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- -1 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA CRÍTICAS À ESCOLA MODERNA - -2 Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Saberá diferenciar as teorias crítico-reprodutivistas no campo da educação. 2. Explicar a proposta de desescolarização da sociedade. 3. Compreender as bases das teorias anarquistas e seus principais representantes no Brasil. As pedagogias liberais (tradicional, nova e tecnicista) fundaram o mito salvacionista da escola moderna, ou seja, de que através da educação teremos a superação da marginalidade social ou das desigualdades sociais. Contudo, cerca de dois séculos se passaram e a escola se demonstrou ineficiente em sua função, pois, os teóricos do liberalismo partem do princípio de que o problema não é da sociedade, mas sim da escola. O equívoco de tal pensamento está em compreender a educação como fator determinante da estrutura social e não como um fator determinado por esta. Em outras palavras, significa afirmar que se o problema da marginalidade não foi solucionado, a culpa é da escola e não de relações de poder e dominação de uma estrutura social desigual em sua natureza: uma sociedade dividida em classes sociais. Vale lembrar a frase emblemática de Adam Smith (principal teórico do liberalismo): “Educação sim, desde que em doses homeopáticas”. Pois, umas das artimanhas das relações de poder na sociedade moderna, foi o de oferecer uma escola e uma educação diferenciada, ou seja, uma modelo para as elites e outro para as massas. Nesta aula, veremos as críticas realizadas no século XX à escola moderna. Trata-se das teorias crítico- reprodutivistas elaboradas na França na década de setenta, como também, a proposta de desescolarização da sociedade de Ivam Illich. - -3 1 Teorias Crítico – Reprodutivistas Para Dermeval Saviani, as teorias crítico-reprodutivistas postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais. Em outras palavras, evidencia-se a total dependência da educação em relação à sociedade, sendo a marginalidade algo inerente à mesma. Tais teorias apontam, em última instância, que o papel da escola é a reprodução social, ou seja, a reprodução das relações de poder e de dominação típica de uma sociedade dividida em classes sociais. Contudo, se o mérito de tais teorias foi desmistificar o caráter de equalização social da educação, as mesmas não oferecem uma alternativa às propostas pedagógicas de caráter liberal. 2 Teoria do Sistema de Ensino Enquanto Violência Simbólica Bourdieu* e Passeron* Demerval Saviani salienta que esta teoria se caracteriza por tentar uma espécie de “explicitação das condições lógicas” pertencentes a todo e qualquer processo educacional, problematizando os fundamentos ideológicos da Escola a partir das relações simbólicas estabelecidas por esta em diversos níveis. Bourdieu e Passeron tomam, como princípio, o pressuposto de que a sociedade se constrói a partir de relações de "força material" entre grupos ou classes sociais dominantes e dominadas. Nesse contexto, o sistema de ensino, como se encontra estruturado, na contemporaneidade, é um mecanismo fundamental para mascarar tais relações de poder, ou seja, exerce assim a questão da "violência simbólica" ao coadunar com a manutenção do sistema de poder. Segundo eles: - -4 "Sobre a base da força material e sob sua determinação, erige-se um sistema de relações de força simbólica cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de . A “violência simbólica", a que os autores seforça material*" referem, espalha-se nos mais variados segmentos da sociedade, tais como: "formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa, jornais etc.; pregação religiosa; atividade artística e literária; propaganda e moda; *; etc”.educação familiar Por terem como objetivo a ação pedagógica institucionalizada, Bourdieu e Passeron explicitam que a ação pedagógica é uma imposição arbitrária da cultura dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominadas. Tal relação implica a existência de uma autoridade pedagógica, isto é, de "um poder arbitrário de imposição que, só pelo fato de ser desconhecido como tal, se encontra objetivamente reconhecido como *".autoridade legítima Segundo os teóricos franceses, o trabalho pedagógico é um "trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável; isto é, um habitus como produto da interiorização dos princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da ação pedagógica (AP) e por isso perpetuar nas práticas os *". princípios arbitrários interiorizados Portanto, a função da escola e da educação é a reprodução das desigualdades sociais, ou seja, a reprodução cultural contribui para a reprodução social. Segundo Saviani, o problema da marginalidade no interior desta teoria, refere-se aos grupos ou classes dominadas, ou seja, são marginalizados porque não possuem força material (capital econômico) e força simbólica (capital cultural). *Bourdieu: Sociólogo francês (1930-2002). “Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” é considerada uma das suas principais obras. *Passeron: Professor de sociologia da École des hautes études en sciences sociales. *força material: Dermeval Saviani. Escola e Democracia. Campinas (SP): Autores Associados. 