. Quillcacamayoc: escribano y dibujador. Quillcamaytosca: envoltorio como las letras. Quillcayachak, el que sabe escribir. Quillcacacuna, las letras. Ainda de acordo com Bravo (2012, s.p.), o inca Garcilaso dizia que os Quipucamayoc, escrivães ou escritores, escreviam em “nós” todas as coisas que se referiam a número "hasta las batalles, cuántas embajadas había traído el inca y cuántas pláticas y razonamientos había hecho del rey", e acrescentou que “a su turno, el mismo Guamán Poma de Ayala agrega que los escribanos asentaban todo en el quipu con tanta habilidad que las anotaciones hechas en cordeles resultaban como si se hubiera escrito con letras”. TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 23 O que podemos concluir com o trabalho de Burns é a tentativa de entender a importância daqueles nós e o significado adicional que eles comportavam. De fato, se há registros para além da oralidade e há menções nos registros escritos dos espanhóis e dos índios evangelizados, algo a mais deve ter sido de suma importância. O que não fica claro na tese de Burns é como essa escrita não se desenvolveu ou se misturou com os demais registros escritos, principalmente os textos espanhóis. Talvez já saibamos a resposta: perdeu-se no tempo, sem a devida conservação, mas por alguma causa. Comprovamos tal assertiva corroborando com Bravo (2012, s.p.) ao finalizar sua análise dizendo que: Estos signos convencionales de escritura de base geométrica se configuraron porque también eran más fáciles de representar en los tejidos. Con razón cuando los españoles de la conquista entraban a un pueblo vacío, por la inminente invasión, encontraban: comida, oro, plata, objetos, vajilla, pero los tejidos los encontraban quemados. Primero porque allí se contenía y guardaba la historia del pueblo; y segundo, porque ello serán objetos mágicos y sagrados. Dos conclusiones: sí hubo escritura quechua; y, segundo, los quipus y la escritura geométrica se correspondían y eran lo mismo a efectos de la lectura realizada por los Quipucamayocs. Por certo, se havia uma escrita inca anterior ao período colonial, decerto os quellcas ou quicas eram os que mais se encaixavam. 2.4 OS GUARANIS Outro povo indígena que habitava a região sul da América eram os guaranis. De acordo com Melià (1990, p. 1), um pesquisador do povo guarani, “as evidências arqueológicas mostram que os guaranis chegaram a ocupar as melhores terras da bacia dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, e do sapé da Cordilheira”. Atualmente a língua guarani é falada no Paraguai e reconhecida como língua oficial junto ao espanhol. O fato de conservar uma língua nativa indígena reflete ao mesmo tempo a posse de uma identidade cultural, caracterizada pela preservação de uma tradição, herança de um povo originário. Ainda de acordo com Melià, os guaranis são agricultores, têm fartura e sabem trabalhar a terra. “O guarani é um aldeão. Há um povoado e uma casa nos quais se concentra sua vida social e política” (MELIÀ, 1990, p. 5). A vida do povo guarani era movida por ciclos fundamentados em uma cosmogonia religiosa. DICAS O filme A missão (1986), do diretor Roland Joffe, é um drama que recebeu diversos prêmios. O filme mostra o cotidiano de uma missão jesuítica na América do Sul, na terra dos guaranis e a luta pela sobrevivência de uma língua e cultura. No Youtube tem uma versão integral do filme, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=lsOpHh21oIc. UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 24 Eles desenvolveram a tradição oral como suporte para transmitir suas histórias para cada geração e dessa forma se manteve uma memória viva de sua cosmogonia e fatos relevantes, porém a chegada dos sacerdotes jesuítas e suas missões junto à imposição da língua espanhola modificam a forma como os guaranis registram seus mitos, lendas e fatos: La Contrarreforma, emulando a la Reforma protestante, impulsó no solo la introducción en América de La Biblia y otros textos religiosos en castellano, sino también su traducción a las principales lenguas indígenas. Pero hubo un gran control para impedir o restringir al máximo la utilización de esta lengua para difundir las literaturas indias. Así, por ejemplo, a pesar de que el guaraní fue el único idioma usado en las misiones y el principal medio de comunicación del Paraguay, ni una sola producción literaria de esa lengua se transcribió de la oralidad durante la Colonia. Existió, sí, una profusa literatura en guaraní impresa en las misiones de textos católicos que servían a los fines de la evangelización. Las misiones ayudaron a fijar la lengua para valerse de ella, pero vaciándola de sus valores originales (COLOMBRES, 2006, p. 158). Novamente o papel da tradução é sumamente importante, ao ser utilizada pelos exploradores espanhóis para registrar em língua espanhola as histórias orais do povo guarani. Por não ter um sistema de escrita desenvolvido ou semelhante, acabam registrando na língua do estrangeiro suas próprias histórias. DICAS Saiba um pouco mais sobre a língua Guarani disponível neste blog: https:// www.veintemundos.com/magazines/25-fr/. 