2008: pág. 15. Edição comemorativa. *educação familiar: Idem. *autoridade legítima: Idem. * princípios arbitrários interiorizados: Bourdieu e Passeron: A reprodução: elementos para uma teoria de ensino. In: Dermeval Saviani, idem, pág. 16. - -5 3 Teoria da Escola como Aparelho Ideológico do Estado (AIE) – Louis Althusser* Althusser ao se propor analisar as relações de produção existentes na sociedade capitalista, compreende que o Estado é composto por dois aparelhos: os Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) e os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Os ARE's agem massivamente pela força e secundariamente pela ideologia, enquanto que os AIE's agem massivamente pela ideologia e secundariamente pela força, são eles: religioso, familiar, escolar, jurídico, político, sindical, da informação e cultural. Para Althusser, a ideologia tem uma existência material, ou seja, ela existe a partir de determinadas práticas materiais regulados por instituições materiais. Tanto que, considera o AIE escolar como sendo dominante, por se constituir como o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista. Para tanto, a escola inculca "saberes práticos" da ideologia dominante a todas as crianças de todas as classes sociais durante anos a fio. Portanto, esta teoria se caracteriza por advogar que a educação é um processo de ideologização da sociedade. Na análise de Saviani, esta teoria compreende que a escola ao invés de promover a equalização social acaba por se constituir como um mecanismo para garantir e perpetuar os interesses burgueses. Ressalta ainda que, marginalizada é, pois, a classe trabalhadora. * Louis Althusser Filósofo francês (1918-1990) de origem argelina. Althusser era, portanto, um pied-noir, termo: que significa literalmente "pé-negro" e é usado em francês para descrever a população francesa que vivia na Argélia e que se repatriou na França depois de 1962, ano em que a Argélia se tornou independente, naquilo que foi um longo conflito sangrento. No seu uso corrente em francês, pied-noir é quase um sinônimo de repatriado. Texto retirado do site: //pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Althusser. 4 Teoria da Escola Dualista – Baudelot e Establet Esses teóricos apontam para o caráter ilusório da “unidade escolar” e formulam seis proposições fundamentais. São elas: “Existe uma rede de escolarização que chamaremos rede secundária-superior" (rede S.S.) 1. Existe uma rede de escolarização que chamaremos de rede primária-profissional (rede P.P.). 2. Não existe terceira rede. - -6 3. Estas duas redes constituem, pelas relações que as definem, o aparelho escolar capitalista. Esse aparelho é um aparelhodo Estado capitalista.ideológico 4. Enquanto tal, este aparelho contribui, pela parte que lhe cabe, a reproduzir as relações de produção capitalistas, quer dizer, em definitivo a divisão da sociedade em classes, em proveito da classe dominante. “É a divisão da sociedade em classes antagonistas que explica em última instância não somente a existência das duas redes, mas ainda (o que as define como tais) os mecanismos de seu funcionamento, suas causas e seus *”.efeitos * efeitos: Baudelot e Establet, 1971, p.42. in: Saviani, 2008: p. 21. Os autores retomam o conceito de Aparelho Ideológico do Estado de Althusser que o define como “unidade *”.contraditória de duas redes de escolarização Portanto, advogam que a educação se processa mediante escolas subdivididas em dois grandes eixos que reproduzem a divisão social de classes da sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado. Além do que, um sistema dualista de ensino, como o nosso, qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado à ideologia dominante. Sendo assim, compreende-se que a escola exerce uma dupla função: a formação da força de trabalho e a inculcação da ideologia dominante. Cabe ressaltar que a inculcação ideológica se dá de duas formas concomitantes: difundir e inculcar a ideologia burguesa e impedir a organização e a difusão da ideologia proletária. Sendo assim, o papel da escola é o de reforçar e legitimar a marginalidade própria de uma sociedade dividida em classes sociais desiguais e, o marginal aqui, é o proletariado. *unidade contraditória de duas redes de escolarização: Pensador austríaco (1926-2002). Principal obra: Sociedade sem escolas, publicado em 1970. Fundou uma universidade livre na cidade de Cuernavaca, no México. 5 Desescolarização da Sociedade – A proposta de Ivan Illich* Além das teorias crítico-reprodutivistas tivemos o projeto de desescolarização da sociedade apresentada por Ivan Illich. Em “Sociedade sem escolas”, Illich faz uma crítica severa à institucionalização da educação nas sociedades contemporâneas. Em contraposição à educação institucionalizada, como algo ineficaz, defende à autoaprendizagem. Esta se apoia em relações intencionais de nossa estrutura social, da seguinte forma: - -7 A educação universal por meio da escolaridade não é possível. Nem seria mais exequível se tentasse mediante instituições alternativas criadas segundo o estilo das escolas actuais. Nem novas atitudes dos professores para com os seus alunos, nem a proliferação de novas ferramentas e métodos físicos ou mentais (nas salas de aula ou nos dormitórios), nem mesmo a intenção de aumentar a responsabilidade dos pedagogos até ao ponto de incluir a vida completa dos seus alunos, teria como resultado a educação universal. A busca actual de novos canais educativos deverá ser transformada na procura do seu oposto institucional: redes educativas que aumentem a oportunidade de cada um transformar cada momento da sua vida num outro de aprendizagem, de partilha e de interesse. Acreditamos estar a contribuir trazendo os conceitos necessários a quem realiza tais investigações sobre as grandes linhas na educação e também para quem procura alternativas para outros tipos estabelecidos de serviços. * Ivan Illich: Pensador austríaco (1926-2002). Principal obra: Sociedade sem escolas, publicado em 1970. Fundou urna universidade livre na cidade de Cuemavaca, no México. No trecho acima, fica evidente a seguinte tese: a desinstitucionalização da educação pode ser o ponto de partida para a desinstitucionalização da sociedade. Diante disto, cabe-nos a seguinte pergunta: de que sociedade Illich está falando? Vejamos alguns aspectos desta sociedade: 1 – Aprofundou a divisão social de classes e criou a divisão social do trabalho, ou seja, a divisão entre os que pensam (especialistas) e os que executam (executores de tarefas). 2 - Implantou a racionalidade científica e tecnológica no mundo do trabalho e da produção tornando a ciência uma força produtiva, ativa, aplicada. Portanto, como mais uma forma de dominação. 3 - Instituiu um novo modelo de Estado, o Estado Moderno ou Estado-Nação, com uma dupla tarefa: a de criar uma unidade em uma sociedade dividida em classes sociais e, para tanto, difundiu a ideologia da religião cívica do patriotismo, e, a de regular as relações políticas, econômicas e sociais segundo os interesses do sistema capitalista de produção. 4 – Difundiu, através do Estado e da *, a ideologia da liberdade e do individualismo. AfirmandoSociedade Civil que somos seres livres para ir e vir, se expressar e etc., mas, ao mesmo tempo, desenvolveu mecanismos de controle racional da vida humana. Tanto é, que a qualquer momento, sob uma determinada justificativa, quebra- se o sigilo bancário e telefônico em nome de uma ordem estabelecida. *Sociedade Civil: Principalmente através dos meios de comunicação de massa (rádio, TV, cinema, jornais, etc.). Sobre este item cabem dois comentários: - -8 A) No século XXI é comum ouvirmos dos especialistas das diversas áreas, principalmente da área de administração e, mais especificamente, dos “Recursos Humanos”, termos que camuflam as relações entre capital e trabalho na atualidade. Um bom exemplo disto é o uso do termo colaborador ao invés de trabalhador e que a razão deste existir é o mercado de trabalho. B) Tanto é que se difunde a ideologia do individualismo com novas roupagens, tais como: sucesso pessoal e marketing pessoal, entre outros. Contraditoriamente, afirmam que o trabalhador de hoje, para ter espaço no mercado de trabalho, tem que ser flexível, participativo, saber trabalhar em equipe e tomar decisões, como também, de vestir a camisa da empresa. 