2.4.1 Outros povos originários A formação da literatura hispano-americana começará a se formar a partir das primeiras letras escritas em solo americano, mas ainda: Una revisión de nuestras fuentes muestra que las diferentes regiones de los antiguos pueblos americanos de alta cultura han sido tratadas de modo muy desigual. Mientras que se han conservado muchos mitos y leyendas de los aztecas, de los mayas de Guatemala, de los muiscas y de algunas tribus del Perú, faItan representantes de otros grandes pueblos si no del todo, casi por completo (KRICKEBERG, 1971, p. 12). TÓPICO 1 | O LEGADO DOSPOVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 25 Esta afirmativa se constata ao se realizar pesquisas mais extensas sobre os povos indígenas, como os aymara, mapuche, os cauca da Colômbia, e como realizaram o registro de suas histórias. A maioria dos povos originários utilizava a tradição oral como forma de manter sua história, o que os deixava extremamente vulneráveis no caso de extinção da tribo ou do sincretismo. Sites como YouTube e Vimeo trazem muitos documentários de vários povos indígenas originários da América, nos quais relatam seus modos de vida antes da chegada dos conquistadores. Procure vê-los com muita reflexão e crítica para trabalhar seus próprios argumentos. Ao longo deste livro, nós também daremos dicas e sugestões de material audiovisual que possam complementar certas ideias acerca desses povos originários. 3 A EXPANSÃO DA COROA ESPANHOLA Depois da consolidação dos reinos, os reis começam a projetar novos empreendimentos e um deles era abrir caminho para uma expansão do comércio marítimo. A estratégia era buscar novas rotas para criar meios para ganhar mais e investir menos. Assim, neste cenário, Colombo terá a oportunidade ideal para mostrar seus planos e convencer os reis sobre a busca de uma nova rota marítima para o comércio das Índias. Tais decisões refletem diretamente nos registros escritos e, consequentemente, também nos registros escritos literários. Vejamos alguns fatos que marcaram a história. Revisite o Livro Didático de Literatura Hispânica I para retomar os períodos históricos. IMPORTANT E 3.1 ISABEL E FERNANDO – OS REIS CATÓLICOS Antes da unificação do reino da Espanha por parte dos reis católicos, Isabel e Fernando, “España vive una época en la que conviven árabes, judíos e hispanos, y en que lengua culta y poder clerical se ven unificados en el latín. Las lenguas vernáculas coexisten con las cultas, y cada una cumple sus correspondientes funciones” (PULIDO, 2014, p. 13). Para consolidar seu reinado, Isabel e Fernando expulsaram judeus e mouros de seus reinos. NOTA UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 26 FIGURA 7 – OS REIS CATÓLICOS, FERNANDO E ISABEL FONTE: <https://goo.gl/ziGcGm>. Acesso em: 10 jun. 2018. Ainda obrigaram os que ficaram à conversão forçada, o que criou uma nomenclatura nova para a composição da sociedade espanhola: cristãos velhos e cristãos novos. Os velhos eram os que já eram cristãos de toda uma vida, e os novos eram estes conversos à força e que muitos em segredo praticavam suas crenças. A conquista de Granada era estratégica como forma de solidificar o reino de Castela, com a vitória dos exércitos de Isabel e Fernando, um reino consolidado, se procede à unificação dos diversos reinos e se forma um Estado único, respeitando as línguas, porém estes reinos perdem sua autonomia administrativa, passando a responder perante os reis de Castela. Após a primeira viagem de Colombo, no seu retorno foi recebido pelos reis católicos que viajaram de Castela para o reino de Aragão; em Barcelona receberam o navegador que falou e mostrou objetos e artefatos que tinha levado do novo mundo. Seu relato sobre as descobertas causou uma grande impressão em seus ouvintes e foi decidido que Colombo viajaria mais uma vez e tomaria a posse das terras descobertas por ele em nome dos reis de Espanha. Os reis católicos, após os primeiros relatos, especialmente Isabel, demonstraram a preocupação com a evangelização dos “povos pagãos”, eles