5 – Desenvolveu uma lógica de racionalidade no mundo do trabalho e da produção que muito das suas consequências são conhecidas: guerras, fomes, desastres ambientais e etc. Tanto que atualmente fala-se em desenvolvimento sustentável. Cabe-nos perguntar: Para quem? Para que? Como? É possível numa lógica em que a finalidade da relação do homem com a natureza é a reprodução do capital um desenvolvimento sustentável para todos? 6 – Difundiu a ideologia da luta do bem contra o mal, proclamando a guerra do Iraque, em nome dos interesses econômicos dos produtores de petróleo. Illich critica o modo de vida das sociedades industrializadas avançadas e deposita suas esperanças nos países em via de desenvolvimento. Além disso, admite que a vida em sociedade não seria possível sem as instituições, mas faz a seguinte distinção: as instituições manipulativas (instituições vigentes) não estão a serviço das pessoas, mas contra elas e defende as instituições conviviais, que seriam interativas, por permitirem o intercâmbio entre as pessoas com a condição de que todas mantenham sua autonomia. Illich coloca a escola em dúvida no que se refere a sua tarefa: a de educar, pois, o modelo de escola de nossa sociedade é manipulativa e, portanto, totalmente dispensável. Críticas à Illich Brevemente, podemos apontar as seguintes críticas: a) não reconhece a contribuição das teorias progressistas no século XX no campo da educação; b) sua crítica não é propriamente política, já que não questiona as causas das divisões sociais que tornam perversas a técnica e as instituições; c) não reflete sobre o conteúdo das instituições; d) à dimensão idealista de seu projeto, que despreza análise mais profunda dos conflitos sociais. Teorias anarquistas* - -9 O movimento anarquista defende a existência de modos alternativos de organização voluntária, cooperativa e participativa em oposição ao aparelho estatal, considerado nocivo e desnecessário. Assim, recusam o Estado, a Igreja e qualquer instituição que impossibilite o desenvolvimento da emancipação do homem. Os anarquistas criticam a democracia parlamentar, representativa, e fazem uma defesa em torno de uma democracia direta em que as assembleias seriam convocadas por necessidade e os seus delegados teriamtempo limitado em seus mandatos. Pregam o fim da propriedade privada dos meios de produção, que seria substituída pelas organizações de sujeitos livres em empresas dirigidas coletivamente (veja o caso das cooperativas), anulando toda e qualquer hierarquia e imposição da autoridade. Assim, propõem a autogestão que terá grande impacto na educação. Vejamos o que tem a dizer Silvio Gallo sobre a autogestão nas escolas: "No paradigma anarquista, a educação pública não é e nem deve ser uma função do Estado, mas sempre uma responsabilidade da comunidade, da sociedade. Assim, cada grupo social deve autoorganizar-se para constituir um sistema de ensino, definindo-lhe os conteúdos, a carga horária, a metodologia, os processos de avaliação, etc., sempre num regime de autogestão". In Maria Lúcia Arruda Aranha. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, pág. 248. Aqui no Brasil, podemos apontar os seguintes representantes desta vertente: José Oiticica (1882-1957), Maurício Tragtemberg (1929-1998), Silvio Gallo entre outros. *Teorias Anarquistas:Principais representantes: Joseph Proudhon (1809-1865), Mikhail Bakunin (1814-1876) e Pierre Kropótkin (1842-1912). O que vem na próxima aula Na próxima aula, você: • Saberá diferenciar as bases teóricas das tendências libertária e libertadora no campo da educação. • Conheceu o legado de Paulo Freire. • Refletiu sobre as obras Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia. CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Analisou as críticas realizadas à crença na escola como equalizadora social, ou seja, de que através da educação seria possível superar o problema da marginalidade social. • Compreendeu as bases teóricas que sustentam as chamadas teorias crítico-reprodutivistas elaboradas na França na década de 70. • Conheceu as idéias de Ivan Illich ao propor uma desescolarização da sociedade, como também, de • • • • • • - -10 • Conheceu as idéias de Ivan Illich ao propor uma desescolarização da sociedade, como também, de algumas críticas feitas a este projeto. • Conheceu a proposta do anarquismo para a educação. • • Olá! 1 Teorias Crítico – Reprodutivistas 2 Teoria do Sistema de Ensino Enquanto Violência Simbólica Bourdieu* e Passeron* 3 Teoria da Escola como Aparelho Ideológico do Estado (AIE) – Louis Althusser* 4 Teoria da Escola Dualista – Baudelot e Establet 5 Desescolarização da Sociedade – A proposta de Ivan Illich* O que vem na próxima aula CONCLUSÃO
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