estavam convictos de que era uma missão a conversão dos povos originários e para isso enviaram sacerdotes que empreenderam uma conversão a qualquer custo e própria do pensamento da Contrarreforma, o pensamento religioso vigente da época. Um fator importante para a consolidação da Coroa espanhola foi o envio de padres junto às expedições para consolidar pela educação a soberania espanhola a partir da língua e da religião, e a Companhia de Jesus foi incansável nesta tarefa, estabelecendo suas bases em diversas regiões do continente americano: TÓPICO 1 | O LEGADO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ATÉ A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS AO NOVO MUNDO 27 A Companhia de Jesus foi fundada em pleno desenrolar do movimento de reação da Igreja Católica contra a Reforma protestante, podendo ser considerada um dos principais instrumentos da Contrarreforma nessa luta. Seu objetivo era tentar sustar o grande avanço protestante da época, e para isso utilizou-se de duas estratégias: por meio da educação dos homens e dos índios; e por intermédio da ação missionária, procurando converter à fé católica os povos das regiões que estavam sendo colonizadas (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, p. 172). Era uma preocupação por parte do próprio conquistador a conversão realizar uma tarefa de conversão religiosa junto aos povos originários. A importância de enviar padres para evangelizar os nativos e salvar suas almas a qualquer preço era a empresa mais importante, assim, os sacerdotes nem sempre entenderam a cultura local e cometeram diversas atrocidades. A rainha Isabel, ao escrever seu testamento no leito de morte, deixou explícito que os indígenas das Américas não deveriam ser escravizados, pois eram considerados cidadãos do reino espanhol. Você sabia? No dia 4 de maio de 1493, o Papa Alexandre VI emitiu as bulas Inter Caetera II e III, as quais concediam ao reino de Castela o direito de continuar as viagens marítimas em mares desconhecidos e a possessão de tudo o que tinha sido encontrado por Colombo. NOTA Ao priorizar o Cristianismo na conquista, houve um prejuízo sem conta de vidas humanas, nesse sentido, Todorov (1982, s.p.) comenta: “si alguna vez se ha aplicado con precisión a un caso la palabra genocidio es a éste”, e sem contar a destruição de códices, textos e objetos dos povos originários, pois no afã de destruir obras consideradas como pagãs, destruíram tudo que era julgado do “demônio”. Muitos destes objetos relatavam suas histórias e crenças, e o autor apresenta algumas hipóteses sobre a diminuição da população indígena: 1. Por homicidio directo, durante las guerras o fuera de ellas: número elevado, aunque relativamente bajo; responsabilidad directa. 2. Como consecuencia de malos tratos: número más elevado; responsabilidad (apenas) menos directa. 3. Por enfermedades, debido al «choque microbiano»: la mayor parte de la población; responsabilidad difusa e indirecta (TODOROV, 1982, s.p.). Efetivamente o papa concedeu aos reis católicos “el derecho para invadir, conquistar, subyugar y reducir a la esclavitud perpetua a las gentes descubiertas; la razón invocada para fundamentar tal derecho era la evangelización” (ALCARAZ, 1993, p. 10). Nesse sentido, a evangelização e o saqueio sistemático UNIDADE 1 | O PERÍODO COLONIAL HISPANO-AMERICANO 28 tinham iniciado assim que o conquistador colocou seus pés em terras americanas. Em outras palavras, aponta o genocídio como uma forma indireta de colonização, a partir da imposição de língua, cultura e religião estrangeira sobre os povos originários. 3.2 AS NAVEGAÇÕES, OS PLANOS E AS DESCOBERTAS MARÍTIMAS Fruto da vontade de expansão marítima, o ano de 1492 acabou por se tornar um marco histórico que mudaria a compreensão de mundo da humanidade. O total desconhecimento dos espanhóis sobre a existência do continente americano e o encontro com os povos originários acabariam por levar a um choque cultural que criaria inúmeras tensões. Assim, a história tem tratado a literatura como o período Pré-Colombiano, que se refere às produções artísticas dos que já habitavam o chamado novo mundo antes de 1492, e Literatura hispano-americana a partir da conquista espanhola, em que as primeiras letras produzidas no continente americano serão textos não ficcionais. A ficção viria posteriormente. A chegada do conquistador espanhol pressupõe a posse das terras ameríndias em nome dos reis católicos, Fernando e Isabel, com isso a cultura local passa a ser suplantada pela cultura espanhola,
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